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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Toda uma vida num instante


O fotógrafo Jairo Goldflus, um dos profissionais mais requisitados por revistas de estilo e pelo mundo da publicidade no Brasil, especializou-se numa grande arte: retratar celebridades, na maioria das vezes tiradas de seu contexto, para contar algum tipo de história. Ao colocá-las em lugares estranhos, com roupas pouco usuais, ou em qualquer situação que nos faça ver celebridades de uma outra forma, Jairo sempre deu um toque especial e surpreendente àquilo que todos acham conhecer.

Ao decidir passar um período sabático em Nova York, supostamente para não fazer nada além de ir à Broadway ou aos shows do Village, aconteceu com ele o que acontece quando também somos tirados do lugar: passamos a ver a nós mesmos - e aos outros - com olhos diferentes. O descanso se tornou novamente trabalho, resultado da inquietação que segue todo artista. E essa mudança de perspectiva produziu algo extraordinário, que ele mais uma vez colocou em forma de livro.

Em You Are Not Here (Editora do Autor, R$ 160), Jairo mostra o que fez ao longo de dois anos na capital metropolitana do mundo. Dia após dia, dedicou-se a retratar gente dentro de um vagão de trem do metrô: o mesmo banco, do mesmo vagão, do mesmo trem, no mesmo horário. Ao todo, retratou 1.500 pessoas, das quais aparecem 456, após um processo de edição que faz do livro uma galeria em papel.

Inversão de pensamento, de ponto de vista, talvez de valores, Jairo usou Nova York para mudar, ou reciclar-se. Em vez de colocar gente conhecida em um lugar e papel desconhecidos, fez precisos retratos de gente desconhecida no seu lugar de sempre. E o resultado é extraordinário, não apenas pelo tempo e esforço empregados, que dificilmente outro fotógrafo um dia repetirá.

You are Not Here é estranho, insólito e impactante. Para muita gente, conhecer alguém é algo que leva tempo. Para isso, queremos saber quando e onde a pessoa nasceu, seu nome, onde vive. Ouvimos suas histórias. E passamos a gostar ou não do resultado. Jairo, no entanto, mostra que um estranho, ou toda uma vida, se pode conhecer apenas num instante.

Produz perfis fotográficos que, ainda que sempre no mesmo cenário, contam em silêncio uma infinidade de histórias. A biografia de cada retratado está inscrita nas rugas, nas marcas do corpo, nas roupas, no gesto, no olhar. Não precisamos perguntar seu nome, endereço e história de vida para sabermos quem são.

A diversidade humana desfila diante das lentes do fotógrafo secretamente instalado no trem. São todos literalmente passageiros, mas naquele momento se transformam em estátuas de si mesmos. As imagens impressionam, não somente pelas emoções mudas que transpiram de cada um. Mostram uma espécie de determinismo da alma, onde a psiquê predomina de tal forma que aflora em todo o nosso exterior.

Um bom exemplo disso, tirado entre minhas fotos favoritas do livro, são as imagens de um mesmo homem, fotografado em duas estações do ano, distintas como o verão e o inverno, com roupas completamente diferentes, de acordo com a época. Mudou a propaganda atrás dele no vagão, o dia, o clima, a roupa, a estação, mas o homem, de volta ao mesmo lugar meses depois, permanece o mesmo - a mesma expressão vazia, invariável, de desesperança, ou enfado. Difícil descrever, porque as imagens aqui são melhores que as palavras, para nos fazer sentir.

Se por um lado podem condoer, os retratos de Jairo por outro também comovem com a alegria despreocupada, a energia, a esperança e uma série de outras emoções que carregamos todos os dias simplesmente ao ir para o trabalho. Tatuagens, chapéus, sapatos: cada elemento com que alguém compõe a si mesmo se torna revelador dos mais diferentes impulsos.

Depois de Público, seu livro de retratos de personalidades, e Privado, em que desnuda as celebridades, suas fantasias que mostram gente midiática como algo real, Jairo virou a si mesmo no avesso. E, curiosamente, continua sendo Jairo. Reúne mais uma vez elementos da literatura e do jornalismo, fantasia e realidade, em fotografia impressa.

Seu livro é grande, custa caro, e para muita gente pode parecer desses que servem apenas para enfeitar a mesa de centro de uma sala fastidiosa. Prestar atenção nele, porém, é como abrir as portas para o ser humano, sua diversidade, e o que há de extraordinário na sua mundanidade. Sugere também que olhemos o espelho, onde podemos fazer sobre nós mesmos o exercício que Jairo inventou para fazer pensar seu leitor. Pode ser assustador.

terça-feira, 7 de julho de 2015

O estilo no seu estado mais elementar - e belo

"Privado", de Jairo Goldflus - ou um fotógrafo, o nu e um duplo mortal carpado




Especialista em retratar moda e celebridades usando a moda, Jairo Goldflus sempre disse que tinha dois bloqueios: fazer um livro e registrar mulheres nuas. O receio de fazer um livro ele me revelou quando fez o primeiro, Público, para o qual escrevi uma breve apresentação. O outro receio, de fotografar mulheres nuas, ele confessou no restaurante Maní, em São Paulo, num almoço em que o procurei para colaborar comigo, quando assumi a responsabilidade de editar a revista Playboy no Brasil.

Seu pé atrás se explica. Antes de mais nada, Jairo é um perfeccionista. A possibilidade de fazer algo abaixo de suas próprias expectativas faz um terreno novo, talvez oposto ao que teoricamente seja o seu trabalho da vida inteira, ser um campo minado. Porém, Jairo tem uma qualidade excepcional. Ele assume seu medo. No final, vai atrás do que tem medo. Enfrenta o campo minado. Passa por ele, não sabemos se com uma explosão ou outra. E sai do outro lado impecável, com sua blusa preta e tênis All Star coloridos.

Agora, Jairo pegou o desafio duplo, da mesma forma que um ginasta tenta pela primeira vez o duplo mortal carpado: fazer um livro novo - e de nus. O título: "Privado". Já seria uma boa ideia, em contraste com o "Público", mas Jairo testou o perfeccionismo, e a iniciativa de desafiar territórios antes proibidos, como a alma da  criação. O homem retrata o nu desde os tempos das cavernas e essa história já passou pela escultura grega clássica e o renascentismo, até chegar aos grandes fotógrafos contemporâneos. Como fazer algo novo? Como mostrar algo que ninguém viu?

Não importa se os objetos da lente de Jairo são celebridades, gente rara da qual ele se aproxima pelo trabalho em revistas de estilo de vida. Quando uma mulher está nua, celebridade ou não, se reduz à natureza elementar. E a resposta para o novo, para a beleza inédita, é o ponto de vista muito pessoal de Jairo: a diferença está no olho, na maneira de ver, na interpretação do nu. Ao lançar o foco sobre a mulher, Jairo eliminou tudo o mais. A roupa. O cenário. Trabalhou apenas com o fundo infinito. Em preto e branco. O que se vê é apenas, e realmente: a mulher. Como ele a vê.

A técnica, a inspiração, aquilo que fez dele uma dos fotógrafos de estilo mais respeitados do país, celebram agora uma beleza anterior, desmascarada de tudo, especialmente daquilo que aparentemente sempre foi o foco de seu trabalho: a roupa. Jairo mostra agora que a moda, na realidade, não é nada senão a extensão de quem a veste. O estilo, ou melhor, a beleza, já estão lá. No seu estado estado mais elementar. E belo. Ao tirar a roupa de suas modelos, Jairo continua fazendo a mesma coisa. Igual. Talvez, melhor.