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quarta-feira, 13 de julho de 2016

Cristiano Ronaldo, Messi e a sina do ganhador

Até o final de semana passado, Cristiano Ronaldo enganava muita gente. Sofreu por muito tempo com o estigma do vaidoso: o carrão, as mulheres, a exuberância física, que ele não cansa de mostrar, faziam dele mais um galã brega do que ídolo nacional de futebol. Mesmo ganhador da bola de ouro, muita gente o colocava abaixo do argentino Messi no posto de melhor jogador do mundo. Porém, bastou uma fim de semana, em que ele jogou apenas 12 minutos, para tudo mudar.

Enquanto Messi perdia com a seleção argentina a disputa do terceiro título consecutivo, e deixava a imagem de joelhos no gramado, ao desperdiçar o pênalti fatídico que deu o título da última Copa América ao Chile, Cristiano Ronaldo desfrutava um título improvável: o de campeão da Eurocopa com a limitada, porém guerreira equipe de Portugal. E deixava clara, afinal, qual é a diferença na sina dos craques, que os faz serem não apenas campeões por seus clubes, como entrar para a história na primeira fila dos ídolos dos futebol.

Messi de joelhos e Cristiano beijando a taça: a diferença do campeão


Campeão da liga europeia este ano com o Real Madrid, CR7 levou seu Portugal ao maior título da história do país, coisa que outros grandes craques portugueses do passado, como Eusébio e Figo, jamais conseguiram. Surgiu um jogador diferente. Em vez do puro-sangue português, mostrou-se um líder. Viralizou na internet o vídeo em que ele estimula o companheiro Moutinho a cobrar um pênalti. "Você bate bem", diz ele no vídeo, convocando o companheiro, praticamente à força. "Se perdermos, que se foda", arrematou, no bom sotaque português.

Claro que Cristiano não queria perder: apenas dizia, com um palavrão, dentro do contexto do futebol, que a essência do jogo é não ter medo. Na final contra a França, favorita e dona da casa, depois de uma campanha sofrida, em que ganhou apenas uma partida de forma incontestável, ainda assim contra a mediana equipe do País de Gales, Portugal viu seu principal jogador ser tirado de campo por uma botinada maldosa do adversário aos 12 minutos de jogo. Porém, ao lado do campo, Cristiano continuou jogando com o time, praticamente ao lado do técnico. Uma liderança que fez a diferença.

Com isso, Ronaldo passou para a segunda categoria dos grandes craques da história. Na primeira, incontestável, está Pelé, que jogava um grande futebol e foi tricampeão mundial pela seleção brasileira, integrante maior de grandes esquadrões. Na segunda galeria, estão craques que levaram times não tão bons à conquista máxima do esporte. Como Romário, astro que liderou a diligente mas pouco brilhante equipe do Brasil ao tetra campeonato. Ou Maradona, que também foi uma vez campeão do mundo, com uma seleção argentina que praticamente carregou nas costas.

No terceiro estágio, há uma categoria de grandes craques que nunca conquistaram títulos importantes pela seleção. Astros campeões por seus clubes, nunca conseguiram o mesmo sucesso no time nacional. Cruyff, da Holanda de 1974, vice depois de derrota para a Alemanha, é o grande expoente dessa categoria. O segundo foi Zico. Craque incontestável, com seus dribles em diagonal para dentro da área, a cobrança de falta certeira, é o jogador com quem Messi mais se parece. Inclusive no destino.

Zico também perdeu o pênalti contra  a França que poderia ter feito o Brasil ir até a final, na seleção de 1986. E também naufragou no Sarriá, com a grande seleção de 1982, diante da Itália que, frente ao Brasil, pareceu pequena e vencedora graças a golpes de sorte, mas também era uma grande equipe.

Messi é um grande craque, mas está, na qualidade e na sorte, no patamar de Cruyff e de Zico. Não chegou a Romário e Maradona, muito menos a Pelé. Perde diante de Cristiano Ronaldo pela falta de energia nas decisões: enquanto o português mostra fibra, se agiganta, ele decresce. Declarou após a derrota que a seleção "não é para mim". Aos 29 anos, tem agora poucas chances de mudar essa história.

Cristiano Ronaldo ainda não ganhou uma Copa do Mundo. Mas o título de Portugal é inédito e histórico e agora ninguém duvida que ele tem o DNA do campeão. Não apenas sabe jogar futebol. Tem o queixo erguido, a vontade férrea, a capacidade de lutar. E isso vale, mesmo quando não se está jogando. Porque não se é campeão apenas dentro de campo. Um campeão tem de fazer também parte de uma equipe, levá-la à vitória. Essa é a qualidade que deixa um jogador maior.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Nem os portugueses sabem


Para minha satisfação, a editora Planeta, que publica A Conquista do Brasil no mercado brasieliro, adquiriu os direitos também para a venda do livro em Portugal, onde deve ser lançado até o final do ano. Uma pesquisa recém divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo mostra o motivo de tanto interesse pelo livro, disputado ferozmente com outra editora de prestígio. Segundo levantamento solicitado pela Folha, a pergunta mais feita pelos portugueses no Google é: "quem descobriu o Brasil?" E a segunda é: "quem colonizou o Brasil?" Isso vem na frente de "como conseguir um emprego no Brasil". Uma pergunta que os portugueses também se fazem há centenas de anos.

O começo do Brasil é ainda tão pouco conhecido dos brasileiros quanto dos portugueses. Os primórdios do descobrimento foram sempre pouco pesquisados e valorizados como raiz da nossa história. Para se ter uma ideia, o best seller "Brasil: uma biografia", lançado este ano pela Cia das Letras, dedica apenas 14 das suas mais de 500 páginas aos descobridores e primeiros colonizadores do país. Mais centrado em explicações esquemáticas da economia brasileira, o livro destaca em primeiro lugar a criação da indústria açucareira, como se o Brasil tivesse realmente começado ali.

Como se pode ver em A Conquista do Brasil, a ocupação da costa brasileira começou bem antes, foi muito mais aventuresca, sangrenta, rica e complexa. A indústria açucareira é posterior e apenas uma peça da formação do Brasil e da sociedade brasileira. O começo, assim como a primeira infância na formação, temperamento e personalidade de todo indivíduo, é mais importante do que nos acostumamos a pensar. Um conhecimento mais profundo desse período, como revela A Conquista do Brasil, é decisivo para a compreensão do país de hoje e da sociedade brasileira.

O Brasil não foi descoberto pelos portugueses. E a história da colonização envolve guerra e a participação da Inquisição contra os "hereges", assim compreendidos tanto os "hereges canibais" quanto os "hereges protestantes" do Rio de Janeiro. Além da participação de figuras hoje legendárias, que o livro recupera, mostrando como eram verdade, a começar por João Ramalho, Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e líderes indígenas dos quais se sabia pouco até aqui, como Aimberê e Cunhambebe. A indústria açucareira veio depois e por acaso - como mostra o livro, foi iniciada, bizarramente quase sem querer, graças a uma história de amor.

A  história não é feita apenas de movimentos de lógica econômica, e sim da ação de indivíduos movidos por paixão, ambição, ou simples obra do acaso. A história é construída pelo homem, que nem sempre obedece a trilhos da razão. Explicar o Brasil é entender o brasileiro, desde a sua infância, o seu DNA. Por isso acredito que A Conquista do Brasil permanece leitura essencial - para portugueses e brasileiros.


http://www1.folha.uol.com.br/asmais/2015/06/1641394-quem-descobriu-o-brasil-perguntam-portugueses-em-site-de-busca.shtml

domingo, 22 de junho de 2014

O melhor dos Estados Unidos



Um gol miraculoso aos 48 minutos do segundo tempo, quando Portugal já se encontrava com o pescoço na guilhotina, salvou os portugueses de uma derrota. E tirou no último instante o gosto da seleção americana de uma gloriosa virada, que lhe daria não somente a classificação antecipada, como o direito de lutar por um empate com a Alemanha na rodada final para ficar com o primeiro lugar do grupo.

No empate por 2 a 2, a seleção dos Estados Unidos jogou melhor que Portugal a maior parte do jogo. Enquanto Portugal lembrava mais a Portuguesa, com um time desfalcado, caindo pelas tabelas, e tendo no seu único craque, Cristiano Ronaldo, uma figura caricata de si mesmo, os americanos marcaram forte, atacaram com rapidez e perderam muitos gols. É verdade que Portugal também desperdiçou boas chances, mas a virada americana teve algo de épico, assim como toda a campanha, que inclui a vitória sobre Gana. Eles tem feito por merecer um lugar na próxima fase.

Confesso que, além do Brasil, em primeiro lugar, e depois a Itália, minha segunda pátria, torço para os Estados Unidos. Essa simpatia, que não tem paralelo em outros assuntos que envolvem os americanos, como a economia e a política internacional, tem um motivo. Há oito anos, quando morei em Nova York, descobri que os torcedores de futebol são o que há de melhor no país, pelo simples fato de que prestam atenção no resto do mundo. Eles são os únicos que sabem, por exemplo, que a capital do Brasil não é Buenos Aires e admiram nossa cultura e nossa tradição no esporte. "Brazil rocks!", dizem as crianças americanas que jogam nos clubes locais.

Em Nova York, levei meu enteado João, então com onze anos, para jogar num clube local, o Downtown United, o "Unidos do Centrão". Pude acompanhar de perto o trabalho de base feito lá no futebol. Havia um professor peruano, formado numa escola de técnicos, que orientava as crianças, ensinando os fundamentos do esporte; times que treinavam durante a semana, desde o infantil até o nível profissional, e pais que incentivavam e acompanhavam os filhos de perto, como costumam fazer em tudo. Foram as pessoas que em Nova York me receberam melhor, por ser brasileiro. E as únicas que realmente se interessavam por nós e o que fazíamos ali, além dos professores de João e seus colegas estrangeiros na escola pública 89.

O futebol tem esse efeito mesmo sobre os americanos, tão voltados para si mesmos que chamam o vencedor do torneio de beisebol de "world champion", como se o esporte fosse jogado somente ali. Essa ignorância e desinteresse em relação ao resto do mundo tem muito a ver com a postura imperialista dos americanos, traduzida no dia a dia por uma certa empáfia, irritante mas certificadora de que eles se isolaram. A antiga recusa do americano em gostar de futebol era também uma demonstração solene de auto-suficiência, como se o esporte mais popular do mundo indicasse que além das suas fronteiras houvesse apenas bárbaros ignorantes que gostavam de um esporte onde se troca as mãos pelos pés.

Aos poucos, esse preconceito vem sendo vencido. Os pais que levavam as crianças para treinar futebol, ao lado dos muitos estrangeiros no país, começaram a fazer do futebol algo importante, muito mais do que os tempos de Pelé no Cosmos - é um fenômeno em andamento. A primeira partida dos Estados Unidos na Copa teve uma audiência na TV quase equivalente à da final da liga de basquete, o segundo esporte mais popular no país, depois do beisebol. É um sintoma da sanidade num país que descobriu que nem ele pode ficar sozinho no mundo. E que não faz mal algum falar e lidar com pessoas diferentes, ligadas no mundo inteiro por meio de um esporte que funciona como o melhor embaixador da Humanidade.

Torço pelos Estados Unidos na Copa para que essa abertura na dura carapaça americana continue se alargando, com o entusiasmo de um número cada vez maior de aficionados pelo esporte. Seria um grande bem, não apenas para o futebol como para a sociedade americana e o resto do mundo.