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terça-feira, 7 de julho de 2015

O estilo no seu estado mais elementar - e belo

"Privado", de Jairo Goldflus - ou um fotógrafo, o nu e um duplo mortal carpado




Especialista em retratar moda e celebridades usando a moda, Jairo Goldflus sempre disse que tinha dois bloqueios: fazer um livro e registrar mulheres nuas. O receio de fazer um livro ele me revelou quando fez o primeiro, Público, para o qual escrevi uma breve apresentação. O outro receio, de fotografar mulheres nuas, ele confessou no restaurante Maní, em São Paulo, num almoço em que o procurei para colaborar comigo, quando assumi a responsabilidade de editar a revista Playboy no Brasil.

Seu pé atrás se explica. Antes de mais nada, Jairo é um perfeccionista. A possibilidade de fazer algo abaixo de suas próprias expectativas faz um terreno novo, talvez oposto ao que teoricamente seja o seu trabalho da vida inteira, ser um campo minado. Porém, Jairo tem uma qualidade excepcional. Ele assume seu medo. No final, vai atrás do que tem medo. Enfrenta o campo minado. Passa por ele, não sabemos se com uma explosão ou outra. E sai do outro lado impecável, com sua blusa preta e tênis All Star coloridos.

Agora, Jairo pegou o desafio duplo, da mesma forma que um ginasta tenta pela primeira vez o duplo mortal carpado: fazer um livro novo - e de nus. O título: "Privado". Já seria uma boa ideia, em contraste com o "Público", mas Jairo testou o perfeccionismo, e a iniciativa de desafiar territórios antes proibidos, como a alma da  criação. O homem retrata o nu desde os tempos das cavernas e essa história já passou pela escultura grega clássica e o renascentismo, até chegar aos grandes fotógrafos contemporâneos. Como fazer algo novo? Como mostrar algo que ninguém viu?

Não importa se os objetos da lente de Jairo são celebridades, gente rara da qual ele se aproxima pelo trabalho em revistas de estilo de vida. Quando uma mulher está nua, celebridade ou não, se reduz à natureza elementar. E a resposta para o novo, para a beleza inédita, é o ponto de vista muito pessoal de Jairo: a diferença está no olho, na maneira de ver, na interpretação do nu. Ao lançar o foco sobre a mulher, Jairo eliminou tudo o mais. A roupa. O cenário. Trabalhou apenas com o fundo infinito. Em preto e branco. O que se vê é apenas, e realmente: a mulher. Como ele a vê.

A técnica, a inspiração, aquilo que fez dele uma dos fotógrafos de estilo mais respeitados do país, celebram agora uma beleza anterior, desmascarada de tudo, especialmente daquilo que aparentemente sempre foi o foco de seu trabalho: a roupa. Jairo mostra agora que a moda, na realidade, não é nada senão a extensão de quem a veste. O estilo, ou melhor, a beleza, já estão lá. No seu estado estado mais elementar. E belo. Ao tirar a roupa de suas modelos, Jairo continua fazendo a mesma coisa. Igual. Talvez, melhor.




segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O melhor do Brasil


Há alguns anos, escrevi para uma revista da Editora Abril um perfil de Gabriela Duarte, a atriz da TV Globo, que entrevistei no estúdio de seu marido, o fotógrafo Jairo Goldflus. Fiquei fascinado pela ampliações de retratos de gente famosa que ele fotografara e formavam uma enorme galeria - poucos brasileiros conhecidos não passaram por ali. Mais interessante, entre elas havia muitas fotos inéditas, que ele fazia somente para si mesmo e guardava como uma espécie de coleção de arte particular.

Não esqueci desse dia e, para minha surpresa, Jairo também não esqueceu. Sempre disse que havia gostado muito do que eu escrevera sobre sua mulher e que se tornara um leitor regular do que eu fazia. Escrever sobre gente exige certa perspicácia para entender rapidamente o ser humano, alcançar profundidade e evitar aquele tom de bajulação para o qual muitos se inclinam diante de gente considerada importante. É uma tarefa tão difícil quanto tirar algo de especial de um retrato às vezes simples, em que apenas se enquadra o rosto do personagem. Creio que, quando se trata de produzir uma obra que envolve ao mesmo tempo informação objetiva e um pouco de arte, eu e Jairo temos o mesmo desafio e a mesma abordagem.

Recentemente, Jairo me procurou, dizendo que decidira trazer à luz o seu tesouro até hoje reservado a poucos olhos. E que andava fazendo fotos exclusivas para publicar tudo em um livro. Queria que eu escrevesse a introdução, o que fiz com prazer. E o resultado é uma bela obra, intitulada "Público", que começa a chegar de forma seletiva às livrarias. Além do seu trabalho para a imprensa, que lhe permite galvanizar celebridades, Jairo empenhou-se em capturar figurinhas carimbadas, como Sebastião Salgado, mais acostumado a estar atrás das lentes que diante delas. E nos apresenta uma galeria de gente que faz o Brasil se tornar um país mais rico, interessante e importante. Um trabalho de arte que é, também, um registro histórico dos nossos tempos pelo que tem de melhor: as pessoas.

"Público" revela um talento singular: Jairo faz retratos simples se tornarem complexos, ao mesmo tempo em que, quando cria poses e interpretações, faz com que as coisas mais bizarras pareçam absolutamente simples, até naturais. Faz pensar sobre a natureza do ser humano e nosso capital fundamental, que o da mudança por meio da imaginação. Alguns podem dizer que, como autor da introdução do livro, eu tenda também ao tom bajulatório ou à falência da objetividade. Mas é difícil não ver o bem de um trabalho com arte pela arte - sobretudo em tempos nos quais o brasileiro e a sua cultura, tão dissolvidos no imenso redemoinho da indústria de massa global, carecem tanto de valorização.