quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Um eletrizante voo pela história


Wendy Fernandes Evangelista e Fernando Alves de Lima e Silva se aproximam da produtora de cinema Joana Henning, no hall dos cinemas Multiplex, no shopping Eldorado, onde tinham acabado de assistir à pré-estreia do filme O sequestro do voo 375, na noite da terça-feira, dia 5. Conversam com Henning e, chorando, os dois se abraçam.

Ambos tiveram suas vidas tragicamente ligadas pela história real narrada no filme. Fernando é filho do piloto Fernando Murilo e Silva, que comandava o voo, falecido em 2020, aos 76 anos de idade. Wendy é filha do copiloto Salvador Evangelista. Tinha oito anos quando seu pai foi morto com um tiro na cabine, quando respondia ao chamado da torre, pelo sequestrador do voo, Raimundo Nonato.

- Se ninguém mais visse o filme, teria valido só por isto - digo a Joana.

- É o spin off - diz ela, com um sorriso.

O sequestro do voo 375 é antes de mais nada uma história humana, a começar pela do piloto Fernando, um herói brasileiro de verdade, desses que são colocados pelas circunstâncias diante de decisões em que a própria vida deixa de ser o mais importante.

O filme assume os relatos dos passageiros, expondo também as versões oficiais sobre tudo o que aconteceu - a do governo e da companhia aérea. Lembra a constrangedora tentativa de acobertar a verdade, típica dos governos covardes e atrabiliários, que carregam ainda muito mais os esqueletos do passado que o embrião do futuro.

Aponta, mais especialmente, que material de imprensa sobre o sequestro foi encontrado nas cavernas do Afeganistão onde havia se abrigado Osama Bin Laden. Sugere que o líder da Al Qaeda estudou o caso brasileiro, no planejamento do sequestro de voos civis para lançar seu ataque às torres gêmeas, em Nova York, assim como o Capitólio e o Pentágono, em 11 de setembro de 2001.

O que Bin Laden aprendeu com o caso brasileiro é que o fator que impediu a execução do plano de sequestro foi justamente o piloto. Como relato em meu livro A Era da Intolerância, o líder da Al Qaeda decidiu treinar os próprios terroristas kamikazes para pilotar os aviões, de modo a assumirem o comando do voo. Não podiam, como Nonato, depender do comandante.

Fizeram cursos de pilotagem, com um detalhe, estranhado pelos instrutores. Nenhum deles compareceu às aulas finais, que versavam, justamente, sobre a aterrissagem.

A história do sequestro acaba sendo um filme de ação, mas é também um excelente painel de uma época. O sequestrador é algoz, mas também vítima - e quem viveu aquele período do Brasil sabe como foi difícil a saga da redemocratização. Foi também o de reeconstrução de uma nação arrasada pela prepotência política e o dirigismo econômico estatal, com suas consequências na vida de todos.

O desespero é a maior fonte do radicalismo e dos movimentos irracionais, que levam aos grandes desastres, tanto dos indivíduos quanto da coletividade. Nestes tempos em que os radicais novamente se levantam, o filme de Joana é, além de grande entretenimento, bastante oportuno.

Mostra que, assim como ocorreu com os instrutores de voo americanos, não podemos ficar indiferentes aos sinais do dia a dia, nem menosprezar aonde as crises podem levar. Um país civilizado e próspero é aquele que não precisa de heróis - embora eles existam e estejam entre nós.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

O Brasileirão e o que há de errado com o brasileiro












A gente, no Brasil, tem a estranha mania de falar mal da gente mesmo e de achar um lado negativo em tudo o que acontece. Voltamos ao complexo de viralatas, do qual Nelson Rodrigues escrevia, antes de o Brasil ser campeão do mundo pela primeira vez - quando o brasileiro, pelo menos no futebol, deixou essa mentalidade do subdesenvolvimento e passou a ser mais positivo e confiante. A repercussão do Brasileirão de 2023 mostra essa tendência para o catastrofismo, a inclinação para ver somente a desgraça, em vez do mérito. Circula agora na imprensa, nos bares, nas conversas dos torcedores a história de que foi o Botafogo que perdeu o campeonato, e não o Palmeiras que o ganhou. Um jornalista, que atende pela sigla de RMP, fez pouco caso do que teria sido a "arrancada" palmeirense. Disse que não foi arrancada, e sim queda do Botafogo, já que todo mundo se aproximou. Repete o que se fala em toda parte. Sempre é possível ver um copo meio cheio ou meio vazio, mas a inclinação do brasileiro para enxovalhar os derrotados, como um consolo ou conformismo com o derrotismo nacional, assim como desvalorizar os vitoriosos, que são apenas os derrotados de amanhã, é uma característica terrível da nossa personalidade coletiva. E que, diga-se de passagem, passa uma impressão falsa. O Palmeiras venceu o campeonato, não o Botafogo que o perdeu. Venceu numa arrancada com 8 vitórias em 10 jogos e a partir de um jogo memorável, que decidiu o campeonato, dentro dele mesmo uma arrancada heróica: a vitória no jogo decisivo contra o próprio Botafogo, por 4 a 3, com um gol no último lance, depois de estar perdendo por 3 a 1 e ainda ter um pênalti contra, aos 37 minutos do segundo tempo. Embora o Botafogo tivesse perdido um jogo para o Flamengo, depois de longa e impecável série de resultados, e de um primeiro tempo brilhante em que aplicou 3 a 0 no mesmo Palmeiras, a virada épica do time de verde não mudou apenas o jogo, como o campeonato. Ao buscar uma vitória que parecia impossível, o Palmeiras não apenas ganhou a partida, como mostrou que ganhar o Brasileiro também era possível. Nessa partida, o Palmeiras quebrou o espírito do Botafogo. O time que já foi o de Garrincha perdeu a confiança, de tal forma que não mais se levantou. Numa corrida final em que os competidores se aproximaram, faltou justamente o que o Palmeiras já tinha e passou a ter de sobra. Está acostumado a ser campeão, e, como mostrou aquele jogo no qual se impôs contra todas as probabilidades, sempre disposto a tentar o incrível. Antes colecionando vitórias, o Botafogo passou a esmorecer e ceder o placar no final dos jogos, tomando viradas ou deixando o adversário empatar nos últimos minutos, sem a força mental que compensa o cansaço, para assegurar a posição. O Palmeiras venceu porque foi melhor que o Botafogo e os outros competidores que tornaram o campeonato emocionante até o final, especialmente o Atlético Mineiro, o Flamengo e, um pouco mais atrás, Grêmio e Bragantino. Foi melhor no mais importante: na força mental, capaz de decidir disputas parelhas, numa competição decidida nos detalhes. Tecnica e taticamente, todos estavam no mesmo nível. Todos tiveram de alguma forma de se reiventar ao longo do campeonato: uns trocaram de técnico; o Palmeiras, de elementos importantes para a equipe, de forma a suprir a ausência de jogadores alijados da competição por contusões graves: Dudu, Menino, Roni. O Palmeiras achou forças no momento decisivo. Inclusive mais de um reforço: Endrick, um garoto de 17 anos que comandou um grupo de campeões na partida mais perdida e depois mais ganha da história palmeirense. Endrick deu sangue novo ao ataque, ao próprio time, e impulsionou o Palmeiras, enquanto outros ficavam pelo caminho. Essa é a maior virtude do carismático técnico Abel Ferreira. O português é um especialista em fortalecer seu time, não apenas tática e tecnicamente, como mentalmente. Trabalha sobretudo a força mental, que conta muito, sobretudo quando todo o resto é tão equilibrado. A virada sobre o Botafogo mostra a importância de uma mentalidade vencedora, forja de quem não desiste, e quem, mesmo quando perde, sai de cabeça erguida, sabendo que vencer de novo é questão de tempo. É o contrário do derrotismo brasileiro, que gosta de tripudiar sobre quem perde e desvaloriza não só o derrotado, como o vencedor. É uma autoimagem que não condiz com nosso país e desmerece a nossa gente. Quem leu A Conquista do Brasil, meu primeiro livro de história, sabe que o Brasil é resultado de uma arrancada não menos heróica e improvável. Somos a maior prova do mundo, na verdade, de que é muito possível conseguir qualquer coisa, quando a gente olha para o alto, e não para o chão.