terça-feira, 15 de setembro de 2015

Levy contra a Hidra de Lerna

A presidente Dilma Roussef saiu da sala de reuniões com o pacote anti-crise negociado com seu ministro econômico. Funcionário de carreira do Bradesco, o ministro Levy não apenas representa o sistema financeiro: ele é o sistema financeiro. É como se o Bradesco estivesse intervindo na economia. Os banqueiros não podem deixar que alguém acabe com o país onde ganham o seu dinheiro.

A missão de Levy no governo é desconstruir o que o PT fez nos últimos anos, para recolocar a economia nos trilhos. Começa com a tarefa gigantesca de eliminar o déficit de mais de 30 bilhões de reais. Para isso, ficou resolvido um grande corte nos gastos sociais, justamente o trunfo eleitoral do PT nos últimos anos. A isso soma-se o congelamento dos aumentos no funcionalismo público por sete meses. O corte de uma dezena de ministérios. E uma tentativa de arrumar o resto do dinheiro com a reintrodução de impostos como a CPMF, o que depende de aprovação do Legislativo.
Levy com Dilma: esforço para andar para trás

Na tentativa de salvar seu governo, Dilma fez a única coisa que podia fazer: cedendo ao ministro e quem ele representa, começou a remar contra a corrente do PT. Contraria seu próprio partido, mas faz a escolha de estar ao lado da maioria, para poder governar. Antes refém do PT, ela agora é refém do sistema financeiro e do PMDB, que manobra a maioria no Congresso. Dilma precisa disso para aprovar o pacote. E precisa do pacote para sair da inação e recuperar alguma governabilidade.

A presidente ficou entre a cruz e a caldeirinha. Com o programa do PT, que está levando à recessão brutal, ao desemprego e à inflação, tinha contra ela as grandes manifestações de massa e um princípio de debandada nas fileiras ministeriais e na base aliada no Congresso. Agora terá a resistência de seu próprio partido e as promessas de guerra do funcionalismo público federal, que ameaça uma onda de greves. Transformada em uma máquina petista, a criatura agora se voltará contra o criador.

Num cenário de recessão, é difícil imaginar quem receberá aumento de salário nos próximos sete meses. Todos na iniciativa privada sabem que já será feliz quem mantiver o seu emprego. A máquina pantagruélica que o PT alimentou, porém, é cega e surda. Infelizmente para Dilma, não é também muda.

A demagógica máquina burocrática do PT no governo cresceu com ramificações em estatais corrompidas, se espalhou pelos estamentos da administração pública até ONGs, autodenominadas "movimentos sociais", que são apenas organizações subsidiadas com dinheiro público para formar um pelotão pró-governo. Com isso, tornou-se uma verdadeira hidra de lerna. O ministro Levy terá de ser um Hércules para matar as seis cabeças e enterrar a última - que, segundo o mito grego, é imortal.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Um governo sem solução num país sem sabedoria

Brindes de champanhe, risos e alvoroço na quarta-feira passada, num almoço promovido por uma importadora num restaurante chique de São Paulo. Um breve interlúdio com a alegria, um parênteses na preocupação geral, um lembrete de como a vida poderia ser se não cometéssemos, nós brasileiros, tantos e enormes erros.

Os sinais de mais uma das pequenas mortes que este país já sofreu em sua curta existência: o governo anuncia o aumento da taxação do vinho para o fim do ano, mais uma das medidas inócuas para resolver a crise que se alarga, com demissões em massa e o desânimo que se espalha cancerigenamente dentro do próprio governo. Os ministros já se juntam à população desanimada com a perspectiva de uma gestão sem soluções, para si mesma e o país. A começar pelo homem que deveria propor saídas, o Levy, da economia, que nem queria o cargo, e dá todos os sinais de estar louco para ir embora.

Dilma: isolamento e falta de perspectivas
Aumentar impostos é uma medida inócua, porque no ambiente de crise aumentar os preços significa diminuir ainda mais as vendas e, por conseguinte, a arrecadação. O governo, que gastou descontroladamente nos últimos anos, e desperdiçou fortunas numa espiral de corrupção, não sabe como  tirar o país da queda livre. A presidente Dilma vai ficando isolada, não apenas do país, como na própria esplanada dos ministérios.

O governo Dilma vai ficando cada vez mais parecido com o de José Sarney, que já não mandava nada no fim de mandato, e teve seus últimos meses no cargo como uma via crucis, para ele e todo o país, à espera da troca de governo e de alguma mágica que restabelecesse a autoridade presidencial, colocasse a economia nos eixos e pusesse o Brasil novamente em direção a um futuro mais promissor. Sarney em fim de feira assinava decretos e decretos ordenando as mesmas coisas sem ser levado em consideração.

Na crise total, em que a inflação beirou 80% ao mês, Sarney deixou o cargo a um messias de direita egresso das urnas, chamado Fernando Collor de Mello, que também não soube o que fazer com o poder. Impôs um plano econômico draconiano, enquanto sua gestão mergulhava nos meandros de uma corrupção que parecia gigante naquela época, mas ainda era bolinho comparada ao Mensalão, Petrolão, Lava Jato e Pixuleco, os desmandos todos que estão transparecendo hoje aí à luz do dia.

Collor renunciou, mas não aprendeu a lição, e reentroduzido como senador figura aí novamente nos inquéritos como participante desses desmandos que prosseguem na vida pública brasileira como uma verdadeira maldição. Pior do que a crise conjuntural, a conclusão é de que o Brasil é um país sem sabedoria, à mercê de planos econômicos salvacionistas e artificiais, que sempre nos colocam nessa gangorra: um ciclo de crescimento fantasioso, baseado numa falsa distribuição de renda, a lambança na suposta riqueza, e depois o mergulho no abismo, que nos tira todos os avanços que pareciam ter sido alcançados, nos devolvendo à triste realidade.

Collor: renunciou, voltou e não aprendeu a lição
Aumentar impostos sobre o vinho, ou trazer de volta a CPMF, o imposto sobre transações financeiras, que nasceu para ser aplicado na área de saúde mas só serviu para cobrir o rombo das contas públicas, é apenas mais uma tentativa atrabiliária de remendar o que não tem remendo. O Brasil não terá seus problemas resolvidos sem sacrifício, mas é ilusão achar que sobretaxar os que são mais ricos é o caminho. Oprimir a iniciativa privada, aumentar o custo de vida da classe média consumidora, tirar mais emprego, aumentar a insatisfação geral são as únicas consequências da sobretaxação.

O que o Brasil precisa é de sabedoria. De um plano de quinze anos, que nos coloque num caminho seguro de crescimento sustentável, independentemente de quem esteja no poder. Hoje, esse plano significa primeiro limpar toda a máquina artificial criada pelo PT, seja pelo desaparelhamento do governo federal, inchado pelo perfil estatizante do petismo, seja pelo esvaziamento dos programas sociais que oneram toda a sociedade sem criar, de fato, riqueza - e, agora, são responsáveis diretos pelo rombo das contas públicas, o desemprego e a inflação.

Com esse ajuste, que sem dúvida tem de ser brutal, para nos recolocar pelo menos 12 anos atrás no tempo, o governo abriria novamente espaço à iniciativa privada para cuidar do que realmente pode promover o bem comum do brasileiro: um sistema de saúde eficiente e igualitário, que permita melhor atendimento tanto do mais pobre quanto da classe média, assim como um sistema educacional decente, que valorize o professor, e dê perspectiva da promoção dos trabalhadores a uma renda maior não pelo favor ou atestados de pobreza, e sim pela maior qualificação.

Nós precisamos nos livrar de uma vez por todas da demagogia e de seus arautos, com soluções reais, e não mentiras ilusórias que no final só levam de volta à crise, depois de uma festa a fantasia. Enquanto o governo distraiu o povo com suas moedas, acumulou-se o déficit onde ele precisaria ter agido.

Dilma parece ser a única a não ter percebido o próprio isolamento ou a gravidade da situação. Ou sabe, mas chora quietinha, no escuro, refém de um partido apodrecido, sem capacidade de ação. De uma forma ou outra, ela é mais uma passageira dessa nau no momento sem rumo que chamamos de Brasil. Se ela quiser se salvar, deveria começar a fazer ela mesma essa limpeza. Ter a coragem de ser, no governo, o anti-PT. Teria uma chance, talvez, de voltar a governar.

Precisamos invocar novamente as nossas forças, acreditar que estamos num país viável, capaz de resolver seus problemas com suas próprias virtudes. E, pela via democrática, que está na nossa raiz, criar coletivamente um novo projeto para o Brasil. Um plano honesto e competente, validado pelas urnas, sem demagogia, capaz de dar realmente algo melhor do que temos hoje às gerações futuras.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Tales Alvarenga e o círculo secreto

Ontem, conversando com uma amiga, relembramos Tales Alvarenga, editor de Veja, falecido em 2006. Reproduzo o que escrevi na época, não apenas para relembrá-lo, como para preservar este arquivo, que já andava meio no limbo dos meus alfarrábios virtuais. E também para recordar alguns princípios do jornalismo, que é sempre bom ter presentes.


Nova York, 08 de Fevereiro de 2006


Às vezes eu tenho a sensação de pertencer a um círculo secreto de samurais, que um dia serviram a um certo senhor feudal, mas depois se espalharam pelo mundo - sendo que alguns deles, como eu, se tornaram um tanto renegados. Apesar do tempo e da distância, ainda dividimos os mesmos códigos, usamos as mesmas armas, falamos a mesma linguagem. Uns empregam seus poderes para o bem, como acredito que eu ainda o faça, outros foram atraídos para o mal. Não importa de que lado se esteja, quando um desses ronins tomba a gente fica sabendo e, mesmo longe, como eu aqui em Nova York, ouve aquela voz tonitruante, que vem dos céus e em inglês: "There will be only one..."

Esse foi o brado que me estremeceu ao saber que morreu na sexta-feira passada Tales Alvarenga, diretor de Veja e Exame, um jornalista com quem convivi muitos anos. Tales era um dos guardadores desse código de fraternidade, que de alguma forma implicava um certo espírito de renúncia, para a dedicação integral a um bem indefinível. Ou apenas definível para quem experimentou virar madrugadas trabalhando na revista Veja, sobretudo em épocas passadas, quando esse esforço chegava ao limite físico, o que nos dava um sentido ainda maior de missão.

Esse código de gente abnegada, que trabalhava à custa da saúde e da vida familiar, proibida de buscar os holofotes, incluía jamais aceitar favores, compactuar com governos, dar as costas para a verdade, em nome da defesa do povo brasileiro. E, por mais pretensioso que pareça, acreditávamos ter esse poder (mesmo separados, ainda acreditamos).

Tales pertenceu a esse grupo de justos, que eu vi no seu esplendor, reunido na década de 1980 dentro de Veja, na redação talvez mais brilhante que a revista já teve em todos os tempos, quando o Brasil ainda lutava pela abertura política e econômica, essencial para o progresso. Era uma outra Veja, alinhada com os interesses do leitor, uma publicação em franco crescimento. O diretor de redação era José Roberto Guzzo; o diretor adjunto, Elio Gaspari; a redatora-chefe, Dorrit Arazim; os editores executivos eram Henrique Caban e Tales Alvarenga, então responsável pela Vejinha, que se tornava o segundo maior sucesso comercial da Abril, logo depois da revista-mãe.

Dos editores, todos assumiriam mais tarde postos de comando dentro da revista, na Editora Abril ou fora dela: Antonio Machado de Barros (economia), Paulo Moreira Leite (Brasil), Fernando Pacheco Jordão (internacional), Eurípedes Alcântara (geral), Mario Sergio Conti (variedades), Paulo Nogueira (Vejinha). Dias Lopes faria história na imprensa ao abrir a revista Gula. E havia grandes repórteres em todo o país, que não cabem neste parágrafo.

Eu começava a carreira e aprendi muito com eles todos, satisfeito de ter a oportunidade, após muito "rolar na lama", como se dizia no jargão de Veja, de entrar para a irmandade. E foi pelas mãos desse grupo que me tornei editor de Brasil, a seção mais importante da revista e uma das mais importantes do jornalismo brasileiro, com apenas 24 anos de idade.

De todo aquele grupo, Tales não era o mais brilhante, mas com certeza tinha qualidades incomparáveis - e a tenacidade lhe daria seu momento. Muitos acusaram-no de ter se tornado arrogante depois de assumir o comando de Veja, em 1997, mas só pode dizer isso quem não o conheceu. Ele não era arrogante, exatamente. Apesar de ter estudado filosofia, Tales se caracterizava por um certo desprezo pelos intelectuais, em quem não via nada construtivo, e pelos que se achavam poderosos em geral. Era um partidário do cidadão comum. Essa era sua maior qualidade: um tipo ostensivo, assumido e um tanto desafiador de humildade.

Graças a essa mentalidade, Tales em geral sabia melhor o que interessava o maior número possível de pessoas. O leitor de Veja podia não conhecê-lo, mas Tales conhecia bem o leitor: era gente como ele. Dava-lhe o que queria ler. Estava em posição de defender seus interesses.

Quando a economia e a política se tornaram mais estáveis, deixando de produzir as notícias sensacionais que levantam as vendas nas bancas, e a revista teve que buscar outros caminhos, esse foi o grande trunfo de Tales para uma nova fase de sucesso em Veja, que perdurou muitos anos. Na época, eu recomeçava a trabalhar na revista como repórter especial, respondendo diretamente ao Tales. Discutimos muitas vezes o que fazer. Eu sustentava que naquele tempo o interesse individual se tornara mais importante que as grandes causas coletivas, visto o sucesso dos livros de auto-ajuda. Era nisso que a revista podia investir.

Tales sabia escutar. E, como autor do plano, mandou-me executá-lo. "Está bem, então você vai fazer", ele disse. Criou uma seção sem nome, uma espécie de segunda Geral, chefiada por mim. Aumentou o número de sucursais para doze, de modo a mostrar mais o Brasil para o brasileiro, e colocou-as todas sob o meu comando. Toque típico de Tales, mandou diminuir os textos, cujo tamanho na opinião dele causava cansaço no leitor comum (ironizava sua própria instrução dizendo que a reportagem ideal era o "pirulito", a notícia de uma coluna).

Assim surgiu uma Veja que colocava em sua capa reportagens sobre problemas conjugais, o poder do cérebro e viagens à Disney, mais enxuta, dinâmica e com mais assuntos. Ao mesmo tempo, não deixava de ser a Veja de sempre, que ainda se destacava pela reportagem de denúncia e investigação.

No início de sua gestão como diretor de redação, foi Tales quem ordenou uma capa sobre quem era o deputado Sérgio Naya, símbolo de um Brasil que literalmente matava a classe média sob os escombros dos prédios que construía: a reportagem foi redigida e fechada por mim, com relatórios da reportagem em Brasília e do Rio de Janeiro. Pouco depois, Veja deu uma entrevista exclusiva com o "maníaco do parque", trabalho brilhante e ousado da equipe da editora executiva Laura Capriglione, que infiltrou uma repórter na cadeia e ouviu a confissão do criminoso. Foi também a equipe de Laura que esperou meses a fio para dar no momento exato, como um grande furo de reportagem, uma descoberta da medicina que revolucionaria a vida de muita gente: o Viagra. Tudo isso consolidou um novo patamar de vendas para Veja e a posição de Tales à frente da revista.

Foi a fase culminante de uma carreira longe das luzes, mas hiperativa. Tales participou ativamente da história do Brasil, desde os tempos da ditadura militar, quando se caracterizou como um especialista em política. Porém, mais que um repórter, era um "fechador": aquele sujeito que põe a notícia trazida pelos repórteres no papel e faz a revista sair.

Em geral, o "fechador" tem menos gosto pelo trabalho da rua, mas é mais pensador. Essa era a arte de Tales, no silêncio de sua sala de vidro, escrevendo como um conspirador. Podia parecer arrogante, com seu jeito de levantar o queixo: mesmo sendo baixinho, produzia a sensação de que olhava para você de cima para baixo. Nesse gesto talvez inconsciente, havia também uma atitude perante o mundo.

Descrente da política e nos homens, desconfiava de tudo, especialmente da índole dos governantes, que se achavam em cima, mas para os quais ele também olhava de cima para baixo. Levava seu ceticismo cortante do jornalismo para as coisas comezinhas da vida e as grandes também. A frase que melhor o definia, como agnóstico e um exasperado com os males que se multiplicavam, era essa: "se Deus existe, ele não interfere".

Como Deus se omitia, pensava Tales, cabia aos jornalistas fazer o melhor possível: lutar pela democracia, vencer a pobreza, destruir os larápios e a corrupção. Era uma missão superior, instituição em Veja. Algo que no círculo dos cavaleiros suplantava até mesmo a importância do patrão, como homem de negócios às vezes mais sujeito a contemporizações. Como todos em Veja, Tales fazia essa distinção: o papel do patrão era um, o do jornalista era outro. E ambos sabiam disso.

Em minhas duas passagens por Veja, nas quais acumulei alguns anos de convivência direta com Tales, como subordinado e depois amigo, ele sempre teve comigo um certo ar paternal, talvez por termos o mesmo nome, com a diferença de um H (provocador, Guzzo nos dizia que eu só tinha essa letra a mais que o Tales - e era uma letra muda). Mesmo assim, não me poupava do pior trabalho nem de certas crueldades que reservava aos seus colaboradores quando eles achavam que sua vida andava fácil - ou pretendia destruir a oposição.

Para mim, mesmo sem motivo, dizia: "mude de nome ou de comportamento". Na reunião de pauta de Veja, na minha hora de expor as ideias para a capa da semana, ironizava os conselhos que ele próprio me pedira ao ser promovido à direção, tornando público algo que dividíramos em território particular: "Vamos agora ouvir o Guaracy, que veio me dizer o que fazer no meu emprego". Passava descomposturas sempre depois de convidar uma testemunha, algo que não o ajudou a se tornar mais popular.

Porém, nada disso o desmerece. A vida em Veja era de muita pressão, o que ajuda a explicar certos exageros de comportamento. Tales não se aborreceria por me ver contando essas coisas. Era a favor sempre de mostrar o "outro lado", parte do código samurai, segundo o qual mesmo dos bons não se pode deixar de mostrar o lado ruim, um princípio da credibilidade defendido a qualquer custo. 

Tales era a favor de não esconder nada, nada mesmo, ainda que às vezes isso parecesse cruel. Certa vez, ele me mandou incluir no texto de uma reportagem o fato de um entrevistado ter me recebido em sua casa pelado, para mostrar o corpo coberto de feridas, resultado de obesidade mórbida, de modo a obter a complacência da revista. Foi o que fiz. Além, é claro, de desfiar os negócios escusos que realizava.

Depois que saí de Veja, de modo a ganhar o tempo necessário para escrever meus romances - um projeto pessoal -, encontrei Tales em várias ocasiões. A última delas, em Campos do Jordão, foi num seminário de intelectuais que se propunham dar soluções para o Brasil. Ele circulava por ali anonimamente, assistindo a tudo, atento. Jantamos juntos: comemos, bebemos, rimos, contamos histórias e ele me explicou que estava ali em busca de elementos na sua incansável campanha para desancar os discursos vazios. 

Tinha espaço privilegiado para fazê-lo, na coluna que mantinha nas duas revistas cuja direção acumulava, as mais influentes do país: a própria Veja e Exame. Por trás do eterno ceticismo, acho que alimentava também ainda a esperança de um mundo um pouco melhor, além dos antigos ideais.

Problemas ainda não muito esclarecidos, decorrentes de dificuldades respiratórias, tiraram a vida de Tales Alvarenga, 61 anos, na sexta-feira, dia 3 de fevereiro de 2006. Talvez ele dissesse, sobre a própria morte, que Deus não interferiu - mais uma vez. Deveria tê-lo feito, para benefício dos amigos a quem subtraiu o seu convívio, e do Brasil, que perdeu um sincero, competente e honesto defensor.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O superestrelado Amor e Tempestade chega à era digital

É estranho celebrar o fim de um casamento, mas o fim de casamentos geralmente abre perspectivas para um futuro mais duradouro. É o caso do meu romance Amor e Tempestade, cujo contrato com a editora Objetiva chegou ao termo, e ganha agora novo começo com a sua publicação inédita em e-book pelo selo Copacabana.

Nos seis anos em que o romance permaneceu na Objetiva, a venda foi excelente, sobretudo considerando-se que se trata de um livro brasileiro de mais de 300 páginas, que custava ao leitor 54 reais: cerca de 6 mil exemplares. Talvez tivesse sido mais, se a editora não estivesse já muito satisfeita com os lucros e, com um pouco mais de ambição, apostasse em mais reimpressões. É um livro com uma legião de fiéis leitores, que lhe deram 80% de aprovação com quatro e cinco estrelas no Skoob.

Durante todo esse tempo, assim como muitas editoras de grande porte, que não estão dando conta do recado do terreno virtual, a Objetiva sequer chegou a  produzir a versão digital da obra, que só agora é lançada no meio virtual. Por essa razão, a versão do livro em inglês chegou primeiro - Love and Tempest já se encontrava desde o ano passado na Amazon, Google Play, I-Tunes, além de Saraiva, Cultura/Kobo etc.

Para mim, é importante ver este romance na galeria das obras que, por meio do veículo digital, não sairão mais das prateleiras. Ele é resultado de um período importante de minha vida, quando morava em Nova York, e de meu trabalho. Eu me propus um ano de dedicação a um livro que, segundo pensava, ninguém mais poderia escrever, pela experiência, o tempo e o esforço de que necessitava. E escrevi.

O romance saiu como imaginei, daquele tipo como já não se faz comumente hoje em dia. É ambicioso, por retratar um período turbulento da História do Brasil. Grande, como pedia uma saga com toques picarescos, em que entram personagens históricos, como Lampião, o padre Cícero, o Marechal Rondon, os 18 do Forte e os integrantes da Coluna Prestes. E intenso, mesclando aventura, ação e romance às questões existenciais, especialmente sobre o significado da família e do heroísmo.

Amor e Tempestade me custou caro, não somente por esvaziar minhas reservas financeiras nesse ano de trabalho solitário na cidade mais cara do mundo, como fisicamente. Escrevi sua parte final literalmente em pé. Depois de meses a fio trabalhando de doze a dezesseis horas por dia ao computador, já não conseguia sequer sentar. Coloquei então o laptop em cima da prateleira de livros e continuei.

Em Nova York, quando escrevia Amor e Tempestade:
já não podia nem sentar
Quando vemos um livro, seja qual for, muita gente não imagina o esforço que há por trás. Muita gente acha idílico o trabalho do escritor, mas na maior parte do tempo ele é impiedoso, sacrificante e mal remunerado. Mas o resultado vale, por seu significado. Um romance de fôlego como esse representa muito, pelo empenho emocional que exige, seu envolvimento afetivo, o tempo que tomou, os valores que contém, suas ideias e mensagens.

Um livro fica bom apenas quando nos entregamos a ele de corpo e alma. Um romance leva tudo da gente, mas ele fica. Em Amor e Tempestade, eu dei realmente tudo de mim, até a última gota, o bagaço, o frangalho.  E agora ele é novamente dos leitores. Por um preço muito melhor que o do livro impresso (9,90). E à distância de uns poucos cliques, incluindo para a coleção dos fiéis leitores que já compraram o livro impresso e fizeram dele um romance superestrelado.

domingo, 23 de agosto de 2015

A era da ignorância

Vejo na internet um vídeo com entrevista da minha agente literária, Luciana Villas Boas, na qual ela afirma que a literatura brasileira perdeu espaço de influência na cultura brasileira. É verdade, mas o que vemos hoje com as redes sociais é um fenômeno ainda mais amplo, em que não apenas a literatura como a leitura - matéria prima para as ideias - perdem seu espaço, numa era em que a informação nunca foi tão farta.

A internet trouxe para o mundo contemporâneo um grande paradoxo. A era da informação, contraditoriamente, é também a era da ignorância. Graças à internet, ficamos sabendo como a civilização ainda é pobre - ontem vi um vídeo, por exemplo, de uma gincana na França em que um concorrente, entre quatro alternativas, cravou que a Terra gira em torno da Lua. Quem tem visto filmes franceses sobre educação sabe que até no país mais culto do mundo ela anda em baixa.

As pessoas se acomodaram - é mais fácil ver um vídeo ou distrair-se com bobagens na internet do que aprender algo construtivo. A mesma facilidade com que se faz compras de supermercado por meia dúzia de cliques faz também com que o ser humano deixe de pensar, tanto quanto de sair de casa. Ambas as coisas são importantes para aprender.

Já ouvi muitos relatos sobre jornalistas que vivem atrás do computador. Não vão para a rua, não fazem reportagens, não conhecem pessoas.  Não têm, portanto, conexões nem experiência de vida. E esse é um capital essencial para quem quer escrever, seja informativa ou literariamente.

Há trinta anos eu escrevo todos os dias e me surpreendo com tantos novos "escritores" surgindo na internet. Fazem vídeos e dão entrevistas como se soubessem tudo sobre escrever, sobre o mercado, sobre a vida. Mesmo assim, quem começou a carreira na imprensa diária, no tempo da máquina de escrever, sabe que escrever é experiência e treino - exceto, talvez, na poesia. E isso falta, e muito, na literatura que surge no meio virtual.

Escritores da era digital tendem a tomar conta do mercado porque são jovens, geralmente não precisam sustentar família e têm mais tempo para fazer seu marketing virtual. Vão ocupando espaço e dando a impressão de que isso é a literatura contemporânea. O mesmo acontece em outras áreas da comunicação. A internet oferece espaço de manifestação para uma série de minorias que fazem muito barulho, porque ocupam espaço nas redes sociais. Com isso, dão a falsa impressão de que são maioria. Ou de que têm razão. Multiplicam-se os donos da verdade de tal maneira que a internet se torna enfadonha.

Lógico que se pode encontrar inteligência na internet, assim como espaços com informação relevante e confiável. Porém, a internet favorece o nivelamento por baixo em larga escala . A mediocridade tende a ganhar ainda mais espaço porque as pessoas até agora não têm dado devida importância ao fato de que informação de qualidade - incluindo  a literatura, que é informação para o desenvolvimento intelectual e emocional - precisa ser um serviço remunerado, como sempre foi. Os internautas em sua maioria ainda preferem o espaço onde está na verdade o lixo da informação, apenas porque ele é gratuito.

Os jornalistas tradicionais não aprenderam direito a fazer uso das novas mídias; ao contrário, são boicotados dentro delas, em movimentos promovidos por neo blogueiros para desacreditar o profissional da informação e ocupar o seu espaço, ou por gente financiada de forma escusa por interesses de outra maneira indefensáveis. Os profissionais precisam aprender a navegar como os neófitos e voltar a transformar a missão de escrever, seja de forma informativa como literária, de uma maneira que isso continue a ser de fato uma profissão, entendida como uma especialidade da qual alguém pode tirar seu ganha-pão.

A redução do hábito da leitura de jornais e livros impressos parece indicar que o terreno livre da internet representará uma nova seleção natural. Existirão os livros e veículos de informação digitais, mas as regras do que é bom não mudaram. Conteúdo de qualidade estimula a leitura e vice-versa. A reentrada dos profissionais no mercado pode ajudar a devolver qualidade à informação e a restabelecer a ordem das coisas: os neo blogueiros é que terão de se esforçar para aprender como esse negócio funciona, e os jabazeiros ficarão expostos, por contraste.

Está mais que na hora de isso começar. 




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Mais romancista que repórter: meu placar no skoob



Roberto Civita, falecido dono da editora Abril, onde trabalhei muitos anos, certa vez encontrou o banqueiro Armando Conde, do BCN, que lhe disse estar em contato comigo, para que eu pudesse ajudá-lo a escrever seu livro de memórias. E perguntou o qeu Civita achava sobre mim.  "Péssimo jornalista", disse Roberto, com seu ar sempre blasé. "Mas é um grande contador de histórias..."

Fui pesquisar no Skoob meu placar junto aos leitores, para saber como avaliaram meus livros. E verifiquei, agora em números, que de fato sou mais romancista que repórter - os meus romances são mais bem avaliados que os livros de não ficção.

O primeiro da lista é Filhos da Terra, meu primeiro romance, que com 20 avaliações recebeu 5 estrelas de 60% dos leitores. Entre quatro e cinco estrelas, são 80% de aprovação.

No mesmo plano está O Homem que Falava com Deus, com 14 avaliações, que recebeu cinco estrelas de 64% dos leitores. Com 14% de 4 estrelas, o índice vai a 78% de aprovação.

Amor e Tempestade, meu romance mais recente, publicado originalmente pela Objetiva/Suma de Letras, tem 77% de aprovação, mas quase o mesmo número de avaliações de quatro e cinco estrelas (33% e 38%, respectivamente).

Os livros de não ficção não são tão festejados, mas também estão muito bem avaliados. O Sonho Brasileiro, biografia de Rolim Amaro, fundador da TAM, tem 70% de aprovação, entre 4 e 5 estrelas, por 25 avaliadores. A Conquista do Brasil é muito recente e recebeu por enquanto apenas 2 avaliações: uma de quatro e outra de cinco estrelas. Promete.

Se você já leu alguns desses livros, vá ao Skoob e vote! O autor aqui agradece o interesse. Isso nos ajuda a continuar trabalhando. O leitor é que manda! Meu próximo livro, por sinal, será um romance. Assim como Conquista do Brasil, será lançado pela editora Planeta.

http://www.amazon.com/Filhos-Terra-Portuguese-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00EDXV2UW/ref=sr_1_2?ie=UTF8&qid=1439582147&sr=8-2&keywords=filhos+da+terra

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A influência do índio no Brasil - de hoje

Um antigo companheiro da revista Veja, amigo de longa data, assiste à minha entrevista ao Jô Soares, e manda pelo Facebook uma pergunta com aquela pimentinha típica: "Só não entendi essa história de 'como o índio entrou no brasileiro'. "

E a resposta está na sua própria pergunta.

Realmente nós, brasileiros, temos uma enorme dificuldade de comprender como a sociedade brasileira incorporou o índio. Para nós, o povo massacrado pelos portugueses no Século XVI é uma coisa do passado, e hoje se resume àquela gente que sobrou, circunscrita aos recônditos da Amazônia ou ao Parque Nacional do Xingu, a célebre reserva indígena criada pelos irmãos Villas-Boas. Nada portanto a ver conosco.

O fato, porém, é que ó índio está no nosso DNA, como bem mostra A Conquista do Brasil, onde está claro o esforço não só para exterminar o índio como apagar os vestígios de sua influência. Apesar do empenho do colonizador imperialista e sanguinário em exterminar aquela gente insubmissa, o índio não contribuiu apenas com os nomes de lugares, ruas e cidades por todo o país. Sua cultura e seu comportamento estão arraigados na sociedade brasileira. De uma forma tão profunda que nem chegamos a perceber, porque já é quase impossível dissociá-la da nossa personalidade como Nação.

Como mostra a malícia da pergunta do amigo, o  brasileiro gosta de fazer pouco das coisas, de desvalorizá-las, de falar mal dos outros. Isso chega a extremos. Quando morre alguém conhecido, ou há alguma crise, no instante seguinte o brasileiro está fazendo piada. Esse é um comportamento típico do índio brasileiro. Não respeitamos nem gente que morre em desastre aéreo.

Assim como o índio, o brasileiro não gosta de autoridade. Nas sociedades indígenas, incluindo aquelas que os portugueses encontraram no Brasil ao desembarcar, o chefe é um servidor da comunidade e na realidade tinha pouco poder. Para os índios, o chefe servia para lhes dar presentes. E nem por isso lhes deviam servidão ou sequer reconhecimento. Uma atitude muito típica do brasileiro, que quer que o governo proveja tudo, mas está sempre pouco disposto a colaborar.


Os índios eram uma sociedade de subsistência, que viviam na abundância e não viam sentido em acumular riqueza nem planejar  o futuro. O brasileiro não planeja o futuro. Isso tem consequências em todos os planos. O brasileiro quer comprar uma geladeira e uma TV de última geração assim que recebe um dinheiro, mas não guarda recursos para a aposentadoria, como fazem outros povos, dos Estados Unidos ao Japão. De maneira geral, o brasileiro é consumista e imediatista.  Junta para o dia. Há algo do índio aí.

O índio não tem responsabilidade com as coisas. Faz coisas graves como se não tivessem efeito. Pode matar um ser humano e em seguida sair dando risada, como testemunha muita gente, incluindo os próprios irmãos Villas-Boas, no seu livro A Marcha para o Oeste. Assim como o índio, o brasileiro é inconsequente. Estes dias em que nos deparamos com os bilhões roubados da Petrobras e de outros estamentos da administração federal, nos perguntamos como alguém pode ser inconsequente a ponto de achar que ninguém descobriria uma roubalheira desse tamanho, maior que o PIB de muitos países, capaz de levar estatais à bancarrota e à falência de toda a administração pública. É nossa mentalidade silvícola na gestão pública.

A corrupção não é um problema do governo, é da sociedade que a permite. Ela se instala de forma generalizada e custa a deixar o nosso dia a dia porque está enraizada. Contagia a todos, do alto escalão da administração federal ao fiscal de rua. No setor privado, desce do capitão de indústria, que concorda em pagar propina para obter preferência na obra pública, até o cidadão que ultrapassa o outro na fila, trafega pelo acostamento para evitar o engarrafamento ou tenta dar o célebre "jeitinho", sempre alguma forma de se livrar dos pequenos regulamentos que põe ordem ao dia a dia.

Isso é resultado da porção silvícola em nossas veias, em nosso comportamento, em nossa sociedade. Gostamos de ver o lado bom da nossa porção indígena, que ajudou o brasileiro a ser um povo alegre, que enfrenta as dificuldades com certa leveza, que não se preocupa tanto e consegue ser mais flexível e tolerante com regras e pessoas. Porém, não gostamos de olhar para o lado negativo desse mesmo comportamento, que nos leva a ser uma sociedade desorganizada, propensa à corrupção, à falta de planejamento e que gosta de criticar a si mesma sem se corrigir de fato.

A melhor maneira de melhorar é entendermos a nós mesmos, sem receio de olhar para  nossas mazelas. Ao fazer um mergulho no passado, A Conquista do Brasil propicia também o exercício de psicanálise de uma Nação, trazendo do berço seus traumas e características. Somente essa terapia pode nos ajudar a entender cada um que cria o país adulto de hoje e trabalhar de forma coerente para melhorá-lo.



A Conquistado Brasil: entrevista a Jô Soares

http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/jo-soares-entrevista-o-jornalista-e-escritor-thales-guaracy/4375541/

terça-feira, 28 de julho de 2015

A cultura do apedrejamento


Quando a gente publica um livro ou faz qualquer coisa que seja pública tem de estar preparado para tudo. Há os amigos, os fãs, os leitores que podem gostar ou não, assim como há também um tipo de gente raivosa que gosta de atingir os outros, uma raiva aparentemente gratuita. Estava demorando, mas outro dia apareceu um desses na Amazon, fazendo um comentário sobre A Conquista do Brasil, usando porém o livro para me ofender, sabe-se lá o motivo. Depois o post foi retirado, creio que pelo próprio autor, mas ele dizia em palavras bem baixas, resumindo, que ler o livro era perda de tempo e eu sou um zero à esquerda.

Ninguém faz mal aos outros de propósito, acredito, e menos provavelmente se faz mal a gente que nem se conhece, mas parece que há pessoas que se comprazem em atacar os outros gratuitamente, talvez para descarregar seus complexos. O rancor do leitor desconhecido é da mesma categoria que tem como maiores vítimas o presidente da República, o técnico e o juiz de futebol. E agora também o jornalista, que anda recebendo sua cota parte da hidrofobia alheia.

Mais recentemente, quando aceitei o desafio de dirigir a revista Playboy num momento já muito crítico das finanças da publicação, sofri bastante recebendo mensagens ou lendo coisas de "leitores" aos quais eu nem podia responder, porque a gente precisa manter a compostura, do cidadão e do profissional. Cansei de ler barbaridades que deixariam qualquer um abismado, só por estar num lugar de visibilidade para os apedrejadores randômicos. Me xingavam, me chamavam de burro, faziam acusações obscenas, me denegriam. Ao mesmo tempo, exigiam que eu escutasse a eles, blogueiros, como se fosse não um funcionário da Editora Abril, mas um criado deles, que se arvoravam o papel de representantes dos leitores. E faziam demandas irrealizáveis, do tipo "se o Corinthians não contratar o Neymar é porquesão todos uns idiotas". Sem conhecer nada, especialmente a realidade, a situação, e sobretudo a pessoa.

Ao chegar, tive de saída que demitir metade dos profissionais da redação para acertar as contas da publicação, algo que já é muito desgastante, não só para quem sai, como para quem fica. Precisava fazer uma revista melhor, que vendesse mais, num mercado declinante, com metade do dinheiro e do pessoal. Tive que diminuir drasticamente o cachê das mulheres que posavam para a revista, com uma dificuldade e um desgaste enormes de convencimento . Conseguimos algo: tivemos novamente repercussão, Playboy teve ótimos resultados para o momento, com as melhores vendas em muito tempo e ganhou uma sobrevida, num momento em que a própria empresa já ia anunciando o seu fim. Mesmo assim, fui tratado por alguns blogueiros e afins como se fosse mais um culpado pela decadência da publicação que dizem amar. Coloco "dizem" porque esses eram os mesmos que faturavam em cima de notícias sobre Playboy e pirateavam as fotos da revista, e dessa forma eram muito mais responsáveis pelas suas dificuldades do que seus salvadores.

Em Playboy, passei a sentir na pele como vivem os profissionais de futebol, como Muricy Ramalho, com seu propalado mau humor, fama que o acompanha muito por conta do tratamento ríspido que ele dispensa aos jornalistas. Conheço Muricy pessoalmente, é uma pessoa alegre e amável. Mas é submetido diariamente à crítica, muitas vezes irracional, tanto de torcedores quanto da própria imprensa. Isso acaba envenenando o ser humano, por melhor que seja, ainda mais alguém sensível, como ele - Muricy é uma pessoa amorosa, afetiva, e que, mesmo sendo reconhecidamente um vencedor, sente a necessidade de criar uma carapaça para sobreviver ao veneno destilado ao seu redor.

Esse aprendizado reforçou em mim uma convicção. Eu já fui duro como crítico de futebol, mas revi minha postura. Não falo mal de técnico de futebol. Não acho que todo mundo tem obrigação de ganhar. Entendo a paixão clubística, mas acho que ela não está acima do respeito às pessoas. Campeão só tem um. Se não soubermos reconhecer o mérito também dos outros, praticamente ninguém tem valor.

Esse é o defeito maior da sociedade americana, que cultua a divisão do mundo entre os célebres "loosers" e "winners". Como os "winners" são poucos, gera-se uma sociedade de perdedores, ou que se acham perdedores. Com isso, cria-se a animosidade geral e um clima de guerra em que sobretudo os homens vão se tornando profundamentes infelizes, rancorosos e amargurados. E projetam seu fracasso nos outros, exigindo que vençam por eles, para se sentirem menos mal.

Falar mal dos outros, como dono da razão e da moral, parece ser uma atitude muito típica do brasileiro. Para o brasileiro, mais até do que para o americano, só presta o vencedor. E muitos acham que a rede social é como futebol, em que o torcedor já vai para o estádio preparado para xingar o juiz, chamar o técnico de burro e coisas piores sem consequência. E todo mundo acha isso normal.

O mesmo se pode dizer de boa parte dos críticos no Brasil - e falo dos criticos em geral, do futebol à literatura. Eles pensam pouco no esforço de quem produz e não valorizam o brasileiro produtivo. Com duas canetadas, querem provar sua superioridade sobre quem faz, sua inteligência superior. Falar mal é uma norma. A menos que se trate de uma celebridade já formada. Quando já existe o sucesso, o crítico demolidor se transforma num dócil gatinho. São dois lados de uma mesma postura acovardada: a truculência contra os "fracos" e a subserviência aos "fortes".

Eu acho que está na hora de combatermos a cultura do apedrejamento. Primeiro, porque a raiva causa mais mal a quem a sente. O perdão não é feito para quem recebe, e sim para quem o dá. Este é o maior ensinamento das Escrituras. O perdão alivia o peso que a pessoa com raiva sente, com possíveis consequências para a própria saúde, já que não é possível alcançar o bem estar vivendo envenenado.

A raiva incubada no indivíduo se estende para toda a sociedade, que vai se tornando disfuncional, insatisfeita e, no limite, violenta. Hoje essa violência latente se propaga nas redes sociais, tem se manifestado na violência das ruas e me dá a impressão de que vivemos num caldeirão de ressentimento e intolerância: enquanto a tecnologia avança para o futuro, em mentalidade a Humanidade continua a mesma da Idade da Pedra, com a diferença de que o barbarismo agora é manifesto e catalputado pelos novos meios digitais e em tempo real. É como colocar metralhadoras na mão dos guerrilheiros tribais africanos. Eles continuam tribais, só que agora matam muito mais do que no tempo em que tinham apenas um chuço.

Eu preferia que o post rancoroso estivesse lá, na Amazon. Não só porque ele não me preocupa, nem por falta de comentários elogiosos. Há um impressionante boca a boca a favor do livro que, já em reimpressão, é um sucesso de vendas. É que sou do tipo que acha que nos definimos mais pelos inimigos do que pelos amigos. Eles mostram quem somos. Eles nos dão força. O post do meu desafeto involuntário falava mal, na verdade, dele mesmo. Acho que ele percebeu, e por isso retirou o que escreveu.

A raiva, o ressentimento e a intolerância se tornaram doenças contemporâneas. O remédio não é a repressão, porque não há como ser contra a liberdade, ao menos a de expressão. Pode-se impedir um sujeito de sair nas ruas jogando coquetéis molotov, mas não se pode proibir os xiitas sociais de falarem o que pensam, por pior que seja. O que fazer? Pessoalmente, eu recebo elogio e crítica da mesma forma, agradecido, quando tudo é tratado com educação. E é com educação também que procuro neutralizar os cães ladradores. Eles nos lembram da necessidade da sobriedade e nos ajudam a passar adiante enquanto fazem seu barulho.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Kindl Direct publishing: vale a pena?

Aproveitei o concurso de contos da Amazon para conhecer melhor o Kindle Direct Publishing, o sistema de autopublicação da Amazon, que permite a qualquer pessoa publicar um texto na maior loja de livros virtuais do mundo, agora em funcionamento no Brasil. Usei para isso um conto de um futuro livro policial que pretendo lançar, com o título de O Profissional. Foi uma experiência muito interessante – especialmente para ajudar a entender como será possível vender livros no futuro próximo.
http://www.amazon.com/O-profissional-Portuguese-Thales-Guaracy-ebook/dp/B010QZISGG/ref=sr_1_fkmr0_1?ie=UTF8&qid=1436895143&sr=8-1-fkmr0&keywords=o+profisisonal+thales+guaracy
O prêmio, em si, não é lá essas coisas: você pode ganhar um Kindle e ver seu texto publicado no Jornal O Globo. O concurso claramente tem o propósito de dar algum estímulo ao maior número possível de pessoas para entrar no sistema. O regulamento favorece os não profissionais. O tamanho do texto é limitado a 6.000 caracteres com espaço – algo muito pequeno, mesmo para um conto. Mas o KDP realiza a mágica da Amazon – permite a qualquer um entrar no terreno antes habitado somente pelos escritores profissionais.
O teste do sistema apresenta algumas verdades e mentiras. A mentira é que autor fica com 70% do dinheiro da venda. Essa margem de direitos autorais vale apenas em vendas em países como a Rússia e o Japão. Onde interessa, especialmente o Brasil e os Estados Unidos, o autor fica com 30% do preço final do livro. Na editora Copacabana, pagamos ao autor 25% do preço de capa. Porém, o livro é publicado em todas as plataformas, e não somente na Amazon.
Essa é a maior limitação do KDP. Embora a Amazon seja a maior plataforma de venda de livros digitais, não é a única. Pela minha experiência como editor digital, o Google hoje vem em segundo lugar, graças aos mecanismos de busca, que jogam leitores também para a compra do livro. Em terceiro, está a Saraiva. A Apple Store, que foi tão bem com a música, se mostra menos eficaz quando se trata de livros. Fica em quarto lugar.
A vantagem do KDP é que é muito simples. Qualquer um pode fazer uma capa, preencher os metadados, subir o texto e ter o livro no ar em até 48 horas. Não há regra para o tamanho da obra: em tese, você pode publicar uma capa para um simples haikai. O cenário que se coloca é que hoje qualquer um pode publicar o “seu livro”. Isso tende a promover uma grande reviravolta do mercado.
A facilidade de autopublicação permite que uma geração de jovens autores, que sabem se mexer melhor no meio virtual que os velhos medalhões do meio impresso, ganhem espaço pelo simples fato de ocupá-lo. O padrão de qualidade se tornará menos exigente. Como o livro digital é produzido mais rápido e consumido também mais rápido, é certo que o mercado do livro digital não apresentará obras da mesma qualidade que o do livro impresso, produto no qual se trabalhava muito mais até estar em condições de publicação.
As editoras se tornarão certamente menos importantes. Hoje acredita-se que a queda na venda de livros impressos não se deve ao livro digital, já que ela acontece sem que as vendas digitais cresçam substancialmente. Porém, é evidente que o mercado do livro impresso tende a encolher ainda mais e cada vez mais rapidamente. A lógica indica que no futuro será muito mais fácil comprar um livro digital a preço baixo que aguardar um livro impresso a preço bem mais alto. E as editoras convencionais têm a mesma dificuldade de se tornarem “virtuais” quanto outras empresas convencionais que hoje sofrem a concorrência da internet.
 As editoras terão dificuldade de sustentar o seu catálogo num mundo em que autores podem ganhar mais se virando sozinhos. E lançando produtos a preços mais competitivos do que os do velho mundo. Por enquanto, elas têm procurado se agrupar, para engrossar seu catálogo e manter a massa de vendas, capaz de compensar a queda geral do mercado. Porém, esse jogo defensivo tende a ser um buraco negro, com uma editora engolindo a outra até que no final pouco restará para a autofagia.
Para os autores, o futuro não promete ser mais risonho. É muito difícil ser notado na Amazon, embora a própria Amazon coloque como atrativo sua capacidade de cruzar autores, títulos e informações como uma ferramenta poderosa de venda. A infinidade de títulos faz com que o livro digital mergulhe numa verdadeira bacia das almas. O leitor pode escolher o que quiser, mas já não será tão fácil saber o que é bom, nem fazer grandes sucessos. Como em tudo, o que determinará a venda é a capacidade do autor de construir uma rede pessoal de alcance global.
Em definitivo, a chave para vender livros, como a maioria dos produtos, já não está mais nos meios convencionais de marketing, como resenhas em revistas e jornais. Nem no espaço real das livrarias, onde se tomava conhecimento dos lançamentos por aquilo que se encontrava nas prateleiras. A disputa pela atenção do leitor e a venda se trava no terreno virtual., E é o que abastece os cofres bilionários de empresas como o Google e o Facebook. Autores contemporâneos tendem a desaparecer se não investirem nesse caminho. E autores clássicos tendem a integrar as prateleiras a custo zero, isto é, sem nenhum ganho para um editor.
Com o selo Copacabana (www.editoracopacabana.com.br), tenho procurado investir numa empresa que está entre a autopublicação e uma editora convencional. Para o autor, o ganho é semelhante ao da autopublicação. Com a vantagem de que o livro pode ser publicado em todas as plataformas, inclusive a própria Amazon. Ainda assim, a venda dependerá cada vez menos da editora e mais do próprio autor. A editora será cada vez mais uma parceira, dando acesso ao mercado, para que o próprio autor possa se vender. Por isso, a editora não atua mais como um filtro para a entrada no mercado, e sim como um facilitador.

terça-feira, 7 de julho de 2015

O estilo no seu estado mais elementar - e belo

"Privado", de Jairo Goldflus - ou um fotógrafo, o nu e um duplo mortal carpado




Especialista em retratar moda e celebridades usando a moda, Jairo Goldflus sempre disse que tinha dois bloqueios: fazer um livro e registrar mulheres nuas. O receio de fazer um livro ele me revelou quando fez o primeiro, Público, para o qual escrevi uma breve apresentação. O outro receio, de fotografar mulheres nuas, ele confessou no restaurante Maní, em São Paulo, num almoço em que o procurei para colaborar comigo, quando assumi a responsabilidade de editar a revista Playboy no Brasil.

Seu pé atrás se explica. Antes de mais nada, Jairo é um perfeccionista. A possibilidade de fazer algo abaixo de suas próprias expectativas faz um terreno novo, talvez oposto ao que teoricamente seja o seu trabalho da vida inteira, ser um campo minado. Porém, Jairo tem uma qualidade excepcional. Ele assume seu medo. No final, vai atrás do que tem medo. Enfrenta o campo minado. Passa por ele, não sabemos se com uma explosão ou outra. E sai do outro lado impecável, com sua blusa preta e tênis All Star coloridos.

Agora, Jairo pegou o desafio duplo, da mesma forma que um ginasta tenta pela primeira vez o duplo mortal carpado: fazer um livro novo - e de nus. O título: "Privado". Já seria uma boa ideia, em contraste com o "Público", mas Jairo testou o perfeccionismo, e a iniciativa de desafiar territórios antes proibidos, como a alma da  criação. O homem retrata o nu desde os tempos das cavernas e essa história já passou pela escultura grega clássica e o renascentismo, até chegar aos grandes fotógrafos contemporâneos. Como fazer algo novo? Como mostrar algo que ninguém viu?

Não importa se os objetos da lente de Jairo são celebridades, gente rara da qual ele se aproxima pelo trabalho em revistas de estilo de vida. Quando uma mulher está nua, celebridade ou não, se reduz à natureza elementar. E a resposta para o novo, para a beleza inédita, é o ponto de vista muito pessoal de Jairo: a diferença está no olho, na maneira de ver, na interpretação do nu. Ao lançar o foco sobre a mulher, Jairo eliminou tudo o mais. A roupa. O cenário. Trabalhou apenas com o fundo infinito. Em preto e branco. O que se vê é apenas, e realmente: a mulher. Como ele a vê.

A técnica, a inspiração, aquilo que fez dele uma dos fotógrafos de estilo mais respeitados do país, celebram agora uma beleza anterior, desmascarada de tudo, especialmente daquilo que aparentemente sempre foi o foco de seu trabalho: a roupa. Jairo mostra agora que a moda, na realidade, não é nada senão a extensão de quem a veste. O estilo, ou melhor, a beleza, já estão lá. No seu estado estado mais elementar. E belo. Ao tirar a roupa de suas modelos, Jairo continua fazendo a mesma coisa. Igual. Talvez, melhor.




segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Conquista do Brasil, a crise e o caráter do brasileiro



Encontro um amigo meu de longa data num jantar e ele me olha de cara feia. Acaba de ler A Conquista do Brasil. E explica: "Esse livro me fez mal".

Como pode um livro de história causar mal estar a alguém? Ah, porque ele não é exatamente um livro de história. Fala sobre a formação do Brasil e do caráter do brasileiro, do seu povo e de sua elite dominante. Em A Conquista do Brasil, aparece a origem de tudo o que assistimos hoje. Meu amigo desanimou-se porque viu que as nossas dificuldades são congênitas. E isso lhe tirou a esperança, sobretudo neste momento, em que mergulhamos numa crise profunda.

Podemos nos levantar novamente? Podemos construir um grande país? Podemos alcançar o progresso no caminho já trilhado de liberdade e democracia? Sempre acreditei que sim. Mas ler A Conquista do Brasil, ao mesmo tempo em que assistimos o que acontece hoje em nosso país, faz pensar na necessidade de mudanças profundas.

O brasileiro é formado em uma série de vícios. Claro que não se pode generalizar, mas temos de aceitar que somos uma Nação, e caminhamos coletivamente. Essa personalidade geral que nos conduz, cuja rota ainda não conseguimos mudar, porque exige uma mudança profunda de mentalidade, precisa ser reavaliada desde a raiz.

O que está acontecendo hoje é apenas mais um e danoso exemplo. Já sabíamos que havia corrupção no governo do PT desde o final do primeiro mandato de Lula. Na disputa eleitoral, o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, desancou Lula em um debate na TV, apontando as mazelas morais de sua administração. O brasileiro sabia daquilo tudo. Mas reelegeu Lula, porque para o brasileiro a moral não é o mais importante. O Brasil estava indo bem, iria melhorar. E por isso o brasileiro entendeu que valia a pena fazer vista grossa para o que acontecia. Se o brasileiro estiver ganhando dinheiro, podem roubar. E repetiu o gesto ao eleger Dilma como sucessora de Lula.

Isso faz pensar que o grande problema de Dilma não são as denúncias que revelaram a extensão a que chegou a máquina de corrupção no governo federal e seus estamentos. Se a economia estivesse indo bem, tudo passaria em branco. O que o brasileiro não gosta é que mexam no seu bolso. Os mesmos que hoje levantam a voz, querendo derrubar Dilma, são os que se locupletaram na primeira década de governo do PT. Basta as coisas irem mal, para se usar a corrupção como instrumento para ameaçar o governo e as instituições. Como se vê bem com a seleção brasileira de futebol, uma expressão do caráter nacional, o brasileiro não sabe ganhar. E sabe ainda menos perder. Quanto a seleção ganha, somos o futebol genial. Basta perder uma partida e já querem demitir o técnico. Funcionamos assim.

O brasileiro se aproveita do poder, quando o tem, e cobra dele - não o bom comportamento, que ninguém tem, mas o resultado. O brasileiro está nesta terra para se dar bem. O brasileiro, na verdade, não existe.  Pensa no Brasil apenas como um lugar para ganhar dinheiro. E gastá-lo em Miami.

O brasileiro só respeita a lei quando está no exterior. Desvaloriza a lei em seu país, como se aqui não precisasse praticá-la, da mesma forma que os primeiros portugueses que se instalaram na colônia. Muitos deles eram criminosos deserdados que quiseram explorar a imensa riqueza de um território sem controle. Não é apenas o povo indolente e despolitizado que a elite formada a partir dessa gente se acostumou a explorar. É o própria sistema, que muda conforme os interesses.

Hoje o PSDB levanta o discurso do parlamentarismo, a mudança da lei, para tirar poder de Dilma. A oposição também é elite, sofre dos mesmos males de quem está instalado no poder federal. Quando a economia não vai bem, vale tudo, mesmo mudar as regras do jogo. O golpismo no brasileiro é atávico. E não é assim que se constrói uma Nação confiável. Nem um futuro promissor.

O Brasil só vai ter jeito quando deixar de ser essa terra de bandoleiros que só agem pelo interesse próprio. Quando tiver noção de respeito à lei e de coletividade. Quando o governante for controlado e obrigado a se manter trabalhando para o interesse público. Os políticos brasileiros não são ruins como classe. Eles representam o povo brasileiro, são sua expressão. Ou melhor, são expressão dos interesses de quem coloca o dinheiro em seu bolso para representar forças muito particulares.

A  maioria do povo brasileiro não tem representante no Congresso. Está lá a bancada da Bala, dos Evangélicos, dos Ruralistas, e assim por diante. Os partidos pouco significam. Não existem forças políticas em torno de ideias e projetos coletivos para o país. O brasileiro é imediatista e não existe um plano de longo prazo para a economia nem a diminuição da injustiça social.

O Brasil precisa parar de explorar o que acredita ser sua maior riqueza: seu imenso território e seus recursos naturais. A maior riqueza do Brasil é o povo, carente de tudo, que representa hoje um dos maiores mercados de consumo do mundo. Mas o brasileiro precisa ganhar para gastar aqui. Respeitar as leis daqui. Promover o bem daqui. Assim, somente, enfim teremos historicamente a oportunidade de fazer um grande país. E poderemos ler A Conquista do Brasil realmente como um livro de história, e não algo que nos desaponta e faz descrer no futuro.


quinta-feira, 2 de julho de 2015

O retorno dos leitores em A Conquista do Brasil

A melhor crítica sempre é a do leitor. E também a mais importante. Dos leitores é que saem as recomendações que realmente vendem livros. Fico muito satisfeito, agora que os primeiros leitores começam a acabar de ler ‪#‎AConquistadoBrasil‬ com o resultado que colho diariamente. Gente que eu não conheço, gente de longe, que rompe a barreira da distância para mandar mensagens de carinho e de agradecimento. Como a de hoje, da leitora R. M., de São Paulo, que reproduzo aqui, e dizexatamente o que eu desejava ter alcançado com esse trabalho:
"Thales, parabéns por seu livro, por suas pesquisas, por seu texto perfeito, enfim, por tudo que compõe um excelente livro. E pela releitura original que você faz a respeito não apenas sobre o fato histórico, mas, principalmente, a respeito da formação da sociedade brasileira. Obrigada por ter me 'ensinado' tanto a respeito de parte da minha própria origem. Afinal, minha tataravó era, salvo engano, tapuia. Meu orgulho só aumentou pela minha ascendência."
Bacana! Eu que agradeço a gentileza do retorno.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem os portugueses sabem


Para minha satisfação, a editora Planeta, que publica A Conquista do Brasil no mercado brasieliro, adquiriu os direitos também para a venda do livro em Portugal, onde deve ser lançado até o final do ano. Uma pesquisa recém divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo mostra o motivo de tanto interesse pelo livro, disputado ferozmente com outra editora de prestígio. Segundo levantamento solicitado pela Folha, a pergunta mais feita pelos portugueses no Google é: "quem descobriu o Brasil?" E a segunda é: "quem colonizou o Brasil?" Isso vem na frente de "como conseguir um emprego no Brasil". Uma pergunta que os portugueses também se fazem há centenas de anos.

O começo do Brasil é ainda tão pouco conhecido dos brasileiros quanto dos portugueses. Os primórdios do descobrimento foram sempre pouco pesquisados e valorizados como raiz da nossa história. Para se ter uma ideia, o best seller "Brasil: uma biografia", lançado este ano pela Cia das Letras, dedica apenas 14 das suas mais de 500 páginas aos descobridores e primeiros colonizadores do país. Mais centrado em explicações esquemáticas da economia brasileira, o livro destaca em primeiro lugar a criação da indústria açucareira, como se o Brasil tivesse realmente começado ali.

Como se pode ver em A Conquista do Brasil, a ocupação da costa brasileira começou bem antes, foi muito mais aventuresca, sangrenta, rica e complexa. A indústria açucareira é posterior e apenas uma peça da formação do Brasil e da sociedade brasileira. O começo, assim como a primeira infância na formação, temperamento e personalidade de todo indivíduo, é mais importante do que nos acostumamos a pensar. Um conhecimento mais profundo desse período, como revela A Conquista do Brasil, é decisivo para a compreensão do país de hoje e da sociedade brasileira.

O Brasil não foi descoberto pelos portugueses. E a história da colonização envolve guerra e a participação da Inquisição contra os "hereges", assim compreendidos tanto os "hereges canibais" quanto os "hereges protestantes" do Rio de Janeiro. Além da participação de figuras hoje legendárias, que o livro recupera, mostrando como eram verdade, a começar por João Ramalho, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e líderes indígenas dos quais se sabia pouco até aqui, como Aimberê e Cunhambebe. A indústria açucareira veio depois e por acaso - como mostra o livro, foi iniciada, bizarramente quase sem querer, graças a uma história de amor.

A  história não é feita apenas de movimentos de lógica econômica, e sim da ação de indivíduos movidos por paixão, ambição, ou simples obra do acaso. A história é construída pelo homem, que nem sempre obedece a trilhos da razão. Explicar o Brasil é entender o brasileiro, desde a sua infância, o seu DNA. Por isso acredito que A Conquista do Brasil permanece leitura essencial - para portugueses e brasileiros.


http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/06/1641394-quem-descobriu-o-brasil-perguntam-portugueses-em-site-de-busca.shtml

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Brasil tem jeito?

Estive no Rio, no último dia 8, promovendo o lançamento de A Conquista do Brasil, na Livraria Cultura do Cine Vitória, na Cinelândia. Dessa vez, participei de uma conversa com uma ativa plateia sobre o livro, as origens do Brasil, da sua política e do comportamento político, com a gentil participação da jornalista Cristina Serra, do Fantástico, da TV Globo.

Eu e Cristina nos conhecemos há muito tempo, desde a faculdade, e nos encontramos esporadicamente ao longo da carreira. Ela acumulou longa experiência na convivência com os políticos e a política, em seus 17 anos cobrindo Brasília pelo Jornal Nacional. Fora da tela, sempre foi uma mulher afiada, de ideias formadas e muito empenhada em contribuir para o progresso do país, especialmente na área social.

No debate, Cristina nos deu seu retrato da política, de quem conviveu e convive com ela de perto. Em Brasília, os políticos tendem a defender os interesses que os elegem, que não são necessariamente do eleitorado, e sim dos apoiadores financeiros que sustentam suas campanhas. Na prática, existem menos os partidos, que têm pouca importância, e mais grupos de interesse - como a bancada ruralista, a bancada evangélica e assim por diante.

Como autor de um livro que mostra desde o início da construção deste país como são feitas suas práticas, eu permaneço na pergunta que me levou a escrevê-lo: será que não conseguimos nos livrar da má política, especialmente da corrupção, por questões congênitas? Será possível mudar um país campeão de corrupção sem muitos anos de educação e depuração de uma sociedade que se acostumou a ver seu país como um rico território aberto para o saque, e que só respeita a lei quando está em Miami ou Paris, para onde leva o dinheiro do butim?

Cristina acredita firmemente que a questão pode ser resolvida com um melhor controle dos financiamentos de campanha, que estão na baila na atual reforma política. É preciso que os partidos tenham meios de se sustentar com seus filiados, e não com umas poucas empresas contribuintes, que assim compram seu lobby em Brasília.

Concordamos em muitas coisas. Uma delas é que o Brasil ainda está no começo e nossa geração, em tempos dos quais ambos participamos ativamente como profissionais de imprensa, fez o país avançar muito - da velha e emperrada ditadura militar a um país mais jovem, onde prevalece o Estado de  Direito, num regime democrático, com uma economia muito mais estável e que empreende um esforço considerável no sentido de diminuir as diferenças sociais.

É verdade que recentemente paramos nesse caminho - e a onda de corrupção faz parecer que tivemos um terrível retrocesso. Porém, gente como Cristina, com seu sorriso sempre confiante e sua certeza patriótica, me fazem manter as esperanças. O Brasil ainda não será um país de estrangeiros que nasceram aqui, e sim de gente que pensa não apenas no próprio bolso, como também no bem coletivo, no progresso deste lugar do qual dependemos, todos. É preciso coragem. E não desanimar.


terça-feira, 2 de junho de 2015

A importância do Rio de Janeiro em A Conquista do Brasil


No próximo dia 8 de junho, segunda-feira, faremos o lançamento de A Conquista do Brasil na Livraria Cultura do Cine Vitória, no Centro do Rio. Uma data especial, não só pela presença da jornalista da TV Globo Cristina Serra, com quem vou promover um bate papo sobre a política e os políticos de hoje e suas raízes na origem do país, como pela importância do Rio de Janeiro no livro - e na história do país.

Pouca gente sabe por que o Rio foi capital brasileira e é uma cidade tão importante na nossa cultura e história. O Rio virou capital por obra do Marquês de Pombal, que considerava sua fundação o verdadeiro marco da colonização do país. Em A Conquista do Brasil, se entende a razão. Até a fundação do forte no morro Cara de Cão por Estácio de Sá, a costa brasileira ainda tinha zonas onde os portugueses não entravam - especialmente o entorno da baía da Guanabara, onde a resistência à colonização se concentrava.

A fundação do forte de São Sebastião foi o princípio do extermínio dos índios tupinambás, que se entrincheiravam em grandes aldeias, transformadas em verdadeiras fortalezas, como aprenderam a fazer com os franceses protestantes. O combate aos índios, que uniu três forças - galeões de guerra vindos de Portugal, a armada do governador Mem de Sá e os mercenários paulistas - foi engendrado e promovido pelos jesuítas, que desejavam erradicar de uma vez os "hereges" do Brasil - tanto os índios, "selvagens canibais", quanto os franceses protestantes.

O resultado disso foi um massacre que não poupou mulheres, velhos e crianças. Estácio de Sá morreu após agonizar por um mês, consequência de uma flechada no olho. Tinha 22 anos. A costa brasileira foi finalmente integrada sob o domínio português. As terras da Guanabara foram distribuídas entre portugueses, paulistas e os próprios jesuítas, que se transformaram nos maiores latifundiários do Novo Mundo.   O Rio de Janeiro foi trasladado do forte, que  mais servia a propósitos militares, para o mais aprazível Catete.

 A conquista do Rio é um dos episódios mais importantes da história brasileira e enriquece nosso entendimento do que é o Brasil. O célebre historiador e brasilianista Kenneth Maxwell escreveu na revista Época que essa é uma passagem "absolutamente fascinante" de A Conquista do Brasil. Tenho que concordar com ele.

Meus postcards de Nova York

Em 2006, quando morávamos em Nova York, alugamos nosso apartamento em Battery Park City para uma amiga, Luisa Mendes, que passou na cidade o Natal com o marido e o filho. Inquilinos muito especiais, que além de passear pela cidade entraram de certa forma na nossa vida, com as coisas deixadas ali.

Naquele tempo, eu havia pintado alguns quadros, para decorar o lugar: não consigo viver em uma casa sem quadros, ou com quadros comprados, que na maioria das vezes me dão a impressão de estar num hotel. Luisa, sensível e simpática, me deixou de lembrança  um jogo de canetas para colorir. Lembrei disso agora com a moda de comprar livros para colorir, tão terapêutica - e desencavei os desenhos que fiz em Nova York graças à gentileza da boa amiga e que me fizeram tão bem.

São imagens aleatórias, aquilo que dá mais prazer ao desenhar: deixar correr o rabisco solto para ver o que acontece. Saíram então: eu mesmo desenhando na cama, debaixo de um pilmone com capa de rosas vermelhas, comprado então por Graziela a peso de ouro numa loja do Soho sob um retrato em preto e branco de Marylin Monroe, que ela dizia ser o seu "luxo"; a vista da janela do quarto, no lugar onde eu trabalhava, que dava no fim da rua para o rio Hudson e a Estátua da Liberdade;uma mulher brava; o boulevard do Battery Park, perto de casa.

Uma caravela e um menino redondo que saíram ao acaso;  o porco esturricado e Lampião retratei porque na época eram personagens do romance que escrevia então, Amor e Tempestade; meu filho ainda no ultrassom, que era preto e branco, mas imaginei colorido; algumas cenas do campo, homenagem a Van Gogh, que achei que teria gostado muito daquelas canetinhas. Um pouco do universo de um escritor brasileiro exilado em Nova York não faz tanto tempo assim.