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quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Brasil não sabe perder



A fragorosa derrota para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, por inimagináveis 7 a 1, serviu como um bom exemplo do maior problema do país: o Brasil não sabe perder.

O motivo é um só. Fazemos alta conta de nós mesmos, dormindo em berço esplêndido num país de grande potencial, e não aceitamos nada menos que nossos sonhos de grandeza e de vitória. Por décadas, compensamos nossa frustração com as mazelas do país com aquilo em que nos achamos bem sucedidos. E o fato é que não sabemos perder tanto num campo como no outro, o da vida e o do futebol.

O resultado da Copa foi de vitórias e fracassos. Organizamos uma boa Copa, com belos estádios e bom futebol. Aconteceram coisas muito graves, como o superfaturamento dos estádios, e incidentes que falam muito mal a respeito do nosso país. Morreu um jornalista argentino de 38 anos, atirado para fora do táxi ao ser abalroado por um veículo roubado, perseguido pela polícia. Durante a festa, caiu um viaduto em Belo Horizonte. Isso, porém, vai ficar embaixo do que até parece um desastre maior: o vexame da seleção, levando uma goleada histórica dentro de casa.

O Brasil acha que tem de ser sempre grande, e reage mal à derrota, negando seus males e sua responsabilidade. Uns fazem piada, e somos prolíficos nisso. (A minha preferida, foi de um internauta que diz só assistir o UFC, porque lá o juiz pelo menos interrompe tudo quando alguém está apanhando muito). A outra reação tipicamente brasileira ao insucesso, refletida na imprensa brasileira, é criticar tudo na derrota, com a marca da maldade, nesse caso cravada nos jogadores e na comissão técnica.

O brasileiro gosta de ironizar, falar mal e jogar a culpa sobre as nossas mazelas nos políticos, quando se fala do país, e nas derrotas esportivas sobre o técnico ou algum outro bode expiatório. O derrotado, no Brasil, fica marcado a fogo, como o velho e falecido Barbosa, goleiro da seleção de 1.950. Foi triste ver os jogadores da seleção, ao final do jogo, sem saber o que fazer: se saíam de fininho, ou agradeciam a torcida que os apupava e procurava afugentar como um bando de cachorros sarnentos. Não foram só os jogadores, porém, que perderam. Quem perdeu foi o Brasil.

Assim como o povo brasileiro, em campo os nossos jogadores demonstraram que não sabem perder. E, dessa forma, não sabem também ganhar. Por isso, não surpreendeu o choro depois da sofrida vitória nos pênaltis diante do Chile. Os atletas brasileiros mostraram aí o quanto faltava estrutura psicológica para enfrentarmos as dificuldades de uma Copa dentro de casa. Jogaram a responsabilidade para a torcida, denunciando uma grande "pressão". A torcida não tinha culpa de torcer, ou de cantar o hino, ou de cobrar vitória, ou lançar emoção nas partidas. E os jogadores não podiam ter desmontado daquela forma, como se a Copa tivesse acabado no dia do Chile. Para nós, o sonho de vitória, pressentia-se, terminava mesmo aí. E de fato apenas ganhamos uma sobrevida, com a imerecida vitória contra a Colômbia. Porque contra a Alemanha nem chegamos a jogar.

Qual é o problema do nosso aparente antipatriotismo, da nossa mania de falar mal de nós mesmos, da nossa recusa em olhar para nossos erros? É que, jogando sempre a culpa nos outros, não aprendemos nada com as derrotas. Esta Copa foi cheia de lições de futebol e também para o país. O brasileiro parece ser brasileiro apenas antes do jogo e, depois, na vitória. Não sabe ser brasileiro na hora de levantar a poeira e dar a volta por cima. A Espanha, última campeão do mundo, levou uma biaba tão feia quanto a nossa nesta Copa, ao ser goleada pela Holanda, mas não levou a derrota tão fundo na alma. Mas a Espanha é um país de primeiro mundo, sem esses complexos que o Brasil gosta de carregar para aliviar o peso da frustração consigo mesmo.

Qual é a realidade que temos de encarar, o que temos a aprender? O Brasil perdeu porque se preparou mal. Os alemães mantiveram um time que já tinha ido bem na Copa anterior e, eles sabiam, precisava ainda amadurecer para vencer. E amadureceu. Manteve os jogadores, um técnico jovem e técnicas de preparação que incluiu desde softwares sofisticados a aulas de ioga e relaxamento. Construiu um centro de treinamento próprio na Bahia. Os alemães pensam no longo prazo e criam tijolo sobre tijolo as condições para a vitória.

Já nossa seleção primou pela falta de estrutura, mesmo numa organização rica como a CBF. Descobrimos, no jogo contra o Chile, que os jogadores não dispunham nem mesmo de acompanhamento psicológico. Uma psicóloga foi chamada às pressas para tentar reerguer o moral da equipe. O que se conseguiu foi um remendo, que rasgou completamente assim que o Brasil tomou o primeiro gol alemão.

Felipão gosta de bancar o paizão, mas sua especialidade não é a psicologia. Com a caricatural macheza gaúcha, chegou a ventilar um mal estar interno ao dizer que se arrependera de convocar um dos dos 23 jogadores, uma maldade tão gratuita quanto inútil e contraproducente dentro de qualquer equipe. Felipão também não sabe perder. Deixou a responsabilidade da derrota para os jogadores, atribuindo-a ao "apagão" no qual levamos gols em sequência. E escamoteou o fato de que o Brasil se preparou mal tecnicamente.

A CBF, representada por José Maria Marin, um político sem nenhuma expressão, confiou demais na experiência de Felipão e Parreira, dois técnicos campeões, mas já ultrapassados. Felipão não soube armar a equipe no início e piorou diante das dificuldades que foram surgindo e exigiam inteligência e ação. Por sua vez, o técnico confiou demais na equipe que ganhou a Copa das Confederações, sem rever as peças que andavam mal, como Fred e Paulinho. E não soube o que fazer quando perdeu dois de seus mais importantes jogadores: Neymar, que levava o ataque sozinho nas costas, enquanto esteve jogando, e Thiago Silva, que com David Luiz vinha não apenas salvando a defesa, apesar do desempenho desastroso dos laterais, como ainda ajudava o ataque. É bom lembrar, foram os zagueiros que marcaram os dois gols na vitória contra a Colômbia.

O Brasil não soube lutar dentro e fora de campo. Neymar foi perseguido em todos os jogos, até o lance criminoso que o tirou da Copa e do futebol por um bom tempo. Em todas as partidas, recebeu no primeiro lance uma pancada dura como "cartão de visita". Em nenhum desses lances, o jogador adversário recebeu o cartão amarelo, ou sequer uma advertência, assim como na entrada em que o craque brasileiro foi literalmente quebrado ao meio.

Jogamos contra os adversários em campo e a Fifa fora dele. Pelos critérios adotados pela entidade, a maioria dos times de tradição em Copa do Mundo ficaram no lado da chave aonde estava o Brasil. A designação dos cabeças de chave segundo um ranking formulado pela própria Fifa, com Colômbia e Bélgica à frente de grandes forças, é uma forma evidente de manipulação ou de indução aos resultados. Não era difícil imaginar que Argentina ou Holanda chegariam à final. Não fossem algumas zebras, o Brasil poderia já ter sido eliminado antes, no cruzamento com a Espanha ou o Uruguai.

O Brasil também se dobrou a exigências absurdas, como expulsar do país um jogador (Suárez) que nem sequer foi expulso de campo, por normas de uma entidade que ocupa o país-sede com leis próprias e sua periferia de encrencas, incluindo cambistas que habitam o mesmo hotel aonde se hospeda sua suspeita diretoria.

O Brasil precisa parar de falar mal de si mesmo e trabalhar de forma construtiva. Reconhecer os erros e entender o que aconteceu é a única forma de construir um futuro melhor, e não falo apenas do futebol.

E eis a verdade: o Brasil não fez nenhum jogo nesta Copa de encher os olhos. Deixamos de mostrar força fora de campo, em defesa do nosso talento, de maneira que os árbitros continuaram a permitir a caçada a Neymar, impunemente. Viramos as costas para o fato de que a Copa é um jogo cheio de interesses, dos altos apostadores que hoje usam a internet para ganhar dinheiro aos patrocinadores capazes de transformar em marketing até mesmo os votos de solidariedade de colegas a um companheiro machucado.

A Copa é um jogo viciado, mas o Brasil até poderia ganhar, com outra postura. O Brasil quer ser sempre grande, mas precisa agir grande, para voltar a vencer. Com realismo no olhar sobre si mesmo e inteligência na preparação.

*
Acabo de terminar um livro sobre a descoberta do Brasil, e a Copa me ajudou a ver que somos assim desde sempre. Nossa mania de grandeza vem de longe, assim como nossa omissão na solução dos problemas que nos separam da grandeza real. Essa vocação para reclamar de tudo sem olhar para o próprio umbigo está na raiz do povo brasileiro. Nelson Rodrigues estava errado. O complexo de vira-lata não acabou com o Brasil campeão e copeiro. Ainda está aí, vivo, pungente a cada derrota transformada por nós, como na letra do hino que gostamos tanto de cantar quando ainda estávamos acreditando, em fracasso retumbante.





segunda-feira, 23 de junho de 2014

O gênio e o velho teimoso



Felipão pode dizer o que quiser, mas não podemos nos enganar com a vitória por 4 a 1 diante da equipe de Camarões, sem mais nenhuma responsabilidade na competição. O primeiro tempo do Brasil foi ruim, com mais uma péssima atuação dos jogadores que o técnico insiste em sustentar. Enquanto os treinadores das demais seleções já fizeram mudanças importantes, como o do Chile, que tirou Valdivia do time titular, e o do Uruguai, que mandou para o banco Pablo Forlan, considerado o melhor jogador do mundial de 2.010, Felipãp colocou em campo novamente as piores figuras das três partidas até aqui: Paulinho, que continua sem a força de antes, nem ritmo de jogo; Daniel Alves, fraco no desarme e pouco ativo no ataque; e por fim Hulk, que desperdiçou gols como um canhão descalibrado e abriu valetas no gramado do estádio Mané Garrincha com seus tombos retumbantes.

Como resultado, o primeiro tempo foi sofrido, com Camarões apertando o Brasil e colocando uma bola na trave antes de empatar o jogo. Por sorte, temos Neymar. Se antes andavam todos comedidos, não há mais como negar: o garoto é um gênio. Capaz de inventar jogadas nunca vistas antes no futebol, marcou dois gols, bailou entre os camaroneses e salvou a equipe na primeira etapa. Mas o Brasil não pode depender apenas dele.

No segundo tempo, Felipão colocou Fernandinho no lugar de Paulinho. Imediatamente o time se tornou mais dinâmico, com um passe mais rápido e maior presença no meio de campo. Seria muita macheza voltar com Paulinho no próximo jogo, a fase inicial dos mata-matas, porque se trata de partidas em que um erro pode colocar tudo a perder - não há segunda chance. O Brasil tinha de entrar afiado nesta fase, mas ainda no segundo tempo contra Camarões se encontrava em fase de experimentos, com a entrada de Ramires no lugar de Hulk, além da substituição de Oscar por William - que Felipão pretendia fazer, mas corrigiu a tempo, tirando Neymar em seu lugar. Era o homem do jogo, mas precisava ser preservado de um cartão amarelo e das botinadas com que os camaroneses o perseguiram em campo, porque sabemos que, sem ele, o Brasil é outro.

No segundo tempo, com Fernandinho em campo, o Brasil foi mais consistente, melhorando visivelmente, apesar do adversário já estar batido. Isso nos dá esperança, assim como a pressão inicial, que lembrou a Copa das Confederações, e os lampejos geniais de Neymar, que chegou a chapelar um camaronês e dar um passe de bailarino para no final Hulk desperdiçar mais um gol diante do goleiro.

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Felipão pode falar o que quiser, mas é muito melhor enfrentar o Chile nas oitavas de final do que a Holanda. Como se viu no jogo entre as duas equipes, a Holanda tem um time matreiro, eficiente no jogo aéreo e mortífero no contra-ataque. Foram assim os dois gols que mataram as esperanças dos chilenos de ficar em primeiro lugar no grupo. Um erro contra a Holanda é sempre fatal.

Tão decantado por Felipão, o Chile é uma equipe talentosa e veloz, que toca bem a bola, mas joga um futebol já bastante conhecido pelo Brasil. Diante da desclassificadíssima Espanha, foi empurrado para sua própria intermediária como um coelho na toca e só não levou nenhum gol porque os espanhóis parecem ter sido assolados por alguma maldição.

Sim, é melhor enfrentar os holandeses ou outra equipe candidata ao título mais adiante, quando a seleção estiver melhor organizada. E Felipão se convencer de que não pode recuperar jogadores em uma competição tão curta quanto a Copa do Mundo: é preciso escalar quem está melhor no momento. Tanto Fernandinho quanto Ramires dão mais mobilidade, velocidade e consistência ao meio de campo do Brasil. Se insistir, Felipão estará fazendo aquela aposta: ganhando, terá sido perseverante. Perdendo, terá sido apenas o velho e teimoso gauchão.