terça-feira, 8 de agosto de 2023

Amor e Tempestade e a picardia

Em Amor e Tempestade, escrevi  sobre um soldado que persegue a Coluna Prestes pelo Brasil, encontra personagens célebres país afora, numa guerra que nunca tem sequer uma batalha. Como na tradição clássica do romance picaresco brasileiro, meu personagem nasce e sai de Minas Gerais, o que talvez tenha a ver com o jeito mineiro de ser.

No cinema, o herói picaresco mais conhecido é Forrest Gump, um sujeito meio imbecilizado que corre o mundo, participa involuntariamente de grandes episódios históricos, dos quais acaba fazendo parte decisiva, embora sem querer. É a natureza do herói pícaro.

Em Amor e Tempestade, o meu Coracy - qualquer semelhança no nome deve ser coincidência - entra involuntariamente entre os 18 de Forte de Copacabana (que eram 19...), conhece o padre Cícero, Lampião, Rondon, Oswald de Andrade, e e por aí vai. Acaba sendo o personagem central da história brasileira. Infelizmente, ninguém o reconhece!

 A literatura pícara sempre teve poucos autores no Brasil, embora se apreste com perfeição ao nosso tropicalismo cultural. Para quem não conhece bem o gênero, recomendo algumas leituras.

O maior clássico da literatura picaresca brasileira é Manoel Antônio de Almeida, com seu Memórias de Um Sargento de Milícias. Temos também o Fernado Sabino de O Grande Mentecapto; Chico Buarque, cujos romances navegam todos nesse gênero, especialmente Estorvo; e José Roberto Torero, brilhante romancista histórico-picaresco, de quem recomendo o sardônico O Chalaça, o obscuro ajudante de D. Pedro I, de quem Torero faz o verdadeiro e insuspeitado patrono da independência brasileira.

O romance picaresco nasceu como o antípoda dos grandes heróis românticos dos folhetins medievais, ironizando-os. A grande obra que elevou o gênero aos maiores clássicos foi Dom Quixote. Na minha opinião, é a maior obra literária de todos os tempos, justamente por mostrar como vivemos sonhos de grandeza, na pequeneza do que somos: a grande contradição do ser humano.

Por muito tempo considerado literatura menor, o gênero picaresco, na tradição do Dom Quixote, talvez seja o maior, assim como seu personagem, porque o contrário também é verdadeiro: na nossa pequeneza, lutando contra a miséria humana, no fim, nós somos grandes.

Melhor ainda, trata disso com certa leveza, uma auto ironia, que não por acaso gerou esta palavra para mim tão cara: a picardia. Designa uma forma de enfrentar as dificuldades da vida, aceitar com naturalidade o erro, a derrota, o azar. Sobretudo, é uma forma de lidar com as pequenas e grandes traições da vida, como a indiferença, a ingratidão e o desamor, que não merecem de nós mais que a ironia.

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