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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A educação como saída para o Brasil

Certa vez, ao entrar no apartamento de minha mãe, quando ela estava já aposentada há muito tempo, encontrei sobre a mesa um exemplar do Caminho Suave - a mesma velha cartilha com que ela me ensinou a ler e escrever, aos quatro anos de idade. Perguntei o que fazia aquilo ali. "Descobri que o zelador é analfabeto", disse ela. "Estou ensinando ele a ler e escrever."

Minha mãe foi professora, na mais nobre das posições, que é a de dar as primeiras letras. Muita gente não se dá conta da importância disso. Ao cruzar com o zelador, tempos depois, ele, que nunca havia me dado atenção, me parou na porta do elevador. "Você é filho da Marlene?" - perguntou. Com a resposta positiva, tentou de todas as formas explicar como era grato a minha mãe. "Agora eu já posso saber que ônibus eu estou pegando", explicou.

Naquele resumo singelo estava tudo: aprender a ler faz o homem olhar o mundo de um jeito completamente diferente. A educação abre o mundo para o cidadão. Transforma o indivíduo e um país. Quantas vezes fomos parados na rua, eu e minha mãe, por algum aluno antigo dela, que vinha cumprimentá-la. Já adultos, não se esqueciam da professora. E vinham, gratos, dizer o quanto ela tinha sido importante para eles.

Conto isso porque sei que a experiência de ser professor hoje é muito diferente. Embora minha mãe jamais abandonasse sua vocação, poucos hoje têm coragem de encarar essa missão. Uma pesquisa recente mostrou que hoje ninguém quer ser professor no Brasil. Não é só por causa do salário. Não há alunos. Gente que queira aprender. Que veja, na educação, perspectiva de vida.

Tenho uma prima, Thais, que foi professora do ensino público. Sua escola era sitiada pelos traficantes. Alunos entravam armados na sala de aula. Intimidavam qualquer um. Minha mãe, que faleceu há oito anos, talvez lhe dissesse algo alentador. Eu não soube o que lhe dizer, quando ela desistiu.

Tenho outro primo, Rogério, diretor de uma escola pública num bairro de periferia em São Paulo. Ele continua a trabalhar. Mas vai para a escola diariamente como um trooper vai para a guerra. Não posso dividir aqui as histórias que me conta. Mas são de arrepiar.

Sem educação, o Brasil vai ficando sem saída. É preciso um poder transformador muito grande para fazer esse círculo vicioso girar novamente no bom sentido.

Minha mãe tinha fortes paixões políticas. Uma delas foi Leonel Brizola. Quando eu era editor de política e assuntos nacionais em Veja, ela me obrigou - algo que eu não podia fazer de jeito nenhum, na posição em que estava - a pedir um autógrafo em seu nome para o velho caudilho, durante a campanha presidencial de 1989.

Brizola defendia como ninguém a ideia da transformação pela educação, por conta da sua experiência pessoal, de menino pobre que devia tudo à escola. Levava isso a sério e como governador do Rio Grande do Sul e depois do Rio promoveu os maiores programas educacionais já vistos no Brasil.
Como jornalista, escrevi sobre brizola como sobre qualquer outro político. Pessoalmente, eu o achava um orador brilhante, mas muito xenófobo e politicamente meio atrasado. Agora que já não tenho minha mãe, e um pouco mais velho, acho que ambos - ela e Brizola - tinham razão. E que gente como eles - na sala de aula e na política - é que salva o mundo.



terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A tragédia brasileira


A palavra "tragédia" vem do seu original grego, trag-oidos, que quer dizer "o canto do bode". Isto porque, na Grécia antiga, o teatro saiu das antigas festas, onde os participantes cantavam e dançavam fantasiados de sátiros, homens com pernas peludas, patas e chifres de bode, símbolo masculino da depravação. Até que Téspis teve a idéia de colocar um "ator" para dialogar com o coro. Assim surgiu o teatro, que os grandes dramaturgos gregos como Ésquilo carregaram com as máscaras e conteúdo dramáticos. Daí a tragédia ganhou a conotação de catástrofe humana, no sentido mais amplo, como a entendemos agora.

Tudo isso para dizer que 2016 foi o ano de glória da tragédia brasileira. Como a tragédia grega, começou como festa: a lambança patrocinada pelo PT, seja com a distribuição descontrolada de benefícios à população carente, gerando uma bolha econômica de estouro previsível, seja com o saque puro e simples do erário para encher a burra do partido, de seus associados e um grupo seleto de empresários que, assim, acabaram todos atirando no próprio pé.

O conjunto da obra resultou na bancarrota do Estado brasileiro e na geração da crise que contabilizou já este ano cerca de 13 milhões de desempregados, para ficar no número até agora quantificável. Enquanto o povo estava satisfeito com com sua parte do butim, o governo corrupto continuou popular. Agora, na crise absoluta, os brasileiros vibram cada vez que vai um para a cadeia. Mas não há o que comemorar, nem como vingança.

A conta gerada pelos inconsequentes vai levar tempo para pagar. O governo do PT caiu, mas a tragédia não se encerrou aí, porque caiu o PT, mas ficaram os seus sócios. Num governo que em um breve tempo já teve um bom pedaço de seu ministério defenestrado também por corrupção, o novo presidente Michel Temer carrega as denúncias que pesam contra ele e seu partido, o ônus do desastre financeiro deixado pela antecessora e a falta de credibilidade de quem chegou ao poder no mesmo navio cujo naufrágio ajudou a patrocinar.

Parece outro governo, mas é apenas o monstro cuspido de dentro do antigo monstro. A tragédia brasileira promete ser duradoura. As reformas levadas adiante por Temer são muito questionáveis em todos os sentidos. Quer se reformar a previdência, jogando a conta para contribuinte, mas se escamoteia o fato de que o dinheiro da conta social é usado para tapar outros buracos. O teto nos gastos, a chamada PEC, não parece ser a solução para impor a disciplina fiscal.

Por fim, é verdade que a Justiça afinal começou a fazer seu trabalho e passou a colocar corruptos e corruptores na cadeia, mas até agora não existe nenhuma iniciativa para normatizar os financiamentos de campanha e reconstruir as instituições onde já se provaram espúrias.

A tendência é a paralisação do país em todos os sentidos, algo grave num país já abalroado seriamente pela crise.

Nem mesmo eleições diretas, que poderiam ser convocadas em caso de impedimento do atual presidente, parecem uma solução útil neste momento conturbado. Não existe no cenário uma liderança capaz de colocar o Brasil nos trilhos. Os caciques do PSDB, o partido de oposição, também estão em xeque, acusados de financimento escuso de campanha. Sobretudo, não existe um programa sólido para a reconstrução. Que aponte não apenas o corte e limitação de gastos, como redefina o papel do Estado brasileiro e volte a dar oxigênio para o nosso destrambelhado capitalismo.

A redefinição do Estado que se pede é orientadora do futuro: um governo que seja social de fato, investindo em educação, saúde e segurança nos seus três níveis, federal, estadual e municipal. Uma democracia de mãos mais limpas, com transparência na origem e finalidade do dinheiro, e que inviabilize a prática de financiar candidatos com o próprio dinheiro público que eles repassam a seus financiadores privados. O círculo vicioso que perpetua no poder a parcela mais retrógrada da elite brasileira.

E isso tem de ser feito num clima de reconstrução. É preciso um grande líder para realizar uma tarefa que, agora, quando se começa tarde demais, se tornou hercúlea.

Tragédias por definição sempre terminam mal e sempre podem ir mais fundo. Elas existem desde a Grécia antiga porque o espírito trágico está no próprio espírito humano. Os autores da festança estão indo para a cadeia, mas as consequências trágicas dos seus ruinosos interesses são para todos nós. Nossa é, portanto, a tarefa da reconstrução. Que venha 2017.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A olimpíada dos selvagens

Em A Conquista do Brasil, está contada uma história nada edificante sobre a origem dos brasileiros. Ali se mostra, por exemplo, como os tupinambás fundavam sua sociedade na rivalidade entre as tribos, faziam da guerra um sistema de vida e cultivavam a raiva vingativa até as raias do absurdo. Desde pequenos, os curumins eram ensinados a ter raiva do "inimigo" e a não perdoar ou poupar ninguém. Para demonstrar seus estado de espírito em relação a qualquer oponente, matavam a dentadas os piolhos que catavam na cabeça.

Com o passar dos séculos, e não foram tantos assim, ocultamos ou esquecemos essas origens, sem enxergar o que há dessa herança dentro de nós: a sociedade brasileira. Uma boa demonstração da nossa índole raivosa e selvagem está sendo dada na Olimpíada, um congraçamento entre os povos, que coloca acima de tudo a igualdade, a esportividade e o fair play. Mas nada disso influencia a torcida brasileira, que vem chocando os povos ditos civilizados.

Que o diga o francês Renaud Lavillenie, que tem a vilania até no nome, mas não podia ter sido apupado na disputa do salto com vara, como foi. Além das vaias durante a competição, foi vaiado no pódio, ao receber a medalha de prata. Num momento que deveria ser de glória, e de valorização e respeito a um adversário, o atleta chorou. De tristeza. O brasileiro Thiago Braz, medalha de ouro, tentou consertar, pedindo aplausos à plateia.

O comportamento da arquibancada, que invariavelmente se manifesta nos jogos como está acostumada em jogos de futebol, onde nunca prima o fair play e o respeito ao adversário, acabou tirando um pouco do brilho da extraordinária vitória de Braz. E demonstra qual é o principal problema brasileiro, fonte de todas as nossas crises, políticas, econômicas e sociais: a falta de educação.

Quem está nos estádios olímpicos não é a massa ignara dos grotões. É gente que pode pagar 900 reais por um ingresso para cada membro da família. É a elite brasileira, que em matéria de civilidade se compara ainda aos seus ancestrais de cocar e bodoque nos lábios.

Os brasileiros resolveram participar dos jogos como um cão feroz, presente em todas as disputas, mesmo as que não envolvem a camisa amarela. No atletismo, o astro Usain Bolt, preferido pelo público, manifestou sua estranheza quando a plateia apupou seu maior rival, o americano Justin Gatlin. "Nunca vi nada parecido", disse ele. Antes de correr, Bolt se acostumou a colocar um dedo nos lábios, mandando a torcida que o adotou calar a boca.

Só isso bastaria para passarmos vergonha, ainda mais vindo o gesto de um homem que não tem uma origem menos humilde que a do nosso próprio povo. A histeria brasileira, porém, é imune a lições de moral. Incomodou até mesmo os atletas da natação. Michael Phelps declarou que nunca ouviu tanto barulho na vida - mesmo numa disputa dentro da água.

Em qualquer esporte, o brasileiro põe para fora o velho índio que mora dentro dele. Não respeita o esforço dos competidores, quaisquer que sejam. Idolatra os vencedores, e condena os perdedores à execração, como se não tivessem valor e fossem zeros à esquerda.

O brasileiro só quer e respeita a vitória. Sua pressão, em vez de útil, se torna contraproducente; coloca uma carga absurda sobre a maioria dos atletas brasileiros. Além do desafio natural das provas, eles têm que lidar ainda com o humor de um país que não perdoa, tantos os inimigos quanto a derrota.

Estaria errado, mesmo que funcionasse. O agravante, porém, é que nem funciona. Se dependesse do furor da torcida, o Brasil é que teria goleado a Alemanha na Copa do Mundo, há dois anos, por 7 a 1.  Mas não foi o que aconteceu. Derrotado fragorosamente dentro e fora de campo, o brasileiro, na sua brutal ignorância coletiva, mostra nos Jogos Olímpicos que não entendeu nada. Nem mesmo do que se trata no evento que está patrocinando.

terça-feira, 5 de julho de 2016

O Brasil da Europa

Aeroporto de Antuérpia, onde desci num Fokker a hélice que me lembrou outros tempos, vindo de Londres. Uma fila maior para passar no setor de passaportes, outra menor, e eu, verdadeiramente distraído, vou na menor, é claro, e ao chegar ao guichê apresento meu passaporte brasileiro.

"Mas o senhor não viu que aqui é para passageiros da comunidade europeia"? - pergunta o homem da polícia federal deles. "Não", digo eu, erguendo os olhos para a placa. "Não tem problema", ele diz, e abre o passaporte mesmo assim. Pergunta o que vou fazer. "Estou acompanhando minha mulher, que é jornalista, vai escrever sobre as novidades no porto da cidade. " "Fica quanto tempo?", ele quer saber. "Dois dias." "Dois dias,mas que pena! É pouco!"

Saio com o passaporte na mão, carimbado, já meio desconfiado. Nao esperava tanta receptividade. Mas em Antuérpia todos dizem que estrangeiros são bem vindos. Inclusive para ficar por lá, se quiserem, para sempre. Como o Brasil, que também recebe qualquer estrangeiro de braços abertos. Até criminosos internacionais, como o simpático Ronald Biggs, falecido assaltante de trens na Inglaterra, que no Rio era celebridade e circulava no high society.

Na porta do aeroporto, devia estar o motorista do transfer reservado pela agência, que nos levaria ao hotel. Mas não havia ninguém: o saguão estava às moscas. Depois de quase duas horas de espera e alguns telefonemas, descobrimos que ele nos esperava, sim, no aeroporto - mas em Bruxelas. Tomamos um táxi. A Bélgica ia ficando estranhamente mais parecida com o Brasil.

Entramos um táxi comum: lá, uma Mercedes refrigerada. Para nossa surpresa, o motorista, um lourão com jeito de ex-surfista, fala com a gente em português. "Mas você é de Portugal?", pergunto. "Não", diz ele. "Este país é muito chato. Então tenho uma casa em Lisboa. Toda quarta-feira aqui tem um voo de 25 euros para Lisboa. Vou para lá." O belga fala mal de seu país assim como nós. Seu sonho também é ir embora. Só não se fica em Lisboa porque lá, segundo ele, não há emprego.

O saguão do hotel Radisson é bem diante da estação monumental de trem, um verdadeiro templo dos transportes, que os belgas inauguraram em Antuérpia para que todos os que estão de passagem prestem um pouco mais de atenção ali. Há um quase comovente esforço para agradar e chamar a atenção. A cidade, embora seja dentro do continente, graças ao rio Escalda é um antigo e célebre porto, hoje ultramovimentado, como uma das grandes portas para o comércio ao norte da Europa. Mas se acostumou a ver navios, ou melhor, marinheiros, que estão sempre de passagem. Hoje, na sua população de meio milhão de habitantes, há chineses, africanos e outros migrantes, além dos belgas, que parecem minoria. Mas ainda sinto no ar o cheiro do Brasil.

"Os senhores não têm reserva", diz o moço do balcão. Repetimos nome e sobrenome: é fácil o pessoal se confundir no estrangeiro quando entram no hotel brasileiros com nome de índio. Mas não foi essa a questão. A agência, a mesma que marcara a passagem aérea e o transfer, havia feito a reserva do hotel, sim, mas para o dia anterior. "Xi", pensei. "Não tem problema", disse o moço do balcão. "Os senhores podem deixar a mala aqui e dar uma volta, daqui uma hora estará tudo resolvido." E assim aconteceu.


A Bélgica é um país pequeno. Antuérpia é uma linda cidade, meio caótica, com um porto que representa a maior parte do município, mas tem um centro adorável, de edifícios antigos, onde se anda entre bares e monumentos históricos. O povo é acolhedor e faz de tudo pelo visitante. Parece o paraíso, como o Brasil. Mas é estranha essa sensação de que ali nada dá muito certo, ainda que haja sempre um jeitinho para resolver. O jeitinho belga. Primo do jeitinho brasileiro.

Esse não é o único traço do comportamento belga que me fez sentir em casa em Antuérpia. Fomos a uma recepção na prefeitura, um prédio clássico de pé direito alto, digno de reis e rainhas. Ali se realizam tradicionalmente os casamentos da cidade, no salão onde nos recebe o chefe do porto. Uma herança de tempos ricos, em que os belgas procuravam se equiparar aos franceses em riqueza e classe, amparados no movimento do porto e na tradição reluzente da cidade como centro mundial da lapidação e comércio de diamantes.

Diante de uma plateia internacional de jornalistas, o homem do porto começa seu discurso. "Vou falar agora o que direi amanhã, na inauguração da nossa eclusa, para o nosso rei", começa ele. "O rei não manda nada, mas quem interessa ouvir o que vou falar vai estar lá também." Paro, maravilhado. Ali está, mais uma vez, a vocação do brasileiro. Que ele confirma ao desdenhar também do prefeito. Diz que faz piada com o principal mandatário local porque controla "a maior parte da cidade". E responde, claro, pela sua economia.

Vestido num paletó bem cortado, com um cavanhaque aparadíssimo, está no cargo há dez anos e no dia seguinte vai inaugurar sua grande obra, pela qual diz ter lutado toda aquela década - uma eclusa que vai facilitar o trânsito de uma importante área de docas. O porto de Antuérpia foi criado por Napoleão e ficou fechado por três séculos, devido à pressão estrangeira. Agora floresce e está livre. Mas o homem ali me parece mais Odorico Paraguaçu, o político provinciano de O Bem Amado.

Reza a lenda que o porto não surgiu com Napoleão, e sim um gigante mitológico, chamado Antigoon. Esse gigante ficaria ao lado do rio e cobrava pedágio daqueles que queriam entrar na Europa por ali. A quem se recusava a pagar, Antigoon cortava a mão, atirando-a ao rio. Até que o herói Brabo cortou a mão do próprio gigante e a jogou no Escalda. Sua estátua está diante da prefeitura de Antuérpia. É uma bela estátua, erguida sobre uma base de vinte metros de altura. Mas no pé do herói, no dia em que o vi, trazia dependurada uma calcinha, que algum gaiato deu jeito de enfiar ali.



Para quem gosta de semelhanças, não podia faltar o futebol. A Bélgica era apontada como uma das grandes favoritas à Eurocopa. Juntou um time respeitado em toda a Europa, com jogadores que atuam nos principais clubes europeus. Do goleiro Cortois ao jovem astro De Bruyne, passando pelo hábil meio-campo Hazard, o cabeludo Fellaini e o aplicado Kompany, essa é tratada como a "geração de ouro" do futebol belga. Pois de saída perdeu da desacreditada Itália e acabou desclassificada diante do inexpressivo País de Gales. Como o Brasil, a Bélgica também superestima seus dotes e talentos no futebol. E consegue fiascos como os nossos, na história recente.

A Bélgica ainda não tem um nível de corrupção monstruoso como o brasileiro, a única coisa em que parece levar desvantagem diante do Brasil. Mas não deixei de me consolar. Saí de lá aliviado. Podemos ser um país meio esquerdo, mas não somos os únicos. Claro, a Bélgica é menor que o Estado do Rio de Janeiro. Mas está provado que gerenciar um país não é questão de tamanho. Você pode administrar qualquer coisa como o Brasil. Seja do tamanho que for. E acreditar que, no final, dá certo.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

O Brasil e uma esperança solitária

Caminho pela rua, onde os mendigos se multiplicaram: um deles levanta debaixo de uma coberta imunda e me pergunta a hora, com educação. Há nas ruas de Higienópolis muita gente morando em colchões jogados ao chão; estamos perto do centro, mas não havia aqui assim tanta gente antes: é impossível andar uma quadra sem ouvir um pedido de dinheiro.

Uma manicure senta na porta do salão de beleza, cigarro nos dedos da mão: não há clientes na tarde sem vento. Por volta das onze horas, um homem veio me visitar em casa: o filho mora na Europa, vem ao Brasil um tempo, para se operar, e assim que puder, vai voltar para lá. Em dois dias, é a quinta pessoa que me fala de alguém que saiu do Brasil.

Temos 11 milhões de desempregados, isso na contabilidade oficial: todos os que ouço dizem que os negócios estão parados. Muitos deixam a cidade grande, vão buscar a vida no interior, como já aconteceu na Roma antiga: a saída para a sobrevivência básica. A mudança, criada não pela esperança, e sim pela desilusão, é fuga, e não solução.

Levo meu filho ao futebol, o que deveria ser uma das poucas alegrias restantes: nosso Palmeiras está na liderança no campeonato. Mesmo lá, porém, o cenário é constrangedor. Nas partidas a que temos assistido, no Allianz Parque, ao ritmo da música, a torcida substitui a letra do hino nacional pela palavra "Palmeiras" durante toda a execução. Canto o hino, enquanto meu filho olha, confuso, o pai ser o único a fazer aquilo no meio daquela multidão, uma voz dissonante entre 30 mil pessoas, para não dizer duas centenas de milhões.

Ontem anunciaram os convocados para a seleção olímpica, mas pouca gente pensa agora na beleza épica da olimpíada, um momento especial que agora vai parecendo um espetáculo inconveniente, constrangedor, quase uma maldição. Meus amigos dizem que só se importam com os clubes, não com o time nacional. Penso que é por isso que estamos nessa situação; o futebol não é apenas o futebol, é comportamento. Por olhar somente para interesses próprios ou pequenos, por agir somente em função dos interesses individuais, inclusive desrespeitando a lei e o direito do próximo, ou preferindo fazer vista grossa ao governo corrupto enquanto a economia ainda estava bem, é que o brasileiro, e não o governo, deixou que chegássemos a esta situação.

Agora parece ser tarde demais e o brasileiro se desanima com a política, mas no fundo se desanima consigo mesmo. Há os alienados, os hipócritas e os insensatos de sempre, a quem se deu oportunidade de tomar o poder. O PT quebrou o governo, não apenas com os rios de dinheiro desviados de empresas antes sólidas como a Petrobras e até dos fundos de pensão; é difícil imaginar como puderam pensar que iriam sair bem do fim do túnel em um trem descarrilhado.

Um partido que tomou dinheiro até dos aposentados deveria tirar o "Trabalhadores" de sua legenda. Mas não vejo vergonha, nem arrependimento, e sim o orgulho cego e prepotente de sempre. Vejo as hostes do PT agitando suas bandeiras vermelhas e reafirmando os mesmos velhos bordões. Sinto que a Humanidade não aprende consigo mesma, repete seus erros, até a violência. O avanço da tecnologia e o iluminismo não avançam com a era digital, que divide e desintegra a sociedade civilizada por um lado, e por outro agrega e reafirma a bárbarie.

Se fosse apenas o Brasil, mas é um fenômeno global. O mundo andará melhor? Recentemente, extremistas religiosos explodiram a si mesmos em dois aeroportos, em Bruxelas e Istambul, matando com eles dezenas de pessoas. Inocentes foram dizimados a tiros de fuzil quando se divertiam em um clube noturno. O Oriente Médio é um barril de pólvora. O Brasil tinha condições de ser um exemplo de tolerância e progresso, mas nossa índole e falta de educação nos levam novamente ao desastre, em vez do futuro que sonhamos, sem persegui-lo de fato, com determinação.

O Brasil é um país fácil. Com um imenso mercado consumidor, de gente que precisa e só deseja melhorar de vida. Somos um país democrático. Não temos problemas como outros, que não têm espaço o bastante para plantar, ou enfrentam o clima inóspito, ou dependem de energia suja, ou lidam com radicais religiosos. Nascemos em berço esplêndido, mas talvez venha daí, das nossas facilidades, nossa propensão para a indolência e a irresponsabilidade.

Nós temos como desafio apenas a nossa própria pobreza, ou a nossa ganância, ou nossa incapacidade de agir coletivamente. Somos ainda índios, ou melhor, dispersos como nossos tribos ancestrais, infectados com a ganância dos primeiros portugueses, que entraram nesta terra com o único objetivo de fazer fortuna e voltar a Portugal.

Somos um país de uma única língua, com grande identidade cultural, que poderia ser uma grande força, mas nos perdemos com nós mesmos. Os grandes esforços de reconstrução, após o belo capítulo da nossa história que foi a reconstituição do Estado de Direito e do regime democrático após o regime militar, parecem ter sido debalde: voltamos ao Brasil de sempre.

Hoje eu vou a jogo do Palmeiras, e vou cantar o hino nacional, ainda que seja o único em todo o estádio: no meio da multidão ingrata, eu me sinto quixotesco, deslocado, louco, mas, por meu filho, ainda acho que a esperança tem de recomeçar de algum ponto, de algum lugar, de algum coração.



quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem os portugueses sabem


Para minha satisfação, a editora Planeta, que publica A Conquista do Brasil no mercado brasieliro, adquiriu os direitos também para a venda do livro em Portugal, onde deve ser lançado até o final do ano. Uma pesquisa recém divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo mostra o motivo de tanto interesse pelo livro, disputado ferozmente com outra editora de prestígio. Segundo levantamento solicitado pela Folha, a pergunta mais feita pelos portugueses no Google é: "quem descobriu o Brasil?" E a segunda é: "quem colonizou o Brasil?" Isso vem na frente de "como conseguir um emprego no Brasil". Uma pergunta que os portugueses também se fazem há centenas de anos.

O começo do Brasil é ainda tão pouco conhecido dos brasileiros quanto dos portugueses. Os primórdios do descobrimento foram sempre pouco pesquisados e valorizados como raiz da nossa história. Para se ter uma ideia, o best seller "Brasil: uma biografia", lançado este ano pela Cia das Letras, dedica apenas 14 das suas mais de 500 páginas aos descobridores e primeiros colonizadores do país. Mais centrado em explicações esquemáticas da economia brasileira, o livro destaca em primeiro lugar a criação da indústria açucareira, como se o Brasil tivesse realmente começado ali.

Como se pode ver em A Conquista do Brasil, a ocupação da costa brasileira começou bem antes, foi muito mais aventuresca, sangrenta, rica e complexa. A indústria açucareira é posterior e apenas uma peça da formação do Brasil e da sociedade brasileira. O começo, assim como a primeira infância na formação, temperamento e personalidade de todo indivíduo, é mais importante do que nos acostumamos a pensar. Um conhecimento mais profundo desse período, como revela A Conquista do Brasil, é decisivo para a compreensão do país de hoje e da sociedade brasileira.

O Brasil não foi descoberto pelos portugueses. E a história da colonização envolve guerra e a participação da Inquisição contra os "hereges", assim compreendidos tanto os "hereges canibais" quanto os "hereges protestantes" do Rio de Janeiro. Além da participação de figuras hoje legendárias, que o livro recupera, mostrando como eram verdade, a começar por João Ramalho, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e líderes indígenas dos quais se sabia pouco até aqui, como Aimberê e Cunhambebe. A indústria açucareira veio depois e por acaso - como mostra o livro, foi iniciada, bizarramente quase sem querer, graças a uma história de amor.

A  história não é feita apenas de movimentos de lógica econômica, e sim da ação de indivíduos movidos por paixão, ambição, ou simples obra do acaso. A história é construída pelo homem, que nem sempre obedece a trilhos da razão. Explicar o Brasil é entender o brasileiro, desde a sua infância, o seu DNA. Por isso acredito que A Conquista do Brasil permanece leitura essencial - para portugueses e brasileiros.


http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/06/1641394-quem-descobriu-o-brasil-perguntam-portugueses-em-site-de-busca.shtml

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Brasil tem jeito?

Estive no Rio, no último dia 8, promovendo o lançamento de A Conquista do Brasil, na Livraria Cultura do Cine Vitória, na Cinelândia. Dessa vez, participei de uma conversa com uma ativa plateia sobre o livro, as origens do Brasil, da sua política e do comportamento político, com a gentil participação da jornalista Cristina Serra, do Fantástico, da TV Globo.

Eu e Cristina nos conhecemos há muito tempo, desde a faculdade, e nos encontramos esporadicamente ao longo da carreira. Ela acumulou longa experiência na convivência com os políticos e a política, em seus 17 anos cobrindo Brasília pelo Jornal Nacional. Fora da tela, sempre foi uma mulher afiada, de ideias formadas e muito empenhada em contribuir para o progresso do país, especialmente na área social.

No debate, Cristina nos deu seu retrato da política, de quem conviveu e convive com ela de perto. Em Brasília, os políticos tendem a defender os interesses que os elegem, que não são necessariamente do eleitorado, e sim dos apoiadores financeiros que sustentam suas campanhas. Na prática, existem menos os partidos, que têm pouca importância, e mais grupos de interesse - como a bancada ruralista, a bancada evangélica e assim por diante.

Como autor de um livro que mostra desde o início da construção deste país como são feitas suas práticas, eu permaneço na pergunta que me levou a escrevê-lo: será que não conseguimos nos livrar da má política, especialmente da corrupção, por questões congênitas? Será possível mudar um país campeão de corrupção sem muitos anos de educação e depuração de uma sociedade que se acostumou a ver seu país como um rico território aberto para o saque, e que só respeita a lei quando está em Miami ou Paris, para onde leva o dinheiro do butim?

Cristina acredita firmemente que a questão pode ser resolvida com um melhor controle dos financiamentos de campanha, que estão na baila na atual reforma política. É preciso que os partidos tenham meios de se sustentar com seus filiados, e não com umas poucas empresas contribuintes, que assim compram seu lobby em Brasília.

Concordamos em muitas coisas. Uma delas é que o Brasil ainda está no começo e nossa geração, em tempos dos quais ambos participamos ativamente como profissionais de imprensa, fez o país avançar muito - da velha e emperrada ditadura militar a um país mais jovem, onde prevalece o Estado de  Direito, num regime democrático, com uma economia muito mais estável e que empreende um esforço considerável no sentido de diminuir as diferenças sociais.

É verdade que recentemente paramos nesse caminho - e a onda de corrupção faz parecer que tivemos um terrível retrocesso. Porém, gente como Cristina, com seu sorriso sempre confiante e sua certeza patriótica, me fazem manter as esperanças. O Brasil ainda não será um país de estrangeiros que nasceram aqui, e sim de gente que pensa não apenas no próprio bolso, como também no bem coletivo, no progresso deste lugar do qual dependemos, todos. É preciso coragem. E não desanimar.


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Vai Antonio Ermírio, ficam seus valores



Em meados da década de 1.990, quando eu trabalhava no grupo Exame, publiquei uma entrevista do ex-governador Orestes Quércia, na qual este acusava a família Mesquita, dona do jornal O Estado de São Paulo, de corrupção - teria usado sua influência na imprensa para obter empréstimos favorecidos do BNDES. A família Mesquita processou Quércia pela acusação, e este processou os Mesquita de volta. O caso, em si, obviamente não deu em nada. Porém, ficou disso uma estranha amizade. Uma vez por ano, eu era chamado ao Fórum da Lapa, em São Paulo, assim como o empresário Antonio Ermírio de Moraes e o banqueiro Olavo Setúbal, os três arrolados como testemunhas. A família Mesquita e Quércia, os principais interessados no processo, nunca compareceram ao fórum. Eu, porém, Ermírio e Setúbal, estávamos sempre lá. Uma vez por ano, durante cerca de cinco anos, nos encontrávamos pontualmente no Fórum. E ficávamos batendo papo, até que o juiz, ao ver que as partes efetivamente não compareciam, acabava por nos dispensar.

Era um prazer conversar com ambos. Nesses encontros, discutia-se sempre a ética. Tanto Setúbal quanto Ermírio eram pessoas ocupadíssimas. Porém, davam valor e respeitavam a justiça em primeiro lugar. Ermírio, sobretudo, fazia questão de não se portar como costumam fazer os poderosos, que se acham pairando sobre a lei ou, esquecidos dos princípio básicos da igualdade humana, do respeito e da humildade, deixam de fazer aquilo que é obrigação de cada um. Mais do que um dos líderes da Votorantim, ao lado de seu irmão José, Ermírio se tornou conhecido pela ética do trabalho, da qual era o grande pregador. E fazia questão de ir muito além de suas obrigações. Mesmo tendo a maior companhia privada do Brasil para tocar, desdobrava-se para fazer seu trabalho administrativo - e benemerente - no hospital Beneficência Portuguesa.

Quando inaugurou o hospital São José, que pretendia transformar num centro de excelência, tive o prazer e a honra de comunicar a ele que receberia o título de Paulistano do Ano, concedido pela revista Veja S. Paulo, que me pediu para escrever um perfil dele. Hoje, esse perfil se encontra publicado em livro ("Eles Me Disseram, Editora Saraiva/Versar). Nessa ocasião, em que me recebeu sem muito apreço pelo prêmio, como por qualquer prêmio, mas atencioso com o jornalista e feliz com a realização do hospital, "doutor Antônio" se deixou conhecer um pouco mais.

A morte de Antônio Ermírio, aos 86 anos, assim como a de Setúbal, deixa a marca de um brasileiro incansável, patriota e exemplar. Rico como era, mas levando uma vida relativamente espartana, totalmente voltada para os 9 filhos e o trabalho, ele se tornou líder pelo comportamento. Uma breve experiência na política mostrou-lhe que esse mundo não lhe servia, e que fazia mais pelo país como simples cidadão e empresário. Avesso à demagogia, criticava políticas assistencialistas, como a do Bolsa Família. Seu foco era a geração de emprego e a valorização do cidadão pela educação e o trabalho.

Sem Ermírio, fica-se com a impressão de que o Brasil perdeu um de seus pilares. Porém, se os homens vão, seus valores ficam. O Brasil precisa de muitos Ermírio, que lutem pela saúde, educação e trabalho de forma honesta e incansável. Pessoas que se orgulhem de pagar impostos e capazes de doar parte de seu tempo e capacidade às causas coletivas. Pessoas que prefiram às vezes trilhar o caminho mais difícil, pelos frutos mais duradouros que renderão no futuro, do que ceder às facilidades momentâneas ou à tentação do golpe empresarial ou eleitoreiro.

Não vou ao seu velório, nem ao seu enterro. Vou trabalhar, a melhor homenagem que neste momento poderia lhe prestar. Ermírio para mim está vivo, pois sua missão nunca se acaba, mais importante do que nunca.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A redescoberta do Brasil

Meu novo livro, que sai pela Editora Planeta: a revisão da descoberta do Brasil, uma história épica, irônica, às vezes fantástica, com prefácio de Laurentino Gomes



Por muito tempo, sem entender bem os motivos secretos que por vezes nos fazem agir, colecionei livros e material sobre a descoberta e a colonização do Brasil. Obras dos primeiros cronistas, ensaios, teses, livros de História. Mapas, desenhos, gravuras. Por alguma razão, sempre tive vontade de rever o começo do Brasil, que sempre me pareceu uma história épica, irônica, às vezes meio fantástica. E que também sempre me pareceu muito abreviada nos livros de História, às vezes mal interpretada, ou ainda despida das cores da realidade.

Temos grandes obras teóricas, ou ensaísticas, como de Sérgio Buarque de Hollanda e Darcy Ribeiro. Temos muitos livros didáticos. E temos livros de história escritos no passado mais distante, sem os mesmos recursos de hoje, com o acesso que há à informação e uma visão mais contemporânea dos fatos. E eu queria reconstituir a história do Brasil como numa grande reportagem, que fosse algo mais vivo, mais próximo da verdade, em que se pudesse não apenas entender como ver o que aconteceu.

Neste ano, em que tive oportunidade de voltar a escrever, meu livro sobre as origens do Brasil começou a surgir. Há duas semanas, coloquei ponto final, entre orgulhoso e desancado por meses pregado à minha cadeira Aeron. O trabalho de reconstrução, ou de restauração, foi muito enriquecido por uma sorte conjuntural. Graças à internet, muitas obras raras e antigas se tornaram disponíveis para consulta, dos historiadores clássicos aos textos originais de jesuítas e exploradores. Aos poucos, fui refazendo o percurso de nossa história. E, pela primeira vez na vida, creio ter entendido, de fato, o Brasil. Da maneira como precisa ser feito: desde as raízes.

Aos poucos amigos com quem conversei nesses meses de trabalho, expliquei por que coloquei isso na frente de escrever ficção. A ficção preenche com ajuda da imaginação os espaços vazios entre os acontecimentos, coloca vida, emoção e gesto nos personagens. E temos, na descoberta do Brasil, personagens monumentais. Mas ela não pode fazer isso à custa de erros ou interpretações equivocadas da história. Talvez eu ainda venha a escrever um romance sobre a colonização do Brasil, mas para isso precisava primeiro estudar a fundo e entender o que aconteceu. Com isso, espero dar também uma contribuição do jornalismo contemporâneo ao entendimento da nossa história.

Hoje em dia, devido ao trabalho de jornalistas como Laurentino Gomes, estamos modernizando a história do Brasil, revendo nosso passado, para tirar dele a poeira e as deturpações, em busca de uma visão mais realista e profunda do país. A revisão da História é uma prova de que o passado pode mudar. Com uma visão mais moderna, informação e novos achados, revemos o que aconteceu, tanto os fatos como a interpretação dos fatos. Laurentino, que faz isso muito bem, e entende a importância desse trabalho, que é coletivo, gentilmente aceitou a tarefa de escrever uma apresentação deste novo livro.

O livro sairá apenas no começo do ano que vem, pela Editora Planeta. O lançamento coincidirá com as comemorações do aniversário de 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, que foi um marco fundamental na colonização portuguesa do Brasil. A partir da fundação do Rio, por paulistas e portugueses, é que a costa brasileira efetivamente se tornou uma colônia portuguesa. Por isso, essa reconstrução do Brasil é também uma homenagem à cidade que, além de maravilhosa, tem uma importância capital em nossa história e na cultura brasileira.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O que mudou no futebol - e a seleção não entendeu



O que mais impressionou na última Copa do Mundo foi a compleição física dos jogadores de todas as seleções, destacada pelas camisas colantes, que fizeram a alegria da torcida feminina. Com a ajuda dos computadores, ficamos sabendo que os atletas corriam entre 8 e 13 quilômetros por partida. É mais ou menos o que corre um maratonista, dentro do tempo de uma partida de futebol.

O desenvolvimento físico dos atletas fez o jogo se tornar mais dinâmico. É preciso passar a bola rápido, porque com a capacidade física aumentada, o adversário chega mais depressa para tomar a bola ou se antecipar. A bola tem de sair mais forte - no time da Alemanha, cada passe parecia parecia mais um chute a gol.

Com a transformação dos jogadores em atletas olímpicos, diminuíram os espaços em campo. Com isso, além da velocidade da bola para o passe, uma jogada que havia algum tempo andava desaparecida do futebol começou a retornar: a tabelinha. É preciso tocar a bola rápido e tramar em jogadas curtas para se livrar da floresta de adversários que rapidamente recompõem a defesa. O futebol de campo se aproximou do futebol de salão, onde os espaços são exíguos.

Esses são os elementos principais que faltaram ao futebol brasileiro, que caiu diante da Alemanha não apenas por falência psicológica. Caiu, e feio, porque os alemães jogaram um futebol adequado às condições do esporte hoje. A maioria dos gols alemães veio de trocas rápidas de passe. Os gols alemães e o próprio resultado do jogo foram de futebol de salão, um esporte que os brasileiros inventaram. Mas não percebemos sua importância no futebol de campo de hoje.

O Brasil jogou um futebol mecânico e antigo, pesado na defesa e lento na retomada do ataque. Com tempo para se fechar, os adversários dificultaram a ação dos nossos atacantes. O Brasil não precisa apenas se reerguer moralmente. Temos de entender que nós inventamos as qualidades que são necessárias no futebol moderno e voltar a praticá-las. A troca de bola em espaço curto, o drible, a troca rápida de passes sempre foram características do futebol brasileiro. E hoje vemos isso mais nos times europeus que no Brasil.

Gareca, o técnico argentino do Palmeiras, disse aos jogadores argentinos que está trazendo para o clube que se darão bem no futebol brasileiro, porque aqui os adversários dão muito mais espaço para jogar. O técnico da Fiorentina, Vincenzo Montella, que veio disputar um amistoso com o próprio Palmeiras no Brasil, disse o mesmo. Não é coincidência. Eles observam. E têm razão. Graças a técnicos incapazes de enxergar o que está acontecendo, esquecemos de jogar o nosso próprio futebol. Assistir aos jogos do Brasileirão, depois da Copa, virou uma chatice. Parece que as partidas são em câmera lenta.

Dar espaço na defesa e subir sonolentamente para o ataque são a antítese do futebol moderno, nestes tempos em que qualquer jogador poderia estar disputando a prova de 100 metros rasos ou a meia maratona. Ou o Brasil enxerga isso, ou continuaremos a ter dificuldades diante de seleções que sempre foram menores, como Chile e México, e apanharemos feio daqueles que, além dessa dinâmica, possuem também algum talento.

A Copa não foi apenas uma lição moral. Temos de aceitar que foi também uma aula de futebol.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Uma estrela da literatura brasileira



João Ubaldo Ribeiro escreveu sua obra maior, Viva o Povo Brasileiro, numa velha máquina de escrever, um aparelho mecânico, assestado sobre um caixote de madeira, na Ilha de Itaparica, sua terra natal. Dali saiu com um calhamaço debaixo do braço para o Rio de Janeiro, onde ficam as grandes editoras de livros e a aura de que precisam os escritores. E se tornou sem sombra de dúvida o maior escritor brasileiro contemporâneo.

Nunca mais João Ubaldo escreveu um livro tão bom, ambicioso e vasto quanto Viva o Povo Brasileiro. Ele era baiano e, embora gostasse de escrever, tinha preguiça de trabalhar, quanto mais num livro do mesmo calibre. Levei muito tempo para convencê-lo a escrever uma simples crônica, na época em que dirigia a revista VIP, e lancei uma série de relatos de viagem de escritores que acabaram reunidos em livro (Viagem Inteligente, da Geração Editorial). Antônio Callado, em seus últimos tempos de vida, escreveu sobre Roma. Lygia Fagundes Telles sobre Estocolmo. Luis Fernando Veríssimo, sobre Paris. Ubaldo, a muito custo, escreveu sobre Berlim, onde passara uma temporada, com uma bolsa do governo alemão. No texto, em que discorria sobre hábitos estranhos dos alemães, como nadar pelados no frio extremo, deixava o que foi a sua marca como cronista: a ironia, o bom humor, a observação arguta, e um ponto de vista que sempre tinha algo da velha baianidade.

Ubaldo não escreveu muitos grandes romances, nem deixou grandes personagens, como Gabriela e Tieta, de Jorge Amado. Porém, escrevia magicamente bem, e a marca da ironia e do fino pensamento fizeram da sua leitura sempre um enorme prazer. Dizia que, antes de começar a escrever, rezava um padre-nosso. A inspiração, embora seja um dom natural, ou resultado do trabalho, parece precisar sempre de certa interferência divina para fazer o bom texto acontecer. E ele dependia daquilo, porque vivia apenas de escrever, embora fosse formado em Direito, e não gostasse muito do trabalho árduo, como é o ofício de escrever.

Os livros secundários de Ubaldo, como O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos e sobretudo Sargento Getúlio, um primor do minimalismo literário, misto de ensaio político e humano, levados ao cinema e à TV, fizeram dele um escritor mais completo. Em Viva o Povo Brasileiro, narrativa histórica que dá dimensão não apenas à obra mas à formação da sociedade brasileira, Ubaldo se fez não apenas como romancista, mas um escritor ligado ao Brasil, que explica o Brasil, e forma o Brasil.

Por muitos anos, Ubaldo lidou com problemas de saúde, especialmente os ligados ao alcoolismo, que o deixou à morte. Para mim, era mais um caso comprovador de que ser escritor não se trata de escrever nem de ser publicado ou reconhecido, é viver no extremo do conflito existencial. Diante da luta contra o inevitável, da certeza de que a batalha da vida sempre é perdida, o escritor se lança numa jornada interior que só pode ser aliviada pelo desabafo das letras. E se torna, muitas vezes, um processo autodestrutivo.

Ubaldo sabia que, como qualquer outra coisa, a literatura é inútil para nos manter vivos. Ao morrer nesta madrugada, vitimado por complicações respiratórias, fechou aos 73 anos o capítulo que temera desde sempre. Ressentia-se de que sua obra pregressa tinha desaparecido das livrarias e de nunca ter sido tratado da mesma forma que as estrelas estrangeiras nas festas literárias aqui mesmo dentro do Brasil. João Ubaldo Ribeiro, porém, foi uma estrela da literatura brasileira, à qual ele deu mais brilho. E agora pode descansar no seu firmamento.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As coisas podiam ter sido diferentes



Você acredita em teorias da conspiração? Eu não, mas fico pensando no que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferentes.

Se a Fifa não tivesse trocado o critério da formação das chaves, colocando como cabeças-de-chave seleções como Colômbia e Bélgica, será que os times mais fortes e tradicionais como Itália, Espanha, Uruguai e Alemanha ficariam todos amontoados do lado do Brasil, como aconteceu? Será que o Brasil pegaria a Alemanha na semifinal? E se com outro chaveamento pegasse a Alemanha somente na final, as coisas não poderiam ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse examinado os vídeos e advertido os juízes de que os adversários estavam procurando quebrar Neymar no primeiro lance de cada partida, será que não teria havido jogadores advertidos ou expulsos? Será que Neymar teria ido parar no hospital?

Se a Fifa tivesse sido tão rigorosa com o jogador da Colômbia que tirou Neymar do futebol, como foi com Luizito Suárez, não daria menos a impressão de ter sido leniente com o que fizeram com o jogador brasileiro? Se Neymar tivesse jogado a semifinal, as coisas não podiam talvez ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse punido o lateral da Colômbia, ou jogadores da França que aplicaram diretos no queixo contra adversários, será que ainda estaríamos com essa impressão de que a Fifa agiu precisamente para tirar Luizito e o Uruguai da Copa?

Se fossem coibidas essas rodas de apostas milionárias, em que um sheik árabe ganhou 2 bilhões de dólares (repito, 2 bilhões) por apostar que o Brasil perderia de 7 a 1 para a Alemanha, não teríamos menos razões para temer a circulação de malas pretas vultuosas para jogadores?

Se não fosse permitida tanta influência dos interesses comerciais em jogo, com agentes e grandes patrocinadores por trás de cada jogador, das seleções e da própria Fifa, poderíamos ter mais certeza da lisura no esporte? As coisas não seriam diferentes?

Se os cambistas que vendiam ingressos no mercado negro não estivessem hospedados no Copacabana Palace, o mesmo dos diretores da Fifa, não teríamos menos essa impressão de que a entidade tem algo a ver com isso?

Os jogadores do Peru confessaram ter recebido mala preta para perder em 1.978 para a Argentina, que precisava de quatro gols para tirar o Brasil e vencer a Copa em seu próprio país. Nesse jogo, a Argentina fez seis. Foi uma das maiores goleadas da história das Copas. Se a Fifa tivesse mandado investigar o caso e punir criminalmente quem foram os subornadores, teríamos ainda essa sensação de que coisas estranhas acontecem com a sua complacência?

Se o Brasil tivesse feito a mesma coisa que a Argentina em 1.978, as coisas teriam sido diferentes?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Brasil não sabe perder



A fragorosa derrota para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, por inimagináveis 7 a 1, serviu como um bom exemplo do maior problema do país: o Brasil não sabe perder.

O motivo é um só. Fazemos alta conta de nós mesmos, dormindo em berço esplêndido num país de grande potencial, e não aceitamos nada menos que nossos sonhos de grandeza e de vitória. Por décadas, compensamos nossa frustração com as mazelas do país com aquilo em que nos achamos bem sucedidos. E o fato é que não sabemos perder tanto num campo como no outro, o da vida e o do futebol.

O resultado da Copa foi de vitórias e fracassos. Organizamos uma boa Copa, com belos estádios e bom futebol. Aconteceram coisas muito graves, como o superfaturamento dos estádios, e incidentes que falam muito mal a respeito do nosso país. Morreu um jornalista argentino de 38 anos, atirado para fora do táxi ao ser abalroado por um veículo roubado, perseguido pela polícia. Durante a festa, caiu um viaduto em Belo Horizonte. Isso, porém, vai ficar embaixo do que até parece um desastre maior: o vexame da seleção, levando uma goleada histórica dentro de casa.

O Brasil acha que tem de ser sempre grande, e reage mal à derrota, negando seus males e sua responsabilidade. Uns fazem piada, e somos prolíficos nisso. (A minha preferida, foi de um internauta que diz só assistir o UFC, porque lá o juiz pelo menos interrompe tudo quando alguém está apanhando muito). A outra reação tipicamente brasileira ao insucesso, refletida na imprensa brasileira, é criticar tudo na derrota, com a marca da maldade, nesse caso cravada nos jogadores e na comissão técnica.

O brasileiro gosta de ironizar, falar mal e jogar a culpa sobre as nossas mazelas nos políticos, quando se fala do país, e nas derrotas esportivas sobre o técnico ou algum outro bode expiatório. O derrotado, no Brasil, fica marcado a fogo, como o velho e falecido Barbosa, goleiro da seleção de 1.950. Foi triste ver os jogadores da seleção, ao final do jogo, sem saber o que fazer: se saíam de fininho, ou agradeciam a torcida que os apupava e procurava afugentar como um bando de cachorros sarnentos. Não foram só os jogadores, porém, que perderam. Quem perdeu foi o Brasil.

Assim como o povo brasileiro, em campo os nossos jogadores demonstraram que não sabem perder. E, dessa forma, não sabem também ganhar. Por isso, não surpreendeu o choro depois da sofrida vitória nos pênaltis diante do Chile. Os atletas brasileiros mostraram aí o quanto faltava estrutura psicológica para enfrentarmos as dificuldades de uma Copa dentro de casa. Jogaram a responsabilidade para a torcida, denunciando uma grande "pressão". A torcida não tinha culpa de torcer, ou de cantar o hino, ou de cobrar vitória, ou lançar emoção nas partidas. E os jogadores não podiam ter desmontado daquela forma, como se a Copa tivesse acabado no dia do Chile. Para nós, o sonho de vitória, pressentia-se, terminava mesmo aí. E de fato apenas ganhamos uma sobrevida, com a imerecida vitória contra a Colômbia. Porque contra a Alemanha nem chegamos a jogar.

Qual é o problema do nosso aparente antipatriotismo, da nossa mania de falar mal de nós mesmos, da nossa recusa em olhar para nossos erros? É que, jogando sempre a culpa nos outros, não aprendemos nada com as derrotas. Esta Copa foi cheia de lições de futebol e também para o país. O brasileiro parece ser brasileiro apenas antes do jogo e, depois, na vitória. Não sabe ser brasileiro na hora de levantar a poeira e dar a volta por cima. A Espanha, última campeão do mundo, levou uma biaba tão feia quanto a nossa nesta Copa, ao ser goleada pela Holanda, mas não levou a derrota tão fundo na alma. Mas a Espanha é um país de primeiro mundo, sem esses complexos que o Brasil gosta de carregar para aliviar o peso da frustração consigo mesmo.

Qual é a realidade que temos de encarar, o que temos a aprender? O Brasil perdeu porque se preparou mal. Os alemães mantiveram um time que já tinha ido bem na Copa anterior e, eles sabiam, precisava ainda amadurecer para vencer. E amadureceu. Manteve os jogadores, um técnico jovem e técnicas de preparação que incluiu desde softwares sofisticados a aulas de ioga e relaxamento. Construiu um centro de treinamento próprio na Bahia. Os alemães pensam no longo prazo e criam tijolo sobre tijolo as condições para a vitória.

Já nossa seleção primou pela falta de estrutura, mesmo numa organização rica como a CBF. Descobrimos, no jogo contra o Chile, que os jogadores não dispunham nem mesmo de acompanhamento psicológico. Uma psicóloga foi chamada às pressas para tentar reerguer o moral da equipe. O que se conseguiu foi um remendo, que rasgou completamente assim que o Brasil tomou o primeiro gol alemão.

Felipão gosta de bancar o paizão, mas sua especialidade não é a psicologia. Com a caricatural macheza gaúcha, chegou a ventilar um mal estar interno ao dizer que se arrependera de convocar um dos dos 23 jogadores, uma maldade tão gratuita quanto inútil e contraproducente dentro de qualquer equipe. Felipão também não sabe perder. Deixou a responsabilidade da derrota para os jogadores, atribuindo-a ao "apagão" no qual levamos gols em sequência. E escamoteou o fato de que o Brasil se preparou mal tecnicamente.

A CBF, representada por José Maria Marin, um político sem nenhuma expressão, confiou demais na experiência de Felipão e Parreira, dois técnicos campeões, mas já ultrapassados. Felipão não soube armar a equipe no início e piorou diante das dificuldades que foram surgindo e exigiam inteligência e ação. Por sua vez, o técnico confiou demais na equipe que ganhou a Copa das Confederações, sem rever as peças que andavam mal, como Fred e Paulinho. E não soube o que fazer quando perdeu dois de seus mais importantes jogadores: Neymar, que levava o ataque sozinho nas costas, enquanto esteve jogando, e Thiago Silva, que com David Luiz vinha não apenas salvando a defesa, apesar do desempenho desastroso dos laterais, como ainda ajudava o ataque. É bom lembrar, foram os zagueiros que marcaram os dois gols na vitória contra a Colômbia.

O Brasil não soube lutar dentro e fora de campo. Neymar foi perseguido em todos os jogos, até o lance criminoso que o tirou da Copa e do futebol por um bom tempo. Em todas as partidas, recebeu no primeiro lance uma pancada dura como "cartão de visita". Em nenhum desses lances, o jogador adversário recebeu o cartão amarelo, ou sequer uma advertência, assim como na entrada em que o craque brasileiro foi literalmente quebrado ao meio.

Jogamos contra os adversários em campo e a Fifa fora dele. Pelos critérios adotados pela entidade, a maioria dos times de tradição em Copa do Mundo ficaram no lado da chave aonde estava o Brasil. A designação dos cabeças de chave segundo um ranking formulado pela própria Fifa, com Colômbia e Bélgica à frente de grandes forças, é uma forma evidente de manipulação ou de indução aos resultados. Não era difícil imaginar que Argentina ou Holanda chegariam à final. Não fossem algumas zebras, o Brasil poderia já ter sido eliminado antes, no cruzamento com a Espanha ou o Uruguai.

O Brasil também se dobrou a exigências absurdas, como expulsar do país um jogador (Suárez) que nem sequer foi expulso de campo, por normas de uma entidade que ocupa o país-sede com leis próprias e sua periferia de encrencas, incluindo cambistas que habitam o mesmo hotel aonde se hospeda sua suspeita diretoria.

O Brasil precisa parar de falar mal de si mesmo e trabalhar de forma construtiva. Reconhecer os erros e entender o que aconteceu é a única forma de construir um futuro melhor, e não falo apenas do futebol.

E eis a verdade: o Brasil não fez nenhum jogo nesta Copa de encher os olhos. Deixamos de mostrar força fora de campo, em defesa do nosso talento, de maneira que os árbitros continuaram a permitir a caçada a Neymar, impunemente. Viramos as costas para o fato de que a Copa é um jogo cheio de interesses, dos altos apostadores que hoje usam a internet para ganhar dinheiro aos patrocinadores capazes de transformar em marketing até mesmo os votos de solidariedade de colegas a um companheiro machucado.

A Copa é um jogo viciado, mas o Brasil até poderia ganhar, com outra postura. O Brasil quer ser sempre grande, mas precisa agir grande, para voltar a vencer. Com realismo no olhar sobre si mesmo e inteligência na preparação.

*
Acabo de terminar um livro sobre a descoberta do Brasil, e a Copa me ajudou a ver que somos assim desde sempre. Nossa mania de grandeza vem de longe, assim como nossa omissão na solução dos problemas que nos separam da grandeza real. Essa vocação para reclamar de tudo sem olhar para o próprio umbigo está na raiz do povo brasileiro. Nelson Rodrigues estava errado. O complexo de vira-lata não acabou com o Brasil campeão e copeiro. Ainda está aí, vivo, pungente a cada derrota transformada por nós, como na letra do hino que gostamos tanto de cantar quando ainda estávamos acreditando, em fracasso retumbante.





segunda-feira, 30 de junho de 2014

Não é hora de chorar



O goleiro Júlio César chorou porque pegou os pênaltis que salvaram o Brasil contra o Chile. David Luiz chorou porque fez gol. William, porque chutou seu pênalti para fora. Thiago Silva, o capitão, que deveria ser um exemplo em campo, também chorou e avisou que pênalti ele não bate. Felipão chorou porque... Bem, não sabemos porque Felipão chorou, mas ele, como comandante da seleção, é quem devia ter mais estrutura emocional. E transmitir serenidade aos jogadores.

Desse jeito, a seleção acabará chorando até para bater um escanteio. O Brasil tem todo tipo de recurso, menos um psicólogo para acompanhar os jogadores na tarefa de vencer a pressão por vitória dentro do Brasil. Que erro elementar.

Deixaram os jogadores transformarem a Copa numa catarse psicanalítica. Na Tv, vemos toda a história da remissão de Júlio César, chorando porque levou um frango na última Copa, ficou sem clube e teve que treinar com o filho para ter sua "segunda chance". Thiago Silva chora ao trocar cartas com a mãe relembrando o passado pobre e a tuberculose. E assim por diante. Todos resolveram deitar no divã agora que a competição está chegando à fase decisiva.

Os nossos craques não são coitados. São profissionais milionários com carreiras bem sucedidas e muitas decisões no currículo. Coitados são os brasileiros que não têm dinheiro nem para um churrasco e sofrem pela seleção diante da Tv paga à prestação. Espera-se dos jogadores da seleção que sejam o que são: homens e profissionais pensando em ganhar o jogo, e não crianças em meio a um pesadelo coletivo.

A seleção precisa se reestruturar emocionalmente. Sim, a pressão é grande. Até Neymar, que joga como se estivesse sempre numa pelada em Santos, já chorou antes mesmo de entrar em campo. Mas é futebol, afinal. Eles sabem o que fazer com a bola, melhor do que ninguém. Espero que já tenham chorado o que tinham de chorar e voltem a ser o que somos: campeões que acima de tudo gostam de jogar bola e não têm medo de ninguém.

domingo, 29 de junho de 2014

A vantagem da Colômbia



A Colômbia passou pelo Uruguai, e seu futebol bem jogado tem encantado a torcida e a crítica, mas não é ele que o Brasil pode temer, pois tem um time superior. A Colômbia jogou uma primeira fase contra times mais fáceis e chegou ao mata-mata sem muito desgaste, não apenas físico como sobretudo mental.

O Uruguai passou por um grande estresse, ao perder para Costa Rica e ter que virar a história em dois jogos duros contra Inglaterra e Itália. No segundo, o lance de Suárez foi típico do estado de nervos em que se encontrava o time o e jogador.Punido Suárez, um Uruguai cansado, sofrido e à flor da pele acabou sendo presa fácil.

O Brasil suou sangue para vencer o Chile. Vai pegar uma Colômbia mais fresca e com o time inteiro. As batalhas deixam sequelas. Neymar foi caçado em campo contra o Chile e vem sendo atingido com jogadas maldosas em todos os jogos no primeiro lance de que participa, para que o adversário o tire de jogo sem levar cartão. O Brasil tem de se recuperar fisicamente e também mentalmente. A sequência de jogos até a final é muito dura e é preciso manter a força mental elevada.

O Uruguai tem um grande time e gastou toda sua energia no começo. Não fosse isso, passaria pela Colômbia. Tem força, técnica e tradição, mesmo sem Luizito Suárez. O Brasil, no entanto, mostrou que mesmo quando não vai muito bem, tem energia para se superar.

É a nossa esperança.

O Brasil tratado a pontapés



O Brasil jogou bem no primeiro tempo, marcou, foi rápido no ataque, criou oportunidades de gol, fez o gol.

Depois num lance bobo de Hulk na devolução de uma cobrança lateral sofreu o empate. Se desorganizou e só voltou a melhorar no segundo tempo, com Ramires no lugar de Fernandinho, dando novo fôlego ao meio de campo.

O Chile correu muito e não desperdiçou a oportunidade que teve, marcando no ataque. Esse foi o mal do Brasil, dispersivo no último lance. Fred e Hulk, apesar da volúpia do segundo, tem sido pouco eficazes no arremate. Jô, no lugar de Fred, foi ainda pior. Com isso, o Brasil não se impôs, no meio de campo e no marcador, deixando a sensação de que é vulnerável, um mau recado para os próximos adversários.

Contudo, foi também prejudicado pelo juiz no gol mal anulado.E não só nisso. Os adversários têm usado de um expediente antiesportivo. No primeiro lance, partem para machucar Neymar. O Brasil, sobretudo ele, tem sido tratado a pontapés. Quem deu a receita foi a Sérvia, que quase quebrou Neymar no primeiro lance dele no jogo amistoso, o último antes da Copa, para prejudicar seu desempenho. Na Copa, o México fez o mesmo, Camarões também, e o Chile quase tirou o atacante de campo com um golpe maldoso na primeira vez em que ele tocou na bola.

Se os juízes não mostrarem que cartão pode ser usado de saída, isso continuará. Não se pode permitir a violência como método. E aí vamos saber se a Fifa, tão rigorosa com Suárez, está mesmo ao lado ou não da esportividade e do bom futebol.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Brasil não podia expulsar Suárez

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística




Da noite para o dia, Luizito Suárez, atacante do Uruguai, saiu de uma cirurgia para virar herói, com seus dois gols sobre a Inglaterra, que ressuscitaram a seleção celeste no primeiro turno da Copa do Mundo, depois da inesperada derrota para Costa Rica na primeira rodada, em que ele não pôde atuar. E, com uma mordida no zagueiro Chiellini, na vitória por 1 a 0 que deu aos uruguaios a classificação sobre a Itália, do dia para a noite Suárez foi transformado em bandido e bode expiatório. Recebeu da Fifa uma pena considerada "exemplar", que na realidade é apenas uma prova da arbitrariedade e da truculência na organização. E que extrapolou o âmbito esportivo, com a absurda conivência (ou subserviência) das autoridades brasileiras.

O juiz não viu ou ignorou as queixas do zagueiro italiano porque, desde a expulsão de Marchisio, Chiellini vinha fazendo cena para provocar uma expulsão também no adversário. A mordida de Suárez existiu, mas sua gravidade foi dramaticamente encenada pelo zagueiro. Os italianos são craques também na ópera. E Chiellini não conseguiu do árbitro sequer atenção.

A pena de nove jogos foi exemplo apenas do abuso de autoridade pela Fifa. No jogo entre França e Equador, os franceses aplicaram duas cotoveladas no queixo de jogadores equatorianos, mostradas em close e câmera lenta na TV, sem que por isso recebessem punição alguma, muito menos equivalente à de Suárez. Não vejo razão para considerar uma mordida no ombro um ato mais ofensivo do que um golpe direto no rosto, proposital e fora de disputa da bola. No entanto, Suárez foi escolhido como bode expiatório.

Além da exagerada suspensão de quatro meses e nove jogos oficiais com a seleção, a Fifa aplicou em Suárez uma punição extra tão deselegante e vergonhosa que se equivale à do atleta em campo. Suárez foi ainda banido dos "ambientes" da Fifa, estádios, concentrações, hotéis e do próprio território brasileiro, do qual foi expulso, embora tenha passaporte válido e, fora dos jogos, tenha direito de circular como outro cidadão qualquer, incluindo os turistas uruguaios que estão assistindo à Copa.

Essa atitude arbitrária é um exemplo tão ruim para a sociedade quanto o ato antiesportivo de Suárez em campo, com a diferença de que o erro do jogador uruguaio foi num instante da competição, um ato intuitivo, impensado, enquanto a decisão da Fifa apenas mostra sua frieza cerebral e sua falta de respeito e escrúpulos. Suárez foi julgado sem tribunal nem apelação e condenado, mesmo à revelia da suposta vítima. Envergonhado pela própria simulação, Chiellini foi o primeiro a vir a público para defender o uruguaio. "Eu sempre considero correta a ação dos órgãos competentes, mas ao mesmo tempo acredito que essa punição proposta foi excessiva", disse o italiano. "Um banimento assim é realmente triste para um jogador." Aparentemente, Chiellini foi o único a lembrar que Suárez é humano. "Meu único pensamento é para Luis e sua família, porque terão de enfrentar um período difícil."

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística. Um país é maior do que isso e tem leis próprias. A instalação do governo provisório da Fifa no Brasil, por mais draconiano que possa ser o contrato com a entidade, extrapola qualquer limite do razoável e é uma verdadeira vergonha para o povo brasileiro. O Brasil se caracterizou no passado por receber e proteger exilados políticos e até mesmo bandidos foragidos, como Ronald Biggs, celebrizado por roubar um trem. Não tem a menor razão para condenar um jogador que cometeu um erro no âmbito esportivo, pisoteando a lei e a própria moralidade cujo exemplo se pretendia dar. Por que não botam então no xadrez o técnico da Alemanha, que fica enfiando o dedo no nariz? Também é feio pra diabo.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Não vamos nos desesperar



Não, não vamos nos desesperar.

Claro que o zero a zero diante do México não foi uma beleza, mas também não foi um desastre. O Brasil esteve um pouco mais consistente que diante da Croácia. O México apenas se defendeu. Deu alguns chutes, perigosos, é verdade, mas de longa distância. Era o que podia fazer. E o Brasil desperdiçou quatro boas oportunidades dentro da área.

Se a lógica ainda vale alguma coisa, podemos dizer que o Brasil está bem perto da classificação. Mas e o bom futebol? Sim, aquilo que gostaríamos de ver: o Brasil jogando bonito, e mais competitivo, com a pegada, a rapidez e a efetividade da Copa das Confederações?

O técnico Luis Felipe Scolari testou algumas mudanças que acabaram sendo ruins. Colocou Ramires no ataque, no lugar do contundido Hulk, para proteger mais o lado direito, muito frágil diante da Croácia. Resultado, não melhorou a defesa e perdeu um atacante. No intervalo, tirou Ramires para entrar Bernard. Depois trocou também Fred, que anda meio parado no ataque brasileiro. Nada surtiu muito efeito. No final, o México nos deu ainda um sustinho derradeiro.

A esta altura, Felipão já deve saber o que precisa fazer para o Brasil melhorar. Ele segurou Paulinho no time até agora, mas as coisas não estão andando bem para o ex-jogador do Corinthians. Com pouca mobilidade, foi o pior do time, tanto no desarme quanto na armação. E ainda perdeu um gol de cara com o goleiro. O Brasil jogou muito melhor na fase de preparação com Ramires no seu lugar. É o que deve acontecer de novo se Paulinho não melhorar.

Por que Felipão não deixou Ramires no lugar de Paulinho, passando-o para o meio de campo, tirando-0 para a entrada de Bernard no ataque? É difícil desvendar a cabeça de um técnico. Acredito que Felipão sabe que com Ramires no meio o Brasil joga melhor: tem mais mobilidade, velocidade e marca melhor. O técnico está apenas insistindo com Paulinho e pode ser que essa seja sua carta escondida na manga para a próxima fase. Essa seria uma boa surpresa para os adversários em um time que se tornou meio previsível.

É muito possível que ele d~e ainda mais uma chance a Paulinho. Felipão é fiel ao que gosta. Manteve Júlio César, confia no goleiro, apesar de não estar jogando em um grande time. Acredita também em Fred e no próprio Paulinho. Não se pode criticá-lo. Fez bem em não ceder a pressões imediatistas para tirar Oscar, que é hoje o nosso melhor jogador. Precisamos ter paciência, como ele vem tendo.

Contra o México, Neymar apareceu menos, mas foi bem. Quase marcou um gol, de cabeça, fundamento que não é o seu melhor. O goleiro mexicano, que fez uma grande partida, tirou a bola quando já estava praticamente dentro do gol. Neymar teve mais alguns lampejos, mas não se pode esperar que resolva sempre tudo sozinho.

O Brasil vai melhorar, até porque os adversários, a partir da próxima fase, precisarão atacar mais, uma vez que só passarão para a fase seguinte com vitória. É uma mudança importante. Com o mata-mata, todos os times serão mais agressivos, inclusive contra o Brasil. E isso criará mais espaços para o time brasileiro jogar.

O México conseguiu se defender bem. Fez um bloco compacto, amontoou jogadores ao redor de Neymar e bateu forte para inibir os jogadores brasileiros e truncar o jogo, não deixando-o correr. Fechou espaços pelas laterais, onde o Brasil tem armado seu ataque, e contou com a estrela do goleiro, que parecia imantado, atraindo todas as bolas que iam para o gol.

Este zero a zero foi pouco, é verdade, mas é normal a equipe ir se estruturando na primeira fase. Felipão ainda tem margem para fazer algumas experiências até as oitavas de final. Aí, então, é que a Copa vai, de fato, começar.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O renascido e o predestinado: a Copa começou



A Copa do Mundo começou, momento histórico, que carrega tanto do momento do Brasil.

Primeiro a festa, provinciana, sem inspiração, mais parecida com uma festa junina de escola que um evento mundial. Aquelas crianças pulando na cama elástica, o pessoal fantasiado de araucária, os gaúchos pilchados foram de um primarismo bem raso. Mas ninguém liga para festa de abertura de Copa do Mundo.

No fim, tudo ficou no seu lugar. A presidente Dilma, cuja popularidade vai descambando a olhos vistos, diante do festival de bandalheiras no seu governo, foi vaiada na hora da vaia. Foi até gostoso ver a cara feia dela, como a convidada indesejável da festa. Depois a torcida cantou o hino à capela, como sempre, lembrando à Fifa mais uma vez que o que vale é a lei do Brasil e, cantado, ele tem duas partes. Depois, apoiou o time, aparecendo nos momentos de necessidade.

Quem queria se manifestar se manifestou, do lado de fora. Má propaganda para o Brasil? O mundo inteiro já entendeu que protestamos contra a corrupção, os gastos absurdos, a prepotência e a corrupção da Fifa. O mundo está vendo que o Brasil tem cidadãos. Sim, apareceram os abusos de parte a parte, dos baderneiros que aproveitam as manifestações públicas para descarregar seu ódio, e da polícia, que carece de treinamento e profissionalização, agindo mais pelo instinto de auto-proteção que de proteção ao público.

Está sendo assim no Brasil como foi em todo lugar, até nos jogos olímpicos de Londres, com a milenar civilização inglesa, também cheia de hooligans e bagunceiros. Que por sinal já estão por aqui. Um deles tentou passar a mão na minha mulher em um bar e acordei com a cantoria de um grupo de torcedores bêbados nas ruas de Higienópolis às 4 da manhã.

Mas e o jogo? Ah, o jogo foi duro e teve grandes personagens. Numa estreia nervosa, como é normal, houve aqueles que estiveram abaixo da própria média. Especialmente os dois laterais: Marcelo, que marcou um gol contra logo no início, e Daniel Alves, que deixou uma avenida nas suas costas, e no ataque pouco produziu. Foi mal Hulk, desaparecido, apesar do seu tamanho. E Fred, isolado no ataque, teve como única participação o teatro até meio bisonho com que cavou o pênalti do segundo gol. O juiz japonês caiu na dele, sem com isso nos tirar o gosto da vitória.

Diante de uma equipe forte, física e tecnicamente, bem organizada e que planejou bem o estilo de jogo contra o Brasil, explorando os contra-ataques pelas pontas, o Brasil se safou pela grande atuação de Oscar, que vinha sendo questionado, com a sombra crescente de William às suas costas. Oscar jogou para provar a que veio na seleção Brasileira, e provou. Enfrentou os zagueiros, tomando-lhes a bola, no lance que resultou no primeiro gol. Obrigou o goleiro adversário a fazer uma defesa difícil, ainda no primeiro tempo. Caiu pelos lados, criando jogadas, indo à linha de fundo, muitas vezes sozinho. No final, num lance individual, fez o terceiro gol quando o Brasil tomava um aperto de botar o coração na boca.

E Neymar? O grande astro brasileiro jogou mal. Pouco acertou os passes, os dribles tão fáceis andaram escassos. Diante da muralha de adversários, porém, marcou o primeiro gol, uma bolinha murcha, chorada, mas que entrou no cantinho. Cobrou também muito mal o pênalti, à meia altura, meio fraco, e o goleiro também aceitou. Jogou mal, mas tem uma sorte incrível. Neymar é um predestinado. Com os dois gols, salvou sua atuação. E o Brasil.

Os croatas fizeram um belo jogo em campo, e fora dele um papelão. O técnico croata só falou do pênalti marcado contra sua equipe. E os jogadores quebraram mesas e encanamentos no vestiário. Coisa de mau perdedor.

Com Oscar, o meia ressuscitado, e Neymar, o predestinado, o Brasil mostrou que seus jogadores mais jovens são capazes de conduzir o time, tanto quanto os mais experientes, como o par de zagueiros. Paulinho, que vinha jogando pouco, vai sendo colocado por Felipão na esperança de ganhar ritmo até os jogos finais. Então o técnico terá de novo a equipe brilhante e competitiva que ganhou a Copa das Confederações.

Mesmo não jogando bem, numa partida crítica, o Brasil virou o jogo. Mostrou que pode reagir, individual e coletivamente.

Futebol é uma loteria, em que já vimos tantas vezes grandes times naufragarem por um pequeno detalhe. Sim, a vida é cruel. Mas temos chances reais de vencer.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Copa e o país que podemos ser



Fui assistir no Morumbi o último jogo preparatório do Brasil para a Copa, no último dia 6, uma tarde de sexta-feira chuvosa, em que a torcida surgiu de última hora, e lotou os três anéis do estádio. Levei meu pai e meu filho de sete anos para um espetáculo vergonhoso, dentro e e fora do campo. Durante a maior parte do jogo, a torcida silenciosa nem parecia estar vendo uma partida do Brasil. O time, apático, quase saiu para o intervalo do jogo perdendo de 1 ou 2 a zero. Os jogadores foram para o vestiário debaixo de vaias.

É verdade que jogo-treino antes da Copa costuma ser mico, já que os jogadores não querem se machucar e o adversário nada tem a perder. Mas o lamentável não veio daí, e sim do show de mesquinharias dos apátridas que lá estavam travestidos de torcedores. No começo do segundo tempo, a torcida - boa parte dela de são-paulinos, que têm acesso mais barato às cadeiras cativas do estádio de seu clube -, puxou um coro pedindo pelo centroavante de seu time, Luís Fabiano. Foi apenas por espírito de porco. Fred, um artilheiro simpático, que fez um papel brilhante na Copa das Confederações, em seguida marcou um gol. Em vez de hostilizar a torcida que gritava de alegria apenas dois minutos depois de pedir a sua cabeça, comemorou sobriamente. Entre os brasileiros ali presentes, pelo menos ele manteve a dignidade.

Um são-paulino ao meu lado comportou-se mal desde que o locutor do estádio anunciou a escalação da seleção. Vaiava a maioria dos jogadores e também o técnico Luís Felipe Scolari, com o dedão para baixo, como um César condenando-os à morte na arena. Berrava alto, sozinho, e de forma insistente, perseguindo os jogadores o tempo todo. Sentado na sua cadeira plástica, como uma paxá num trono barato, parecia ter vindo ao estádio para destilar sua mau-humorada insolência, sua frustração e sua pobreza de espírito. Meu filho, ao meu lado, se incomodou. "Que chato esse cara!" - exclamou, a certa altura.

Porém, esse cidadão de araque não está sozinho. Parece que muita gente resolveu incorporar o espírito de porco para esta Copa do Mundo realizada dentro de casa. Em vez de fazer uma bonita festa, com a alegria costumeira do brasileiro, uma parcela importante da população resolveu se manifestar como os espanhóis do ditado: haja o que houver, soy contra. Categorias profissionais como os metroviários de São Paulo e os professores iniciaram uma onda de greves oportunistas. A motivação mistura interesses particulares, como o aumento do próprio salário, com questões gerais do governo e da Copa - corrupção, estádios superfaturados, e a tendência demagógica de todo governante de querer tirar uma casquinha da festa.

O brasileiro tem o direito de reivindicar salário, privada e coletivamente. Pode e deve protestar contra a corrupção. Mas não deveria se transformar num exemplo de incivilidade, nem ser injusto com todos aqueles que não tem responsabilidade pela situação, incluindo os que apenas e simplesmente gostam e querem ver o futebol. Este ano, completam-se 100 anos da existência das disputas de seleções. O futebol é um esporte presente na vida não apenas dos brasileiros como de todo o mundo. A Copa não é nossa, é mundial. O Brasil, no entanto, tem se comportado como o sujeito que convida os amigos para uma festa em sua casa, mas, quando eles chegam, reclama de quanto ela custou, fica dizendo que roubaram no preço da cerveja e do sanduíche, e só falta mandar todo mundo de volta para casa.

A Copa mostra bem o que somos e lembra como podemos ser. O brasileiro gosta de falar mal do brasileiro e trazer para a sala os problemas da cozinha. É o único cidadão do mundo que faz anti-propaganda do seu país, e, por conseguinte, de si mesmo. Fala mal de tudo, usa o Facebook para dar palpite no que acha que está errado, coloca a sua própria versão acima dos fatos. E não faz nada de concreto para melhorar nada, como se reclamar fosse o bastante. O brasileiro esquece que o Brasil melhor começa por ele mesmo.

Todo resmungão é preguiçoso. Nós, brasileiros, precisamos olhar mais para as coisas boas e nos empenharmos para que tudo vá melhor. Precisamos respeitar nossos atletas, que tão bem representaram o Brasil na Copa das Confederações, com uma vitória histórica sobre a Espanha na final, e merecem um voto de confiança. Respeitar o técnico, o torcedor, o direito e a opinião alheios. É certo que cada um tem suas preferências, mas não se pode menosprezar ninguém. O brasileiro se acostumou a não respeitar nada, e por isso não é respeitado.

O Brasil só fala bem do Brasil quando ganha. Esse foi o motivo do sucesso da Copa das Confederações. Se as coisas vão mal, o brasileiro se transforma num randômico atirador de flechas, como os antepassados tupiniquins. Quando reclamamos da crise, dos políticos, do governo, esquecemos que tudo isso vem do povo brasileiro, é seu produto, sua consequência. Se existe uma crise no Brasil, é de comportamento. Precisamos reclamar menos e consertar o que está errado, usando os canais corretos - especialmente o voto. Isso não nos tira o dever de tratar tratar todos com respeito, incluindo todos os atletas e torcedores de outros países que estão vindo ao Brasil pelo que a Copa tem de bom.

O brasileiro precisa ter mais espírito de colaboração, civilidade e educação, começando pela básica. É isso o que melhora tudo: os salários, a qualidade dos políticos, e também a nossa imagem, perante o mundo e sobretudo de nós mesmos.