terça-feira, 22 de abril de 2025

O Papa que sabia sorrir

O Papa morreu. Viva o Papa.

Um Papa vem atrás do outro, a história segue, mas um Papa não é igual ao outro.

Francisco morreu, mas não tem outro igual. Era latino americano, uma outra visão do mundo. Voltada para o lado mais pobre do mundo. Voltada para os erros da Igreja, que ele nunca escondeu. Ao contrário, procurou consertar.

Não fugiu do escândalo dos padres acusados de crimes sexuais. Enfrentou a mazelas da igreja. E as próprias, desde seu tempo de bispo na ditadura militar argentina, brilhantemente retratadas no belo filme de Fernando Meirelles, Dois Papas. 

Ele se opôs à guerra e não temia os senhores da guerra, os poderosos armados, que combatia com a autoridade de quem leva o Anel do Pescador, e a postura de amor, serenidade e uma certa leveza. Um pouco de saúde, uma presença curativa, restauradora, num mundo envenenado pelo ódio.

Ele olhava para os mais pobres e queria que a Igreja colaborasse com uma economia transnacional participativa, quase uma guerrilha contra o capitalismo digital, voltada para a simplicidade, a produção e a erradicação da miséria pelo mundo. 

Nadava contra a corrente de um capitalismo tecnológico que cada vez mais concentra a riqueza e exclui o ser humano.

Era um papa, sim, humano, que aproximou as pessoas de novo da Igreja, ou a Igreja das pessoas. Falava de futebol, da vida. Era um Papa que sorria. O Papa sabia sorrir.

Essa presença equilibrada, esse bálsamo num mundo belicoso e feroz, onde o estresse vai levando muita gente à loucura, e a violência, a mentira, o absurdo se tornam normais, simplesmente se foi. Como tudo. 

Num mundo de retrocessos, a Igreja com Francisco avançou. Por mim, ele podia ficar como Papa eterno, assim como Jesus. Mas até Jesus é usado hoje para defender interesses e promover o ódio. Jesus.

Fique com Deus, meu caro Bergoglio. Você mostrou que é possível seguir o bom caminho. É triste, porém, que bons Papas morram; hoje, quando duvido de tudo, eu penso: e agora, o que será de nós?


quarta-feira, 16 de abril de 2025

O estrangulador e o jornalismo


Parece um filme sobre um psicopata, mas é sobre jornalismo. E que grande filme. aqueles de final imprevisível, apesar de contar uma história real da década de 1960. E de eu já ter visto um outro filme, há muito tempo, como Tony Curtiss como o “estrangulador”. Não é uma refilmagem. Nem uma reinterpretação. É uma outra história.

Ridley Scott faz blockbusters, como Gladiador II: a fórmula de fim previsível, apesar de bem feita, entretenimento para as grandes audiências. No estrangulador, como produtor, Scott faz cinema profundo, questionador, perturbador, essencial.

O papel da mulher e do Jornalismo se mesclam numa sociedade em que se perdeu o valor da mulher, do trabalho, e do Jornalismo. O estrangulador de Boston conta essa história, como um resgate.

A repórter da seção de estilo de vida de um jornal americano que resolve desvendar uma série de crimes bárbaros em Boston move todas as camadas da sociedade: fala sobre a mulher no trabalho; fala de chefes com preguiça de fazer o seu serviço; fala da polícia e do sistema judiciário; fala sobretudo da sociedade, seus criminosos e seu jeito estranho de lidar com eles.

Para jornalistas, como eu, é um filme arrepiante. Para quem não quer dar as costas para a realidade, que o Jornalismo traz à tona, é um repasto. O papel do jornalismo; o amadurecimento da repórter; a descoberta de como as coisas funcionam, que se confunde com o amadurecimento da própria vida humana: está tudo lá.

Por esta razão, o repórter tem de ser jovem: tem o entusiasmo e sobretudo a ignorância necessários para fazer o seu trabalho. Ele ainda quer saber, ao contrário dos velhos chefes, que já viram de tudo, e querem apenas a segurança do emprego, chegar em casa e tirar os sapatos.

Jovens ainda têm o gosto da busca pela notícia: querem construir seu espaço, fazer algo de seu; rompem regras, restrições; rompem preconceitos, rompem suas limitações. É o que se exige do trabalho de reportagem.

Poucos jornalistas ficam na reportagem para sempre, especialmente na desgastante área criminal. Alguns vão para cargos de chefia, outros se afastam da profissão, ou procuram uma atividade correlata no mundo da comunicação.

Já o repórter é a alma do Jornalismo. É preciso que ele mantenha seu entusiasmo juvenil pelo mundo; precisa da inocência, que o faz querer perguntar sobre tudo, sem saber a quem vai ofender ou ameaçar, seja pessoa, interesse ou autoridade.

A vida se repete, o jornalismo também, cansa e parece que morre, mas cada vez que nele entra um jovem disposto a dar um furo, o Jornalismo renasce.