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Burj Khalifa, mais alto prédio do mundo |
Mais que escala para o outro lado do mundo, Dubai foi planejada para ser uma bem acabada amostra do futuro de todo o planeta, tecnologicamente desenvolvida para a vida humana habitar um ecossistema desertificado. Dentro do vidro e do aço refrigerados, circula gente de toda parte, carregando culturas diferentes, num ambiente em todos os sentidos controlado.
Para mim, que prefiro preservar a natureza e a democracia, é interessante ver, mas difícil de aceitar. Dentro do Museu do Futuro, engenhoso anel arquitetônico com pinceladas da cultura árabe, essa visão se expressa na construção de uma estação espacial para produzir energia solar, abastecendo um país onde se abriga uma "biblioteca do DNA" dos seres vivos e o laboratório de "cura da Terra". Serviria, entre outras coisas, para o repovoamento ou reconstrução do ecossistema da floresta tropical, após sua destruição. Nesse cenário, desenvolvem-se novas espécies, capazes por exemplo de se regenerar mais facilmente após as queimadas.
É um cenário de pesadelo, não apenas ambiental. Na Dubai de hoje, há paradisíacas ilhas artificiais e edifícios monumentais, por onde se imagina que um dia passarão carros voadores, mas é gente de carne e osso que lava os corredores dos hotéis, usando um tradicionalíssimo esfregão. Do milhão de pessoas residentes de forma permanente, 900 mil são imigrantes paquistaneses, que fazem todas as tarefas indesejadas pelos ricos e para os ricos. A fonte dançante do Dubai Mall baila com a voz de Edith Piaf, mas só evoca um tempo vivo e vibrante: ali, a França está mais viva na loja Louis Vuitton.
A riqueza e os privilégios são garantidos por uma sociedade bastante restritiva que, desconhecendo a democracia, parece dispensar a liberdade e aceita viver sob um governo que dirige o país como ele é: ali, o Estado é uma propriedade e um empreendimento privados, onde a lei e os costumes estabelecidos garantem o lugar de cada casta.
No metrô, mulheres e crianças vão em vagões exclusivos, no final da composição, uma espécie de apartheid resultante da influência religiosa no Estado. Meu filho diz que é preciso entender a cultura e isso pode mostrar "gentileza". Ele tem, felizmente, uma alma gentil - e procura ver as coisas pelo seu ângulo melhor. Eu estou mais velho e aprendi a ver o ruim mesmo no bom.
As mulheres de burca podem gostar do seu lugar e de ir no vagão exclusivo. Mas eu penso que o direito de usar burca só é bom quando não é coercitivo, socialmente, assim como a gentileza só é realmente gentileza quando é exercida num ambiente de igualdade.
Você tem direito a um lugar, onde todos podem estar, e então o cede em favor de alguém, ou recebe esse favor de alguém. Só há virtude quando você cede um direito que é seu, e não quando o tomam de você e fazem generosidade em seu nome. Essa generosidade. Para mim, é apenas discriminação.
Em Dubai, todos são bem vindos, no ecumenismo magnético do dinheiro, mas está clara a preferência estatal. Todos os estalecimentos públicos, como o Dubai Mall, considerado o maior shopping do mundo, têm salas para o culto muçulmano ao lado dos banheiros, numa aproximação entre diferentes necessidades diárias.
Embora admirável, como empreendimento humano em local inóspito, a cidade é mais ou menos como viver em Marte, que um dia já foi também mais parecido com a Terra. Dado isto, os antigos povos do deserto, que agora andam de kandura de seda entre Dolce & Gabanna e a Montblanc, e com o declínio do petróleo agora investem em turismo e futebol, talvez sejam de fato os mais preparados e interessados nesse futuro artificialmente construído, com suas tendas de vidro no areal.