Mostrando postagens com marcador emprego. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador emprego. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Vai Antonio Ermírio, ficam seus valores



Em meados da década de 1.990, quando eu trabalhava no grupo Exame, publiquei uma entrevista do ex-governador Orestes Quércia, na qual este acusava a família Mesquita, dona do jornal O Estado de São Paulo, de corrupção - teria usado sua influência na imprensa para obter empréstimos favorecidos do BNDES. A família Mesquita processou Quércia pela acusação, e este processou os Mesquita de volta. O caso, em si, obviamente não deu em nada. Porém, ficou disso uma estranha amizade. Uma vez por ano, eu era chamado ao Fórum da Lapa, em São Paulo, assim como o empresário Antonio Ermírio de Moraes e o banqueiro Olavo Setúbal, os três arrolados como testemunhas. A família Mesquita e Quércia, os principais interessados no processo, nunca compareceram ao fórum. Eu, porém, Ermírio e Setúbal, estávamos sempre lá. Uma vez por ano, durante cerca de cinco anos, nos encontrávamos pontualmente no Fórum. E ficávamos batendo papo, até que o juiz, ao ver que as partes efetivamente não compareciam, acabava por nos dispensar.

Era um prazer conversar com ambos. Nesses encontros, discutia-se sempre a ética. Tanto Setúbal quanto Ermírio eram pessoas ocupadíssimas. Porém, davam valor e respeitavam a justiça em primeiro lugar. Ermírio, sobretudo, fazia questão de não se portar como costumam fazer os poderosos, que se acham pairando sobre a lei ou, esquecidos dos princípio básicos da igualdade humana, do respeito e da humildade, deixam de fazer aquilo que é obrigação de cada um. Mais do que um dos líderes da Votorantim, ao lado de seu irmão José, Ermírio se tornou conhecido pela ética do trabalho, da qual era o grande pregador. E fazia questão de ir muito além de suas obrigações. Mesmo tendo a maior companhia privada do Brasil para tocar, desdobrava-se para fazer seu trabalho administrativo - e benemerente - no hospital Beneficência Portuguesa.

Quando inaugurou o hospital São José, que pretendia transformar num centro de excelência, tive o prazer e a honra de comunicar a ele que receberia o título de Paulistano do Ano, concedido pela revista Veja S. Paulo, que me pediu para escrever um perfil dele. Hoje, esse perfil se encontra publicado em livro ("Eles Me Disseram, Editora Saraiva/Versar). Nessa ocasião, em que me recebeu sem muito apreço pelo prêmio, como por qualquer prêmio, mas atencioso com o jornalista e feliz com a realização do hospital, "doutor Antônio" se deixou conhecer um pouco mais.

A morte de Antônio Ermírio, aos 86 anos, assim como a de Setúbal, deixa a marca de um brasileiro incansável, patriota e exemplar. Rico como era, mas levando uma vida relativamente espartana, totalmente voltada para os 9 filhos e o trabalho, ele se tornou líder pelo comportamento. Uma breve experiência na política mostrou-lhe que esse mundo não lhe servia, e que fazia mais pelo país como simples cidadão e empresário. Avesso à demagogia, criticava políticas assistencialistas, como a do Bolsa Família. Seu foco era a geração de emprego e a valorização do cidadão pela educação e o trabalho.

Sem Ermírio, fica-se com a impressão de que o Brasil perdeu um de seus pilares. Porém, se os homens vão, seus valores ficam. O Brasil precisa de muitos Ermírio, que lutem pela saúde, educação e trabalho de forma honesta e incansável. Pessoas que se orgulhem de pagar impostos e capazes de doar parte de seu tempo e capacidade às causas coletivas. Pessoas que prefiram às vezes trilhar o caminho mais difícil, pelos frutos mais duradouros que renderão no futuro, do que ceder às facilidades momentâneas ou à tentação do golpe empresarial ou eleitoreiro.

Não vou ao seu velório, nem ao seu enterro. Vou trabalhar, a melhor homenagem que neste momento poderia lhe prestar. Ermírio para mim está vivo, pois sua missão nunca se acaba, mais importante do que nunca.