
Fui assistir no Morumbi o último jogo preparatório do Brasil para a Copa, no último dia 6, uma tarde de sexta-feira chuvosa, em que a torcida surgiu de última hora, e lotou os três anéis do estádio. Levei meu pai e meu filho de sete anos para um espetáculo vergonhoso, dentro e e fora do campo. Durante a maior parte do jogo, a torcida silenciosa nem parecia estar vendo uma partida do Brasil. O time, apático, quase saiu para o intervalo do jogo perdendo de 1 ou 2 a zero. Os jogadores foram para o vestiário debaixo de vaias.
É verdade que jogo-treino antes da Copa costuma ser mico, já que os jogadores não querem se machucar e o adversário nada tem a perder. Mas o lamentável não veio daí, e sim do show de mesquinharias dos apátridas que lá estavam travestidos de torcedores. No começo do segundo tempo, a torcida - boa parte dela de são-paulinos, que têm acesso mais barato às cadeiras cativas do estádio de seu clube -, puxou um coro pedindo pelo centroavante de seu time, Luís Fabiano. Foi apenas por espírito de porco. Fred, um artilheiro simpático, que fez um papel brilhante na Copa das Confederações, em seguida marcou um gol. Em vez de hostilizar a torcida que gritava de alegria apenas dois minutos depois de pedir a sua cabeça, comemorou sobriamente. Entre os brasileiros ali presentes, pelo menos ele manteve a dignidade.
Um são-paulino ao meu lado comportou-se mal desde que o locutor do estádio anunciou a escalação da seleção. Vaiava a maioria dos jogadores e também o técnico Luís Felipe Scolari, com o dedão para baixo, como um César condenando-os à morte na arena. Berrava alto, sozinho, e de forma insistente, perseguindo os jogadores o tempo todo. Sentado na sua cadeira plástica, como uma paxá num trono barato, parecia ter vindo ao estádio para destilar sua mau-humorada insolência, sua frustração e sua pobreza de espírito. Meu filho, ao meu lado, se incomodou. "Que chato esse cara!" - exclamou, a certa altura.
Porém, esse cidadão de araque não está sozinho. Parece que muita gente resolveu incorporar o espírito de porco para esta Copa do Mundo realizada dentro de casa. Em vez de fazer uma bonita festa, com a alegria costumeira do brasileiro, uma parcela importante da população resolveu se manifestar como os espanhóis do ditado: haja o que houver, soy contra. Categorias profissionais como os metroviários de São Paulo e os professores iniciaram uma onda de greves oportunistas. A motivação mistura interesses particulares, como o aumento do próprio salário, com questões gerais do governo e da Copa - corrupção, estádios superfaturados, e a tendência demagógica de todo governante de querer tirar uma casquinha da festa.
O brasileiro tem o direito de reivindicar salário, privada e coletivamente. Pode e deve protestar contra a corrupção. Mas não deveria se transformar num exemplo de incivilidade, nem ser injusto com todos aqueles que não tem responsabilidade pela situação, incluindo os que apenas e simplesmente gostam e querem ver o futebol. Este ano, completam-se 100 anos da existência das disputas de seleções. O futebol é um esporte presente na vida não apenas dos brasileiros como de todo o mundo. A Copa não é nossa, é mundial. O Brasil, no entanto, tem se comportado como o sujeito que convida os amigos para uma festa em sua casa, mas, quando eles chegam, reclama de quanto ela custou, fica dizendo que roubaram no preço da cerveja e do sanduíche, e só falta mandar todo mundo de volta para casa.
A Copa mostra bem o que somos e lembra como podemos ser. O brasileiro gosta de falar mal do brasileiro e trazer para a sala os problemas da cozinha. É o único cidadão do mundo que faz anti-propaganda do seu país, e, por conseguinte, de si mesmo. Fala mal de tudo, usa o Facebook para dar palpite no que acha que está errado, coloca a sua própria versão acima dos fatos. E não faz nada de concreto para melhorar nada, como se reclamar fosse o bastante. O brasileiro esquece que o Brasil melhor começa por ele mesmo.
Todo resmungão é preguiçoso. Nós, brasileiros, precisamos olhar mais para as coisas boas e nos empenharmos para que tudo vá melhor. Precisamos respeitar nossos atletas, que tão bem representaram o Brasil na Copa das Confederações, com uma vitória histórica sobre a Espanha na final, e merecem um voto de confiança. Respeitar o técnico, o torcedor, o direito e a opinião alheios. É certo que cada um tem suas preferências, mas não se pode menosprezar ninguém. O brasileiro se acostumou a não respeitar nada, e por isso não é respeitado.
O Brasil só fala bem do Brasil quando ganha. Esse foi o motivo do sucesso da Copa das Confederações. Se as coisas vão mal, o brasileiro se transforma num randômico atirador de flechas, como os antepassados tupiniquins. Quando reclamamos da crise, dos políticos, do governo, esquecemos que tudo isso vem do povo brasileiro, é seu produto, sua consequência. Se existe uma crise no Brasil, é de comportamento. Precisamos reclamar menos e consertar o que está errado, usando os canais corretos - especialmente o voto. Isso não nos tira o dever de tratar tratar todos com respeito, incluindo todos os atletas e torcedores de outros países que estão vindo ao Brasil pelo que a Copa tem de bom.
O brasileiro precisa ter mais espírito de colaboração, civilidade e educação, começando pela básica. É isso o que melhora tudo: os salários, a qualidade dos políticos, e também a nossa imagem, perante o mundo e sobretudo de nós mesmos.