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sábado, 9 de maio de 2020

O direito a uma boa morte

Outro dia faleceu, de causas esperadas, aos 94 anos de idade, Rubem Fonseca. Um dos melhores escritores brasileiros contemporâneos, se não o melhor. A notícia de sua morte virou uma pequena nota na imensidão de mortes causadas pela pandemia. Pouca gente leu. No pandemônio pandêmico, não houve loas, nem homenagens.

Nesses dias, morreram também o compositor Aldyr Blanc e o jornalista Nirlando Beirão. Eu não sabia, mas Nirlando sofria do mesmo mal que Stephen Hawking. Padeceu não imagino o quanto e perdeu a vida, aos 71 anos. Essa idade, hoje, é tão cedo.

No passado, brigamos, mas, creio, nos respeitávamos um ao outro. Da última vez em que o vi, sentamos à mesma mesa, num restaurante no Itaim. Conversarmos e demos boas risadas.

Eu o chamava de "meu melhor inimigo". Certamente era um cavalheiro como poucos. E um grande jornalista. Sua morte me afetou  profundamente. Ainda que ela pareça se perder nesta multidão.

Escrevo isso enquanto por aí morrem pessoas às centenas, já aos milhares. Na pandemia, todas as mortes parecem iguais. As pessoas se vão sem despedidas, pela proibição de visitas de parentes e reuniões, até mesmo um velório.

A periferia de São Paulo hoje lembra os campos de concentração nazistas. Tratores cavam valas em série. As pessoas são ali despejadas, muitas lacradas dentro de caixões metálicos. Não há gente, cerimônia, sentimento. O rito, tão necessário às despedidas.

Somente depois de cuidar de crianças, entendi plenamente quanto trabalho e empenho emocional dá fazer a vida humana florescer . Ela tem um valor inestimável. Escrevo sobre gente, talvez, por isso. Para mim, cada indivíduo tem um valor único e precioso.

Se pudesse, escreveria um romance sobre cada um. O mais pobre e anônimo dos seres para mim vale uma odisseia. Mas sou apenas um. E os mortos se vão contando no mundo hoje às centenas de milhares.

Vejo nosso presidente dizer que as mortes são inevitáveis e temos que voltar ao trabalho de qualquer forma. Com o isolamento, porém, sabemos que haverá menos mortes. Cada vida vale um esforço sobre-humano para sua salvação. E devemos poder cuidar mesmo dos mortos. Temos, todos, o direito a uma boa morte.

Não podemos nos tornar insensíveis ou indiferentes à tragédia humana. Penso não apenas nos que se vão, mas em todos que sofrem com as perdas, com o medo da doença, ou a preocupação com os entes queridos. Este será um tempo para lembrar, não para esquecer.

Temos que enfrentar a crise com determinação, mas não podemos perder o sentimento. O que nos mantém vivos não são as vacinas, os remédios. É a solidariedade humana, que nos coloca juntos diante das dificuldades. E o amor.

Podemos sofrer,  podemos endurecer, podemos divergir, podemos até lutar, mas não podemos, em hipótese nenhuma, perder a humanidade. É isso que impede o mundo de ser irreparável.

sábado, 11 de abril de 2020

Bem vindos ao meu mundo

Bem vindos ao meu mundo. Eu sabia que um dia o estilo de vida dos escritores, tão decantado no período em que eles saem a beber, dizer besteiras e fazer enormidades, mostraria seu outro lado: o da vida de toupeira, enfiado num escritório, com a cabeça dentro de um laptop.

Escritores são, na maior parte do tempo, trabalhadores domésticos. Estou acostumado a longos períodos dentro de casa. Dias a fio, semanas, meses. Escritores vivem periodicamente quarentenas voluntárias. E bem. Por isso, a vida hoje não está muito diferente para mim. E talvez a minha experiência possa ajudar outros a conviver melhor com o isolamento.

O escritor tem algo de
faraó. Escrever um livro é como construir uma pirâmide. Você começa, não sabe quando vai terminar, e provavelmente a maioria das pessoas só vai ver aquilo depois da sua morte.

O processo de trabalho é uma mistura de horror e êxtase. Quando entramos no estado de sintonia necessário para emendar um parágrafo no outro, mergulhamos num túnel que parece interminável, até que algum dia, um belo dia, a gente sai do outro lado, ofuscado pela luz.

Para mim, esses períodos podem durar quatro, cinco, até seis meses. Saio do outro lado mais velho, com as costas moídas, estressado e gordo. Mas saio.

Você corre o risco de virar parte da mobília. É esquecido dentro de casa, como um abajur. Ou então, lembram  de você porque não está fazendo nada. Mandam você catar o lixo, atender a porta, consertar coisas. "Ficar em casa não é trabalho", dizia minha ex-sogra.

O contrário também é verdadeiro. A vida dentro de casa passa quase sem ser percebida. Se não vierem me chamar, não tomo café da manhã, não almoço, nem janto. Você pode achar estranho. Mas é o normal.

Concentração, a causa de alheamento, é fundamental para o trabalho. Eu já escrevi em redações de jornal, com 100, 200 pessoas. Você adquire a capacidade de se concentrar, apesar do barulho ou do movimento ao redor. Fica como numa caixa. Por isso, frequentemente passa como mal educado, ou imbecil.

Certa vez, quando escrevia O Homem que Falava com Deus, estava tão absorto no texto que só por volta das quatro e meia da tarde percebi não ter almoçado. Dei um grito, já bronqueado com Elizete, a empregada. "Elizete!" - berrei. "Você esqueceu meu almoço!"

Ela veio. E mostrou que o prato, já frio, estava do meu lado. Tinha entrado, avisado que o almoço estava servido, saiu. E nem percebi.

Esse estado de ausência pode durar dias, até semanas. Claro que eu paro para comer, tomar banho, essas coisas. Mas a cabeça frequentemente está em outro lugar. Quando estou parado, a cabeça trabalha. Nunca trabalho tanto quanto nos momentos em que pareço não estar fazendo nada. Eu me distraio fazendo outra coisa. Pode ser ver um filme, consertar alguma coisa. É preciso fazer uma atividade diferente, não que me faça parar de pensar, mas que me faça pensar em outra coisa, que não seja o livro que estou escrevendo. A isso eu chamo de descanso.

O tempo passa rápido, quando você está envolvido com alguma coisa. Lá fora não importa. Não sabemos se está chovendo, ou fazendo sol. Você vai dizer: não é possível. Outros já me disseram: não entendo como você escreve tanto. Escrevo tanto porque é possível. Quando começa o transe, sumo do mundo exterior.

Reapareço lá na frente, e é sempre um dia glorioso. Mas aquele tempo que passei dentro de casa sumiu do calendário. É quase como se eu não tivesse vivido. Transformou-se em algo que vira um monte de papel. E não faz nenhum sentido, se ninguém for ler.

Além de permanecer reclusos longos períodos, escritores se habituam a passar longas temporadas sem rendimento. Cada vez que você começa um livro, geralmente, está no risco. Risco de nenhum editor gostar da obra e ela não ser publicada. Risco de ela ser publicada - e não vender.

São períodos de ansiedade, tanto por conta do processso de escrever, em si, quanto pela expectativa de fazer algo que possa dar resultado. Do momento em que começo a escrever um livro, até ele ser publicado, existe o intervalo de pelo menos um ano. E outro ano, até que o livro seja vendido, a livraria pague a editora, e a editora me pague, como autor.

Não conheço nenhum outro ofício em que você investe tanto tempo e dinheiro, sem perspectiva de receber tão cedo. Talvez a construção civil. Para sobreviver, se você é empreiteiro, você precisa ter imóveis já à venda. O escritor, livros já escritos, que rendam algum dinheiro, enquanto você trabalho no próximo. Ainda assim, nada está garantido.

O livro tem uma curva de vendas. Vende mais no começo, depois as vendas começam a ser menores, até que ele vira uma "obra de catálogo". É importante você ter um bom catálogo, porque a soma da venda de livros que já não estão no auge, mas continuam vendendo, ajuda a você se manter pelo longo período de produção de um livro novo.

E quando ele acaba, ah!. Que sensação de alívio. É uma alforria. Dá vontade de viver de novo.Sair, viajar, namorar, fazer mil bobagens. Reencontramos os amigos, que não entendem nosso sumiço. Nem a mulher (ou marido) entende. São poucos os casamentos que sobrevivem a escrever um livro. Mas não há muita coisa você possa prometer para melhorar isso.

Vocês, meus amigos, ou a maioria de vocês, pelo menos, têm a sorte de estar sendo confinados uma vez na vida. Eu, com mais de duas dezenas de livros na carreira, vivo numa espécie de regime semi-aberto. Saio de vez em quando, para voltar ao confinamento. Preciso de ar livre, de experiências, de contato humano, de amor, para me reabastecer e voltar à clausura. E preciso da clausura. Não sei, até hoje, por que. Acho que nem quero mais saber.

São esses pensamentos que me vêm agora. Eu vejo e sei que lá fora a miséria avança, que estão todos preocupados, que o drama das mortes lança uma sombre negra sobre a Humanidade. E sei que o remédio do confinamento é duro. Se vale de alguma coisa a minha experiência, ou um conselho, é: torne seu tempo de confinamento produtivo. Empenhe-se em algo que vale a pena, tenha um objetivo, e envolva-se. Não fique achando que todo dia dá para tomar uma cerveja. Invente uma rotina. E aferre-se a ela, pensando que ela agora é a sua vida.

Você pode não ganhar dinheiro com isso. Mas chegará ao final do túnel ainda são, ou, pelo menos, recuperável.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

A Linha da Vida: a longa história de um breve romance


Em dezembro de 2009, fui conhecer a então nova Livraria da Vila do Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, e fiquei extasiado diante daquelas prateleiras cobertas de livros e, no centro, o auditório envidraçado que parecia flutuar entre as estantes, obra do arquiteto Isay Weinfeld.

– Ah! – exclamei, ao lado do proprietário da loja, Samuel Seibel. – Dá vontade até de escrever um livro aqui dentro!


Samuel olhou para mim, divertido, e provocou:

– Por quê não?

Surgiu então a ideia do “Escritor na Livraria”. Samuel reservou para mim uma mesa, ao lado do auditório, no amplo mezanino da loja; eu passaria ali um mês, numa espécie de reality show.

Escreveria um livro naquela mesa e meu computador estaria conectado a outra tela, voltada para o lado contrário. Assim, as pessoas que circulavam pela loja poderiam ver o que eu estava escrevendo: um livro sendo escrito em tempo real.

Escrever é por definição um trabalho solitário; gostei da ideia não apenas por fazer algo diferente, como pelo fato de que o processo de trabalho poderia contribuir para o romance que eu vinha justamente imaginando.

Na época, eu andava sob o efeito da leitura de Kafka, e de uma frase, que acreditava ter lido em algum lugar, talvez Kierkegaarde, segundo a qual a felicidade depende da incerteza. Claro, imagine se todo mundo soubesse como irá morrer: a condição para ser feliz é não saber.

Tinha de ser um livro curto, de impacto, um desafio para mim, autor de livros de fôlego; com aquela estranheza, simplicidade e força dos livros de Kafka.


O tema da incerteza ganharia força pelo método: eu permitiria que as pessoas pudessem ler e interferir durante o trabalho, de maneira que eu mesmo não saberia qual rumo a história tomaria.

Quando me instalei na livraria, eu sabia apenas duas coisas: o título, provisório (“Ensaio sobre a incerteza”), e a frase inicial (“Você quer mesmo saber?”). O título cairia ao longo do trabalho, mas a primeira frase persistiu.

Eu começava 11 horas da manhã e encerrava o trabalho por volta das 18:00, num expediente normal de trabalho, incluindo sábados. A pessoas passavam, primeiro, desconfiadas; aos poucos ganhavam coragem e vinham falar comigo, para entender o que estava acontecendo.

No final da tarde, o resultado do trabalho era publicado em um blog, pelo qual os clientes da loja poderiam continuar acompanhando diariamente o andamento da história.

Com o tempo, as pessoas começaram a participar e colaborar de verdade. Vinha, sentavam na minha frente, faziam perguntas, davam sugestões e contavam experiências próprias.

Assim, fiquei sabendo que o nome que eu havia escolhido para a cigana não podia ser o que estava lá no início; troquei-o para Rosa, que, conforme fiquei sabendo, é um nome cigano.

Surgiram jornalistas para gravar entrevistas, fotografar e escrever sobre o evento; eles também liam o que eu escrevia, faziam a crítica e comentavam sobre o que mudava na história.

Lembro especialmente de uma mulher, que sentou à minha frente e contou longamente sua história. Tinha nascido numa cidade ribeirinha do Amazonas, uma vila de pescadores, distante da civilização. Certa vez, quando tinha nove aos de idade, ciganos passaram por ali; uma cigana velha a tinha visto, lera sua mão e dissera que ela ainda seria muito rica e viveria na capital.

Para quem habitava as barrancas do rio, na beira da floresta, aquilo parecia absurdo. Na adolescência, porém, ela visitou Manaus para realizar um sonho de criança: conhecer o teatro Amazonas. Lá, encantou um rico médico carioca com quem rapidamente se casou; foi morar no Rio, teve filhos e há quarenta anos eles formavam uma família feliz. “Eu acredito em ciganas”, ela me disse, antes de ir embora.

O curso da obra ganhou outra interferência importante, que mudou o rumo da história. Naquela época, o noticiário começava a repercutir as denúncias sobre o médico Roger Abdelmassih, dono de uma célebre clínica de fertilização em São Paulo, acusado de violar suas pacientes.

O assunto ficou por dias nas conversas dentro da livraria. Um médico inspirado em Abdelmassih (o doutor Perez, ou o “Monstro”, como as vítimas de Abdelmassih o chamavam) foi incorporado à história. O dr. Jekyll da época deu um novo elemento ao romance.

No mês que passei na livraria, conheci seus funcionários, que gostavam muito do que faziam; era bom conversar com eles sobre música, livros e arte em geral; passeei pelo shopping de carrinho de golfe com Papai Noel, de quem me tornei amigo. Vi Paolla Oliveira pelada, sozinho na sala de cinema, numa tarde em que uma tempestade de verão apagou a luz do bairro e não pude trabalhar – o Cidade Jardim tinha gerador e, além dos elevadores, o cinema era a única coisa que funcionava.

Encerrei o trabalho no dia 24, véspera de Natal, como planejara, deixando o livro incompleto – para escrever em casa o trecho final, que as pessoas só poderiam ler quando fosse publicado.
Eu estava satisfeito. E cansado: não é fácil obter a concentração necessária para escrever, com gente em volta interrompendo a toda hora, embora eu, como jornalista treinado a escrever em redações com mais de uma centena de pessoas, e romancista trabalhando em casa com filho pequeno, soubesse lidar com a perturbação razoavelmente bem.

O evento foi um sucesso: promoveu a nova loja e cheguei a ser convidado para repetir a proeza numa livraria em Lisboa, a convite do Sapo – o maior portal da internet em Portugal, que queria transmitir a redação do livro em tempo real com uma câmera “24 horas”. Agradeci, mas recusei: repetir o feito, ainda mais longe da família, por trinta dias, seria demais.

Como as surpresas do destino do qual trata, A Linha da Vida ficou parado no estágio em que encerrei o trabalho na livraria, por um longo tempo. Em novembro de 2009, quase ao mesmo tempo em que começava o meu reality show literário, recebi um convite para ser diretor editorial da Saraiva, então a maior rede de livrarias e uma das maiores editoras do Brasil.

Em janeiro, ao assumir o cargo, com a responsabilidade de desenvolver as publicações de ficção e não ficção da editora, me considerei impedido de publicar o romance: como editor não queria publicar meus próprios livros, porque pareceria conflito de interesses, ou causaria estranheza nos autores de quem eu deveria cuidar em primeiro lugar; em outras editoras, passava a ser considerado concorrente.

O livro permaneceu dormindo. Passou para trás na minha lista de prioridades, mais tarde, quando voltei à vida de autor, concentrado em novos projetos. A Vila acabou fechando sua maravilhosa loja no shopping, talvez por ser tão maravilhosa que fugia um pouco à realidade comercial, sobretudo nestes novos tempos.

Só agora, numa janela entre trabalhos, resolvi revisitar o texto e concluí-lo. Dei-lhe um final, até agora inédito. E decidi publicá-lo como e-book, de acordo com sua história, precursora dos atuais livros virtuais.

O texto se manteve fiel aos propósitos originais: o tema, o tamanho, a busca pelo impacto. Mudou um pouco, contudo, sua direção; criado ao sabor dos acontecimentos, ganhou mais foco quando percebi, afinal, por quê havia me interessado pelo tema e pela história.

Está concluído A Linha da Vida, um breve romance com uma longa história: resta agradecer a todos os que com ele colaboraram, incluindo o Destino.
Juncal, agosto de 2019

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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Eu e o Thales de "Amor à Vida"

O dramaturgo Walcyr Carrasco resolveu botar como protagonista da sua novela das nove na TV Globo um certo "Thales", assim, com H mesmo, e "aspirante" a escritor. Na novela, Thales se apaixona por uma moça rica, que está com câncer. E segue o drama. Qualquer semelhança seria mera coincidência?

Walcyr é um amigo de longa data. Trabalhamos juntos, quando eu era editor da VIP, no final dos anos 1990. Foi ele quem assinou a apresentação de meu primeiro romance, Filhos da Terra, em 1998. E me indicou para a Editora Objetiva, onde tenho publicado meu mais recente romance, Amor e Tempestade. Walcyr sabe que eu já tive mulher e namorada ricas. Certa vez, diante de minhas dificuldades de lidar com certos aspectos do relacionamento com os ultra-ricos, me recomendou a leitura de um livro: Suave é a Noite, de Scott Fitzgerald. Que eu recomendo também, como um grande livro, ou para quem quer ter uma pista de onde, pode ser, irá a novela.


Não posso dizer que sou o personagem do Walcyr. Talvez nem ele mesmo possa dizer. É indefinível, muitas vezes, o limite entre a ficção e a realidade na imaginação de um autor. Agradeço no entanto a homenagem do nome e que sua inspiração tenha feito, na cabeça de seu criador, o personagem ser o herói da história, e não um bandido ou um vagabundo qualquer. Quanto á namorada com câncer, me lembra mais a história de outro amigo que eu e Walcyr temos em comum. Este amigo conheceu a mulher dele na mesma noite em que ela descobriu que tinha a doença. Antes um namorador contumaz, ele permaneceu fiel ao relacionamento. Um mês depois de ser considerada curada, sua mulher ficou grávida. O menino hoje tem dois anos, e recentemente eles fizeram sua primeira viagem juntos de férias, depois de quatro anos de relacionamento. Um final extraordinário, melhor do que qualquer ficcionista poderia imaginar. Outra pista aí de onde pode ir o folhetim global.

O escritor dá medo nas pessoas ao seu redor. Medo porque ele processa tudo o que vê e utiliza as pessoas mais próximas, muitas vezes, como material de trabalho. Muitas pessoas receiam o que possa sair de sua cabeça, ou melhor, de seu computador. Uma vez, um ex-cunhado meu, juiz de Direito, me perguntou como as pessoas se defendiam de escritores, depois de observar que eu "acertava muitas contas" naquilo que escrevia. Eu disse, simplesmente: aceitando.

É fácil falar isso, para um autor, mas nem tanto quanto se está do outro lado. O escritor pode também ser "vítima" de um amigo ou colega. Essa é a razão pela qual escritores em geral não se dão muito bem entre si - só se interessam pelo que eles próprios estão escrevendo, e evitam o semelhante, justamente por conhecerem o processo de trabalho. Preferem ser personagens de si mesmos. Não é meu caso. Tenho em Walcyr um grande amigo, não importa o que escreva. Torço para que a novela continue fazendo muito sucesso. E que o Thales de Amor À Vida tenha a sorte, como eu, de um dia ser feliz no amor e, também, na literatura.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Como começa um escritor


Agora, como autor, e também como editor, vejo todos aqueles que ingressam com seus originais no Prêmio Benvirá de Literatura, muitos deles com o mesmo sonho dos meus 17 anos, quando vivia fascinado com as histórias de meu avô materno, que eu achava dignas de um romance, e alimentava a ideia de viver de escrever. Fico satisfeito de poder, com o incentivo do prêmio, ajudar a dar uma oportunidade a gente como eu de realizar esse sonho, encontrar talvez uma profissão e, sobretudo, tendo sucesso financeiro ou não, ser feliz fazendo algo pessoalmente tão importante.

Muita gente que tem me encontrado pede um conselho. Nenhum escritor dá conselhos a outro, e editores também não o fazem, porque o jeito em que se começa nesse negócio é tão individual quanto cada ser humano. É difícil encontrar alguém que te ajude de fato ou te aponte um bom caminho. Eu mesmo estou nisso meio por obra do acaso, algo tão difícil quanto ganhar um prêmio literário.

Pensando bem, minto: eu tive alguém que me ajudou, ou que eu poderia chamar de professor, embora tenha mais me desencaminhado que encaminhado para alguma coisa. Falo de Walter George Durst, dramaturgo celebrizado por suas adaptações para TV de grandes romances brasileiros, como Grande Sertão: Veredas, e a primeira versão de Gabriela, Cravo e Canela, com Sônia Braga no papel principal - um grande sucesso na época.

Durst era pai de um colega de classe, Marcelo Durst, com quem eu cursava por coincidência duas faculdades, a de Comunicação e a de Ciências Sociais, ambas na USP. Eu era um estudante duro e não perdia oportunidade de filar a bóia na casa de Durst, pai, não apenas para escapar do bandejão desestimulante do Crusp, o restaurante da Universidade, como para conviver com aquele homem que admiravelmente vivia somente de escrever.

Aos meus olhos ele levava não a vida que pediu a Deus, mas a vida que Deus pediu. Tinha uma bela casa numa rua arborizada, na vizinhança da USP, e trabalhava numa edícula recheada de livros e pôsteres de filmes brasileiros, alguns deles estrelados por sua mulher, Barbara Fazio, na época já uma senhora, ser deixar de ser bela. Vivendo entre livros, e cheio de tempo livre para amadurecer as ideias, Durst só tinha um compromisso, que era sagrado. Ia semanalmente à feira livre, não para fazer compras, mas escutar. Queria saber o que o povo estava falando, o que gostava, sentir a temperatura do que sabia ser seu público.

Naquela época, Durst era o único escritor de novelas da TV Globo que morava em São Paulo, e começou a formar um grupo de jovens autores, início de um núcleo de dramaturgia na cidade, que trabalharia para a TV Globo sob seu comando. Vínhamos conversando bastante sobre a arte de escrever, naqueles momentos após o almoço, em que o mundo parecia parar para o café. Eu me sentava com ele em sua sala de trabalho, onde havia um par de poltronas pequenas, e ali extraía dele tudo o que queria saber.

Formado na escola do cinema, Durst tinha em mente que o fundamento de qualquer obra de ficção era a criação de um conflito, essência não apenas da novela como de todo trabalho literário. Essa tensão era para ele o gerador de interesse contínuo, e não apenas momentâneo, na obra ficcional, de modo a fazer com que o espectador (ou o leitor, no caso do romance) permanecesse entretido até o desenlace.

Foi o único profissional das letras que me deu algum alento - e também conselhos. "Esse é um mercado muito pequeno, isto é, para pouca gente", dizia ele. "Mas, se você for bem, ficará rico". Naquela época, eu começara já a trabalhar como jornalista na revista Veja, onde ganhava um salário bastante razoável para alguém com pouco mais de vinte anos. E completou. "Vou te convidar para participar do núcleo de roteiristas, mas não largue seu emprego. Ainda."

O primeiro trabalho do núcleo paulista de dramaturgia da TV Globo foi uma série para as cinco da tarde - episódios de uma hora, que deveriam ter começo, meio e fim. Eram voltados para um público de mais idade, que segundo pesquisas era a maior audiência do horário. Durst pediu então a cada um uma sinopse, que mais tarde seria desenvolvida para se transformar em episódio. Cada autor entraria regularmente com um episódio inteiramente seu, numa sistema de rodízio.

Por aqueles dias, eu havia recebido na redação de Veja, dentro de um envelope meio sujo, uma longa carta de um executivo que soava em desespero. Narrava suas desventuras desde um acidente: batera o carro no veículo de um casal de velhinhos, que o ameaçara de processo e depois passara a chantageá-lo. Numa sequência kafkiana, o missivista dizia que tinha perdido em sequência o seu emprego, o dinheiro e, ao cabo, a mulher. Eu não via nenhuma reportagem a fazer com aquela história, mas achei-a de primeira mão para produzir o meu primeiro episódio da Série Brasileira.

Entreguei a sinopse a Durst, que a remeteu para avaliação da Globo no Rio de Janeiro. Chamou-me em sua casa para dar o retorno. "Olha, eles adoraram a história", disse ele. "Mas pediram para você tirar essa persona sacana dos velhinhos. Como o público é idoso, eles acham que isso pode indispor o telespectador com a série."

Protestei, claro. Se os velhinhos da história fossem bonzinhos, ela perderia completamente a graça, que estava justamente aí.

Por coincidência, naquela mesma semana, devido a uma série de mudanças nos quadros de Veja, recebi a notícia de que seria promovido a editor de assuntos nacionais da revista. Era um cargo importante, sobretudo para alguém tão jovem, e chave para a publicação. Eu cuidaria de editar todas as reportagens de alcance nacional, sobretudo da política, numa época em que o Brasil estava em plena ebulição, saindo de uma pesada crise econômica e entrando na reta para a primeira eleição presidencial em 30 anos, depois de uma angustiante e longa transição da ditadura militar.

Pensei no conselho de Durst ("não largue seu emprego"), e na frustração de, na TV, não poder escrever a história como eu desejava, mas moldado pela opinião dos executivos e seus charts do Ibope. De certa forma, mesmo tão jovem, eu partilhava da velha escola de Durst, que se valia muito mais de seus ouvidos, sua "pesquisa qualitativa" na feira de rua, de onde também vem a matéria bruta ficcional - a experiência humana, o contato pessoal, a emoção. Liguei para ele, agradeci, expliquei que com aquele convite de trabalho não poderia me dividir mais com o núcleo de dramaturgia e que tinha feito a minha opção pelo emprego.

Ele entendeu - e foi a última vez que falei com Walter George Durst, falecido há alguns anos. Muitas vezes pensei se deveria ter me arrependido dessa decisão, se não teria sido mais feliz (ou ficado rico) escrevendo para a TV. Mas a verdade é que, por muito tempo, não pensei mais em escrever ficção de qualquer espécie, dedicado como estava ao jornalismo. E voltaria a escrever ficção, novamente, por mero acaso - ou melhor, por uma indicação de outro dramaturgo, que, como nas melhores novelas, viria a ser o autor da segunda versão para a TV de Gabriela, Cravo e Canela.

Depois de Veja, trabalhei como editor de VIP, na época então um suplemento de Exame, onde dei emprego a certo dramaturgo que, depois de algumas tentativas não muito bem sucedidas, decidira voltar ao jornalismo para ganhar a vida até poder se recolocar na profissão com a qual sempre sonhara. Walcyr Carrasco, que já trabalhara em Veja, aceitou um modesto cargo de editor assistente, e escrevia reportagens de comportamento, o que ele fazia muito bem, devido à sua sensibilidade para abordar as pessoas e captar nuances - uma qualidade do jornalista que tem talento literário.

Walcyr escrevera alguns livros infantis e, quando sua editora, Maristela Petrilli, lhe pediu indicação de um autor, apontou meu nome. Levei uma hora para escrever Liberdade para todos, uma obra que, ao longo de uma década, seria adotada em muitas escolas e venderia mais de 150 mil exemplares. Era um livro singelo, mas que me despertou a vontade novamente de escrever ficção, e me ajudou a lembrar do que realmente os livros eram feitos - não de inteligência, mas de matéria emocional. E que o trabalho do ficcionista é ajudar os outros a trilhar caminhos, apresentando a si mesmo e suas experiências como uma espécie de laboratório.

Retomei o projeto de escrever o livro inspirado nas histórias de meu avô, que nunca foram além de uma transcrição de velhas fitas que eu guardava já como lembrança. Vinte anos depois, o romance finalmente tomou forma, diariamente, entre as cinco e as 9 da manhã, quando eu saía para o trabalho.

Naquela época, a mesma editora que lançara meu livro infantil incursionava na ficção adulta e me pediu os originais. tempos depois, voltou a resposta. A editora preferira me enviar o longo texto do parecerista, em que ele me chamava de "o Dostoiévski brasileiro", e acrescentava que, se vivesse no mundo contemporâneo, Dostoiévski teria seus livros recusado nas editoras, porque eram muito grandes. Por fim, recomendava que eu cortasse o texto pela metade, para que pudesse ser publicado com fins comerciais.

Aquilo, para mim, era um não - eu preferia procurar outra editora. E foi o que fiz. Junto com um livro do editor de moda Fernando de Barros, que eu ajudara como colaborador a se tornar um best seller (fazendo com ele "Elegância,", um guia de moda masculina), ofereci meu manuscrito à Siciliano. O editor, Pedro Paulo Sena Madureira, olhou-o como todo os editores - com um certo ceticismo, ou desdém. Porém, me conhecia como jornalista, e se viu obrigado a pelo menos ler algumas páginas.

Tempos depois, Pedro Paulo me anunciou que o livro seria publicado. Lera mais do que algumas páginas - bebera tudo. "Realmente o livro é grande", disse ele. "Mas o que é o seu defeito, é também sua qualidade." Surpreendentemente, o livro de Fernando de Barros venderia menos do que a editora esperava. E meu romance, do qual não se esperava nada, foi para a segunda tiragem e mais tarde para uma segunda edição. Logo eu publicaria na Siciliano meu segundo romance, O Homem Que Falava com Deus, que teria sua primeira reimpressão ainda antes da noite de autógrafos. Eu começara, dessa forma, uma carreira paralela, como sugerira Durst - até me sentir confiante o suficiente para deixar, enfim, meus empregos e viver, como vivi oito anos, apenas de escrever livros.

Hoje, Walcyr Carrasco desfruta o sucesso da segunda minissérie Gabriela. Por indicação dele, novamente, mudei-me há alguns anos para a Objetiva, quando a Siciliano foi tragada por dificuldades financeiras, junto com sua rede de livrarias. Certa vez, Walcyr me disse que era meu amigo porque sabia que eu não tinha inveja dele - algo raro entre intelectuais das letras. De fato. Eu não trocaria sequer um dos meus livros por todas as novelas de Walcyr, mesmo que não ganhasse dinheiro algum com eles.

Não é que eu desgoste das novelas de Walcyr, pelo contrário. Ele é um mestre no que faz. Só que eu, revendo minha trajetória desde as conversas com Durst, sei mais do que nunca que meu negócio é o livro. Não há maior recompensa do que escrever a sua própria história, aquilo que você quer, olhando para a rua, e não os charts dos executivos. Funciona. Descobri, como Durst, que fazendo isso a gente obtém a maior das recompensas, que é saber que a gente escreve sempre tem ressonância. Há gente que gosta, que compra, e ainda agradece por isso. O que faz de mim, dessa forma, entre todos, o mais grato.









quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prêmio Benvirá: como se tornar um escritor de verdade


Raphael Montes é um moleque de sorte.

Há dois anos, quando abrimos o primeiro Prêmio Benvirá de Literatura, e recebemos 1932 inscrições, achamos um texto que chamava a atenção por duas razões. A primeira: era um livro policial denso, consistente, que mergulhava no universo da juventude carioca, do tipo que entretém e faz pensar, uma combinação excelente para uma obra de ficção. Selecionado entre os dez finalistas, recebeu elogios de todos os jurados, especialmente do crítico e jornalista Nelson de Oliveira. "Normalmente não gosto muito de policial, ainda mais para prêmio", disse ele, na época. "Mas gostei muito deste - eu o consideraria."

A segunda coisa que chamou a atenção foi a quilometragem do autor: Raphael, que mentia a idade, tinha apenas 19 anos. Começara a escrever Suicidas três anos antes, com somente 16.

Suicidas não ganhou, e Raphael achou que estava fora do baralho. Entregou os originais para uma pequena editora. Tinha já um contrato assinado. Quando recebeu um telefonema meu, interessado em publicar o livro pela Saraiva, selo Benvirá, mudou de ideia na hora. Conversou com o editor, desfez o contrato. "Ele entendeu", me contou, depois.

Por alguns meses, enquanto preparávamos os originais de Suicidas, eu costumava brincar na Editora que ele se tornara o autor não publicado mais famoso do Brasil. Estudante de Direito, a um semestre de completar o curso, no Facebook e aonde ia, Raphael se autointitulava "escritor". E se enfiava em cursos, seminários, até na imprensa. Foi entrevistado como "autor" pelo jornal O Globo, durante a Bienal do Rio. Foi convidado para dividir mesa de debates literários com autores de renome, já publicados por grandes editoras. Um prodígio da vontade.

Raphael deu sorte, mas também porque estava em todo lugar. Há dois anos, apareceu na minha frente em Paraty, durante a Flip, e se apresentou. Rapaz simpático, falante, acabou entrando para o grupo que estava lá reunido - os autores da Benvirá, Luis Felipe Pondé, o mexicano Enrique Krauze, a romancista argentina Pola Oloixarac, a "musa' do evento. Conviveu com os autores na intimidade, nos jantares que promovemos na casa de Benoir Gautier, um amigo querido, e conheceu por dentro o clima dos grandes eventos literários. Me pediu um conselho. E eu dei: "Forme-se e não largue seu emprego - por enquanto".

Lógico que a primeira coisa que Raphael fez, ao se ver um autor prestes a ser publicado, foi contrariar meu primeiro e único conselho: largou o emprego (na verdade, um estágio de Direito), com o pretexto de ir de novo à Flip, este ano. Talentoso, ousado, a ponto de ser meio abusado, lá estava ele de novo, no meio da massa de Paraty, com suas bermudas balançando ao redor dos cambitos de garoto. Teimoso, o "escritor".

No Rio de Janeiro, quando lancei um livro do hoje ministro da Defesa, Celso Amorim (Conversas com jovens diplomatas"), quem estava lá, na sessão de autógrafos? Raphael Montes. Queria ver o lançamento de perto, sentir, cheirar, estar com as pessoas que faziam tudo acontecer. E a conversa boa atravessou um jantar e foi parar alta madrugada na casa de seus pais, em Copacabana, onde ele nos apresentou a coleção completa das obras de Conan Doyle que é o orgulho da biblioteca em seu quarto. Depois foi abrir a adega de cachaças do pai - um colecionador do destilado, que felizmente dormia.

Raphael Montes não deixou de ser garoto. Enquanto Suicidas entrava na gráfica, ele estava na Disneylândia, fazendo poses ao lado do Mickey e do castelo da Cinderela, postados no Facebook. Ontem, em uma Saraiva do Rio de Janeiro, foi sua vez de estar sentado à mesa autografando seu romance. Estavam lá amigos, professores desde o jardim da infância, membros do Clube da Cachaça, colegas do karaokê, mestres de Direito e uma porção de gente que comprou o livro e, para sua surpresa, ele nem conhecia.

Ontem, afinal, Raphael Montes se tornou um escritor de verdade. Disse ele no Facebook que foi a melhor noite de sua vida. Espero que tenha muito disso pela frente. E que não largue seu novo emprego. Ainda.




quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Prêmio Benvirá: por que existe, por que participar


Quando assumi a direção da área de Ficção e Não Ficção da Editora Saraiva, há cerca de 3 anos, lancei na companhia a ideia de desenvolver um prêmio literário, que recebeu apoio entusiasmado de toda a equipe editorial, de vendas e marketing, além do presidente da companhia, José Luiz Próspero. E eram muitas as razões para isto, além de conquistar novos autores para o novo selo Benvirá, criado com a finalidade de lançar livros da Editora Saraiva em todo o mercado.

Claro que o Prêmio, em primeiro lugar, teve a finalidade de divulgar o selo Benvirá, mas havia, e ainda há, muito mais. Um dos seus objetivos é criar um canal para o novo e profissionalizar cada vez mais o mercado brasileiro de livros, como acontece em outros países, como a Espanha, em que várias editoras possuem seus próprios prêmios de incentivo ao surgimento de novos autores, como a Alfaguara e a Bruguera.

Em prêmios como o Benvirá, não é somente o vencedor que sai ganhando (em nosso caso, 30 mil reais, mais toda a promoção do livro, por conta da divulgação do resultado). Na primeira edição, contamos com outros quatro autores que chamaram a atenção e já tiveram suas obras publicadas. Um quinto ainda tem seu livro por ser lançado.

É um prazer encontrar novidades por aí - e o prêmio nos permitiu fazer boas descobertas. Primeiro, que o modelo de enviar originais em papel está superado. Creio que esse é o principal fator para fazer com que nosso prêmio tenha sido recordista em inscrições (1.932 originais, em sua primeira edição), enquanto outros prêmios, como o da Leya, não ultrapassaram 800 concorrentes. Foi gente de todo o Brasil, graças ao acesso democratizado e simples que a tecnologia permite.

A segunda e mais importante descoberta é que existe uma geração de novos bons autores, criados no ambiente cibernético. Entre os inscritos no primeiro prêmio, estavam diversos autores já publicados, e por editoras importantes. Porém, os jovens ganharam a preferência, não apenas entre os dez finalistas, como entre as obras que procuramos para publicação, posteriormente ao anúncio do vencedor. Não por uma política editorial que apontasse nesse sentido, e sim, simplesmente, porque os originais eram de melhor qualidade.

Acredito que esse fenômeno tem sido estimulado pela internet, um ambiente que tornou a escrita mais importante e presente no dia a dia, do e-mail aos blogs e sites literários. A proliferação de fanbooks, clubes de autopublicação e comunidades que seguem concursos literários ou comentam livros, como o Skoob, são um grande avanço para a consolidação de um amplo e livre espaço para a criação literária.

Os prêmios literários têm sucesso ainda antes de divulgado o seu resultado. Para concorrer ao prêmio, muita gente começa a escrever, ou aprimora seus originais, mergulhando no campo da criação e das ideias. O Prêmio Benvirá, dessa forma, funciona como um estimulador da criação e da cultura brasileira.

Com isso, creio que a Editora Saraiva, que possui 2.700 autores brasileiros, de onde vem 95% de seu catálogo, dá mais uma grande contribuição à produção cultural nacional. E é um prazer poder colaborar, pois ninguém está no negócio do livro apenas por compromissos de trabalho - nunca se perde de vista o principal, que é o ideal de fazer um Brasil melhor por meio da Educação.




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Prêmio Benvirá: gêneros, tamanho do texto e outras questões


Mais questões têm surgido a respeito do Prêmio, aí vão as respostas que atendem à maioria delas.

Gênero
O prêmio Benvirá de Literatura aceita qualquer forma de texto ficcional, isto é, romance, conto ou poesia. Isso inclui romance histórico, que também é ficção.

Tamanho
Não existe um tamanho minimo ou máximo. Para ter chance real de ganhar o prêmio, porém, é preciso enviar material suficiente para dar um livro. Não adianta apenas 1 conto ou um poema. Na primeira edição, em 2010, dos 1.932 originais inscritos, somente uma dezena eram textos pequenos ou insuficientes para um livro, sinal de que a imensa maioria dos concorrentes entendeu bem a proposta, que visa a publicação em livro da obra do autor premiado.

Quem já concorreu pode concorrer de novo?
Claro. Quem já concorreu na edição anterior pode ter melhorado a obra, ou escrito uma nova. Demos o prazo de dois anos entre uma premiação e outra justamente para permitir esse tempo de produção. Conforme o regulamento, só não podem concorrer funcionários da Saraiva Livreiros Editores SA e autores já publicados pela própria Editora. O que inclui aqueles que já tiveram seus livros publicados por meio da primeira edição do Prêmio Benvirá.

Quem tiver seu livro publicado poderá continuar publicando outras obras pelo selo Benvirá?
A proposta do selo Benvirá é desenvolver a carreira dos autores, lhes dando uma oportunidade de entrar no mercado profissional do livro. Para isso, é importante que o autor siga escrevendo. Os autores já publicados foram convidados a fazer uma segunda obra para dar continuidade à carreira. Lívia Brazil, cujo primeiro romance (Queria Tanto) foi muito bem nas livrarias, já entregou os originais de um segundo romance, que deve ser publicado ano que vem. Os outros, estamos aguardando. Escrever um bom livro em geral demora.

Como é o contrato de publicação do livro?
É um contrato de direitos autorais como qualquer outro contrato de autores publicados pela Editora Saraiva. Depois de anunciado oficialmente o vencedor, os autores dos outros originais que interessaram aos editores serão procurados, por meio dos dados obtidos no cadastro.

A editora influi na decisão dos jurados?
Não. Eles são livres para escolher a que acharem ter mais qualidade, sem necessariamente se preocupar com questões de mercado (o que vende mais, de acordo com o interesse do público no momento). A decisão é tomada numa reunião de portas fechadas da qual nós, editores, não participamos. Porém, temos a liberdade de também editar outras obras, especialmente entre os finalistas, que são selecionados por nós, que acreditamos ter potencial de vendas ou alta qualidade. Estes não recebem prêmio, mas entram para o nosso catálogo de autores - o que já é muito bom.

Não deixem de ler o regulamento, no site do selo Benvirá, da Editora Saraiva: www.benvira.com.br.



terça-feira, 7 de agosto de 2012

Oito jovens e uma arma


Raphael Montes tem vinte anos, está no último semestre de Direito, mora em um apartamento confortável em Copacabana, que divide com os pais, no Rio de Janeiro, e a prateleira de livros em seu quarto, com a coleção completa das obras de Conan Doyle, revela qual é seu maior interesse. Desde os 17 anos, com diligência rara para alguém tão precoce, ele escreveu um romance que surpreende pelo número de páginas, pela qualidade, e por coisas que provavelmente nem mesmo ele ainda sabe.

Suicidas, que está sendo lançado agora pelo selo Benvirá, já nasceu com uma história surpreendente. Concorrente entre mais de 1.900 originais da primeira edição do Prêmio Benvirá de literatura, em 2010, já seria extraordinário chamar a atenção entre tantos originais. A idade do autor surprende ainda mais – e revela uma curiosa faceta dos tempos virtuais, em que os jovens escrevem bastante, cada vez mais cedo, e melhor. E, por fim, o livro tem uma admirável densidade. A pretexto de uma história de mistério, Raphael acaba revelando muito mais: como pensam, agem e vivem os adolescentes e jovens da geração do próprio autor.

O ponto de partida de Suicidas é palpitante: um grupo de jovens se reúne no porão de uma casa para se matar. Um ano depois, uma investigadora policial convoca as mães para colaborar com o esclarecimento da caso, a partir de um novo achado: o diário de um dos suicidas, com pretensão a escritor. A partir desse texto, as mães passam a discutir e compreender melhor não apenas a morte brutal de seus filhos, que vem à tona da forma mais crua e chocante, como descobrem o quão pouco os conheciam e os motivos que teriam levado suas “crianças” a uma roleta russa.

Trata-se de uma versão extrema do dilema comum à maioria dos pais, que buscam entender um pouco mais os filhos nessa fase da vida em que eles se desligam da família e se tornam mais independentes – para o bem e para o mal. Os pais não sabem tudo o que acontece com os filhos lá fora e em geral descobrem os problemas muito tarde – especialmente envolvimento com drogas e outras encrencas. Numa geração que parece sem objetivos, movida de um lado pelas facilidades proporcionadas pelos pais, de outro pela aflição diante de um mundo sem perspectivas além das virtuais, a proposta do suicídio coletivo repentinamente se torna verossímil – e alarmante.

Ao escrever Suicidas, Raphael Montes procurava construir um romance policial, que intriga pelo ponto de partida e pela surpresa final. Crime ou suicídio? Porém, ao desfiar a vida dos integrantes do pacto suicida, ele acaba por forjar um profundo e interessante retrato da alma de pais e filhos nestes tempos em que os adolescentes e jovens vivem sob identidades secretas na internet.

Raphael vai apresentando seus personagens e suas complexidades sem pressa. O fio condutor da trama, a revelação paulatina do diário do jovem Alê, faz com que a sociologia da juventude ganhe fôlego e interesse reais de um thriller. Cada um pode tirar do livro o que achar mais interessante: a diversão pura ou o maior entendimento de quem é essa geração à qual o autor pertence.

Abusado e ambicioso, Raphael mostra que sua presunção tem algum fundamento. Não tem vergonha de querer aparecer e já se autointitulava “escritor” no facebook antes mesmo de ter seu livro publicado. Agora, Raphael Montes é finalmente um autor profissional, com um livro publicado - e mais. É desses escritores que não se sabe se é mais autor, ou personagem dele mesmo.

domingo, 3 de abril de 2011

Quixote

O escritor é muitas vezes um Quixote, pois não é fácil ser contra tudo e contra todos o tempo todo. Porém, assim é seu espírito, pois se há algo de comum entre todos os que escrevem é a sensação de que mais vale passar a vida de lança em riste contra moinhos imaginários que levar a vida ruminante dos conformados.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Meu romance preferido



Existem os livros preferidos dos leitores. E os preferidos de um autor, entre seus próprios livros.

A quem pergunta qual de meus livros é meu preferido, uma só resposta: Campo de Estrelas. Talvez não seja meu melhor livro, em técnica, resolução ou mesmo ambição. Certamente é o que foi pior lançado. Todos os romances de um autor falam ao seu coração. Ele é meu preferido por uma só razão: as pessoas que envolve.

A primeira delas: meu pai. Claro que o pai do livro, inspirado nele, é quase ele. Claro que a viagem do livro, entre pai e filho que juntos rumam por terra a Macchu Picchu, foi também uma viagem de verdade. Coisas da literatura, a fantasia que acrescentei ao romance às vezes me parece muito real, tanto quanto a realidade pode parecer às vezes fantástica ou fantasiosa. O mendigo misterioso, travestido de rei em farrapos, foi um personagem que vimos de fato em La Paz. Que eu e ele não esquecemos.

Meu pai diz que não se lembra de detalhes que eu conto no livro. Fatos que eu tenho como reais podem ser mesmo fruto da imaginação. E ele lembra de coisas que já me escapam. Nunca saberemos ao certo. Já lá vão mnuitos anos, há a traição da memória e a diferença de pontos de vista. Mas foi estranho esse encontro de memórias por meio do livro. Foi estranho o simples fato de meu pai ter lido o livro. Ele, que me fazia ler todas as noites, antes de dormir, quando eu era um projeto de gente (ainda sou).

Sim, meu pai lendo um livro que escrevi. E, depois de ler, me deixou uma mensagem. Esta:

"Querido filho, prezado autor Achei lindo e comovente este final. É claro que sou suspeitíssimo não apenas por ser personagem, companheiro de personagem e pai do autor. Mas sobretudo admirador do estilo e sobretudo da coragem de se revelar publicamente. Fica sendo um livro de aventuras, diário de viagem, literatura juvenil, novela romântica, tudo dependendo da página em que o leitor estiver."

*

Outro personagem caro do livro é o do médico, identificado como Roger. Houve um Roger de verdade - Eric Roger Wroclavski, que tratou do pólipo na bexiga de que fui vítima, me salvando a vida.

Eric morreu há cerca de um ano, vítima de câncer na próstata, que descobriu quando já era tarde demais - ironia cruel, caiu pela doença que tratava. Eric era um herói, que lutava diariamente acima de forças humanas para salvar a quantos pacientes podia. Não sabiamos que ele mesmo sofria do mal que combatia diariamente, pois a ninguém contou da doença. Nem à família. Nem aos médicos que com ele trabalhavam.

Fui ao hospital visitá-lo. Li para ele os trechos do livro em que aparece. Achou que eu devia ter posto o nome dele de verdade. Se eu soubesse o que ele sabia, pensei, teria escrito um romance muito melhor. Nem o mais imaginativo ficcionista poderia imaginar que o médico estava mais doente que o pacioente, e as perguntas que me fazia sobre a vida, literatura e como encarar a vida tinham para ele interesse capital. Comungávamos do mesmo medo.

Depois de saber que ele era um homem marcado para morrer desde o início (ficamos doentes na mesma época), todas as nossas conversas ganharam para mim um novo sentido. "Você devia ter me contado", disse eu. Eric riu. Mal se movia na cama, e riu. Eric salvava vidas, mas só temporariamente. Só os livros podem eternizar realmente as pessoas. Essa é a pretensão da literatura - perenizar estrelas tão fugazes com um brilho capaz de ficar no tempo. O sentido desse meu Campo de Estrelas, onde está reservado lugar para todos nós.