domingo, 29 de junho de 2014

O Brasil tratado a pontapés



O Brasil jogou bem no primeiro tempo, marcou, foi rápido no ataque, criou oportunidades de gol, fez o gol.

Depois num lance bobo de Hulk na devolução de uma cobrança lateral sofreu o empate. Se desorganizou e só voltou a melhorar no segundo tempo, com Ramires no lugar de Fernandinho, dando novo fôlego ao meio de campo.

O Chile correu muito e não desperdiçou a oportunidade que teve, marcando no ataque. Esse foi o mal do Brasil, dispersivo no último lance. Fred e Hulk, apesar da volúpia do segundo, tem sido pouco eficazes no arremate. Jô, no lugar de Fred, foi ainda pior. Com isso, o Brasil não se impôs, no meio de campo e no marcador, deixando a sensação de que é vulnerável, um mau recado para os próximos adversários.

Contudo, foi também prejudicado pelo juiz no gol mal anulado.E não só nisso. Os adversários têm usado de um expediente antiesportivo. No primeiro lance, partem para machucar Neymar. O Brasil, sobretudo ele, tem sido tratado a pontapés. Quem deu a receita foi a Sérvia, que quase quebrou Neymar no primeiro lance dele no jogo amistoso, o último antes da Copa, para prejudicar seu desempenho. Na Copa, o México fez o mesmo, Camarões também, e o Chile quase tirou o atacante de campo com um golpe maldoso na primeira vez em que ele tocou na bola.

Se os juízes não mostrarem que cartão pode ser usado de saída, isso continuará. Não se pode permitir a violência como método. E aí vamos saber se a Fifa, tão rigorosa com Suárez, está mesmo ao lado ou não da esportividade e do bom futebol.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Brasil não podia expulsar Suárez

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística




Da noite para o dia, Luizito Suárez, atacante do Uruguai, saiu de uma cirurgia para virar herói, com seus dois gols sobre a Inglaterra, que ressuscitaram a seleção celeste no primeiro turno da Copa do Mundo, depois da inesperada derrota para Costa Rica na primeira rodada, em que ele não pôde atuar. E, com uma mordida no zagueiro Chiellini, na vitória por 1 a 0 que deu aos uruguaios a classificação sobre a Itália, do dia para a noite Suárez foi transformado em bandido e bode expiatório. Recebeu da Fifa uma pena considerada "exemplar", que na realidade é apenas uma prova da arbitrariedade e da truculência na organização. E que extrapolou o âmbito esportivo, com a absurda conivência (ou subserviência) das autoridades brasileiras.

O juiz não viu ou ignorou as queixas do zagueiro italiano porque, desde a expulsão de Marchisio, Chiellini vinha fazendo cena para provocar uma expulsão também no adversário. A mordida de Suárez existiu, mas sua gravidade foi dramaticamente encenada pelo zagueiro. Os italianos são craques também na ópera. E Chiellini não conseguiu do árbitro sequer atenção.

A pena de nove jogos foi exemplo apenas do abuso de autoridade pela Fifa. No jogo entre França e Equador, os franceses aplicaram duas cotoveladas no queixo de jogadores equatorianos, mostradas em close e câmera lenta na TV, sem que por isso recebessem punição alguma, muito menos equivalente à de Suárez. Não vejo razão para considerar uma mordida no ombro um ato mais ofensivo do que um golpe direto no rosto, proposital e fora de disputa da bola. No entanto, Suárez foi escolhido como bode expiatório.

Além da exagerada suspensão de quatro meses e nove jogos oficiais com a seleção, a Fifa aplicou em Suárez uma punição extra tão deselegante e vergonhosa que se equivale à do atleta em campo. Suárez foi ainda banido dos "ambientes" da Fifa, estádios, concentrações, hotéis e do próprio território brasileiro, do qual foi expulso, embora tenha passaporte válido e, fora dos jogos, tenha direito de circular como outro cidadão qualquer, incluindo os turistas uruguaios que estão assistindo à Copa.

Essa atitude arbitrária é um exemplo tão ruim para a sociedade quanto o ato antiesportivo de Suárez em campo, com a diferença de que o erro do jogador uruguaio foi num instante da competição, um ato intuitivo, impensado, enquanto a decisão da Fifa apenas mostra sua frieza cerebral e sua falta de respeito e escrúpulos. Suárez foi julgado sem tribunal nem apelação e condenado, mesmo à revelia da suposta vítima. Envergonhado pela própria simulação, Chiellini foi o primeiro a vir a público para defender o uruguaio. "Eu sempre considero correta a ação dos órgãos competentes, mas ao mesmo tempo acredito que essa punição proposta foi excessiva", disse o italiano. "Um banimento assim é realmente triste para um jogador." Aparentemente, Chiellini foi o único a lembrar que Suárez é humano. "Meu único pensamento é para Luis e sua família, porque terão de enfrentar um período difícil."

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística. Um país é maior do que isso e tem leis próprias. A instalação do governo provisório da Fifa no Brasil, por mais draconiano que possa ser o contrato com a entidade, extrapola qualquer limite do razoável e é uma verdadeira vergonha para o povo brasileiro. O Brasil se caracterizou no passado por receber e proteger exilados políticos e até mesmo bandidos foragidos, como Ronald Biggs, celebrizado por roubar um trem. Não tem a menor razão para condenar um jogador que cometeu um erro no âmbito esportivo, pisoteando a lei e a própria moralidade cujo exemplo se pretendia dar. Por que não botam então no xadrez o técnico da Alemanha, que fica enfiando o dedo no nariz? Também é feio pra diabo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O gênio e o velho teimoso



Felipão pode dizer o que quiser, mas não podemos nos enganar com a vitória por 4 a 1 diante da equipe de Camarões, sem mais nenhuma responsabilidade na competição. O primeiro tempo do Brasil foi ruim, com mais uma péssima atuação dos jogadores que o técnico insiste em sustentar. Enquanto os treinadores das demais seleções já fizeram mudanças importantes, como o do Chile, que tirou Valdivia do time titular, e o do Uruguai, que mandou para o banco Pablo Forlan, considerado o melhor jogador do mundial de 2.010, Felipãp colocou em campo novamente as piores figuras das três partidas até aqui: Paulinho, que continua sem a força de antes, nem ritmo de jogo; Daniel Alves, fraco no desarme e pouco ativo no ataque; e por fim Hulk, que desperdiçou gols como um canhão descalibrado e abriu valetas no gramado do estádio Mané Garrincha com seus tombos retumbantes.

Como resultado, o primeiro tempo foi sofrido, com Camarões apertando o Brasil e colocando uma bola na trave antes de empatar o jogo. Por sorte, temos Neymar. Se antes andavam todos comedidos, não há mais como negar: o garoto é um gênio. Capaz de inventar jogadas nunca vistas antes no futebol, marcou dois gols, bailou entre os camaroneses e salvou a equipe na primeira etapa. Mas o Brasil não pode depender apenas dele.

No segundo tempo, Felipão colocou Fernandinho no lugar de Paulinho. Imediatamente o time se tornou mais dinâmico, com um passe mais rápido e maior presença no meio de campo. Seria muita macheza voltar com Paulinho no próximo jogo, a fase inicial dos mata-matas, porque se trata de partidas em que um erro pode colocar tudo a perder - não há segunda chance. O Brasil tinha de entrar afiado nesta fase, mas ainda no segundo tempo contra Camarões se encontrava em fase de experimentos, com a entrada de Ramires no lugar de Hulk, além da substituição de Oscar por William - que Felipão pretendia fazer, mas corrigiu a tempo, tirando Neymar em seu lugar. Era o homem do jogo, mas precisava ser preservado de um cartão amarelo e das botinadas com que os camaroneses o perseguiram em campo, porque sabemos que, sem ele, o Brasil é outro.

No segundo tempo, com Fernandinho em campo, o Brasil foi mais consistente, melhorando visivelmente, apesar do adversário já estar batido. Isso nos dá esperança, assim como a pressão inicial, que lembrou a Copa das Confederações, e os lampejos geniais de Neymar, que chegou a chapelar um camaronês e dar um passe de bailarino para no final Hulk desperdiçar mais um gol diante do goleiro.

*
Felipão pode falar o que quiser, mas é muito melhor enfrentar o Chile nas oitavas de final do que a Holanda. Como se viu no jogo entre as duas equipes, a Holanda tem um time matreiro, eficiente no jogo aéreo e mortífero no contra-ataque. Foram assim os dois gols que mataram as esperanças dos chilenos de ficar em primeiro lugar no grupo. Um erro contra a Holanda é sempre fatal.

Tão decantado por Felipão, o Chile é uma equipe talentosa e veloz, que toca bem a bola, mas joga um futebol já bastante conhecido pelo Brasil. Diante da desclassificadíssima Espanha, foi empurrado para sua própria intermediária como um coelho na toca e só não levou nenhum gol porque os espanhóis parecem ter sido assolados por alguma maldição.

Sim, é melhor enfrentar os holandeses ou outra equipe candidata ao título mais adiante, quando a seleção estiver melhor organizada. E Felipão se convencer de que não pode recuperar jogadores em uma competição tão curta quanto a Copa do Mundo: é preciso escalar quem está melhor no momento. Tanto Fernandinho quanto Ramires dão mais mobilidade, velocidade e consistência ao meio de campo do Brasil. Se insistir, Felipão estará fazendo aquela aposta: ganhando, terá sido perseverante. Perdendo, terá sido apenas o velho e teimoso gauchão.

domingo, 22 de junho de 2014

O melhor dos Estados Unidos



Um gol miraculoso aos 48 minutos do segundo tempo, quando Portugal já se encontrava com o pescoço na guilhotina, salvou os portugueses de uma derrota. E tirou no último instante o gosto da seleção americana de uma gloriosa virada, que lhe daria não somente a classificação antecipada, como o direito de lutar por um empate com a Alemanha na rodada final para ficar com o primeiro lugar do grupo.

No empate por 2 a 2, a seleção dos Estados Unidos jogou melhor que Portugal a maior parte do jogo. Enquanto Portugal lembrava mais a Portuguesa, com um time desfalcado, caindo pelas tabelas, e tendo no seu único craque, Cristiano Ronaldo, uma figura caricata de si mesmo, os americanos marcaram forte, atacaram com rapidez e perderam muitos gols. É verdade que Portugal também desperdiçou boas chances, mas a virada americana teve algo de épico, assim como toda a campanha, que inclui a vitória sobre Gana. Eles tem feito por merecer um lugar na próxima fase.

Confesso que, além do Brasil, em primeiro lugar, e depois a Itália, minha segunda pátria, torço para os Estados Unidos. Essa simpatia, que não tem paralelo em outros assuntos que envolvem os americanos, como a economia e a política internacional, tem um motivo. Há oito anos, quando morei em Nova York, descobri que os torcedores de futebol são o que há de melhor no país, pelo simples fato de que prestam atenção no resto do mundo. Eles são os únicos que sabem, por exemplo, que a capital do Brasil não é Buenos Aires e admiram nossa cultura e nossa tradição no esporte. "Brazil rocks!", dizem as crianças americanas que jogam nos clubes locais.

Em Nova York, levei meu enteado João, então com onze anos, para jogar num clube local, o Downtown United, o "Unidos do Centrão". Pude acompanhar de perto o trabalho de base feito lá no futebol. Havia um professor peruano, formado numa escola de técnicos, que orientava as crianças, ensinando os fundamentos do esporte; times que treinavam durante a semana, desde o infantil até o nível profissional, e pais que incentivavam e acompanhavam os filhos de perto, como costumam fazer em tudo. Foram as pessoas que em Nova York me receberam melhor, por ser brasileiro. E as únicas que realmente se interessavam por nós e o que fazíamos ali, além dos professores de João e seus colegas estrangeiros na escola pública 89.

O futebol tem esse efeito mesmo sobre os americanos, tão voltados para si mesmos que chamam o vencedor do torneio de beisebol de "world champion", como se o esporte fosse jogado somente ali. Essa ignorância e desinteresse em relação ao resto do mundo tem muito a ver com a postura imperialista dos americanos, traduzida no dia a dia por uma certa empáfia, irritante mas certificadora de que eles se isolaram. A antiga recusa do americano em gostar de futebol era também uma demonstração solene de auto-suficiência, como se o esporte mais popular do mundo indicasse que além das suas fronteiras houvesse apenas bárbaros ignorantes que gostavam de um esporte onde se troca as mãos pelos pés.

Aos poucos, esse preconceito vem sendo vencido. Os pais que levavam as crianças para treinar futebol, ao lado dos muitos estrangeiros no país, começaram a fazer do futebol algo importante, muito mais do que os tempos de Pelé no Cosmos - é um fenômeno em andamento. A primeira partida dos Estados Unidos na Copa teve uma audiência na TV quase equivalente à da final da liga de basquete, o segundo esporte mais popular no país, depois do beisebol. É um sintoma da sanidade num país que descobriu que nem ele pode ficar sozinho no mundo. E que não faz mal algum falar e lidar com pessoas diferentes, ligadas no mundo inteiro por meio de um esporte que funciona como o melhor embaixador da Humanidade.

Torço pelos Estados Unidos na Copa para que essa abertura na dura carapaça americana continue se alargando, com o entusiasmo de um número cada vez maior de aficionados pelo esporte. Seria um grande bem, não apenas para o futebol como para a sociedade americana e o resto do mundo.

sábado, 21 de junho de 2014

O quê que a Costa Rica tem



Assisti aos dois jogos da Costa Rica, o primeiro contra o Uruguai, pela TV, o segundo contra a Itália, na Arena Pernambuco. Um jogo cujos ingressos só consegui comprar, creio, porque ninguém acreditava na Costa Rica, e acabou se tornando um jogo histórico.

Sim, ninguém dava nada pela Costa Rica, ainda mais no “grupo da morte”, reunindo Uruguai, Itália e Inglaterra. E o pequeno país da América Central, ao derrubar dois gigantes do futebol mundial em suas duas primeiras partidas, classificando-se na frente de todos e eliminando matematicamente a Inglaterra, realizou não apenas uma das maiores façanhas desta como de todas as Copas.

Na primeira partida, minha impressão é de que a Costa Rica havia tido muita sorte. A bola caíra no lugar certo na hora certa, como às vezes acontece no futebol. O Brasil já perdeu assim, em 1.982, diante da Itália. Um time mais poderoso, jogando bem, toma um gol de surpresa, quase por acaso, e de repente parece que tudo começa a dar certo para o adversário. Sem muito tempo de recuperação, quando se vê, Golias foi derrubado por Davi.

Na segunda partida, contra a Itália, estando na arquibancada, tive uma segunda impressão. A Costa Rica pode estar tendo sorte, mas também sabe mesmo jogar.

Não que seja algo de excepcional. Eles apenas fazem bem o que já conhecemos. Jogam em duas linhas de quatro, como muitos times brasileiros, e procuram compactar os jogadores, mantendo uma linha próxima da outra. Esse bloco fica mais adiante, quando querem pressionar o adversário, ou mais atrás, quando estão na frente do marcador e buscam jogar em contra-ataque.

No primeiro tempo, a Costa Rica corajosamente postou seus dois blocos mais adiante, para pressionar a Itália. Quando perceberam o espaço que os defensores costa-riquenhos deixavam às suas costas, usando como tática a linha de impedimento, os italianos quase abriram o placar por duas vezes em lançamentos de profundidade. Em um deles, uma precisa bola de Pirlo, o centroavante Balotelli desperdiçou um gol feito ao tentar encobrir o goleiro. Os costa-riquenhos tiveram também um pouco de sorte e ajuda do bandeirinha, que por algumas vezes marcou impedimento em lances legais do ataque italiano.

A Itália jogou bem o primeiro tempo, e poderia ter saído na frente, mas não conseguiu marcar o gol. A Costa Rica não perdeu a chance que teve, uma cabeçada certeira aos 43 minutos, que fez o time italiano, sem tempo de qualquer reação, sair de cabeça quente para o vestiário.

Na segunda etapa, já em vantagem, a Costa Rica recuou suas duas linhas de quatro mais para perto da própria área, fechando os espaços para os italianos, e jogando em contra-ataque. Fez bem ambas as coisas. Não marcou mais nenhum gol, mas anulou a Itália, que cansou com o calor pernambucano, entregando-se no final.

A Costa Rica mostrou ser uma equipe versátil, que sabe jogar tanto no ataque quanto na defesa. Possui jogadores habilidosos, como o centroavante Campbell, heroi do jogo contra o Uruguai, que nesta segunda partida teve participação mais discreta; e o meio-campista, autor do gol da vitória, que é o maior craque do time: Bryan Ruiz, jogador do PSV, da Holanda.

Contra a Itália, sem dúvida a Costa Rica não venceu por sorte, ou conjunção astral: venceu jogando, de igual para igual. Centrando seu jogo em Pirlo, um armador brilhante e clássico, mas meio lento, os italianos viram um adversário que usou a seu favor a velocidade. Ser rápido nos passes, no deslocamento e na virada de jogo é essencial no futebol moderno.

Além de velozes e bem entrosados, os jogadores costa-riquenhos são habilidosos e até um pouco abusados. Tentaram dar chapéu e dribles de efeito humilhantes nos honoráveis integrantes da velha Squadra Azurra. Talvez tenha contado para isso a preparação na Vila Belmiro, onde os costa-riquenhos foram beber da água que fez de Santos a meca do futebol-arte e da irreverência futebolística, na qual se formaram, entre tantos outros, Pelé e Neymar.

O técnico costa-riquenho, Jorge Luis Pinto, um colombiano que nos anos 1.970 estudou no Brasil e torce para o Corinthians, no final do jogo mostrou ter não apenas ousadia como elenco. Deu-se ao luxo de substituir seus dois melhores jogadores, Bryan Ruiz e Campbell. Enquanto isso, a Itália colocou em campo dois suplentes que não apenas nada acrescentaram ao ataque italiano como participaram de alguns lances bizarros, mostrando-se psicologicamente perdidos. Um deles, Insigne, segundo um amigo é apelidado na Itália de Scugnizzo, como se chamam os moleques de rua em Napoli. Ontem, porém, o espírito do moleque de rua, o alegre peladeiro, estava do lado da Costa Rica.

Surpresa para quem nunca tinha visto, os costa-riquenhos têm uma torcida grande e fanática por futebol. Lotaram parte do anel inferior da Arena Pernambuco como uma torcida organizada à moda brasileiro, e ocupavam esparsamente pelo menos um terço das arquibancadas. Outro terço era formado por italianos, numerosos mas espalhados, e o terço restante eram sobretudo brasileiros e mexicanos, além de torcedores de outras nacionalidades.

Ao final, a festa: os jogadores bailaram em campo na ponta dos pés, comemorando a travessa classificação em meio aos gigantes do futebol. No túnel de saída do estádio, os torcedores costa-riquenhos cantavam, felizes e provocadores:

“Donde están, donde están,
Los italianos que nos ivan a ganar?”

A Costa Rica não é a aparição de nenhuma nova ordem no futebol mundial. Porém, mostra que um time habilidoso, unido e bem preparado pode ir longe, mesmo sem tradição. Grandes momentos do futebol são feitos assim. A Costa Rica agora não é mais surpresa e vai ter vida dura pela frente. Porém, jogando um futebol à brasileira, até agora conseguiu ser melhor que o próprio Brasil, no futebol e nos resultados. Dá prazer vê-los jogar. E isso só valoriza o grande espetáculo de bom futebol que tem sido essa Copa.

Como é um dia na Copa

Levantamos às 4:20 da manhã, eu e meu filho, de 7 anos, para o nosso primeiro dia numa Copa do Mundo - dele e meu, que tenho 50. Objetivo, sair de São paulo num voo às 6:40, para assistir, em Recife, o jogo da Itália contra Costa Rica, cujos bilhetes eu comprara depois de muito suar diante do computador no site da Fifa, um mês antes, quando ninguém achava que a Costa Rica seria a sensação da Copa. Como descendente de italianos, eu, como muita gente, tenho a Itália em segundo lugar no coração, depois do Brasil - e venho tentando passar esse sentimento de italianidade para o pequeno André.

Saímos sonolentos, mas animados, e o voo transcorreu sem incidentes. No aeroporto de Recife, recebemos a notícia de que o transporte para o estádio era apenas de "metrô". Eu, que imaginara ir de táxi, entrei na fila do bilhete, na verdade uma pulseirinha vermelha que dava acesso aos trens e depois ao ônibus que completaria a viagem.

Dez minutos de caminhada na passarela que conduz do aeroporto à estação. O metrô, na verdade, não é um metrô, e sim um trem de superfície que vem de Jaboatão e segue até Recife, de onde se toma outra linha até a estação Cosme Damião, onde os organizadores prepararam os ônibus de ligação para a Arena Pernambuco. O estado do trem é razoável, melhor que os trens de subúrbio em São Paulo, e pior que os metrô paulistano. Tinha até ar condicionado, cujo efeito logo desapareceu assim que os vagões ficaram superlotados pelos passageiros locais, somados aos torcedores que enchiam o aeroporto e lotaram também o coletivo.

O trajeto de trem foi meio penoso: o trem, no sistema pinga-pinga, para não prejudicar o transporte da população local, levou cerca de 40 minutos com duas dezenas de paradas até Cosme e Damião. Mas o ambiente de alegria, com tanta gente misturada, se aliava ao bom espírito do dia para manter o moral elevado, sem a costumeira reclamação dos brasileiros que agora se queixam de qualquer incômodo. No trem, já tinha uma amostra do que encontraríamos no estádio: uma mistura de gente fantasiada, torcedores das mais diferentes seleções, italianos da Itália e outros do Brasil, seus descendentes, muitos torcedores do Palmeiras, o clube mais italiano entre os brasileiros. E a torcida costa-riquenha, em grande número, tão surpreendente quanto sua seleção.

Fomos em pé até Cosme Damião e, também em pé, num dos ônibus tirados das linhas comuns para fazer o transporte até o estádio. Saíam um após o outro em fila indiana até o estádio, num trajeto de cerca de mais 10 minutos.

A Arena Pernambuco foi construída no meio da zona da mata, fora da cidade. Chegar lá é mais ou menos como visitar um parque da Disney. O ônibus estaciona a cerca de um quilômetro do estádio, e essa parte do trajeto a multidão fez a pé. Antes da entrada, barraquinhas de comida e refrigerante dos recifenses eram o último contato com o Brasil. O estádio, que lembra uma espaçonave metálica descida no meio da mata, está longe de qualquer coisa, exceto de um condomínio de classe média alta que só se avista quando se sobe ao último estágio da arquibancada. pensei nos milhões dos estádios gastos com a Copa, e qual o futuro daquilo depois que a Copa acabar, mas, ora, ainda estávamos na Copa, e eu precisava deixar de ser jornalista por um instante para ser apenas torcedor de futebol.

Na revista, aonde passaram meu pequeno saco de viagem pelo raio-X, nos proibiram de levar para dentro qualquer tipo de comida ou bebida. Lá dentro, só comprando comida dos patrocinadores, o que significava tomar Coca-Cola ou água da Coca-Cola, Brahma e Budweiser. Não havia suco para crianças e nada para comer diferente de um hambúrguer do McDonald's e cachorro quente.

Eu tinha uma preocupação. Apesar dos meus esforços, comprar ingressos em setores diferentes do estádio. Minha esperança era de convencer o pessoal na entrada a entrar junto com meu filho e colocá-lo no meu colo. Mas não tive o menor problema. os bilhetes passavam na catraca juntos e, lá dentro, havia grande liberdade de movimentação.

O conceito da Arena é muito civilizado. estádio mais verticalizado que os nossos, permite ótima visão tanto de quem está no anel inferior quanto nos dois superiores. de qualquer ponto, pode-se ver bem o jogo. O fato de não haver alambrado entre a torcida e o campo pede dos torcedores um nível mais elevado de civilização, o que não sei se funcionará quando retornarem aos gramados os times do brasileirão e as torcidas organizadas. Na Copa, porém, todo mundo se comporta de forma exemplar.

Não precisei também colocar meu filho no colo. Com os 40 mil pagantes anunciados mais tarde pelos alto-falantes, havia claramente cerca de 20% dos assentos livres. Nos sentamos em dois disponíveis lado a lado e ninguém nos intimou a sair do lugar até o final.

Os italianos tinham uma torcida tão numerosa quanto a da Costa Rica, proém, estavam mais espalhados. Além de se encontrar por todo o estádio, os costa-riquenhos tinham um bloco organizado no setor mais próximo ao campo, barulhento e incansável, que animou o time do começo ao fim.

Em tudo, o estádio parecia um franchising bem americano, todo decorado com os motivos da Copa, a comida, os equipamentos brilhando de novos, do banheiro aos assentos de plástico. Um voluntário se ofereceu para colocar em meu filho uma pulseira de identificação, caso ele se perdesse de mim. Outros indicavam os assentos, como se estivéssemos no teatro. Cada um tinha seu lugar marcado, mas nada impedia que se pudesse mudar de um lugar para outro, até mesmo em outro setor, se houvesse lugares vagos. E não houve briga nenhuma.

Na saída, um congestionamento monstro de gente na fila para pegar o ônibus de volta levou cerca de 40 minutos, mas não baixou o moral da torcida, satisfeita e animada. Quando o ônibus passou pelo subúrbio, até chegar á estação do trem, o que se via era o Brasil de verdade lá fora, as famílias que faziam seu churrasquinho no quintal dos barracos e tiravam fotografias pelo celular dos ônibus que passavam com a torcida para fora da janela. Fizemos todo o trajeto do "metrô" na volta, dessa vez com meu filho sentado, ou melhor, deitado sobre um pernambucano bonachão, que não se incomodou quando caiu sobre seu ombro dormindo até babar.


Chegamos no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, às 11:20. Enquanto meu filho dormia no trajeto, fiquei pensando. O que achei, afinal? A Copa é um barato. Foi muito bom participar de perto, estar com meu filho no meio do bando de loucos de todas as nações, algo muito diferente de apenas assistir pela televisão. Certamente é algo de que ele vai se lembrar pelo resto d vida, provavelmente até quando eu não estiver mais aqui. E isso não tem preço.

Na Copa, pessoas realmente se divertem, fantasiadas ou não, como numa grande festa, em que o futebol é apenas um pretexto para uma grande confraternização. Todos querem conversar, trocam experiências e todo o resto. Como um amigo que encontramos a caminho do estádio e contou ter recebido de outro brasileiro, que o confundiu com um italiano, a proposta de trocar sua camisa da Itália por uma do Brasil.

Os pernambucanos, simpáticos já por natureza, se mostravam muito atenciosos e preocupados em fazer tudo para agradar os visitantes, da conversa no trem ao atendimento no estádio. E não pareciam nem um pouco incomodados de ver aquele famoso dinheiro gasto na Arena Pernambuco ter ido para o futebol, em vez dos hospitais ou escolas. Pelo contrário, estavam bastante orgulhosos de poder receber gente do Brasil e do mundo inteiro e interessados em saber se estávamos satisfeitos com o que tínhamos visto, como o pobre que coloca na mesa a melhor comida que tem em casa, orgulhoso de ter visitantes importantes. A conta, ou o que vai acontecer depois, não são tão importantes diante do nosso patrimônio de alegria e generosidade.

De certa forma, é isso o que o Brasil está fazendo: gastando mais do que pode para organizar uma festa melhor do que somos para que fiquem de nós com a melhor impressão. Mas é assim que se fazem todas as festas, ou não?









quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pobre Espanha



Pobre Espanha.

Estive lá ano passado, numa caminhada a Santiago de Compostela, com meu pai. Um em cada três espanhóis está desempregado. As cidades do interior pelas quais passamos, ao norte, desde Pamplona, estavam praticamente abandonadas. O êxodo para os grandes centros em busca de trabalho só faz aumentar a dificuldade também nas metrópoles.

Lá, ao contrário do que se pensa aqui, o futebol não mascara as dificuldades políticas ou econômicas, é antes disso um pouco de alegria, um lenimento. O espanhol é um povo apaixonado por tudo, da tourada ao vinho, do vinho ao futebol, e é isso que sustenta os ricos clubes no país.O espanhol bem que estava precisando de um pouco de alegria. Porém, a seleção nacional de seu país, campeã do mundo em 2010, fez um papelão nesta Copa. Tomou sete gols em dois jogos e só fez um. "De noticia mala em noticia mala, nos pasa todo", lamentou o narrador da Rádio Cadena, de Barcelona, quando o time tomou o segundo gol chileno.

O celebrado futebol cadenciado da Espanha desmoronou diante de Holanda e Chile, duas equipes que, sem a mesma qualidade técnica, fizeram o que o Brasil já tinha feito na final da Copa das Confederações: não desperdiçaram oportunidades.

O futebol mortífero prevalece sobre o bem jogado. Holanda e Espanha foram efetivos, graças a atacantes que não titubeiam, e a jogadas rápidas de ataque, que não dão tempo para a defesa se organizar. Por jogar com uma troca exagerada de passes, a Espanha dá tempo para que a defesa se poste melhor. Seu futebol passou a ser previsível e o jogo enjoativo, com aquela troca de bola diante do paredão impenetrável feito pelo time adversário. E, nas oportunidades que teve, a Espanha não soube marcar.

Os espanhóis não foram os primeiros campeões a dar vexame na Copa seguinte. O Brasil, em 1.966, depois de vencer quatro anos antes, também saiu na primeira fase. A França fez uma campanha vergonhosa dentro e fora de campo em 2.002. A Itália caiu fora também logo de saída em 2.010. É a maldição dos campeões? Talvez. Mais provável, porém, é que exista uma acomodação na vitória. Ninguém vive do passado, muito menos no futebol.