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sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Brasil não podia expulsar Suárez

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística




Da noite para o dia, Luizito Suárez, atacante do Uruguai, saiu de uma cirurgia para virar herói, com seus dois gols sobre a Inglaterra, que ressuscitaram a seleção celeste no primeiro turno da Copa do Mundo, depois da inesperada derrota para Costa Rica na primeira rodada, em que ele não pôde atuar. E, com uma mordida no zagueiro Chiellini, na vitória por 1 a 0 que deu aos uruguaios a classificação sobre a Itália, do dia para a noite Suárez foi transformado em bandido e bode expiatório. Recebeu da Fifa uma pena considerada "exemplar", que na realidade é apenas uma prova da arbitrariedade e da truculência na organização. E que extrapolou o âmbito esportivo, com a absurda conivência (ou subserviência) das autoridades brasileiras.

O juiz não viu ou ignorou as queixas do zagueiro italiano porque, desde a expulsão de Marchisio, Chiellini vinha fazendo cena para provocar uma expulsão também no adversário. A mordida de Suárez existiu, mas sua gravidade foi dramaticamente encenada pelo zagueiro. Os italianos são craques também na ópera. E Chiellini não conseguiu do árbitro sequer atenção.

A pena de nove jogos foi exemplo apenas do abuso de autoridade pela Fifa. No jogo entre França e Equador, os franceses aplicaram duas cotoveladas no queixo de jogadores equatorianos, mostradas em close e câmera lenta na TV, sem que por isso recebessem punição alguma, muito menos equivalente à de Suárez. Não vejo razão para considerar uma mordida no ombro um ato mais ofensivo do que um golpe direto no rosto, proposital e fora de disputa da bola. No entanto, Suárez foi escolhido como bode expiatório.

Além da exagerada suspensão de quatro meses e nove jogos oficiais com a seleção, a Fifa aplicou em Suárez uma punição extra tão deselegante e vergonhosa que se equivale à do atleta em campo. Suárez foi ainda banido dos "ambientes" da Fifa, estádios, concentrações, hotéis e do próprio território brasileiro, do qual foi expulso, embora tenha passaporte válido e, fora dos jogos, tenha direito de circular como outro cidadão qualquer, incluindo os turistas uruguaios que estão assistindo à Copa.

Essa atitude arbitrária é um exemplo tão ruim para a sociedade quanto o ato antiesportivo de Suárez em campo, com a diferença de que o erro do jogador uruguaio foi num instante da competição, um ato intuitivo, impensado, enquanto a decisão da Fifa apenas mostra sua frieza cerebral e sua falta de respeito e escrúpulos. Suárez foi julgado sem tribunal nem apelação e condenado, mesmo à revelia da suposta vítima. Envergonhado pela própria simulação, Chiellini foi o primeiro a vir a público para defender o uruguaio. "Eu sempre considero correta a ação dos órgãos competentes, mas ao mesmo tempo acredito que essa punição proposta foi excessiva", disse o italiano. "Um banimento assim é realmente triste para um jogador." Aparentemente, Chiellini foi o único a lembrar que Suárez é humano. "Meu único pensamento é para Luis e sua família, porque terão de enfrentar um período difícil."

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística. Um país é maior do que isso e tem leis próprias. A instalação do governo provisório da Fifa no Brasil, por mais draconiano que possa ser o contrato com a entidade, extrapola qualquer limite do razoável e é uma verdadeira vergonha para o povo brasileiro. O Brasil se caracterizou no passado por receber e proteger exilados políticos e até mesmo bandidos foragidos, como Ronald Biggs, celebrizado por roubar um trem. Não tem a menor razão para condenar um jogador que cometeu um erro no âmbito esportivo, pisoteando a lei e a própria moralidade cujo exemplo se pretendia dar. Por que não botam então no xadrez o técnico da Alemanha, que fica enfiando o dedo no nariz? Também é feio pra diabo.