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quinta-feira, 30 de junho de 2016

O Brasil e uma esperança solitária

Caminho pela rua, onde os mendigos se multiplicaram: um deles levanta debaixo de uma coberta imunda e me pergunta a hora, com educação. Há nas ruas de Higienópolis muita gente morando em colchões jogados ao chão; estamos perto do centro, mas não havia aqui assim tanta gente antes: é impossível andar uma quadra sem ouvir um pedido de dinheiro.

Uma manicure senta na porta do salão de beleza, cigarro nos dedos da mão: não há clientes na tarde sem vento. Por volta das onze horas, um homem veio me visitar em casa: o filho mora na Europa, vem ao Brasil um tempo, para se operar, e assim que puder, vai voltar para lá. Em dois dias, é a quinta pessoa que me fala de alguém que saiu do Brasil.

Temos 11 milhões de desempregados, isso na contabilidade oficial: todos os que ouço dizem que os negócios estão parados. Muitos deixam a cidade grande, vão buscar a vida no interior, como já aconteceu na Roma antiga: a saída para a sobrevivência básica. A mudança, criada não pela esperança, e sim pela desilusão, é fuga, e não solução.

Levo meu filho ao futebol, o que deveria ser uma das poucas alegrias restantes: nosso Palmeiras está na liderança no campeonato. Mesmo lá, porém, o cenário é constrangedor. Nas partidas a que temos assistido, no Allianz Parque, ao ritmo da música, a torcida substitui a letra do hino nacional pela palavra "Palmeiras" durante toda a execução. Canto o hino, enquanto meu filho olha, confuso, o pai ser o único a fazer aquilo no meio daquela multidão, uma voz dissonante entre 30 mil pessoas, para não dizer duas centenas de milhões.

Ontem anunciaram os convocados para a seleção olímpica, mas pouca gente pensa agora na beleza épica da olimpíada, um momento especial que agora vai parecendo um espetáculo inconveniente, constrangedor, quase uma maldição. Meus amigos dizem que só se importam com os clubes, não com o time nacional. Penso que é por isso que estamos nessa situação; o futebol não é apenas o futebol, é comportamento. Por olhar somente para interesses próprios ou pequenos, por agir somente em função dos interesses individuais, inclusive desrespeitando a lei e o direito do próximo, ou preferindo fazer vista grossa ao governo corrupto enquanto a economia ainda estava bem, é que o brasileiro, e não o governo, deixou que chegássemos a esta situação.

Agora parece ser tarde demais e o brasileiro se desanima com a política, mas no fundo se desanima consigo mesmo. Há os alienados, os hipócritas e os insensatos de sempre, a quem se deu oportunidade de tomar o poder. O PT quebrou o governo, não apenas com os rios de dinheiro desviados de empresas antes sólidas como a Petrobras e até dos fundos de pensão; é difícil imaginar como puderam pensar que iriam sair bem do fim do túnel em um trem descarrilhado.

Um partido que tomou dinheiro até dos aposentados deveria tirar o "Trabalhadores" de sua legenda. Mas não vejo vergonha, nem arrependimento, e sim o orgulho cego e prepotente de sempre. Vejo as hostes do PT agitando suas bandeiras vermelhas e reafirmando os mesmos velhos bordões. Sinto que a Humanidade não aprende consigo mesma, repete seus erros, até a violência. O avanço da tecnologia e o iluminismo não avançam com a era digital, que divide e desintegra a sociedade civilizada por um lado, e por outro agrega e reafirma a bárbarie.

Se fosse apenas o Brasil, mas é um fenômeno global. O mundo andará melhor? Recentemente, extremistas religiosos explodiram a si mesmos em dois aeroportos, em Bruxelas e Istambul, matando com eles dezenas de pessoas. Inocentes foram dizimados a tiros de fuzil quando se divertiam em um clube noturno. O Oriente Médio é um barril de pólvora. O Brasil tinha condições de ser um exemplo de tolerância e progresso, mas nossa índole e falta de educação nos levam novamente ao desastre, em vez do futuro que sonhamos, sem persegui-lo de fato, com determinação.

O Brasil é um país fácil. Com um imenso mercado consumidor, de gente que precisa e só deseja melhorar de vida. Somos um país democrático. Não temos problemas como outros, que não têm espaço o bastante para plantar, ou enfrentam o clima inóspito, ou dependem de energia suja, ou lidam com radicais religiosos. Nascemos em berço esplêndido, mas talvez venha daí, das nossas facilidades, nossa propensão para a indolência e a irresponsabilidade.

Nós temos como desafio apenas a nossa própria pobreza, ou a nossa ganância, ou nossa incapacidade de agir coletivamente. Somos ainda índios, ou melhor, dispersos como nossos tribos ancestrais, infectados com a ganância dos primeiros portugueses, que entraram nesta terra com o único objetivo de fazer fortuna e voltar a Portugal.

Somos um país de uma única língua, com grande identidade cultural, que poderia ser uma grande força, mas nos perdemos com nós mesmos. Os grandes esforços de reconstrução, após o belo capítulo da nossa história que foi a reconstituição do Estado de Direito e do regime democrático após o regime militar, parecem ter sido debalde: voltamos ao Brasil de sempre.

Hoje eu vou a jogo do Palmeiras, e vou cantar o hino nacional, ainda que seja o único em todo o estádio: no meio da multidão ingrata, eu me sinto quixotesco, deslocado, louco, mas, por meu filho, ainda acho que a esperança tem de recomeçar de algum ponto, de algum lugar, de algum coração.



sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cunha, Dilma e a oportunidade de uma mudança histórica

A descoberta do dinheiro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sequestrado pela Justiça brasileira em sua conta já nada secreta na Suíça, é uma boa oportunidade para repensarmos o Brasil.

Não é nenhuma surpresa que um político use o cargo e sua influência no Congresso para trocar favores por dinheiro, primeiro, e depois pela própria sobrevivência. Cunha e seu partido têm tanta moral quanto o PT, cujo comportamento colocou a presidente Dilma Rousseff à beira do impeachment.

A lavagem pública de roupa suja proporcionada pela investigação de todas as partes envolvidas nessa história mostra apenas como a corrupção no Brasil é ampla, geral e irrestrita. É um aviso imperioso de que está na hora de mudar.

A crise por que passa o Brasil não é acaso. Como não é acaso o atraso educacional, político, econômico e social em que nos encontramos. Passam ciclos ilusórios de crescimento e a realidade de novo surge como um soco no nariz. Este Brasil  da crise é que é o verdadeiro.

Nós, brasileiros, nos acostumamos a pensar que o Brasil está atrasado em relação ao chamado Primeiro Mundo porque somos um país jovem, que começou, portanto, depois. Não é verdade. Quando os portugueses começaram a se interessar pelo Brasil, na metade do Século XVI, como mostra A Conquista do Brasil, meu mais recente lançamento (Editora Planeta), a Europa ainda era um continente medieval, em que as pessoas defecavam na rua e viviam sob o terror da Inquisição.

Países hoje considerados avançados como Espanha, Inglaterra e França se perdiam em guerras internas, em um processo ainda de consolidação do poder central, depois da divisão da terra ocorrida na era feudal. Não havia a noção de democracia, de direito civil, muito menos de bem estar social.

Enquanto o Brasil vivia da exploração da cana e se tornava o último país do mundo a abolir a escravidão, a Europa passou por uma verdadeira revolução, emergindo da Idade Média. A Europa moderna que vemos hoje foi construída nos mesmos 500 anos em que se fez o Brasil.  Nesse período, outros países do Novo Mundo, como os Estados Unidos e Canadá, construíram modelos políticos e econômicos muito mais bem sucedidos a partir do zero. E hoje estão muito à frente na escala do desenvolvimento econômico e social.

O que fizemos de errado? O Brasil permaneceu sob o domínio de castas que trazem da origem os mesmos defeitos hoje vistos na nossa classe política. Nasceu como um país de saqueadores, que vinham para cá de olho nas imensas riquezas naturais do território brasileiro, para levar os recursos embora. Hoje, continuamos fazendo a mesma coisa: há uma elite encastelada no poder, que usa seus privilégios para enriquecer e levar o butim para as contas de bancos na Suíça ou comprar sua casa com um pier particular em Miami, sempre à margem da lei. Nada diferente dos primeiros donatários e da burguesia colonial dos quais os empresários e políticos encastelados no poder são hoje herdeiros.

O Brasil foi mantido sob as rédeas de uma elite latifundiária que formou uma aristocracia baseada na rapina. Nós nunca respeitamos a lei no Brasil. Este país sempre foi considerado uma terra a ser explorada para depois ser abandonada, ou continuar sendo sugada, e não um lugar para morar, construir algo, criar os filhos.

O brasileiro nunca respeitou a lei e a coletividade no Brasil . Quer se dar bem, e só. Quando consegue levar o dinheiro embora, mora ricamente no exterior, onde se comporta como um cidadão exemplar. E ainda fica falando mal do país que o gerou. Se o Brasil é uma bagunça, é justamente por conta de tipos assim, que deveriam olhar para o próprio umbigo.

Mesmo quando surge alguém diferente, assume no poder a mesma postura. Em vez de honrar a proposta com a qual se elegeu, o PT desceu ao mesmo nível de seus antecessores. Mostrou que o chamado "trabalhador" brasileiro, quando no poder, também o vandaliza. Uma frustração enorme para o vasto eleitorado que depositou no partido a esperança de algo diferente - e melhor. Porque a mentalidade da elite é um mal que está no ar, se espalha, contamina a sociedade.

O Brasil não vai mudar enquanto não mudar a mentalidade da sua elite, o que inclui a elite política, a empresarial e seus mimetizadores vindos do sindicalismo e dos que blasfemando se intitulam representantes dos "movimentos sociais". Não vamos mudar enquanto a mentalidade do brasileiro for a do saqueador, a do espoliador, que nos acompanha desde o desembarque dos degredados nas praias brasleiras.

O Brasil só vai mudar quando houver espírito público, e entendermos que o que é do Brasil tem de ficar no Brasil. E  aqui é que devemos construir um país de respeito, para que seja respeitado pelos próprios brasileiros. A partir disso, poderemos quem sabe caminhar para o desenvolvimento sustentado, em vez de viver aos trancos e barrancos.

Talvez essa seja uma tarefa para as futuras gerações. A casta de políticos que temos hoje já se comprovou espúria, como as anteriores. É um desapontamento profundo, especialmente para alguém como eu, que, como cidadão e jornalista, batalhou anos a fio pelo restabelecimento do Estado de Direito, pela redemocratização e a criação de uma sociedade mais desenvolvida, justa e equilibrada, e achava que estávamos no bom caminho.

É fundamental a educação para vermos se conseguimos dar mais um passo. Acima de tudo, temos de entender de onde vêm nossas mazelas, esse nosso caráter que nos impede de ir adiante. Somente uma mudança profunda será capaz de erradicar a mentalidade da elite brasileira e fazer com que entendamos que o progresso coletivo é também o sucesso individual, resgatando o espírito público.

Pegar quem rouba com a mão na cumbuca é um bom começo. Punir esses figurões que jogam o Brasil no atraso enquanto se locupletam é uma oportunidade histórica para mudar a página e escrever outra, livre dessas práticas. Sem isso, continuaremos vivendo no atraso. Não podemos passar outros cinco séculos assim.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A influência do índio no Brasil - de hoje

Um antigo companheiro da revista Veja, amigo de longa data, assiste à minha entrevista ao Jô Soares, e manda pelo Facebook uma pergunta com aquela pimentinha típica: "Só não entendi essa história de 'como o índio entrou no brasileiro'. "

E a resposta está na sua própria pergunta.

Realmente nós, brasileiros, temos uma enorme dificuldade de comprender como a sociedade brasileira incorporou o índio. Para nós, o povo massacrado pelos portugueses no Século XVI é uma coisa do passado, e hoje se resume àquela gente que sobrou, circunscrita aos recônditos da Amazônia ou ao Parque Nacional do Xingu, a célebre reserva indígena criada pelos irmãos Villas-Boas. Nada portanto a ver conosco.

O fato, porém, é que ó índio está no nosso DNA, como bem mostra A Conquista do Brasil, onde está claro o esforço não só para exterminar o índio como apagar os vestígios de sua influência. Apesar do empenho do colonizador imperialista e sanguinário em exterminar aquela gente insubmissa, o índio não contribuiu apenas com os nomes de lugares, ruas e cidades por todo o país. Sua cultura e seu comportamento estão arraigados na sociedade brasileira. De uma forma tão profunda que nem chegamos a perceber, porque já é quase impossível dissociá-la da nossa personalidade como Nação.

Como mostra a malícia da pergunta do amigo, o  brasileiro gosta de fazer pouco das coisas, de desvalorizá-las, de falar mal dos outros. Isso chega a extremos. Quando morre alguém conhecido, ou há alguma crise, no instante seguinte o brasileiro está fazendo piada. Esse é um comportamento típico do índio brasileiro. Não respeitamos nem gente que morre em desastre aéreo.

Assim como o índio, o brasileiro não gosta de autoridade. Nas sociedades indígenas, incluindo aquelas que os portugueses encontraram no Brasil ao desembarcar, o chefe é um servidor da comunidade e na realidade tinha pouco poder. Para os índios, o chefe servia para lhes dar presentes. E nem por isso lhes deviam servidão ou sequer reconhecimento. Uma atitude muito típica do brasileiro, que quer que o governo proveja tudo, mas está sempre pouco disposto a colaborar.


Os índios eram uma sociedade de subsistência, que viviam na abundância e não viam sentido em acumular riqueza nem planejar  o futuro. O brasileiro não planeja o futuro. Isso tem consequências em todos os planos. O brasileiro quer comprar uma geladeira e uma TV de última geração assim que recebe um dinheiro, mas não guarda recursos para a aposentadoria, como fazem outros povos, dos Estados Unidos ao Japão. De maneira geral, o brasileiro é consumista e imediatista.  Junta para o dia. Há algo do índio aí.

O índio não tem responsabilidade com as coisas. Faz coisas graves como se não tivessem efeito. Pode matar um ser humano e em seguida sair dando risada, como testemunha muita gente, incluindo os próprios irmãos Villas-Boas, no seu livro A Marcha para o Oeste. Assim como o índio, o brasileiro é inconsequente. Estes dias em que nos deparamos com os bilhões roubados da Petrobras e de outros estamentos da administração federal, nos perguntamos como alguém pode ser inconsequente a ponto de achar que ninguém descobriria uma roubalheira desse tamanho, maior que o PIB de muitos países, capaz de levar estatais à bancarrota e à falência de toda a administração pública. É nossa mentalidade silvícola na gestão pública.

A corrupção não é um problema do governo, é da sociedade que a permite. Ela se instala de forma generalizada e custa a deixar o nosso dia a dia porque está enraizada. Contagia a todos, do alto escalão da administração federal ao fiscal de rua. No setor privado, desce do capitão de indústria, que concorda em pagar propina para obter preferência na obra pública, até o cidadão que ultrapassa o outro na fila, trafega pelo acostamento para evitar o engarrafamento ou tenta dar o célebre "jeitinho", sempre alguma forma de se livrar dos pequenos regulamentos que põe ordem ao dia a dia.

Isso é resultado da porção silvícola em nossas veias, em nosso comportamento, em nossa sociedade. Gostamos de ver o lado bom da nossa porção indígena, que ajudou o brasileiro a ser um povo alegre, que enfrenta as dificuldades com certa leveza, que não se preocupa tanto e consegue ser mais flexível e tolerante com regras e pessoas. Porém, não gostamos de olhar para o lado negativo desse mesmo comportamento, que nos leva a ser uma sociedade desorganizada, propensa à corrupção, à falta de planejamento e que gosta de criticar a si mesma sem se corrigir de fato.

A melhor maneira de melhorar é entendermos a nós mesmos, sem receio de olhar para  nossas mazelas. Ao fazer um mergulho no passado, A Conquista do Brasil propicia também o exercício de psicanálise de uma Nação, trazendo do berço seus traumas e características. Somente essa terapia pode nos ajudar a entender cada um que cria o país adulto de hoje e trabalhar de forma coerente para melhorá-lo.