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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A grande virtude


Hoje pouco se ouve falar da “força de vontade”

Quando eu era criança, ouvia muito essa frase:

- Filho, você precisa ter força de vontade!
Aquilo se aplicava a tudo. Fazer os deveres na escola. Levantar cedo de manhã. Não desistir de qualquer coisa.
Ter força de vontade era a diferença que resolvia tudo. Muitas pessoas têm qualidades e algum talento, mas sem força de vontade... nada surtia efeito. E mesmo as pessoas que não tinham grandes qualidades ou talento algum ainda podiam ter o mais importante. Força de vontade.
A difusão dessa qualidade essencial perdeu força com o tempo. Hoje se vê poucos pais apelando para a força de vontade na criação dos filhos. Crianças e adolescentes hoje são criados na cultura do menor esforço. Para que ir a algum lugar se existe o serviço de entregas? Para que fazer conta no lápis se tem a calculadora? Para que ir a um lugar se podemos fazer a pesquisa pela internet? Por conseguinte, para que tomar as decisões mais difíceis se podemos deixar para depois ou resolver de um jeito mais fácil?
Insubstituível é a forma como moldamos o caráter. Eu fui criado na dificuldade. Meus pais eram pobres e não tive infância fácil. Eu me lembro dos dias em que não tinha dinheiro para pegar o ônibus de volta para casa, quando adolescente. Esperava os ônibus mais lotados. Assim podia ir pendurado do lado de fora até o ponto perto de casa e descer sem pagar nada.
No colégio salesiano, a disciplina era dura, nada podia, estudar era visto como uma obrigação, um dever, um sacrifício. Mas havia um prazer enorme em superar os obstáculos. A disciplina só me ensinou a dar mais valor à liberdade e a não desperdiçá-la. Mas isso era eu. E era antes.

Hoje esse parece um discurso antigo, e quando fazemos um discurso que parece antigo descobrimos que nos tornamos velhos. Pior: sou obrigado a fazer a opção pela velhice, porque não me sinto disposto a gostar da cultura da facilidade. Tolero, aceito e compreendo, mas acho que ela amolece o caráter e as pessoas assim formadas têm menos fibra para enfrentar as adversidades da vida no futuro. E as adversidades sempre aparecem, por mais soluções fáceis que queiramos encontrar.

Eu uso a internet, o delivery e outras facilidades modernas, mas sinto falta do culto à força de vontade e assisto alarmado à sua desvalorização no mercado das qualidades fundamentais. Me entristece o desdém dos mais jovens quando resolvo fazer um trajeto à pé em vez de seguir de carro ou tomo outra decisão que implica algum esforço, quando há aparentemente uma saída melhor, como se não a enxergássemos. Eu enxergo. Os jovens é que não entendem uma coisa essencial. Assim como o corpo, para permanecer forte o caráter precisa de ginástica.

Da mesma forma, lamento que pareça estranho hoje recusar o dinheiro fácil, sobretudo o obtido de formas escusas. É o outro lado da mesma moeda. Por quê trabalhar, dar duro, suar a camisa para ganhar dinheiro honesto, quando há outras maneiras de "se dar bem na vida"? A cultura da facilidade é também a que nos leva a destruir outros princípios morais que antes tinham grande valor e leva à degradação social.

O mundo tem dinossauros e eu sou um deles, é verdade. Mas não vou esperar o dia em que alguém diga: “o velho tinha razão”. Provavelmente esse dia nem virá. Para mim, é suficiente gostar do jeito que nós dinossauros somos, como nos formamos – e lamentar que isso não tenha sido suficiente para fazer com que esse comportamento se replicasse na vida contemporânea, que valores importantes tenham se perdido, talvez definitivamente, levados pelas tecnologias que impulsionam o mundo, mas atrofiam o ser humano.

Eu gosto de pensar que o esforço ainda é válido, efetivo e nobre. Eu gosto de ter feito grandes esforços na vida, mesmo aqueles que não foram recompensados, porque é disso que a vida é feita. Eu gosto de pensar que a vontade tem grande força. Que, quando queremos alguma coisa, muito, e trabalhamos para consegui-la, com ou sem talento, podemos alcançá-la.

Para mim, a força de vontade, mais que o talento, é a fonte de tudo o que temos e a grande esperança do ser humano. Para mim, honestidade, força de vontade e trabalho nunca serão coisa de velho. Ao menos num mundo onde os jovens queiram ter algum futuro.