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quinta-feira, 19 de março de 2020

Um grande teste para a Humanidade

O calor humano: prova mais dura
Sábado passado, tive uns sintomas gripais. Garganta rascante, um pouco de moleza, peito meio atacado. Sem febre, porém.

Corona virus, pensei. Desde então, não tenho certeza de que tenho mesmo o bicho: exames são para pacientes mais graves, que exigem internação. Não iria a um hospital para atrapalhar quem realmente precisa.

Ainda assim, a vida mudou. No domingo, faltei à minha própria festa de aniversário, que iria celebrar com minha irmã Lara, também aniversariante. Primeiro pensamos em meu pai, que já está com mais idade, depois nas crianças. No fim, achamos melhor cancelar tudo. Recebi de Lara um pedaço do bolo de sorvete com bolacha Oreo, em casa.

Eu não me importo de ficar trancado em casa, de quarentena. Escrevo o dia inteiro e minha rotina não mudou muito, ao contrário de outras pessoas que precisam sair para trabalhar. E não tenho me sentido tão mal a ponto de achar que estou sofrendo. Seria cabotinice me fazer de vítima. Porém, o isolamento traz coisas muito duras.

Uma delas é não poder ver meu filho. Diz meu médico, dr Virgílio, que precisamos ficar isolados por 14 dias, desde o início dos sintomas. Falo com André pelo WhatsApp. É triste não poder estar perto, dar-lhe um beijo, ou um abraço.

Leio que na Itália, por conta do isolamento, vítimas da epidemia são enterradas sem sequer um velório ou a oportunidade de um último adeus aos parentes.

Me dou conta mais vivamente de quanto somos dependentes do calor das pessoas que amamos. Isso, sim, me faz muita falta.

Eu e André inventamos o abraço virtual. Com a câmera ligada, a gente bota o celular no peito, como se estivesse trazendo o outro pra junto. Ele dá risada. E dizemos tchau.

Eu já sou veterano de epidemias, que não são novidade nenhuma no mundo. Há nem tanto tempo, teve a do H1N1, que trazia preocupação, porque meu enteado, João, então adolescente, tem asma. Acabou pegando a gripe, felizmente sem consequências mais graves.

Quando eu era criança, na quinta série, lembro de ficar um tempo também sem aula, por conta de um surto de meningite. Houve uma extensa campanha de vacinação e a vida voltou ao normal.

Nenhuma epidemia, porém, foi tão importante, perigosa e mudou tanto o mundo quanto a da Aids. Posso dizer que tive sorte, porque, apesar de ser então bastante jovem, sempre fui de ter uma namorada só. Essa estabilidade provavelmente me salvou do destino de muitos da minha geração - entre eles, alguns amigos, parentes e conhecidos.

A Aids foi terrível porque, no começo, ninguém sabia da sua existência. O contágio era pelo sexo ou pelo sangue, algo mais restrito que epidemias espalhadas por via aérea como as gripes, mas, quando alguém se descobria doente, já estava marcado para morrer. Cazuza foi o símbolo dessa era, mas muita gente morreu assim.

A Aids mudou o mundo radicalmente. Levantou uma onda moralista e trouxe dias negros de discriminação contra os homossexuais, que eram as principais vítimas da doença.

Fez muita gente rever o comportamento. Por um longo tempo, instaurou o terror. Lembro de um amigo que entrou em casa certa noite, apavorado. Descobrira que uma garota com quem tivera uma noite de luxúria acabara de morrer da doença. Viveu desarvorado até receber o resultado do teste, felizmente negativo.

Eu mesmo fiz o exame. Abrir aquele envelope era como esperar de César o polegar, para cima ou para baixo.

O tratamento da Aids demorou a ser melhorado. Primeiro, procurou-se prolongar a vida dos pacientes. Surgiram os "coquetéis" de remédios.

Muitos ficavam enfraquecidos e morriam de doenças outras, chamadas de "oportunistas", que se instalavam por conta da queda de imunidade.

Pouco se fala hoje da Aids, em boa parte porque se conseguiu mantê-la sob certo controle, mas é uma das três doenças que mais matam no mundo, sendo a primeira a velhíssima tuberculose.

Estamos agora diante de outra epidemia em escala mundial. Exige cuidados e sacrifícios. Vai deprimir a economia, mas ela serve à vida humana, e não o contrário. A vida humana está acima do dinheiro. Sabemos que será duro, mas sobreviveremos.

Acredito que provaremos algumas coisas. Possuímos recursos que não existiam já nos anos do H1N1. Hoje, a economia gira em grande parte de forma virtual, o que nos torna menos dependentes do contato direto. A conscientização hoje é maior e a volta do cataclisma será mais rápida.

A pandemia pode ser também um remédio para uma sociedade globalmente estressada, tendendo para a cizânia. Hoje podemos enxergar melhor, acima das diferenças, que o destino de cada um de nós depende do trabalho e do comportamento harmonioso da coletividade.

Em vez de criar barreiras, estimular preconceitos e produzir discriminação, uma epidemia com esse alcance produz algo que anda em falta na sociedade contemporânea; união e solidariedade. Aquilo que define a própria noção da Humanidade. Só com ela poderemos continuar.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A tragédia brasileira


A palavra "tragédia" vem do seu original grego, trag-oidos, que quer dizer "o canto do bode". Isto porque, na Grécia antiga, o teatro saiu das antigas festas, onde os participantes cantavam e dançavam fantasiados de sátiros, homens com pernas peludas, patas e chifres de bode, símbolo masculino da depravação. Até que Téspis teve a idéia de colocar um "ator" para dialogar com o coro. Assim surgiu o teatro, que os grandes dramaturgos gregos como Ésquilo carregaram com as máscaras e conteúdo dramáticos. Daí a tragédia ganhou a conotação de catástrofe humana, no sentido mais amplo, como a entendemos agora.

Tudo isso para dizer que 2016 foi o ano de glória da tragédia brasileira. Como a tragédia grega, começou como festa: a lambança patrocinada pelo PT, seja com a distribuição descontrolada de benefícios à população carente, gerando uma bolha econômica de estouro previsível, seja com o saque puro e simples do erário para encher a burra do partido, de seus associados e um grupo seleto de empresários que, assim, acabaram todos atirando no próprio pé.

O conjunto da obra resultou na bancarrota do Estado brasileiro e na geração da crise que contabilizou já este ano cerca de 13 milhões de desempregados, para ficar no número até agora quantificável. Enquanto o povo estava satisfeito com com sua parte do butim, o governo corrupto continuou popular. Agora, na crise absoluta, os brasileiros vibram cada vez que vai um para a cadeia. Mas não há o que comemorar, nem como vingança.

A conta gerada pelos inconsequentes vai levar tempo para pagar. O governo do PT caiu, mas a tragédia não se encerrou aí, porque caiu o PT, mas ficaram os seus sócios. Num governo que em um breve tempo já teve um bom pedaço de seu ministério defenestrado também por corrupção, o novo presidente Michel Temer carrega as denúncias que pesam contra ele e seu partido, o ônus do desastre financeiro deixado pela antecessora e a falta de credibilidade de quem chegou ao poder no mesmo navio cujo naufrágio ajudou a patrocinar.

Parece outro governo, mas é apenas o monstro cuspido de dentro do antigo monstro. A tragédia brasileira promete ser duradoura. As reformas levadas adiante por Temer são muito questionáveis em todos os sentidos. Quer se reformar a previdência, jogando a conta para contribuinte, mas se escamoteia o fato de que o dinheiro da conta social é usado para tapar outros buracos. O teto nos gastos, a chamada PEC, não parece ser a solução para impor a disciplina fiscal.

Por fim, é verdade que a Justiça afinal começou a fazer seu trabalho e passou a colocar corruptos e corruptores na cadeia, mas até agora não existe nenhuma iniciativa para normatizar os financiamentos de campanha e reconstruir as instituições onde já se provaram espúrias.

A tendência é a paralisação do país em todos os sentidos, algo grave num país já abalroado seriamente pela crise.

Nem mesmo eleições diretas, que poderiam ser convocadas em caso de impedimento do atual presidente, parecem uma solução útil neste momento conturbado. Não existe no cenário uma liderança capaz de colocar o Brasil nos trilhos. Os caciques do PSDB, o partido de oposição, também estão em xeque, acusados de financimento escuso de campanha. Sobretudo, não existe um programa sólido para a reconstrução. Que aponte não apenas o corte e limitação de gastos, como redefina o papel do Estado brasileiro e volte a dar oxigênio para o nosso destrambelhado capitalismo.

A redefinição do Estado que se pede é orientadora do futuro: um governo que seja social de fato, investindo em educação, saúde e segurança nos seus três níveis, federal, estadual e municipal. Uma democracia de mãos mais limpas, com transparência na origem e finalidade do dinheiro, e que inviabilize a prática de financiar candidatos com o próprio dinheiro público que eles repassam a seus financiadores privados. O círculo vicioso que perpetua no poder a parcela mais retrógrada da elite brasileira.

E isso tem de ser feito num clima de reconstrução. É preciso um grande líder para realizar uma tarefa que, agora, quando se começa tarde demais, se tornou hercúlea.

Tragédias por definição sempre terminam mal e sempre podem ir mais fundo. Elas existem desde a Grécia antiga porque o espírito trágico está no próprio espírito humano. Os autores da festança estão indo para a cadeia, mas as consequências trágicas dos seus ruinosos interesses são para todos nós. Nossa é, portanto, a tarefa da reconstrução. Que venha 2017.

terça-feira, 5 de julho de 2016

O Brasil da Europa

Aeroporto de Antuérpia, onde desci num Fokker a hélice que me lembrou outros tempos, vindo de Londres. Uma fila maior para passar no setor de passaportes, outra menor, e eu, verdadeiramente distraído, vou na menor, é claro, e ao chegar ao guichê apresento meu passaporte brasileiro.

"Mas o senhor não viu que aqui é para passageiros da comunidade europeia"? - pergunta o homem da polícia federal deles. "Não", digo eu, erguendo os olhos para a placa. "Não tem problema", ele diz, e abre o passaporte mesmo assim. Pergunta o que vou fazer. "Estou acompanhando minha mulher, que é jornalista, vai escrever sobre as novidades no porto da cidade. " "Fica quanto tempo?", ele quer saber. "Dois dias." "Dois dias,mas que pena! É pouco!"

Saio com o passaporte na mão, carimbado, já meio desconfiado. Nao esperava tanta receptividade. Mas em Antuérpia todos dizem que estrangeiros são bem vindos. Inclusive para ficar por lá, se quiserem, para sempre. Como o Brasil, que também recebe qualquer estrangeiro de braços abertos. Até criminosos internacionais, como o simpático Ronald Biggs, falecido assaltante de trens na Inglaterra, que no Rio era celebridade e circulava no high society.

Na porta do aeroporto, devia estar o motorista do transfer reservado pela agência, que nos levaria ao hotel. Mas não havia ninguém: o saguão estava às moscas. Depois de quase duas horas de espera e alguns telefonemas, descobrimos que ele nos esperava, sim, no aeroporto - mas em Bruxelas. Tomamos um táxi. A Bélgica ia ficando estranhamente mais parecida com o Brasil.

Entramos um táxi comum: lá, uma Mercedes refrigerada. Para nossa surpresa, o motorista, um lourão com jeito de ex-surfista, fala com a gente em português. "Mas você é de Portugal?", pergunto. "Não", diz ele. "Este país é muito chato. Então tenho uma casa em Lisboa. Toda quarta-feira aqui tem um voo de 25 euros para Lisboa. Vou para lá." O belga fala mal de seu país assim como nós. Seu sonho também é ir embora. Só não se fica em Lisboa porque lá, segundo ele, não há emprego.

O saguão do hotel Radisson é bem diante da estação monumental de trem, um verdadeiro templo dos transportes, que os belgas inauguraram em Antuérpia para que todos os que estão de passagem prestem um pouco mais de atenção ali. Há um quase comovente esforço para agradar e chamar a atenção. A cidade, embora seja dentro do continente, graças ao rio Escalda é um antigo e célebre porto, hoje ultramovimentado, como uma das grandes portas para o comércio ao norte da Europa. Mas se acostumou a ver navios, ou melhor, marinheiros, que estão sempre de passagem. Hoje, na sua população de meio milhão de habitantes, há chineses, africanos e outros migrantes, além dos belgas, que parecem minoria. Mas ainda sinto no ar o cheiro do Brasil.

"Os senhores não têm reserva", diz o moço do balcão. Repetimos nome e sobrenome: é fácil o pessoal se confundir no estrangeiro quando entram no hotel brasileiros com nome de índio. Mas não foi essa a questão. A agência, a mesma que marcara a passagem aérea e o transfer, havia feito a reserva do hotel, sim, mas para o dia anterior. "Xi", pensei. "Não tem problema", disse o moço do balcão. "Os senhores podem deixar a mala aqui e dar uma volta, daqui uma hora estará tudo resolvido." E assim aconteceu.


A Bélgica é um país pequeno. Antuérpia é uma linda cidade, meio caótica, com um porto que representa a maior parte do município, mas tem um centro adorável, de edifícios antigos, onde se anda entre bares e monumentos históricos. O povo é acolhedor e faz de tudo pelo visitante. Parece o paraíso, como o Brasil. Mas é estranha essa sensação de que ali nada dá muito certo, ainda que haja sempre um jeitinho para resolver. O jeitinho belga. Primo do jeitinho brasileiro.

Esse não é o único traço do comportamento belga que me fez sentir em casa em Antuérpia. Fomos a uma recepção na prefeitura, um prédio clássico de pé direito alto, digno de reis e rainhas. Ali se realizam tradicionalmente os casamentos da cidade, no salão onde nos recebe o chefe do porto. Uma herança de tempos ricos, em que os belgas procuravam se equiparar aos franceses em riqueza e classe, amparados no movimento do porto e na tradição reluzente da cidade como centro mundial da lapidação e comércio de diamantes.

Diante de uma plateia internacional de jornalistas, o homem do porto começa seu discurso. "Vou falar agora o que direi amanhã, na inauguração da nossa eclusa, para o nosso rei", começa ele. "O rei não manda nada, mas quem interessa ouvir o que vou falar vai estar lá também." Paro, maravilhado. Ali está, mais uma vez, a vocação do brasileiro. Que ele confirma ao desdenhar também do prefeito. Diz que faz piada com o principal mandatário local porque controla "a maior parte da cidade". E responde, claro, pela sua economia.

Vestido num paletó bem cortado, com um cavanhaque aparadíssimo, está no cargo há dez anos e no dia seguinte vai inaugurar sua grande obra, pela qual diz ter lutado toda aquela década - uma eclusa que vai facilitar o trânsito de uma importante área de docas. O porto de Antuérpia foi criado por Napoleão e ficou fechado por três séculos, devido à pressão estrangeira. Agora floresce e está livre. Mas o homem ali me parece mais Odorico Paraguaçu, o político provinciano de O Bem Amado.

Reza a lenda que o porto não surgiu com Napoleão, e sim um gigante mitológico, chamado Antigoon. Esse gigante ficaria ao lado do rio e cobrava pedágio daqueles que queriam entrar na Europa por ali. A quem se recusava a pagar, Antigoon cortava a mão, atirando-a ao rio. Até que o herói Brabo cortou a mão do próprio gigante e a jogou no Escalda. Sua estátua está diante da prefeitura de Antuérpia. É uma bela estátua, erguida sobre uma base de vinte metros de altura. Mas no pé do herói, no dia em que o vi, trazia dependurada uma calcinha, que algum gaiato deu jeito de enfiar ali.



Para quem gosta de semelhanças, não podia faltar o futebol. A Bélgica era apontada como uma das grandes favoritas à Eurocopa. Juntou um time respeitado em toda a Europa, com jogadores que atuam nos principais clubes europeus. Do goleiro Cortois ao jovem astro De Bruyne, passando pelo hábil meio-campo Hazard, o cabeludo Fellaini e o aplicado Kompany, essa é tratada como a "geração de ouro" do futebol belga. Pois de saída perdeu da desacreditada Itália e acabou desclassificada diante do inexpressivo País de Gales. Como o Brasil, a Bélgica também superestima seus dotes e talentos no futebol. E consegue fiascos como os nossos, na história recente.

A Bélgica ainda não tem um nível de corrupção monstruoso como o brasileiro, a única coisa em que parece levar desvantagem diante do Brasil. Mas não deixei de me consolar. Saí de lá aliviado. Podemos ser um país meio esquerdo, mas não somos os únicos. Claro, a Bélgica é menor que o Estado do Rio de Janeiro. Mas está provado que gerenciar um país não é questão de tamanho. Você pode administrar qualquer coisa como o Brasil. Seja do tamanho que for. E acreditar que, no final, dá certo.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Levy contra a Hidra de Lerna

A presidente Dilma Roussef saiu da sala de reuniões com o pacote anti-crise negociado com seu ministro econômico. Funcionário de carreira do Bradesco, o ministro Levy não apenas representa o sistema financeiro: ele é o sistema financeiro. É como se o Bradesco estivesse intervindo na economia. Os banqueiros não podem deixar que alguém acabe com o país onde ganham o seu dinheiro.

A missão de Levy no governo é desconstruir o que o PT fez nos últimos anos, para recolocar a economia nos trilhos. Começa com a tarefa gigantesca de eliminar o déficit de mais de 30 bilhões de reais. Para isso, ficou resolvido um grande corte nos gastos sociais, justamente o trunfo eleitoral do PT nos últimos anos. A isso soma-se o congelamento dos aumentos no funcionalismo público por sete meses. O corte de uma dezena de ministérios. E uma tentativa de arrumar o resto do dinheiro com a reintrodução de impostos como a CPMF, o que depende de aprovação do Legislativo.
Levy com Dilma: esforço para andar para trás

Na tentativa de salvar seu governo, Dilma fez a única coisa que podia fazer: cedendo ao ministro e quem ele representa, começou a remar contra a corrente do PT. Contraria seu próprio partido, mas faz a escolha de estar ao lado da maioria, para poder governar. Antes refém do PT, ela agora é refém do sistema financeiro e do PMDB, que manobra a maioria no Congresso. Dilma precisa disso para aprovar o pacote. E precisa do pacote para sair da inação e recuperar alguma governabilidade.

A presidente ficou entre a cruz e a caldeirinha. Com o programa do PT, que está levando à recessão brutal, ao desemprego e à inflação, tinha contra ela as grandes manifestações de massa e um princípio de debandada nas fileiras ministeriais e na base aliada no Congresso. Agora terá a resistência de seu próprio partido e as promessas de guerra do funcionalismo público federal, que ameaça uma onda de greves. Transformada em uma máquina petista, a criatura agora se voltará contra o criador.

Num cenário de recessão, é difícil imaginar quem receberá aumento de salário nos próximos sete meses. Todos na iniciativa privada sabem que já será feliz quem mantiver o seu emprego. A máquina pantagruélica que o PT alimentou, porém, é cega e surda. Infelizmente para Dilma, não é também muda.

A demagógica máquina burocrática do PT no governo cresceu com ramificações em estatais corrompidas, se espalhou pelos estamentos da administração pública até ONGs, autodenominadas "movimentos sociais", que são apenas organizações subsidiadas com dinheiro público para formar um pelotão pró-governo. Com isso, tornou-se uma verdadeira hidra de lerna. O ministro Levy terá de ser um Hércules para matar as seis cabeças e enterrar a última - que, segundo o mito grego, é imortal.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Conquista do Brasil, a crise e o caráter do brasileiro



Encontro um amigo meu de longa data num jantar e ele me olha de cara feia. Acaba de ler A Conquista do Brasil. E explica: "Esse livro me fez mal".

Como pode um livro de história causar mal estar a alguém? Ah, porque ele não é exatamente um livro de história. Fala sobre a formação do Brasil e do caráter do brasileiro, do seu povo e de sua elite dominante. Em A Conquista do Brasil, aparece a origem de tudo o que assistimos hoje. Meu amigo desanimou-se porque viu que as nossas dificuldades são congênitas. E isso lhe tirou a esperança, sobretudo neste momento, em que mergulhamos numa crise profunda.

Podemos nos levantar novamente? Podemos construir um grande país? Podemos alcançar o progresso no caminho já trilhado de liberdade e democracia? Sempre acreditei que sim. Mas ler A Conquista do Brasil, ao mesmo tempo em que assistimos o que acontece hoje em nosso país, faz pensar na necessidade de mudanças profundas.

O brasileiro é formado em uma série de vícios. Claro que não se pode generalizar, mas temos de aceitar que somos uma Nação, e caminhamos coletivamente. Essa personalidade geral que nos conduz, cuja rota ainda não conseguimos mudar, porque exige uma mudança profunda de mentalidade, precisa ser reavaliada desde a raiz.

O que está acontecendo hoje é apenas mais um e danoso exemplo. Já sabíamos que havia corrupção no governo do PT desde o final do primeiro mandato de Lula. Na disputa eleitoral, o então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, desancou Lula em um debate na TV, apontando as mazelas morais de sua administração. O brasileiro sabia daquilo tudo. Mas reelegeu Lula, porque para o brasileiro a moral não é o mais importante. O Brasil estava indo bem, iria melhorar. E por isso o brasileiro entendeu que valia a pena fazer vista grossa para o que acontecia. Se o brasileiro estiver ganhando dinheiro, podem roubar. E repetiu o gesto ao eleger Dilma como sucessora de Lula.

Isso faz pensar que o grande problema de Dilma não são as denúncias que revelaram a extensão a que chegou a máquina de corrupção no governo federal e seus estamentos. Se a economia estivesse indo bem, tudo passaria em branco. O que o brasileiro não gosta é que mexam no seu bolso. Os mesmos que hoje levantam a voz, querendo derrubar Dilma, são os que se locupletaram na primeira década de governo do PT. Basta as coisas irem mal, para se usar a corrupção como instrumento para ameaçar o governo e as instituições. Como se vê bem com a seleção brasileira de futebol, uma expressão do caráter nacional, o brasileiro não sabe ganhar. E sabe ainda menos perder. Quanto a seleção ganha, somos o futebol genial. Basta perder uma partida e já querem demitir o técnico. Funcionamos assim.

O brasileiro se aproveita do poder, quando o tem, e cobra dele - não o bom comportamento, que ninguém tem, mas o resultado. O brasileiro está nesta terra para se dar bem. O brasileiro, na verdade, não existe.  Pensa no Brasil apenas como um lugar para ganhar dinheiro. E gastá-lo em Miami.

O brasileiro só respeita a lei quando está no exterior. Desvaloriza a lei em seu país, como se aqui não precisasse praticá-la, da mesma forma que os primeiros portugueses que se instalaram na colônia. Muitos deles eram criminosos deserdados que quiseram explorar a imensa riqueza de um território sem controle. Não é apenas o povo indolente e despolitizado que a elite formada a partir dessa gente se acostumou a explorar. É o própria sistema, que muda conforme os interesses.

Hoje o PSDB levanta o discurso do parlamentarismo, a mudança da lei, para tirar poder de Dilma. A oposição também é elite, sofre dos mesmos males de quem está instalado no poder federal. Quando a economia não vai bem, vale tudo, mesmo mudar as regras do jogo. O golpismo no brasileiro é atávico. E não é assim que se constrói uma Nação confiável. Nem um futuro promissor.

O Brasil só vai ter jeito quando deixar de ser essa terra de bandoleiros que só agem pelo interesse próprio. Quando tiver noção de respeito à lei e de coletividade. Quando o governante for controlado e obrigado a se manter trabalhando para o interesse público. Os políticos brasileiros não são ruins como classe. Eles representam o povo brasileiro, são sua expressão. Ou melhor, são expressão dos interesses de quem coloca o dinheiro em seu bolso para representar forças muito particulares.

A  maioria do povo brasileiro não tem representante no Congresso. Está lá a bancada da Bala, dos Evangélicos, dos Ruralistas, e assim por diante. Os partidos pouco significam. Não existem forças políticas em torno de ideias e projetos coletivos para o país. O brasileiro é imediatista e não existe um plano de longo prazo para a economia nem a diminuição da injustiça social.

O Brasil precisa parar de explorar o que acredita ser sua maior riqueza: seu imenso território e seus recursos naturais. A maior riqueza do Brasil é o povo, carente de tudo, que representa hoje um dos maiores mercados de consumo do mundo. Mas o brasileiro precisa ganhar para gastar aqui. Respeitar as leis daqui. Promover o bem daqui. Assim, somente, enfim teremos historicamente a oportunidade de fazer um grande país. E poderemos ler A Conquista do Brasil realmente como um livro de história, e não algo que nos desaponta e faz descrer no futuro.