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sexta-feira, 8 de março de 2019

O futuro para autores e editores


Uma nova perspectiva para o mercado do livro na era digital

Confesso, eu me tornei editor de livros por acaso. Quando entrei na Saraiva, foi para escrever um livro – e não editar livro. Por mais improvável ainda que pareça, a encomenda era um livro destinado a um único leitor: o filho do doutor Ruy Mendes Gonçalves, sócio da Saraiva.

Uma criança que ainda estava por nascer. E que ele, com uma doença em estado avançado, sabia que não poderia educar. “Preciso que você escreva um livro contando a minha história ao Ruyzito”, disse. “Porque eu mesmo não poderei contar.”

Como recusar?

Em seis meses de trabalho, escrevi com Ruy O Serelepe, que já foi lido por bastante gente, e um dia o será pelo Ruyzito.

Eu e Ruy nos tornamos amigos e dividimos ideias e projetos. Naquele tempo, Ruy planejava expandir a área de varejo da editora Saraiva. E prepará-la para o futuro, com o prenúncio do fortalecimento do livro digital, supostamente capaz de quebrar muitas editoras e livrarias.

Sabendo do meu passado como executivo e editor de revistas, e querendo que eu continuasse por perto, me convidou para tocar a área de ficção e não-ficção da editora, com metas ambiciosas.

Fiquei na Saraiva três anos, dois além do que pude dividir com Ruy, com quem tive bons momentos, até seu falecimento. Aprendi muito, com ele, com agentes e livreiros, com acesso a todos os aspectos do negócio.

Fizemos também muito. Na Saraiva, criamos um selo (Benvirá), promovemos um prêmio literário recordista de inscrições, ganhamos Jabuti de literatura e outros prêmios, colocamos a Saraiva pela primeira vez na Flip com vários autores e multiplicamos o faturamento por cinco, em três anos de trabalho, com o lançamento de mais de uma centena de títulos.

Missão e todas as promessas ao Ruy cumpridas, achei que podia sair, para voltar apenas a escrever.

No fim das contas, ele estava certo: a crise veio. A Saraiva vendeu sua editora, que era lucrativa, para sanear a livraria, que nunca melhorou. O modelo de megastores, que antes dera lucros, se tornou pesado demais, num tempo em que todo o varejo é desafiado a trabalhar junto com o meio digital.

Passei um período de clausura, apenas escrevendo, para retornar ao mercado novamente como autor. Lancei pela editora Planeta A Conquista do Brasil e A Criação do Brasil, reportagens históricas sobre a colonização brasileira e a formação do DNA nacional. E um romance, Anita, sobre Anita Garibaldi, pela editora Record.

Agora sou um autor privilegiado, por conhecer mais gente e outros aspectos do negócio editorial. Volto a conversar com os compradores das livrarias e vejo um mercado dentro de um impasse ainda maior do que o existente no momento em que saí do meu posto como editor.

Enquanto as vendas do livro digital ainda parecem pequenas, insuficientes para se apostar nisso como negócio, as margens e as vendas do livro impresso andam cada vez menores. As grandes redes de livrarias - incluindo a Cultura, além da Saraiva - estão virtualmente falidas. As editoras não dedicam tempo ao mercado digital, porque este não paga as contas. E torcem para que as coisas voltem a ser como eram.

Isso não vai acontecer. O processo é irreversível, mesmo no livro didático. A perspectiva de o governo converter os milhões de livros que adquire do mercado em material virtual, num futuro próximo, é como uma espada sobre a cabeça de todos os grandes editores.

No varejo, algumas editoras optaram por se juntar e fazer volume com um imenso catálogo, mas nem isso parece garantir sua sobrevivência: seu futuro das editoras não depende apenas a escala de vendas, como também da mudança do próprio modelo do negócio.

As livrarias que não quebraram, atendo-se a vender livros em vez de produtos eletrônicos ou outros fora do foco, têm uma oportunidade de crescer no vácuo de quem está devendo dinheiro na praça. Porém, todos se perguntam como será o futuro – e como continuar.

Uma das ideias que procurei aplicar como editor é a de que é preciso explorar as possibilidades do presente, sem perder a passagem para o futuro. Por experiência própria, sei que é difícil nas grandes empresas rever processos de trabalho e toda a lógica do negócio, quando se tem contas imediatas a pagar.

É isso o que acontece com o mundo do livro. É mais fácil começar um negócio do zero, do que mudar o rumo de uma grande editora. Por isso, assim que me vi com liberdade para isto, resolvi aplicar um pouco das ideias que tive a meu favor.

Quando deixei a Saraiva, abri para mim mesmo um selo de livros digitais, onde coloquei meus títulos de backlist – livros cujos contratos com as editoras foram vencendo e cujos direitos guardei para mim mesmo.

Hoje, é preciso levar mais a sério a autopublicação. Não só para manter ativos títulos que já estavam fora de catálogo. Já é algo a se considerar para a venda de livros novos. Sobretudo digitais e em papel, sob demanda.

Esse sistema diminui o risco da editora e permite a formação do catálogo. A editoras têm procurado gastar pouco. Há editoras independentes que hoje só produzem o livro impresso se tiverem um grupo de leitores que já pagaram antecipadamente pelo livro. Há pelo menos um caso, a TAG, que inventou um clube do livro, pelo qual se paga mensalmente e se recebe um livro-surpresa. Não é um grande negócio. Porem, todos os negócios, no futuro, parecem ser afixados a algum nicho.

Muitas surpresas hoje estão surgindo da internet. Como editor, alguns dos livros em que eu mais apostava não vingaram da forma esperada. Outros, em que acreditava menos, foram sucesso. A internet oferece um grande espaço para testar o que funciona melhor e conectar-se com redes ou comunidades de leitores.

Por melhores que sejam, editores não têm bola de cristal. A realidade é que o público leitor decide o que vai ler. Isos vale tanto para o grande hit como para a cauda longa – o conjunto de títulos que individualmente vendem pouco, porque atendem a interesses muito individuais, mas na soma geral representam um volume de vendas muito maior.

Gastar pouco e apostar mesmo nos livros que venderão pouco, mas venderão - essa é a razão pela qual acredito que há mais chance de sobrevivência no futuro de uma editora independente do que nas tradicionais.  

Estou absolutamente convencido que no futuro não fará sentido manter estoque e mandar um livro para Manaus, ao preço de 40 reais, quando o leitor poderá tê-lo com apenas um clique, pagando 9,90 no formato digital. Não serão os leitores que irão decidir por esse novo modelo: será a própria indústria. Assim que as vendas não estiverem mais compensando seus pesados custos atuais, as empresas terão de mudar.

Imagino que em alguns anos o mercado de livros será um misto de editoras capazes de fazer obras que um único autor não poderá produzir, disputando espaço com autores independentes ou lançados por editoras digitais.

Haverá autores que agirão cada vez mais como editores, e editores que terão de ser cada vez mais autores. Para isso, terão de investir em conteúdo próprio, ou conteúdo de terceiros num novo modelo, que dispensará extensas, cansativas, caras e cíclicas renovações de contrato.

Cada um pode ver o futuro como quiser, claro. Essa é apenas a minha impressão. De uma coisa, porém, ninguém pode duvidar: esperar que nada vá mudar, sem fazer nada, é a melhor maneira de ver o bonde passar.