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quarta-feira, 30 de julho de 2014

A bestialidade humana



Há um fogo cruzado na imprensa e nas redes sociais,pró-israelenses dizendo que a culpa é do movimento palestino terrorista Hamas, pró-palestinos dizendo que a culpa é dos israelenses. Enquanto isso, ontem morreram dezenove crianças num bombardeio na faixa de Gaza, enquanto dormiam num abrigo da ONU.

A morte de crianças revela a única verdade, que abrange um e outro lado da disputa: todos são culpados. Uma vez que a intolerância e obscurantismo se armam, e se passa à guerra, sob qualquer pretexto, todos os lados perdem a razão. A guerra mostra apenas a bestialidade humana, nossa natureza mais feroz, aquela que deveríamos ter controlado quando decidimos levantar a cabeça, ser diferentes dos animais e construir uma civilização.

São criminosos os que colocam civis como escudo para terroristas, como são criminosos os que não se importam com qualquer tipo de barreira para eliminar o inimigo. São criminosos os indivíduos que instalam o terrorismo, e é criminoso o terrorismo de Estado.

Em pleno Século XXI, em que tantos avanços foram feitos graças ao pensamento iluminista e à tecnologia, a maior ameaça mundial continua a ser o barbarismo oriundo da intolerância e do radicalismo religioso, que remontam à era tribal. Eu, que estudei a Bíblia para escrever um romance sobre a formação do povo judeu (O Homem que Falava com Deus), pesquisei na Jerusalém de hoje costumes e ideias preservados há milênios para produzir um romance histórico, porque os componentes mais primitivos da beligerância religiosa estão todos lá.

Os judeus cultuam o mito de uma raça pura, advinda de um único ancestral, escolhida por Deus, e fundaram ao redor desse mito uma Estado militarizado voltado para a guerra e disposto a tudo para prevalecer. Um grande livro, que tive a oportunidade de lançar como editor (A Invenção do Povo Judeu, do professor judeu Shlomo Sand, um heroi de guerra, professor de História na Universidade de Tel Aviv) mostra como na verdade os judeus são um povo miscigenado, formado ao longo dos séculos, que bem poderia entender suas raízes históricas para construir ao seu redor um mundo mais pacífico.

Por sua vez, os palestinos, que sempre estiveram por ali mesmo, também foram incapazes de conciliar suas crenças com a tolerância na vida terrena. Ainda mais agora, em que o radicalismo islâmico produziu uma força tão cega e feroz quanto a de seus adversários.

Este planeta é pequeno para a ambição humana. A incapacidade de dividir, de conviver, de tolerar, de respeitar as ideias, crenças e costumes do próximo sempre foram nossa perdição. Estamos de volta às cruzadas, quando os guerreiros usavam lanças e travavam batalhas a cavalo, pois o problema continua o mesmo.

A pobreza crescente faz com que a população carente se apegue às ideias mais retrógradas, patrocinadoras do único culto universal, que é o culto da raiva. E o pobre é, no fim das contas, a maior vítima desse tipo de disputa. Sim, porque os ricos não estão lá, morrendo em abrigos, ou levando tiros nas trincheiras.

Como desarmar os espíritos, quando chegamos a este ponto? Como levantar bandeiras de paz? Como restituir a civilidade a uma sociedade retornando à bestialização completa, desta vez não com pedras e espetos de pau, mas com mísseis de longo alcance?

Olhemos para os corpos das crianças, amontoadas como lixo entre os escombros. Ali está a resposta.