terça-feira, 23 de maio de 2023

"Menino": um trecho de A Quinta Estação

"Desceram em Klosters; ali esquiava a família real da Inglaterra, as ruas estavam brancas como num filme de Natal. Uma súbita nevasca escureceu o tempo; Vitor sentiu o frio cortante secar-lhe a boca, escorreu o nariz. Andaram abraçados pela rua; Vitor tirou as luvas para pôr as mãos na neve pela primeira vez na vida. Andaram até que o frio os congelou, suas roupas não eram suficientes, no Brasil tinham comprado aquelas capas impermeáveis para chuva, ali não serviam sequer para os mendigos, correram de volta para a estação, chegaram ofegantes, esfregando as mãos, o rosto, como se estivessem fugindo de uma avalanche, mas felizes como crianças que fazem seu primeiro boneco de neve.

Tomaram o trem seguinte; passaram por Saint Moritz, contornaram o imponente Pitz Bernina, com sua ponta escarpada que feria o céu. Adriana passava os dedos pelos cabelos de Vitor, sob o boné em cujo forro escrevera “Juízo!!!”, assim, com uma tríplice exclamação. Tinha algo de maternal, ele se acostumara a ouvir Adriana chamá-lo de “menino” quando estavam na cama, depois de fazer amor, ele fazia uma segunda universidade, ela lhe ensinava coisas da vida, mostrava como lidar com os outros, em especial nos meandros do mundo do trabalho, tirava Vitor do mundo da inocência do qual viera, um pouco para abreviar-lhe dissabores do aprendizado por conta própria, muito para diminuir a distância que havia entre os dois. Tinha prazer em lhe passar sua experiência, como numa transfusão de sangue, queria fazê-lo mais velho rapidamente, afinal ele compreendeu a razão para Adriana querer vê-lo com rugas, nesse tempo eles seriam menos desiguais, ficariam mais próximos, seria mais possível aquele amor quando a realidade sobreviesse à paixão que os levava pelos desfiladeiros alpinos."

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