quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Caixa de Amor e a volta da poesia



Não sei quem decretou a morte da poesia, mas essa foi uma lei não escrita que pegou, sem que a gente saiba exatamente a razão. No mercado editorial, repete-se que poesia não vende e por isso poucas editoras passaram a publicá-la. Talvez isso tenha começado como uma simples desculpa de algum editor para se livrar de algum aspirante; depois, como a desculpa se tornou confortável, passou a ser usada tão indiscriminadamente que se consagrou uma dessas verdades não comprovadas que seguem sozinhas como se fossem mesmo verdadeiras.

O resultado disso é que a poesia quase desapareceu das livrarias, mesmo a clássica, aquela que as crianças estudam e leem – ou deveriam ler – na escola. O espaço para a poesia diminuiu, de forma geral, e criou-se essa imagem de que ela é o supérfluo do supérfluo, ou brega, ou uma linguagem arcaica, ultrapassada. Estes tempos, porém, começam a mudar.

Uma das coisas que resolvi, ao começar a Editora Copacabana, é publicar poesia. A internet tem essa vantagem: ela pode se apropriar daqueles nichos abandonados pela indústra do livro de papel, e encontrar os fieis leitores de um gênero carente de seus clássicos e também das novidades. O mito de que não existem mais bons poetas não passa mesmo de mito: eles estão por aí, tão importantes quanto sempre foram.

A poesia é momentânea e tem certo poder catártico; literatura concentrada, vai mais fundo e melhor do que qualquer outra linguagem. É um gênero que eu nunca quis explorar comercialmente, nem tanto por desinteresse dos editores, que nem sabiam que eu escrevia poemas, mas por um certo receio de parecer pretensioso demais e me prejudicar. Entre outros tantos preconceitos, existe o que de um romancista não pode ser um bom poeta. Claro que há muitos exemplos para desmentir essa falácia, como Borges, que não era romancista, mas foi grande contista, além de poeta; e Octavio Paz, que também era ensaísta brilhante. Mas o editor brasileiro é feito dessas verdades; então, para um autor, cuidado.

Escrevo poesia, sempre escrevi, embora sempre como uma atividade espontânea; a poesia surge de repente, é uma expressão mais urgente, como um desabafo. Só mais recentemente tenho me disposto a publicá-la e a pensar nela como um meio de trabalhar melhor a prosa. Sempre fui muito dedicado, no romance, ao desenvolvimento da trama. Dava muito mais atenção ao enredo que à linguagem, com exceção de meu primeiro romance, Filhos da Terra. Ali, o narrador precisava ser caracterizado como um italiano do sertão brasileiro, portanto com uma linguagem própria, e o cuidado com cada palavra fazia sentido.

Hoje penso que posso não apenas fazer poesia, como transferi-la para a prosa, tanto quanto possível. E que existem muitos adeptos que ficaram órfãos do gênero. Por isso, venho recolhendo meus poemas, escritos esparsamente ao longo dos anos em cadernos espanhóis de capa de couro mole, junto com rabiscos, desenhos, cronogramas de trabalho e cálculos de contas a pagar.

O primeiro livro de poemas que vem à luz é Caixa de Amor e de Matar Saudade, que escrevi durante o casamento com Graziela, e narra sem querer a história de um amor. Pedi licença ao objeto dos poemas, mais de um centena deles, escritos ao longo de oito anos maravilhosos, coroados pelo nascimento de um menino que é a luz dos meus dias, e que retrata um tempo que, como todos os tempos, teve começo, meio e fim.

Caixa de Amor e de Matar Saudade, o título, surgiu de uma caixa que Graziela me deixou, quando passou 40 dias trabalhando longe de casa, na cobertura da TV da Olimpíada da Grécia, em 2004. Deixou aos meus cuidados o pequeno João, seu filho, então com oito anos, e com quem eu convivia dentro de casa fazia apenas um mês. Havia na caixa fotos, bilhetes e outras pequenas lembranças. A isto fui juntando poemas que escrevi ao longo do tempo, a maioria deles de amor e de saudade.

Depois, esses poemas foram reunidos num blog fechado, ao qual somente Graziela tinha acesso. Preciso agradecer o desprendimento dela, ao concordar com a publicação dos poemas. E inaugurar esta nova fase de poesia, esperando que ela volte a se espalhar e encha com o significado de um grande amor outros corações, mesmo os desavisados, que poderão ser tocados com a revelação de um material que, mesmo sendo tão íntimo, diz respeito a todos os relacionamentos, por conseguinte a todos nós.

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4692695/caixa-de-amor-e-de-matar-saudade/

As mais duras escolhas

Lincoln, o filme de Steven Spielberg, sem ser um grande filme, tem grandes momentos – especialmente aqueles que dão oportunidade à interpretação de Daniel Day-Lewis e algumas cenas, como o encontro do protagonista com o general Grant, ao fim da guerra, numa conversa de compadres. Lincoln comenta que um permitira ao outro realizar uma porção de coisas horríveis. Há na ironia, junto com uma discreta celebração da vitória, o travo de amargor pelo preço que ela custou.

A história americana é marcada pelas terríveis dissenções que levaram um país a uma guerra civil que matou 600.000 pessoas. O filme mostra a dura escolha de um presidente que decide continuar a matança, por uma questão de princípio: enquanto não houver o abolicionismo, isto é, que se restabeleça o princípio da igualdade, nenhuma paz faz sentido. E isso precisa ser levado às últimas consequências.

Lincoln faz aprovar a lei abolicionista e acaba com a guerra de secessão, mas não por um acordo. No Congresso, compra votos e manipula o que pode para encorajar o voto daqueles parlamentares que receiam represálias; com os sulistas, também não obtém nenhum consenso. Apesar de sua vocação para contar histórias - o pendor daqueles que vivem para convencer os outros pelo bem -, só impõe a paz ao aniquilar os confederados pela via militar. O convencimento vale muito pouco. A democracia e a Justiça prevalecem pela força, mesmo no país que se arvora em ambas como o mecanismo da paz.

O filme é esquemático, mas traz as ideias que representam a chave para o avanço do mundo civilizado. A igualdade de direitos, um princípio que parece tão fundamental, foi o grande desafio de Lincoln, mesmo que, como mostra o filme, ele entendesse os negros tanto quanto um povo alienígena. Acreditava na essência da Humanidade, na Justiça e na igualdade perante a lei. E a força dessa convicção era maior do que qualquer diferença, estranheza ou obstáculo.

As dissenções elementares da sociedade americana não desapareceram até hoje. O desafio de Lincoln foi o mesmo de John Kennedy, um século anos depois, quando, ao lado do irmão Bob, seu secretário de Estado, colocou-se ao lado de um negro para que ele pudesse entrar na universidade em um Estado conservador. Seis meses mais tarde, assim como Lincoln, ele seria baleado na cabeça. E seu irmão Bob também seria assassinado pouco tempo depois.

Foram precisos quase 150 anos desde Lincoln e dezenas de eleições presidenciais para que um negro assumisse seu lugar na Casa Branca. A desigualdade ainda é o maior desafio dos presidentes americanos. Não é por outra razão que, no discurso de posse de seu segundo mandato, Barack Obama viu diante de si, no vasto campo diante do Capitólio, em janeiro deste ano, uma multidão que simbolizava o país galvanizado pela importância do momento.

Obama representa não apenas mais uma vitória da igualdade dentro dos Estados Unidos, como uma esperança para todo o mundo: a expectativa de que os americanos aceitem cada vez mais não apenas a igualdade racial e política como a igualdade entre os povos, e que possam a partir disso respeitá-la.

Os adversários de Obama ainda são os mesmos de Lincoln e Kennedy. Aqueles que ainda é preciso vencer às vezes com o ardil ou com a força, para que a Justiça e a igualdade possam subsistir. A esses perdedores historicamente restou o recurso baixo, torpe e covarde da vingança e do terrorismo. Dessa forma eles colaboram, sem querer, para o avanço do Iluminismo. Cada vez que um gigante cai, sua sombra se levanta. Lincoln foi assassinado porque fez a igualdade triunfar, mas aqueles que desejavam sua morte não perceberam que, ao matá-lo, fizeram dele não apenas um mártir, como consagraram seus ideais.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Os Bee Gees e a música que marca as gerações

Caminhando por uma loja de conveniência, em busca de uma barra de chocolate, encontrei algo que, em outros tempos, me deixaria de cabelos arrepiados: um CD com a compilação das melhores músicas dos Bee Gees. Vacilei por um instante, e me surpreendi com a simples vacilação. Por quê não? Preço: 14 reais e noventa centavos. Comprei.

Sei que hoje em dia não se compram mais discos (ou Cds), e que os Bee Gees são datados por uma era da qual muita gente não tem nem lembrança, por não ter nascido, ou apagado da memória. Mas havia alguma coisa ali que me intrigava. Aquele Cd era uma espécie de teste: de memória, do tempo, de mim mesmo.

Como em muita gente que conheço, os Bee Gees passaram os últimos vinte anos provocando em mim certa aversão. Explica-se. Houve uma época, aquela em que eu começava a querer namorar, morava na periferia e frequentava o que na época se chamava de discoteca, em que eles representavam não somente a trilha sonora das festas como de uma geração inteira. Poucos fizeram tanto sucesso ou marcaram uma fase como os Bee Gees. Embalos de Sábado À Noite , o filme com John Travolta, que catapultou a um sucesso sem paralelos o disco Saturday Night Fever(1977), foi muito mais que uma onda musical: representou uma grande mudança de comportamento.

Pouca gente ousaria comprar os Bee Gees aos Beatles, ou a Michael Jackson, músicos que também foram um fenômeno de vendas e comportamento em sua época. Enquanto os Beatles e Jackson são considerados gênios, ou clássicos da mpusica pop, os Bee Gees viraram símbolo do brega, do datado, do ultrapassado. Por quê?

Os Bee Gees eram música de consumo, mas que consumo? Em Saturday Night Fever, o filme, um rapaz de periferia, sem muita perspectiva de vida, encontrava na dança o seu talento, ou a única oportunidade de ser alguma coisa de interessante na vida. Essa ideia de uma simplicidade franciscana provocou na época uma monstruosa resposta sociológica. Saturday Night fiver se tornou uam das maiores bilheterias de todos os tempos, e catapultou os Bee Gees à ultima galáxia na escala do sucesso.

Em seguida, Travolta voltaria com tudo em outro filme, Grease, o musical com a história do rapaz pobre que se apaixona pela garota riquinha e perfeita (Olivia Newton-John, no papel que a tornaria famosa). Lembro do Cabeça de Ovo, apelido do Sérgio, que era um garoto fracote na infância, que apanhava de todo mundo na rua Xiró, aparecer de repente crescido, numa camiseta preta com os braços de fora - a moda que apareceu por causa do filme.

O Ovo ganhara músculos de repente e muito respeito, mas não só ele. Desde Saturday Night Fever, toda uma geração de piás passara a acreditar mais em si mesma. As pistas de dança se encheram de garotos e garotas autoconfiantes, que rodopiavam como gênios da raça e de repente tinham a sensação de que ali acontecia tudo e que tudo era possível. Com Michael Jackson de meias prateadas, entraríamos em seguida nos Dancin' Days, uma versão da mesma coisa, já sem a implicação social de Grease e Saturday Night Fever, em dançar era diversão pura.

Os Bee Gees fizeram muitos outros sucessos além de Night Fever, cada um tão grande quanto o outro, numa incrível sequência - More Than a Woman, Stayin' Alive, How deep is Your Love, Too Much Heaven. Brilharam mais rápido, porém de forma ainda mais intensa que o próprio Michael Jackson. Sua discografia se tornou parte da biografia de todo mundo que viveu naquela época. Mas pouca gente se lembra, afinal, do que aquilo falava, mesmo.

Os Bee Gees foram embora, desapareceram de repente, e repito: por que? Foi tal a overdose de Bee Gees que, como o fim de uma moda, e tão marcados por uma época, eles passaram a representar o mundo que acabou. Simbolizaram para mim, e creio que muita gente, aquilo que não queríamos mais ser, ouvir, saber - os adolescentes com cara espinhenta, desajeitados e sem perspectiva de nada.

E, sim, cansaram - a voz agudíssima, capaz de quebrar garrafas, e aquele balanço que marcou a virada dos anos 1970 para os anos 1980, foi substituída pela música progressiva do Pink Floyd e a cadência da guitarra do Police, com suas letras inteligentes e sua cara de banda universitária. Os Bee Gees foram sepultados ali. Para mim, até a semana passada.

Eis então que, passados tantos anos, eu me senti preparado para aquilo, de novo. Senti vontade de, longe daquele tempo, e bastante seguro para mão ter mais vergonha de qualquer coisa, saber, afinal, como era aquela música. Ouvir de novo as letras. Entender um pouco o que eu era, ou o que era aquele tempo, e saber se aquilo é algo que pode durar.

A arte, em qualquer forma, seja a da música, ou um livro, quando é lançada ao sucesso extremo, perde seu sentido original. Fica imantada pelo momento, associa-se a ele. Só o tempo é capaz de depurar o significado que vai além da própria obra e a devolve ao seu estado original de simples obra - apenas a arte, com sua beleza original. Aí é que se sabe se ela pode sobreviver. Hoje se pode, afinal, ouvir Bee Gees. E avaliar se aquela música, ainda hoje, fala aos corações.

Faz uma semana que ouço os Bee Gees. Comecei no carro, a caminho do trabalho, sozinho. Me peguei repetindo algumas músicas, várias vezes, primeiro para ter certeza do que diziam, mais tarde por gostar. Depois, levei o CD para casa. Coloquei Bee Gees, que no passado era música de festa, para tocar... durante o jantar. E lá estava o pessoal todo, em instantes, balançando - de lá para cá, de cá para lá, com o garfo na mão. Crianças que nunca tinham ouvido Bee Gees antes.

E as letras são de adulto. Algumas, lindas canções de amor. Escolhi a minha preferida, cuja letra diz:

Tender love is blind, it requires a dedication
All this love we feel needs no conversation
We ride it together, ah ha
From one love to another, ah ha

Islands in the stream that is what we are
No one in between how can we be wrong
Sail away with me to another world
And we rely on each other, ah ha
From one lover to another, ah ha


Gosto de ouvir a obra inteira de uma banda, porque às vezes o que gosto mais não é o óbvio, o que fez mais sucesso. Ali dentro encontramos às vezes algo que nos diz mais respeito, ou que, é, simplesmente, melhor. Esse exercício é muito interessante quando examinamos o passado. Islands in The Stream, a canção acima, não é a música que mais fez sucesso em seu tempo. Não se compara a Stayin' Alive ou You Should be Dancin, que qualquer um reconhece aos primeiros acordes. Mas eles sabiam fazer canções elaboradas, onde os agudíssimos dão lugar ou se alternam a outras vozes, capazes de falar conosco intimamente.

Os Bee Gees não eram apenas - bem, ainda são - muito bons. Eles não conseguiram fazer nada novo, tão grudados ficaram aos grandes sucessos do passado. Sua obra a partir dos anos 1990 padece da síndrome do medo da comparação com eles mesmos. Sofreram com a mesma maldição de outros clássicos que seus contemporâneos enjoaram de ouvir, como Para Não Dizer que Não Falei das Flores (ou "Caminhando"), de Geraldo Vandré. Jamais conhecerão novamente a fama como naquele tempo. Um deles, Andy, já morreu. Mas posso dizer que, finalmente, entendo os Bee Gees. Independente de seu tempo. E reafirmou minha certeza de que as boas mensagens, mesmo as que parecem tão datadas, podem durar.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Os 10 melhores livros de todos os tempos

Para os alunos do Escreva Bem, Pense Melhor que me pediram na Casa do Saber uma lista de livros para ler, segue algo que escrevi há algum tempo - minha lista (muito pessoal, claro) dos 10 melhores livros de todos os tempos.

*


Muita gente pergunta qual é a minha a lista dos dez melhores livros de todos os tempos. Ou quais são as dez leituras que julgo indispensáveis. Claro que não li tudo o que existe no mundo, que cada um pode fazer sua própria lista e que ela é bastante subjetiva. Mas quem quiser pode usar esta lista, ou fazer a sua e comparar.

1 – A Bíblia. O livro essencial da Humanidade é uma história familiar. Conta a saga dos descendentes de Adão e Eva e a complicada convivência com seu temperamental Criador, entidade onisciente que lhes deu a vida para depois tirá-la. Seus descendentes partem em busca da reconciliação com a divindade e a recuperação da promessa da vida além da morte.

Ao fazer a opção por comer o fruto da Árvore do Conhecimento, o casal que simboliza a Humanidade renuncia à existência perene no paraíso e à obediência ao Pai opressor em troca de bens ainda mais importantes: o livre arbítrio e o amor.

Além desta mensagem fundadora da civilização, a Bíblia é cheia de dramas que nem Shakespeare inventaria, lindos poemas e passagens poderosas, como o Livro da Sabedoria, escrito pelo sábio rei Salomão (o meu pedaço preferido das escrituras), e a história igualmente poderosa e cheia de ensinamentos de Jesus nos evangelhos de Lucas e de São Mateus, os que a contam melhor.

2 – Fédon. É a Bíblia dos agnósticos, assim como Sócrates é o Jesus dos intelectuais. O melhor, mais famoso e mais importante dos diálogos de Platão relata o último encontro do célebre filósofo ateniense com seus discípulos. Já condenado à morte pelos juízes da Cidade-Estado por “subversão” dos jovens, a quem ensinou o livre pensar, Sócrates discute a existência da vida além da morte enquanto a cicuta vai agindo lentamente em seu organismo.

Despede-se da existência fazendo o que sempre fez, como uma reafirmação do direito à liberdade e ao pensamento, grande dádiva do homem,aquilo que dá sentido e valor à vida. O mestre deixou impacto profundo em seus discípulos e em todos aqueles que têm o privilégio de ler a narrativa de seu mais célebre aluno.

3 – A Ilíada, de Homero. Primeiro grande épico da Humanidade, Homero deu à vida uma nova dimensão. Para ele, homens podiam ser quase deuses, assim como os deuses eram quase homens. Ele criou o guerreiro perfeito em busca da imortalidade (Aquiles) e consagrou o ideal grego de que o maior bem de um homem não é sua vida, mas a glória, especialmente a conquistada pela coragem em batalha, pois ela é a única coisa que o ser humano pode eternizar de si mesmo.

4 – Vidas dos Homens Ilustres, de Plutarco. Maior historiador da antiguidade, o romano Plutarco traçou o perfil de importantes personagens do passado, alguns dos quais foram seus contemporâneos ou haviam deixado registro para ele recente. Além de dar à luz a muito do que sabemos hoje sobre a Humanidade, Plutarco mostra que o centro da história é o indivíduo – a única força capaz de mudar o mundo.

Em sua vasta obra, também conhecida como Vidas Comparadas, certamente o tomo mais interessante é o que faz um paralelo entre os dois maiores gênios políticos e militares de todos os tempos, para que se possa eleger o maior: Alexandre Magno e Júlio César.

5 - A Divina Comédia. O mergulho de Dante e Virgílio no além é a mais bela e poderosa alegoria sobre a condição humana. Depois de mergulhar no inferno, no purgatório e no céu, guiado pelo poeta, Dante nos faz refletir sobre o que seria conhecer a morte – e depois poder voltar.

6 – Hamlet, de Shakespeare. Todas as obras do velho bardo mereceriam menção numa lista da melhor literatura em todos os tempos. Para dar mais espaço aos outros, porém, fico com a clássica tragédia que dispensa todo o trabalho posterior de Freud, ao colocar a mãe no papel de traidora, o filho no do continuador e vingador do pai, e sobretudo que coloca o ser humano diante da angústia eterna de não saber de onde veio, nem para quê: “ser ou não ser, eis a questão”.

7 – Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Retrato complexo do ser humano, a obra máxima do gênero picaresco e talvez de toda a literatura ficcional é também a que melhor retrata a mais bela diferença do ser humano para as outras feras: a capacidade de sonhar. Sonhando, Quixote de velho miserável se vê herói; faz uma era épica de um tempo mesquinho; alimenta a vida com um amor inexistente e enfrenta aventuras que, como tudo, são obra de sua imaginação.

Porém, em sua ilusão, o pobre Quixote não terá dado à sua vida miserável também uma dimensão incomparável, a grandeza que há na vida de todos nós, mesmo do ser humano mais medíocre? O que separa da loucura a realidade desta nossa existência? O homem que vê gigantes no lugar dos moinhos de vento nos diz uma grande verdade: somos importantes não pelo pelo fazemos, mas pelo que acreditamos. Graças a Cervantes, um louco nos mostrou a razão.

8 – A Metamorfose, de Kafka. A fragilidade da alma humana, vista como algo separado do corpo, é o tema desta pequena e genial obra da literatura que, em perspectiva histórica, podemos chamar de contemporânea. Ao se transformar em uma barata, o personagem central, um alter ego do próprio Kafka, separa também a alma e o que somos do corpo e de toda a aparência, apenas para nos mostrar a impossibilidade de sermos compreendidos pelo próximo e o fundo de nós mesmos – seres irremediavelmente perdidos em nossa inconsolável solidão.

9 – Sidarta, de Herman Hesse. Fundador do gênero “auto-ajuda” na literatura, Hesse também foi o primeiro autor ocidental a ver a profundidade e o interesse na sabedoria oriental. Sua parábola do rio como símbolo da vida - sem começo, meio ou fim, apenas água que é a mesma na nascente, no leito e na foz - é recorrente em minha obra literária. Até hoje procuro acreditar na eficácia da receita do jovem brâmane Sidarta para resolver todos os problemas da vida com três palavras mágicas: pensar, esperar e jejuar.

10 – Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Para colocar um romance brasileiro na lista das dez leituras obrigatórias, vai este que é o nosso melhor livro de ficção em todos os tempos. Relato biográfico escrito por um morto, com a visão muito peculiar de alguém que analisa sua vida a posteriori, Machado trata com a mais fina ironia o dilema central da Humanidade e apresenta em sua crueza máxima a insignificância e a inconsequência da existência humana.

Eu poderia colocar no lugar deste livro o Quincas Borba, que faz o mesmo, só que por meio da narrativa do cachorro. Em um caso ou outro, Machado apresenta a vida humana como algo realmente minúsculo diante do tempo, das estrelas e do universo infinito, mas que em algum lugar, foco de resistência dessas alminhas pensantes que constituem a Humanidade, sobrevive com um sorriso no canto da boca.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Links do curso Escreva Bem, Pense Melhor


Para os alunos do Escreva Bem, Pense Melhor, na Casa do Saber, seguem os links dos textos citados em aula:

Padrão, de Fernando Pessoa, com Caetano Veloso>
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=B1HwbgDiR6Q

O Poder da Mente:
http://www.veja.abril.com.br/190898/p_102.html

Paulo Francis: entrevista na revista Cult:
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/paulo-francis-por-ele-mesmo/

Paulo Francis: o gigante de papel.
http://www.thalesguaracy.com.br/citacoes.asp?arquivo=203

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Prêmio Benvirá: o processo de seleção

No dia 30 de novembro de 2012, à meia-noite, encerraram-se as inscrições para o segundo Prêmio Benvirá de Literatura. Como na primeira edição, um grande número de participantes deixou para enviar seus originais na última hora. Dos 1.505 inscritos, cerca de 400 fizeram o upload de seu trabalho nos momentos derradeiros.

Prêmios literários geram muita polêmica, como se viu nas duas últimas edições do Jabuti. A escolha do vencedor sempre tem um componente subjetivo, por mais que se queira otimizar os critérios. No caso do Jabuti, discutiu-se muito o regulamento em 2011 porque permitiu ao segundo colocado na categoria romance (Chico Buarque) participar da votação para o Livro do Ano, o prêmio final. Porém, esse não era nem é o maior problema do Jabuti. Diferentemente da escolha nas categorias, feita de forma mais técnica, por profissionais que precisam ler os livros para dar suas notas, o Livro do Ano é escolhido em votação dos membros da CBL. Profissionais que, embora conhecedores do mercado, em geral não leem os livros concorrentes - e votam invariavelmente naquilo que conhecem mais, ou por afinidade.

Em 2012, discutiu-se o resultado na categoria Romance porque um dos jurados utilizou-se da possibilidade de dar notas baixas aos livros que queria ver fora da disputa para favorecer os de sua preferência. O resultado, surgido dentro do regulamento, foi ratificado. O vencedor foi justamente Nihonjin, vencedor do primeiro Prêmio Benvirá. Para o livro do ano, votou-se em alguém mais conhecido dentro do mercado que o estreante Oscar Nakasato, de Nihonjin. Um resultado mais discutível que o primeiro, do corpo técnico. Estou certo de que os pares da CBL não leram Nihonjin para julgar e certamente foram influenciados pela repercussão na imprensa da polêmica em torno do chamado Jurado C.

Essas pressões em torno dos prêmios literários aumentam ainda mais a responsabilidade pelo Prêmio que instituímos na Editora Saraiva. Embora patrocinado por uma companhia privada, e não uma entidade, como é o caso do Jabuti, o Benvirá rapidamente ganhou espaço entre todos aqueles que desejam ter seu livro publicado por uma grande editora, e atrai também um bom número de autores consagrados, publicados por editoras de primeira linha, interessados não apenas no prêmio em dinheiro, como também na publicação. A vitória de Nihonjin na primeira edição sobre autores consagrados, assim como aconteceu no Jabuti, mostra que a qualidade do conteúdo tem prioridade sobre a assinatura do autor no nosso processo seletivo. Isso prova que o Prêmio busca de fato promover a literatura e dá real oportunidade a autores de qualidade ainda desconhecidos do mercado.

Acreditamos que a qualidade prevalece, mesmo no aspecto comercial. Esta é uma boa oportunidade para demolirmos de vez a falácia de que livro ruim vende mais, enquanto a literatura mais refinada (ou, como chamam a "ficção literária") tem necessariamente um público restrito. Cito alguns exemplos que derrubam facilmente esse mito. Garcia Marques é ótimo e vende bem. Vargas Llosa também. É esse o padrão que procuramos obter com o Prêmio e ele reveste toda a política editorial do selo Benvirá.

A seleção do Benvirá é feita pela equipe editorial de ficção e não ficção da Saraiva, que criteriosamente analisa o material enviado pelos participantes, a começar pela sinopse. Todos os originais são abertos e, se não são lidos por inteiro, recebem uma análise tida como suficiente para se verificar que o texto tem padrão para concorrer ao prêmio.

Muito a nosso favor conta o software que criamos para permitir a análise de um volume tão grande de originais. Cada obra tem uma página específica dentro do sistema, com os dados cadastrais do autor e sinopse. E pode ser classificada conforme o estágio em que se encontra: novo cadastro (ainda não examinado), em análise, pré-aprovada e aprovada. Depois da primeira peneirada, restaram cerca de 130 trabalhos "em análise". Na segunda, ficaram 25 originais considerados "pré-aprovados". Eu e mais dois editores, então, elaboramos, cada um, uma lista de dez. Confrontamos nossas listas. Os trabalhos mais votados formaram a nolista final com de "aprovados".

No início de janeiro, os trabalhos aprovados serão entregues, impressos, ao triunvirato que forma o júri, a título de indicação da equipe editorial. Os nomes dos integrantes do júri serão revelados somente com o do vencedor, para evitar qualquer tipo de interferência no processo de escolha, como acontece com o Jabuti. Os jurados podem pedir qualquer original inscrito, se quiserem - ou seja, podem solicitar um original que tenha ficado para trás na escolha dos editores. Não precisam necessariamente, portanto, ficar restritos às indicações feitas no processo seletivo da equipe editorial. Vão reunir-se em fevereiro, em data ainda a ser definida, e a portas fechadas, para poderem decidir, de forma independente, quem será o vencedor.

O vencedor do Benvirá será anunciado ainda em fevereiro, e o livro sairá junto com a premiação, em abril de 2013. Os originais selecionados pela equipe editorial têm boas chances de receber também propostas para publicação, como aconteceu na primeira edição, da qual saíram quatro novos autores, além de Nakasato. Por ter examinado a maioria dos originais, e todos os selecionados, posso dizer que o nível dos trabalhos melhorou muito da primeira para a segunda edição do prêmio. Ninguém sabe se o vencedor do Benvirá será um autor já publicado por outra editora ou não, nem se ganhará também o Jabuti. Mas que o Benvirá se tornou um evento importante na promoção da literatura nacional, está bastante claro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O melhor do Brasil


Há alguns anos, escrevi para uma revista da Editora Abril um perfil de Gabriela Duarte, a atriz da TV Globo, que entrevistei no estúdio de seu marido, o fotógrafo Jairo Goldflus. Fiquei fascinado pela ampliações de retratos de gente famosa que ele fotografara e formavam uma enorme galeria - poucos brasileiros conhecidos não passaram por ali. Mais interessante, entre elas havia muitas fotos inéditas, que ele fazia somente para si mesmo e guardava como uma espécie de coleção de arte particular.

Não esqueci desse dia e, para minha surpresa, Jairo também não esqueceu. Sempre disse que havia gostado muito do que eu escrevera sobre sua mulher e que se tornara um leitor regular do que eu fazia. Escrever sobre gente exige certa perspicácia para entender rapidamente o ser humano, alcançar profundidade e evitar aquele tom de bajulação para o qual muitos se inclinam diante de gente considerada importante. É uma tarefa tão difícil quanto tirar algo de especial de um retrato às vezes simples, em que apenas se enquadra o rosto do personagem. Creio que, quando se trata de produzir uma obra que envolve ao mesmo tempo informação objetiva e um pouco de arte, eu e Jairo temos o mesmo desafio e a mesma abordagem.

Recentemente, Jairo me procurou, dizendo que decidira trazer à luz o seu tesouro até hoje reservado a poucos olhos. E que andava fazendo fotos exclusivas para publicar tudo em um livro. Queria que eu escrevesse a introdução, o que fiz com prazer. E o resultado é uma bela obra, intitulada "Público", que começa a chegar de forma seletiva às livrarias. Além do seu trabalho para a imprensa, que lhe permite galvanizar celebridades, Jairo empenhou-se em capturar figurinhas carimbadas, como Sebastião Salgado, mais acostumado a estar atrás das lentes que diante delas. E nos apresenta uma galeria de gente que faz o Brasil se tornar um país mais rico, interessante e importante. Um trabalho de arte que é, também, um registro histórico dos nossos tempos pelo que tem de melhor: as pessoas.

"Público" revela um talento singular: Jairo faz retratos simples se tornarem complexos, ao mesmo tempo em que, quando cria poses e interpretações, faz com que as coisas mais bizarras pareçam absolutamente simples, até naturais. Faz pensar sobre a natureza do ser humano e nosso capital fundamental, que o da mudança por meio da imaginação. Alguns podem dizer que, como autor da introdução do livro, eu tenda também ao tom bajulatório ou à falência da objetividade. Mas é difícil não ver o bem de um trabalho com arte pela arte - sobretudo em tempos nos quais o brasileiro e a sua cultura, tão dissolvidos no imenso redemoinho da indústria de massa global, carecem tanto de valorização.