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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O fim da sociedade do ócio

O desafio da era contemporânea é preservar o sentido da coletividade sem perder a liberdade individual extrema que a era digital permite



O filósofo e economista André Gorz, em seu livro Adeus ao Proletariado, previa ainda na Década de 1980 que viveríamos numa "sociedade do ócio". A criação de facilidades com a computação doméstica e a industrial, onde a produção passou a ser feita por robôs, criaria riqueza e geraria mais tempo para o homem dedicar-se ao lazer e a si mesmo.

Não aconteceu nada disso. Claro, os robôs estão na fábrica, assim como os computadores pessoais estão não apenas em casa como agora no bolso dos cidadãos, mas não existe a sociedade do ócio. As corporações exigem agora que se responda a tudo imediatamente, fazendo tudo mais rápido, ao mesmo tempo, e por menos dinheiro. Uma solicitação por escrito pode e tem de ser respondida em tempo real.

Perdemos o direito de não sermos encontrados e de ter um tempo para nós mesmos. Antigamente, o trabalho não era tão selvagem. As pessoas ganhavam a vida sem tantas tarefas. Tinham menos pressa. Não sabiam pelo Facebook o que acontecia na vida dos outros. Vivíamos na sociedade do ócio e não sabíamos.

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Claro que a frase anterior é de efeito e não retrata a realidade. A bem da verdade, a sociedade do ócio não aconteceu e não acontecerá jamais. O homem foi feito para querer sempre mais. É o único animal com capacidade e vontade de acumulação. É o único ser da natureza que junta mais do que o necessário para viver. É que tem noção de futuro, o conceito que impulsiona a necessidade da provisão.

O homem guarda para si, para a família, para o amanhã. Ou simplesmente para ter mais. Inventou o capital e a concorrência. A sociedade se amoldou ao processo cumulativo.

O ganho de capital aumentou ainda mais a desigualdade social. Na idade Média, o rico morava num castelo de pedra, mas andava a cavalo e comia pernil em cima do mesmo feno onde defecavam os cachorros. O pobre vivia numa cabana, mas andava a cavalo e comia pernil em cima do feno onde defecavam os cachorros. A geração de riqueza aumentou também a distância entre os que se aproveitam dela e os que são apenas explorados ou marginalizados.

A multiplicidade de seitas religiosas hoje parece querer compensar esse mundo agreste, criados por nós mesmos. Olhar o próximo com compaixão, pensar no outro generosamente e sermos solidários são formas de restabelecer não apenas nossa humanidade, como de pedirmos um pouco de clemência para nós mesmos. Nenhum homem é produtivo, cumulativo e auto-suficiente a vida inteira. Existem os seres dependentes, física e financeiramente. E todos ficam velhos.

É preciso pensar nos sistemas de saúde, que atendam não apenas os que têm dinheiro ou são capazes, mas os que simplesmente não podem ficar desassistidos. É preciso pensar nos problemas coletivos e oferecer nossa cota parte de trabalho individual em benefício do bem comum. Sabemos que uma sociedade com mais equilíbrio reverte seus benefícios também para os que mais contribuem com ela. O rico não pode passar a vida dentro de um muro cercado pela favela. Isso não é viver bem.

A compaixão é algo que devia ser incentivado nas novas gerações. O smartphone é o símbolo de uma era de extremo individualismo, em que cada um pode levar no bolso seu pequeno universo pessoal. Com um iphone, podemos não apenas satisfazer necessidades pessoais como nos relacionar com os outros.

Cada geração possui seus desafios, e a desagregação será com certeza um deles. A educação sempre tem como objetivo estabelecer comportamentos éticos coletivamente aceitos e isso se torna cada vez mais difícil numa cultura que permite e estimula a múltipla escolha.

Sem sombra de dúvida, a educação será o maior negócio do futuro. Dela dependerá o sucesso das Nações para se manter unidas e preservar sua organização e a força coletiva.

O individualismo é essencial para a existência humana, vocacionada para a liberdade, um direito inquestionável. O problema é como aprofundar a liberdade sem perdermos o sentido coletivo da Humanidade, que hoje parece tão ligada virtualmente, mas nos oferece universos absolutamente individuais e sem fronteiras.