sábado, 9 de janeiro de 2021

Conversa de adulto sobre crianças

Antigamente os pais não dividiam seus problemas com os filhos, especialmente assuntos de relacionamento. Era "conversa de adulto".

Mesmo a geração libertarista dos anos 1960, que fez uma grande revolução nos costumes, não mudou isso. Só fiquei sabendo de uma série de problemas de meus pais, por exemplo, quando já era, eu também, adulto.


Havia nisso um sentido de proteção, de preservar as crianças e a família. Hoje, penso que esse isolamento em relação aos problemas dos adultos deu à minha geração uma certa inocência. E não nos protegeu de nada. Ao contrário.

Acabamos descobrindo os problemas por conta própria, aprendendo com nossos erros. Pior, quando nos tornamos pais, ficamos também sem saber como lidar com essas coisas diante dos nossos filhos.

Concluo hoje, depois de muita ruminação, que começamos - eu e muitos da minha geração - a pensar sobre relacionamentos muito tarde, talvez tarde demais. E que isolar demais as crianças da realidade dos adultos não as protege, apenas ajuda a mantê-las mais despreparadas para o futuro.

Nunca fui muito a favor de tratar crianças de forma protetiva ou condescendente. Creio que nunca conversei muito com meu filho como se fosse criança, desde pequeno. Nunca fui de falar com ele feito bebê (papá casa agora, dã...). Nem me furto a discutir agora assuntos de adulto, da forma como penso, sem inventar uma "linguagem" ou um discurso para crianças, agora adolescentes, quando ele pergunta. 

Às vezes me questiono se isso está certo, mesmo. Ensinando é que a gente mais aprende. Mas escolhi esse caminho.

Estudamos e somos educados desde crianças para ter as ferramentas de trabalho. Porém, somos pouco educados para a vida afetiva, ou pelo menos para enfrentar seus problemas. Faltam as ferramentas.

Acho que uma criança merece o melhor do nosso entendimento, não o silêncio, nem uma resposta hermética, ou infantilizada. Crianças merecem respostas afetivas, tanto quanto racionais, que sejam sinceras e as coloquem no mundo real.

As crianças merecem entender as coisas como são. Isso não é ser contra o amor, nem contra a família. Entendo que elas precisam descobrir que é possível haver problemas mesmo quando há amor e afeto. E que problemas não eliminam amor e afeto. Ao contrário, é pelo amor que muitas coisas se resolvem.

Não podemos ter medo dos problemas nem de preparar crianças para enfrentá-los, quando forem adultos. Mas isso é o que eu acho. Gostaria muito de ouvir a opinião de psicólogos e outros profissionais dedicados ao assunto.

Sou apenas romancista, um investigador da alma humana, e não um cientista. Faço perguntas, sem sugerir respostas. Na minha própria vida, por vezes sigo mais a intuição que qualquer coisa que tenha lido ou aprendido. E vivo errando. Sei apenas que não posso deixar o coração insatisfeito.

Pensando bem, talvez eu seja romancista justamente por me sentir ainda inocente e despreparado para muito da malícia humana e das encrencas que a vida adulta nos apresenta. Não sei lidar ou lido mal com as imperfeições afetivas. Se o amor não é perfeito, parece que não há amor.

Francamente, essa é a fonte de muitos desastres. Gostaria de ter sido mais maduro para errar menos. E viver de coração satisfeito, mas não somente por lhe dar toda a liberdade, e sim tendo menos sofrimentos. É isso o que queremos para os filhos: que sejam felizes, que sofram menos. Mas resolvendo os problemas, e não se escondendo, como vítimas.

É possível aprender por conta própria, a experiência humana ensina, mas pode ser melhor quando temos um bom diálogo com os pais, o que depois de adulto pode ser feito com os filhos. Para mim, não há nada melhor que a verdade e a sinceridade, incluindo com as crianças. Elas são crianças, futuros adultos, e não bichinhos de estimação.

E, se queremos que sejam afetivamente seguras, é preciso que tenham estrutura emocional para lidar com a imperfeição do mundo real, onde se encontram, para grande tumulto, os corações.

Um comentário:

  1. Thales, sou psicólogo e concordo contigo. Acredito apenas que a cada etapa a criança interage com e responde a (e poderíamos dizer entende) certos signos de maneira mais fácil. Este é o precisamente o ponto da fala do bebê. É aquela ideia de ajoelhar-se para falar à altura da criança. Mas isso não significa mentir nem esconder, nem significa que ao jogar xadrez devamos fingir que temos a idade ou a capacidade mental dela, nem deixá-la ganhar para vê-la se sentir bem com uma vitória falsa. Na verdade a parentalidade tem um espectro de ação adequada que varia muito. Mas eu também aprecio que se inclua as crianças e os adolescentes nos assuntos da vida, ruins que sejam. Não tem outro jeito de preparar para a vida adulta. Evitar isso é precisamente falhar em preparar.

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