domingo, 31 de janeiro de 2021

Abel x Cuca: temos muito a aprender

A final de Palmeiras e Santos para mim foi decidida pelas lideranças. E foi uma aula de liderança.

Ambos os técnicos entendem de futebol e armaram bem o jogo para a final, que assim foi equilibrada, quase sem emoção, como um jogo de xadrez, até o final. O que decidiu o resultado foi a postura de cada treinador.

De um lado, o português Abel Ferreira. Com o uniforme do time, mais profissional, ele se coloca como um orientador dos jogadores, amigo, racional e ao mesmo tempo afetivo.

Do outro, Cuca. Usa uma camiseta de Nossa Senhora, como se o jogo dependesse de algum milagre. Parece mais um pai de santo que um técnico de futebol.

Ao esconder a bola que saiu para a lateral, tentando retardar o jogo aos 53 minutos do segundo tempo, foi punido pela malandragem com o cartão vermelho.

Na saída do tumulto, o Palmeiras, o time do técnico que não catimba o jogo, mais concentrado, conseguiu um lance perfeito. Fez o gol na hora H e foi campeão.

O esperado milagre mudou de lado? Creio que não. A postura favorece a ação.

Cuca é um grande técnico, um ser humano caloroso e uma pessoa de boas intenções. Mas sua postura na final prejudicou o time e a ele mesmo.

Nesses detalhes, dentro de uma competição tão equilibrada, se decide o destino. O técnico mais experiente foi o que mais teve a aprender com essa lição.

Já Abel é uma grata surpresa para o futebol brasileiro, assim como os jovens promovidos da base palmeirense, que, além de qualidade, mostraram ter estrela de campeões.

O jovem treinador português articula muito bem, é inteligente, aplicado, e se permite também ser emocional. Tem todos os ingredientes de uma liderança construtiva.

E ainda é humilde e realista. Ao chegar, admitiu que não tinha grande experiência e não fugia do fato de nunca ter ganhado um título.

Pois agora tem um. O mais fera, por sinal. 

Abel disse que no Brasil se tornou um treinador melhor e que aprendeu muito no confronto com o técnico do River, a quem dedicou seu novo estágio. 

Enfim, mostra a postura de alguém cuja principal qualidade é não fugir dos problemas, e sim encará-los e melhorar. Sem jogar responsabilidade para outros nem desmerecer ninguém.

Um bom exemplo do tipo de gente que produz um país onde há educação - mãe da sobriedade, do equilíbrio e do profissionalismo. Com quem nós, brasileiros, temos também muito a aprender.

sábado, 9 de janeiro de 2021

Conversa de adulto sobre crianças

Antigamente os pais não dividiam seus problemas com os filhos, especialmente assuntos de relacionamento. Era "conversa de adulto".

Mesmo a geração libertarista dos anos 1960, que fez uma grande revolução nos costumes, não mudou isso. Só fiquei sabendo de uma série de problemas de meus pais, por exemplo, quando já era, eu também, adulto.


Havia nisso um sentido de proteção, de preservar as crianças e a família. Hoje, penso que esse isolamento em relação aos problemas dos adultos deu à minha geração uma certa inocência. E não nos protegeu de nada. Ao contrário.

Acabamos descobrindo os problemas por conta própria, aprendendo com nossos erros. Pior, quando nos tornamos pais, ficamos também sem saber como lidar com essas coisas diante dos nossos filhos.

Concluo hoje, depois de muita ruminação, que começamos - eu e muitos da minha geração - a pensar sobre relacionamentos muito tarde, talvez tarde demais. E que isolar demais as crianças da realidade dos adultos não as protege, apenas ajuda a mantê-las mais despreparadas para o futuro.

Nunca fui muito a favor de tratar crianças de forma protetiva ou condescendente. Creio que nunca conversei muito com meu filho como se fosse criança, desde pequeno. Nunca fui de falar com ele feito bebê (papá casa agora, dã...). Nem me furto a discutir agora assuntos de adulto, da forma como penso, sem inventar uma "linguagem" ou um discurso para crianças, agora adolescentes, quando ele pergunta. 

Às vezes me questiono se isso está certo, mesmo. Ensinando é que a gente mais aprende. Mas escolhi esse caminho.

Estudamos e somos educados desde crianças para ter as ferramentas de trabalho. Porém, somos pouco educados para a vida afetiva, ou pelo menos para enfrentar seus problemas. Faltam as ferramentas.

Acho que uma criança merece o melhor do nosso entendimento, não o silêncio, nem uma resposta hermética, ou infantilizada. Crianças merecem respostas afetivas, tanto quanto racionais, que sejam sinceras e as coloquem no mundo real.

As crianças merecem entender as coisas como são. Isso não é ser contra o amor, nem contra a família. Entendo que elas precisam descobrir que é possível haver problemas mesmo quando há amor e afeto. E que problemas não eliminam amor e afeto. Ao contrário, é pelo amor que muitas coisas se resolvem.

Não podemos ter medo dos problemas nem de preparar crianças para enfrentá-los, quando forem adultos. Mas isso é o que eu acho. Gostaria muito de ouvir a opinião de psicólogos e outros profissionais dedicados ao assunto.

Sou apenas romancista, um investigador da alma humana, e não um cientista. Faço perguntas, sem sugerir respostas. Na minha própria vida, por vezes sigo mais a intuição que qualquer coisa que tenha lido ou aprendido. E vivo errando. Sei apenas que não posso deixar o coração insatisfeito.

Pensando bem, talvez eu seja romancista justamente por me sentir ainda inocente e despreparado para muito da malícia humana e das encrencas que a vida adulta nos apresenta. Não sei lidar ou lido mal com as imperfeições afetivas. Se o amor não é perfeito, parece que não há amor.

Francamente, essa é a fonte de muitos desastres. Gostaria de ter sido mais maduro para errar menos. E viver de coração satisfeito, mas não somente por lhe dar toda a liberdade, e sim tendo menos sofrimentos. É isso o que queremos para os filhos: que sejam felizes, que sofram menos. Mas resolvendo os problemas, e não se escondendo, como vítimas.

É possível aprender por conta própria, a experiência humana ensina, mas pode ser melhor quando temos um bom diálogo com os pais, o que depois de adulto pode ser feito com os filhos. Para mim, não há nada melhor que a verdade e a sinceridade, incluindo com as crianças. Elas são crianças, futuros adultos, e não bichinhos de estimação.

E, se queremos que sejam afetivamente seguras, é preciso que tenham estrutura emocional para lidar com a imperfeição do mundo real, onde se encontram, para grande tumulto, os corações.