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segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Conquista do Brasil, a crise e o caráter do brasileiro



Encontro um amigo meu de longa data num jantar e ele me olha de cara feia. Acaba de ler A Conquista do Brasil. E explica: "Esse livro me fez mal".

Como pode um livro de história causar mal estar a alguém? Ah, porque ele não é exatamente um livro de história. Fala sobre a formação do Brasil e do caráter do brasileiro, do seu povo e de sua elite dominante. Em A Conquista do Brasil, aparece a origem de tudo o que assistimos hoje. Meu amigo desanimou-se porque viu que as nossas dificuldades são congênitas. E isso lhe tirou a esperança, sobretudo neste momento, em que mergulhamos numa crise profunda.

Podemos nos levantar novamente? Podemos construir um grande país? Podemos alcançar o progresso no caminho já trilhado de liberdade e democracia? Sempre acreditei que sim. Mas ler A Conquista do Brasil, ao mesmo tempo em que assistimos o que acontece hoje em nosso país, faz pensar na necessidade de mudanças profundas.

O brasileiro é formado em uma série de vícios. Claro que não se pode generalizar, mas temos de aceitar que somos uma Nação, e caminhamos coletivamente. Essa personalidade geral que nos conduz, cuja rota ainda não conseguimos mudar, porque exige uma mudança profunda de mentalidade, precisa ser reavaliada desde a raiz.

O que está acontecendo hoje é apenas mais um e danoso exemplo. Já sabíamos que havia corrupção no governo do PT desde o final do primeiro mandato de Lula. Na disputa eleitoral, o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, desancou Lula em um debate na TV, apontando as mazelas morais de sua administração. O brasileiro sabia daquilo tudo. Mas reelegeu Lula, porque para o brasileiro a moral não é o mais importante. O Brasil estava indo bem, iria melhorar. E por isso o brasileiro entendeu que valia a pena fazer vista grossa para o que acontecia. Se o brasileiro estiver ganhando dinheiro, podem roubar. E repetiu o gesto ao eleger Dilma como sucessora de Lula.

Isso faz pensar que o grande problema de Dilma não são as denúncias que revelaram a extensão a que chegou a máquina de corrupção no governo federal e seus estamentos. Se a economia estivesse indo bem, tudo passaria em branco. O que o brasileiro não gosta é que mexam no seu bolso. Os mesmos que hoje levantam a voz, querendo derrubar Dilma, são os que se locupletaram na primeira década de governo do PT. Basta as coisas irem mal, para se usar a corrupção como instrumento para ameaçar o governo e as instituições. Como se vê bem com a seleção brasileira de futebol, uma expressão do caráter nacional, o brasileiro não sabe ganhar. E sabe ainda menos perder. Quanto a seleção ganha, somos o futebol genial. Basta perder uma partida e já querem demitir o técnico. Funcionamos assim.

O brasileiro se aproveita do poder, quando o tem, e cobra dele - não o bom comportamento, que ninguém tem, mas o resultado. O brasileiro está nesta terra para se dar bem. O brasileiro, na verdade, não existe.  Pensa no Brasil apenas como um lugar para ganhar dinheiro. E gastá-lo em Miami.

O brasileiro só respeita a lei quando está no exterior. Desvaloriza a lei em seu país, como se aqui não precisasse praticá-la, da mesma forma que os primeiros portugueses que se instalaram na colônia. Muitos deles eram criminosos deserdados que quiseram explorar a imensa riqueza de um território sem controle. Não é apenas o povo indolente e despolitizado que a elite formada a partir dessa gente se acostumou a explorar. É o própria sistema, que muda conforme os interesses.

Hoje o PSDB levanta o discurso do parlamentarismo, a mudança da lei, para tirar poder de Dilma. A oposição também é elite, sofre dos mesmos males de quem está instalado no poder federal. Quando a economia não vai bem, vale tudo, mesmo mudar as regras do jogo. O golpismo no brasileiro é atávico. E não é assim que se constrói uma Nação confiável. Nem um futuro promissor.

O Brasil só vai ter jeito quando deixar de ser essa terra de bandoleiros que só agem pelo interesse próprio. Quando tiver noção de respeito à lei e de coletividade. Quando o governante for controlado e obrigado a se manter trabalhando para o interesse público. Os políticos brasileiros não são ruins como classe. Eles representam o povo brasileiro, são sua expressão. Ou melhor, são expressão dos interesses de quem coloca o dinheiro em seu bolso para representar forças muito particulares.

A  maioria do povo brasileiro não tem representante no Congresso. Está lá a bancada da Bala, dos Evangélicos, dos Ruralistas, e assim por diante. Os partidos pouco significam. Não existem forças políticas em torno de ideias e projetos coletivos para o país. O brasileiro é imediatista e não existe um plano de longo prazo para a economia nem a diminuição da injustiça social.

O Brasil precisa parar de explorar o que acredita ser sua maior riqueza: seu imenso território e seus recursos naturais. A maior riqueza do Brasil é o povo, carente de tudo, que representa hoje um dos maiores mercados de consumo do mundo. Mas o brasileiro precisa ganhar para gastar aqui. Respeitar as leis daqui. Promover o bem daqui. Assim, somente, enfim teremos historicamente a oportunidade de fazer um grande país. E poderemos ler A Conquista do Brasil realmente como um livro de história, e não algo que nos desaponta e faz descrer no futuro.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O Nordeste já foi o melhor do Brasil


Em fevereiro, quando sai pela editora Planeta meu próximo livro, A Conquista do Brasil, será possível fazer uma interessante comparação entre o Brasil de hoje e o Brasil dos seus primórdios, com o qual guardamos um grande parentesco. A grande diferença, porém, é que o Nordeste era, no começo da colonização, o pedaço mais avançado, vanguardista e rico do país. Graças ao seu solo, um administrador sortudo e eficiente e uma história de amor.

Diferente de outros donatários, Duarte Coelho veio ao Brasil com a família e outros nobres para se estabelecer, em vez de apenas piratear riquezas e voltar a Portugal com o butim. Trouxe especialistas em açúcar da ilha da Madeira e começou os primeiros engenhos como outros capitães: caçando índios para trabalhar como escravos. Na guerra, contudo, seu cunhado foi feito prisioneiro pelos índios locais, casou-se com a filha do cacique Arco Verde e dessa história de amor nasceu uma aliança que impediu a escravização dos índios dali em diante. Esse acidente exigiu uma solução heterodoxa, que se revelaria mais eficiente e lucrativa. Duarte Coelho pediu dinheiro emprestado a banqueiros judeus e, com esse investimento de risco, passou a importar escravos negros de Angola e da Guiné.

Como resultado, por longo tempo Pernambuco foi o epicentro da região mais próspera do país. Em A Conquista do Brasil, mostra-se como as coisas foram se invertendo com o passar do tempo: a região mais atrasada, a Sudeste, acabaria, por força dos tempos, e dos homens, se transformando no carro-chefe da economia brasileira. O Nordeste açucareiro e escravagista, pelas mesmas qualidades que o fizeram rico, o mantiveram em atraso depois que os fundamentos da economia colonial desapareceram.

Essa é uma herança que ainda não conseguimos superar. O desequilíbrio entre o Sudeste-Sul e o Nordeste se manifestou nas urnas e é ainda explorado politicamente pelos governantes. Embora o Nordeste tenha riquezas importantes e uma gente admirável, a indústria ainda não consegue se radicar lá plenamente e como resultado a região produz indicadores sociais alarmantes.

Como mostrou a eleição em 2014, levantar o Nordeste ainda é um grande desafio para a nação brasileira. Há um inaceitável abismo social nas grandes metrópoles do centro-sul, mas lá está um problema ainda maior. De resolvê-lo depende também o progresso das regiões mais ricas, para que o país possa ter um crescimento mais uniforme e ordenado.

Enquanto for uma concentração de pobreza, o Nordeste sempre será amplo território de exploração por políticos ao estilo coronelista e o populismo em todas as esferas de governo. São séculos de cultura enraizada e de empobrecimento econômico e social, uma tarefa que pede um hercúleo esforço civilizatório. Essa tarefa não é de um partido, e sim de todos os partidos, porque é da sociedade brasileira.