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sábado, 2 de maio de 2015

O esforço e o sentido de A Conquista do Brasil

Amigos me perguntam quanto tempo levou para escrever A Conquista do Brasil, ou quanto tempo se leva para escrever um livro. Para mim, é uma resposta difícil de dar: o livro começa a surgir com o interesse do autor, às vezes de forma difusa e muito tempo antes de se concretizar. No caso de A Conquista do Brasil, é resultado de muitos anos de interesse e trabalho, mesmo na época em que eu mesmo nem sabia por que juntava tanta coisa sobre o assunto.

Hoje eu sei: minha vontade de escrever um livro de história nada tem a ver com o passado, e sim com as preocupações com o presente. Elas são mais candentes hoje, com  a polarização política, a corrupção monstruosa e as ameaças veladas ao processo democrático que duramente minha geração ajudou a construir. Tudo isso nos faz pensar no que há de errado com o Brasil, em quem somos nós, brasileiros, e como podemos melhorar como Nação. E as respostas vêm lá de trás.

Entender as raízes mais antigas e profundas dos nossos problemas, estudar o começo, onde está o nosso DNA, é o caminho para mudar e melhorar a realidade de hoje. Como na psicanálise, para entender o que somos é preciso voltar à primeira infância. Fazer uma regressão.

O Brasil é um país que inventou muita coisa sobre si mesmo: o país do carnaval, do samba, do futebol, das mulatas, do Pão de Açúcar, do bom baiano, do brasileiro cordial. Com isso fica difícil explicar, ou mais fácil de acomodar, o país da corrupção, do abismo social, do racismo camuflado, da violência urbana, da direita truculenta e da esquerda hidrófoba.

Compreender o Brasil antigo é um esforço que exige muitos ângulos: o jornalístico, da pesquisa e informação bem apurada; o sociológico, para entender a formação do povo; o antropológico, que ajuda a compreender sem preconceito os índios e seu papel em todo o processo. A Conquista do Brasil deve muito à minha formação em Ciências Sociais, especialmente antropologia política.

Livros de etnólogos pouco conhecidos do público, como Pierre Clastres e Helène Clastres, me ajudaram a compreender o mecanismo social e político das sociedades ditas primitivas do Brasil, assim como a religião e sua influência psico-social, especialmente nas tribos do tronco tupi-guarani. A antropologia, no sentido geral, ajuda também a ver as coisas como eram, sem preconceitos modernos, seja na compreensão do canibalismo indígena, parte de um sistema social, seja na mentalidade dos primeiros portugueses, incluindo os jesuítas.

Ajudaram também as editoras brasileiras, especialmente a Itatiaia, que publicou há muito tempo as obras completas dos primeiros viajantes e historiadores brasileiros, e que eu comecei a colecionar, no princípio sem outro propósito além de querer saber mais.

Mais recentemente, uma ajuda inestimável veio da iniciativa do espólio do empresário José Mindlin, que disponibilizou obras raras de sua coleção pessoal, gratuitamente, na internet. E a própria rede social, que facilitou acesso a documentos que antes demandavam viajar a Portugal para serem consultados, razão pela qual a história que aprendemos nos bancos escolares até agora ainda era baseada no trabalho de pesquisadores do final do século XIX e começo do século XX, como Capistrano de Abreu.

Por último, e não menos importante, está uma certa experiência de vida. Passar alguns dias entre os índios do Xingu, por exemplo, me deu exata noção de como é para um ocidental estar no meio deles, em circunstâncias não muito diferentes das que tiveram pela frente homens como José de Anchieta e João Ramalho. Devo essa experiência à iniciativa do amigo, empresário e aventureiro James Lynch. Mesmo a enrascada em que nos metemos, sendo submetidos a um perigoso tribunal indígena, me deu melhor noção do que é encarar o risco de vida numa aldeia diante dos índios em seu próprio meio, como aconteceu com Hans Staden e o próprio Anchieta, que em sua cartas narra ter passado por julgamento semelhante.

Escrever, portanto, é a junção de muita coisa. Um livro é produto de um enorme esforço, onde colocamos tudo o que sabemos, num esforço físico e intelectual exaustivo. Quando terminamos, estamos esgotados, e isso é só o começo, porque um livro nada é, se não tiver leitores. Seja qual for o resultado, porém, para mim terá valido a pena.