quarta-feira, 30 de março de 2016

Conexões: A Conquista do Brasil

"Prezado Thales, boa tarde. Interrompi minha leitura de "A Conquista do Brasil" para procurar referências suas na Internet, até que encontrei o seu site. O objetivo deste é lhe enviar meus parabéns pela sua obra, que ainda não terminei de ler. Sou jornalista, entre outras formações, e por ter trabalhado com Educação e Turismo, já muito li e viajei pelas terras deste nosso Brasil e do mundo. Sou um entusiasta de História, notadamente do Brasil e dos grandes personagens do passado. Muito já li de diversos autores e continuo minha procura por novas e velhas obras que possam me enriquecer. Sua obra supracitada é especial, provavelmente a melhor leitura que fiz da história do nosso Paí­s. Aprendi ao longo do tempo que nossa herança cultural foi forjada com a mistura forçada de nossos antepassados de índios de várias tribos, portugueses e negros e, mais tarde, de outras imigrações. Essa mistura vem dos sangue derramado em guerras, do suor do trabalho árduo e escravizado e do sexo que miscigenou nossas raí­zes. Muito do nosso presente se explica olhando e estudando o passado. Quero lhe dar os parabéns pelo seu trabalho. Pelo prazer de poder ler transcrito o sentimento do sábio Anchieta, dividido entre o alí­vio de sobreviver às escaramuças, mas angustiado de ver muito do gentio dizimado. Obrigado. Um abraço. M. B."
Tenho recebido muitos emails como este de leitores de A Conquista do Brasil. Dá aquele alívio de ver que o trabalho alcançou o que eu desejava. E o prazer de contar com a simpatia das pessoas com quem a gente, pelo livro, acaba estabelecendo uma conexão.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O Minhoca no Viva

Quando meu filho nasceu, eu, que trabalhava em casa escrevendo, o apanhava ao meio dia para ninar - era a hora do soninho da tarde. Como eu não sabia de cor nenhuma das músicas de criança, tirando o "Fui no Itororó", comecei a inventar as músicas com as quais o fazia dormir. No final, acabava por inventar uns versinhos... E, quando ele dormia, corria para anotá-los.

O resultado desses momentos de amor de pai meio desastrado virou um livro de poemas para crianças, que foi belamente ilustrado pela Mariana Manini: A Minhoca Colorida ("Eu sou a Minhoca Colorida/Com uma Buzina no nariz/ Papai diz que é como a vida/ Bem comprida e bem feliz").

Num igualmente feliz encontro com o Valdir Cimino, diretor da associação Viva e Deixe Viver, ele se interessou pelo livro. Pretende incluí-lo entre os projetos que irá tocar no seu programa, que hoje atende  mais de 70 mil crianças em 92 hospitais em todo o país.

O Viva, que eu conheci há anos, quando Valdir trocou um bom emprego como alto executivo na TV Globo por esse projeto social, leva contadores de histórias voluntários para ler livros a crianças hospitalizadas pelos mais diferentes motivos. E, segundo Valdir, hoje se sabe por pesquisas que as crianças saem do hospital e permanecem leitores pela vida que segue, assim como seus pais.

Os contadores de história do Viva, que no início sofriam certa rejeição pelas equipes hospitalares, hoje são recomendados como algo importante e benéfico ao tratamento. Está comprovado porpesqusias que a leitura transporta a criança para um ambiente mais tranquilo, e tem uma influência benéfica no relacionamento que os hospitais têm com seus pacientes de forma geral.

O bem e a simpatia são contagiantes.

Fico muito feliz de saber que esse livrinho, que é do meu filho André, meu e agora também da Mariana, poderá vir a servir a tão bom propósito. E divido aqui com vocês uma página do futuro "Minhoca Colorida" que, espero, ajude crianças a partir de um momento difícil.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Escolhas


"Você é meu pai para toda a vida", disse o André, aos sete anos. Os filhos ensinam a gente. Eu nunca tinha pensado que ser filho é uma escolha. Mas é.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Uber, airbnb e o Estado avestruz

A internet e a crise econômica se juntaram para acelerar um processo que vai minando rapidamente a economia formal. Taxistas reclamam do Uber, que oferece serviço de qualidade a preço mais baixo, justamente porque não tem os custos e burocracia do mercado regulado. O airbnb aos poucos vai substituindo a hotelaria como um meio de hospedagem mais barata, prática e de qualidade.

A ideia da "economia do compartilhamento" surge bem na hora da crise econômica no mercado formal. Isso porque os custos que recaem sobre a economia  clássica são muito altos - e os preços também. Para competir e coibir a informalidade, é preciso baixar preços. Porém, isso é difícil num mundo burocratizado ao extremo e dominado por um Estado avestruz, que come de tudo e enfia a cabeça dentro de um buraco quando se encontra em dificuldade. E assim onera toda a sociedade.

A crise derruba a arrecadação e a reação natural do governo, para compensar a perda de receita, é aumentar taxas e impostos. Com impostos mais altos (e imposto é custo), os preços sobem e o mercado cai ainda mais. Isso torna o aumento de imposto inócuo, no final.

Nos Estados Unidos, onde há um pouco mais de inteligência no trato econômico, é o contrário. É preciso ter um certo desprendimento e acreditar que baixar impostos, na crise, ajuda a baixar preços, recuperar vendas e, por consequência, a arrecadação.

O mercado formal ainda não lida bem com a internet. Um exemplo disso é o livro. Por que procurar um livro na livraria, a 50 reais, se você pode copiar uma versão digital pirata a 4,90? Esse é o motivo para as editoras baixarem os preços do livro impresso e sobretudo digital. Como elas se recusam a fazê-lo, as vendas do livro impresso não crescem e mesmo as do digital estão caindo. Bom sinal? Não, porque o que está crescendo é a pirataria.

O excesso de taxação é o grande incentivo do meio digital, onde o mercado informal oferece saídas difíceis de serem fechadas. Punir os piratas acaba esbarrando não apenas na dificuldade prática como no interesse do consumidor já esmagado pelo alto custo de vida e o desemprego.

A liberdade sempre acha um caminho. Quanto mais se tenta cerceá-la, mais ela aparece, em outro lugar. É preciso colocar a economia compartilhada a favor da economia geral, incorporá-la.
Caso contrário, o meio virtual acabará se tornando uma verdadeira revolta civil.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Moisés é brasileiro

No final de 2002, entreguei ao então editor da Siciliano, Pedro Paulo Sena Madureira, os originais de um romance que me custara um ano de vida, entre pesquisar e escrever, com um título tão ousado quanto o assunto: O Homem que Falava com Deus, uma versão mais contemporânea da história biblica de Moisés e Josué, transformada praticamente num thriller.

Pedro Paulo leu, me chamou ao seu apartamento cheio de castiçais de cristal, e na sua poltrona acolchoada, tendo aos pés seus cachorrinhos Daschshund, sentenciou: "ninguém acredita num autor brasileiro escrevendo um romance sobre um assunto que não seja do Brasil", disse ele. "Mas é um grande romance, e um livro seu: e, por isso, eu vou publicar."

O Homem que Falava com Deus saiu em março de 2003; na noite de autógrafos, três semanas depois de estar nas livrarias, a primeira edição se encontrava esgotada. Na mesma noite, os editores da Siciliano avisavam que já estavam rodando uma segunda edição. Que também vendeu em menos de um mês.

De certa maneira eu contrariava as expectativas do próprio Pedro paulo. Ele já tivera uma surpresa com meu primeiro romance, Filhos da Terra, de 1998. Na época, eu levara um livro sobre moda, de Fernando de Barros, com quem eu trabalhava em parceria, e era um best seller, assim como o meu romance sobre a imigração italiana. Pedro Paulo ficou com os dois, mas esperava muito menos do romance que do livro de moda. No final, o livro de Barros ficou aquém do ele imaginava. E Filhos da Terra vendeu tão bem que ganharia em 2001 uma segunda edição.

Com O Homem que Falava com Deus, Pedro Paulo teve sua segunda surpresa: ganhou dinheiro com minha ficção, mais uma vez. Satisfeito com o resultado, preferiu fechar aquela conta no azul, sem arriscar ir além, e não seguiu reimprindo o romance: preferiu passá-lo para a coluna de lucros do ano. Depois de apenas dois meses nas livrarias, O Homem que Falava com Deus encontrava-se esgotado. Hoje sua versão impressa é uma verdadeira raridade, em sebos aqui e ali. Agora, há também a versão digital, com o selo Copacabana.

Conto essa história para dizer como o mundo dá voltas. No passado, ninguém imaginava um autor brasileiro reescrevendo uma história da Bíblia. Hoje, um dos maiores sucessos da TV no horário nobre foi a novela Dez Mandamentos, que proporcionou inclusive o fvilme que se enconra em cartaz nos cinemas e o lançamento de um livro homônimo, baseado no folhetim. Graças à igreja Universal, Moisés está na moda.

O Homem que Falava com Deus conta, em ritmo de aventura, como Moisés descobriu sua origem hebreia, levado por uma história de amor - ou a mão secreta de Deus. Em tudo cabe dupla interpretação, da mesma forma que não vemos, na vida real, se o que acontece é obra do acaso, do destino, ou de alguma força divina. Depende de como enxergamos as coisas. Essa é a diferença entre a literatura moderna e a Bíblia original. O leitor pode escolher no que acreditar.

Gostamos de dizer por aqui que Deus é brasileiro. Podemos dizer agora que Moisés também é. O fascínio que o personagem exerce, histórico e universal, encontrou seu momento no mercado. É uma boa oportunidade para mostrar que brasileiros, podem, sim, escrever sobre o que quiserem. Daqui e de qualquer lugar.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Metal queimado e o coração

A mulher, morena, cabelos soltos, camiseta regata, shortinho e chinelos de dedo, segura a carta entre as mãos – isso mesmo, uma anacrônica carta, papel com uma mensagem riscada de Bic, que sai de seus dedos guardando ainda a memória da dobradura no envelope. “Não vou mais fumar, porque desse jeito não terei saúde pra matar mais gente”, ela lê, em voz alta, para duas outras mulheres que a rodeiam na calçada. “Vocês viram aqui o que ele escreveu? Não terei saúde pra matar mais gente.”

É meio da tarde, tempo abafado, e passo meio com pressa, meio com vontade de parar e perguntar. Quem é o presidiário: será um filho, um irmão, um marido, ou namorado? O que terá feito para estar preso, ou melhor, quantos crimes cometeu, e quantos mais terá cometido depois, na prisão? As palavras saem doces na voz feminina, mas eu as escuto dentro da cela fétida, de paredes descascadas, perto da latrina barrenta. “Matar mais gente. Matar mais gente”, reverberam as palavras. E o pensamento: até um assassino tem para quem escrever, até um assassino encontra compreensão, um assassino tem amor.


Faz alguns meses que estou na Barra Funda, como uma espécie de rito de passagem entre o passado e o futuro, o desconhecido já visto e o desconhecido a ver. Caminho pelas calçadas onde se espalham mesas de bar; numa esquina a caminho de casa, um grupo de desocupados todos os dias joga baralho; dali controlam a calçada, o jogo e até o trânsito: gritam com quem vem na contramão, dão informação, e me lembram os personagens daquele filme espanhol com Barden, Segunda-feira ao Sol, sobre a vida dos desempregados.

Barra Funda: galpões antigos, com portas de metal, onde ficam restaurantes por quilo, oficinas mecânicas, pequenos negócios. À noite algumas dessas portas se abrem, são casas noturnas que funcionam tarde da noite, onde vão alguns clubbers e muitos bêbados da madrugada. As ruas mesmo durante o dia têm algo de abandono: as lojas de tatuagem, os entregadores delivery de água, as mulheres suburbanas, opulentas e suadas, na porta dos cabeleireiros.

Aqui já houve mais indústria, os migrantes do passado, que deixaram os galpões fantasmagóricos e o costume de sentar fora. Nas ruas ficaram os estudantes da Faculdade Oswaldo Cruz, a dona do bar de comida mexicana com um cardápio de neon, os tatuadores e as tribos da contracultura, que gostam do clima do lugar, o que de mais perto São Paulo poderia ter do Soho novaiorquino, que nunca terá. E, sobretudo, os homens de baixo clero, os barbados que perambulam sem rumo, roupas puídas, catando lixo; o negro que ao me ver muda súbito de rumo, vem na minha direção,  penso que vai pedir dinheiro, ou é um assalto, e não: "Na rua de cima você vai achar o templo", ele diz, "vá lá, Jesus salva, o Senhor te ajudará."

As ruas estão sempre cobertas de lixo; na redondeza da escola pública, traficantes circulam sem serem incomodados. É um gueto, quase um campo de concentração: o trem espreme a Barra Funda entre a linha férrea e o Minhocão. Bate em meus ouvidos, repetitivo e rude; os guinchos durante a noite, rilhando na alma, os apitos inopinados, longos e escandalosos silvos e o cheiro de metal queimado, que impregna a roupa, as narinas, mas não parece vir de fora, e sim de dentro, do coração.

A quadra de futebol onde levo meu filho; o apartamento pequeno, onde se amontoam móveis embrulhados em papel bolha, à espera do dia da mudança: purgatório que não devia ter acontecido, abismo entre o passado e o futuro, parênteses no tempo, parado mais do que deveria.

Na rua, todas as noites a moça ruiva leva o cachorro para passear; tem cabelo curto de rapaz, que ressalta o queixo quadrado, o rosto bem feito, o corpo torneado sob a roupa preta de ginástica; leva sempre o cachorrinho peludo na coleira; ela me cumprimenta, quando me vê passar. Sigo em frente, sem pensar; sou um estranho, ou sempre fui; estou aqui de passagem, como sempre tenho estado; isso, como tudo, vai ficar para trás, mais uma possibilidade que não aconteceu: a minha será uma Barra Funda sem lembranças, apagadas junto com tudo aquilo que não posso mais.

Aqui todos são solteiros ou têm crianças pequenas, fazem esteira no salão de ginástica, esperam também o fim do intervalo, ou o momento de pegar o trem e ir para longe dali. Imagino que muitos ficarão à espera por toda a vida, olhando tudo passar: deserto dos tártaros urbano, que me faz olhar o relógio, contar as horas, minutos, os cabelos enbranquecendo no espelho, como se a vida se esgotasse a cada instante.

Subo pela rua, e a ideia de ir embora me faz sorrir levemente. O sol bate forte na cara; enfim faz verão sem chuva, e eu me encho de energia; na Barra Funda fiquei seis quilos mais leve, e caminho na calçada na ponta dos pés. Quando baixo os olhos do céu, vejo uma menina, que deve ter dez, onze anos, não mais; encontro, no ar, seus olhos de mel. Tem cabelos longos, pele mourisca, senta numa mesa na calçada em frente de casa com a mãe e os irmãos; experimenta aquele alumbramento de quem viu um homem em estado de graça; os olhos dela me acompanham quando eu passo, e eu sei que ela se lembrará de mim para sempre, o moço da rua, que ela viu sorrir sozinho, distante e distraído, e isso, um instante, mexeu alguma coisa dentro dela.

Eu ainda posso fazer isso, penso: posso causar isso em alguém e posso fazer muitas outras coisas. Sobretudo, posso novamente ser eu, o mágico que reconstrói a vida, que inventa tudo de novo, que faz palpitar o coração; eu sigo sendo eu, a recomeçar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O dia dos humildes

O Brasil é um país generoso. Votou em massa no Wendell Lira e ele ganhou o prêmio Puskas de gol mais bonito, deixando para trás Messi e outros craques milionários do mundo.


O antes desconhecido jogador do Goianésia teve sua noite de estrela e representou o Brasil com a dignidade dos humildes na festa da Fifa em Paris, para a qual esperou no primeiro terno que vestiu em toda sua vida, do lado de fora, sozinho, sob um guarda-chuva.

No instante em que seu nome saiu, baixou a cabeça, no.meio da plateia. Diante do microfone, mesmo emocionado, manteve-a de pé. Foi simples, breve, comovente. O Brasil é capaz de grandes coisas, sobretudo sustentar a dignidade do brasileiro diante do mundo. 

Esse é o exemplo que deveriam tomar outros brasileiros, que não representam o povo, apesar de eleitos para tal, e só fazem nos envergonhar.