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domingo, 2 de julho de 2017

Um jornalista no próprio centro

Lá pelos anos 90, Paulo Nogueira queria ser escritor. Escrever ficção, romances policiais, aqueles tipo B (era fã confesso de Graham Greene). Não deu certo: a carreira executiva o ocupava demais, foi mais longe do que o costume para quem gostaria apenas de ficar escrevendo. Ele também não recebeu atenção das editoras. E desistiu.
Vivia me dizendo que ficção não dava dinheiro e, a única mágoa que escondia, não quis mais saber do assunto, nem quando dirigiu uma editora de livros inteira (a Globo) para publicar o que quisesse. Preferiu lançar um romance meu, Campo de Estrelas, que, não por coincidência, fala do câncer.
Como pequena compensação, ou por diversão, lá nos anos 90, quando desistiu do romance (e de outras coisas) criou um pseudônimo, Fabio Hernández, que colocou como colunista primeiro na antiga revista VIP, que dirigia, para falar o que ele achava serem as verdades masculinas. Especialmente na boca de um tio, que não sei se era verdadeiro ou um alter ego dele mesmo.
Minha homenagem pelo seu passamento é essa pequena revelação da sua identidade (nem tão secreta assim) e a sugestão de leitura de um texto típico de Paulo Nogueira/Hernandez, onde ele fala mais de si mesmo do que qualquer outro poderia.
(Veja ao final link do site El Hombre, por sinal de um filho dele, que parece seguir bem os passos do pai. Certamente o Paulo ficará lá, na arquibancada).
Eu e o Paulo divergimos em muita coisa, mas aprendi a respeitá-lo. Assim como acho que ocorreu pelo lado dele. (Suas últimas palavras para mim, depois que lhe mandei a capa de meu romance Anita, foram, pelo Messenger: "looks good".
Passei a respeitar Paulo, primeiro, por sua humanidade e solidariedade na doença (quando eu fiquei doente, depois dele, quando adoeceu a primeira vez). Era surpreendente como alguém que podia ser às vezes tão prepotente podia também ser tão afetuoso. Algo que hoje, olhando para o exemplo dele, já não me parece um paradoxo.
Segundo, respeitei Paulo pelo talento para escrever. Era um jornalista que, contrariando um princípio da profissão, não entrevistava ninguém: seguia suas próprias ideias. Dirigia revistas e inventou um site de sucesso sem praticamente sair da sua cadeira.
Inicialmente um blog, o Diário do Centro do Mundo referia-se a Londres, onde ele foi morar, quando todas as caravelas que podia pegar no Brasil estavam para ele queimadas. Mas, para quem o conhecia, o nome era uma irônica referência a ele mesmo. O centro do mundo tinha nome e sobrenome. E assim, do seu centro particular, gostando-se do conteúdo ou não, ele conseguiu fazer um site que no último mês de vida de seu criador teve mais de 3 milhões de visitas, com 15 minutos de média de leitura por view.
Paulo foi ainda, e não menos importante, um esportista apaixonado, que jogava futebol e tênis mesmo puxando um pouco de uma perna, o que eu achava ser essencial e simbólico em sua biografia. Paulo lutou por sua vida e suas ideias com paixão, acima dos seus defeitos, das mazelas humanas e da opinião alheia.
Sim, paixão. Aquela força que é a razão de todos os sucessos, assim como de todos os fracassos, que ele igualmente conheceu.

http://www.elhombre.com.br/a-maior-plateia-de-um-homem-e-seu-pai/







segunda-feira, 18 de julho de 2016

Desnudando a Playboy

Está saindo do forno um livrinho tão delicioso de ler quanto importante e expressivo do jornalismo brasileiro. "Histórias secretas: os bastidores dos 40 anos de Playboy no Brasil" é uma coletânea de textos de alguns dos principais colaboradores de Playboy, no longo período em que foi publicada pela Editora Abril. Entre eles, eu, integrante da ilustre e seleta galeria dos jornalistas que tiveram pela frente o desafio de dirigir a revista.

Pela primeira vez, se pode ter uma boa ideia de como era feita a "revista mais gostosa do Brasil".

Vista pelo lado de dentro, (ou tirando a sua roupa), ao contrário da imagem corrente de "o melhor emprego do mundo", Playboy na verdade era trabalho muito árduo. Somente graças a um imenso esforço coletivo, em redações sucessivas de gente muito competente, se estabeleceu na publicação brasileira um padrão de excelência ímpar, assim reconhecido pela matriz americana.

As "Histórias Secretas" são crônicas instigantes e elucidativas sobre como Playboy funcionava. O relato daquilo que não deu certo é tão ou mais interessantes do que o daquilo que deu certo. Nesse mosaico, esboça-se o quadro de uma era  destinada a nunca mais se repetir, tempos que hoje podemos chamar de pioneiros do papel impresso. Por isso, o livro ganha contornos de documento histórico.

Uma das virtudes da obra, ao mostrar quem fazia a revista, é justamente jogar luz sobre o outro lado: aqueles que trabalhavam para jogar luz sobre os outros, tanto as estrelas que ilustravam os ensaios sensuais como as celebridades que povoavam suas páginas em entrevistas e reportagens. Pode-se assim ter uma boa ideia de como Playboy decolou, firmou seu padrão de qualidade, inclusive em jornalismo, e das condições de seu declínio, até ser encerrada na Editora Abril.

Esse é o capítulo que faltou ao livro: falar um pouco mais sobre o grande defensor de Playboy na Abril, que foi seu editor, Roberto Civita. Com sua morte, a empresa perdeu não somente  o homem que trouxe Playboy ao Brasil como foi seu sustentáculo, até o dia de sua morte.

O caso de Playboy é significativo de uma era de ouro da imprensa brasileira. E revela que a morte das publicações não ocorre apenas em função da mutação das mídias, como à perda de seus líderes e à incapacidade de adaptação às transformações sociais e de mercado. Uma das funções do jornalismo é refletir e comprender os tempos e o público leitor. Por isso, Playboy é um interessante estudo de caso para a imprensa refletir sobre si mesma. Se quiser mesmo subsistir.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

A política e a máfia


Na reunião dos jurados do 59o. Esso, entre os quais eu me encontrava, não houve a menor divergência sobre qual reportagem levaria o prêmio máximo. O Esso de Jornalismo de 2014 ficou com Leonencio Nossa Jr, de O Estado de S. Paulo, que publicou em 13/10/2013 a matéria Sangue Político, resultado visível de uma longa apuração, da qual surge um retrato macabro da política brasileira.

De acordo com o levantamento feito pelo repórter, um político morre no Brasil a cada 11 dias, se a média for tomada desde 1.979. Foram 1.133 mortes de representantes públicos eleitos pelo menos uma vez nesse período. Nos últimos anos, o número de mortes aumentou. Um mapa das incidências mostra ainda que, ao contrário do que ocorria no passado, quando a lei parecia faltar somente nos rincões do sertão brasileiro, os crimes envolvendo políticos se mostram bastante distribuídos por todo o país, incluindo grandes centros urbanos de Estados como Rio, Minas e São Paulo.

Os assassinatos de políticos se devem, em alguns casos, a rixas locais que poderiam ser classificadas quase como crimes passionais. Porém, fica claro que a maior parte desses crimes é o resultado mais visível e extremo de disputas por poder e sobretudo dinheiro - acertos de contas, conquista de território e consequência de obscuras negociatas. O que a reportagem não diz, mas concluímos a partir de sua leitura, é que a política no Brasil vem sendo tomada pelas variedades da máfia - incluindo no que diz respeito aos métodos que ela utiliza para resolver conflitos de interesse.

O levantamento do Leonencio aponta para a maioria dos partidos, sem distinção. Deixa claro que mortos e mandantes não estão longe dos políticos de Brasília. E, dado mais estarrecedor, revela que cerca de 70% dos crimes políticos nem sequer são investigados pelo Ministério Público. Não parece ser um caso de incapacidade, ou excesso de trabalho. Em geral, os crimes, pela própria notoriedade dos envolvidos, dispararia o processo de investigação. Se isso não ocorre, é certamente porque quem teria o trabalho de investigar se sente inseguro ou impotente o bastante para não querer mexer com o assunto. A máfia na política é tão violenta e influente que obstroi ou intimida o trabalho da Justiça.

O júri do Esso decidiu destacar esta reportagem em especial devido ao entendimento de que, sem soluções para a política brasileira, infestada pelo crime nas suas mais variadas formas, será difícil resolver qualquer outro problema do país de maneira eficaz, seja de segurança, saúde e educação. Enquanto o dinheiro público for objeto de disputa de organizações criminosas, boa parte dele deixará de ser alocada realmente no bem público.

É preciso fazer retornar a lei ao seio do Estado, bem como restaurar o espírito do servidor público, dentro do jogo democrático, de forma pacífica e civilizada. O Brasil não pode se tornar uma terra de bandoleiros que se impõem pela intimidação e a simbiose com o poder constituído. As instituições estão aí para prevalecer sobre o crime - a começar pela própria imprensa, que vai fazendo o seu trabalho.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A imprensa está de pé



Este ano, fui convidado pela segunda vez a participar do júri do Prêmio Esso de Jornalismo, agora em sua 59a. edição, uma ocasião especial para analisar e discutir o nível do jornalismo que se tem praticado no Brasil.

O Esso, patrocinado pela Exxon Mobil, que já não usa essa marca no mundo inteiro, exceto aqui no Brasil e exclusivamente no tradicional prêmio, ainda é o maior e mais prestigioso galardão do jornalismo do país, que eu já tive a oportunidade de receber, além de colaborar com outros ganhadores nas equipes que liderei. Uma fina elite da imprensa que teve a sorte de ter seu trabalho reconhecido dessa forma, como estímulo para continuar o seu trabalho.

Para mim, esta edição teve um prazer especial: conheci pessoalmente Paulo Sotero, correspondente do Estadão, uma respeitável e carimbada figura da imprensa brasileira. Quando comecei minha carreira no jornalismo, ele já era uma estrela. No jornal onde trabalhei pela primeira vez, a Gazeta Mercantil dos idos de 1.986, que tratava seus principais jornalistas como verdadeiros astros, Sotero era um semideus. Estagiário da seção de nacional, eu tinha como uma das minhas tarefas "pentear", entre outros, os textos de Sotero. Explica-se. Naquele tempo, os textos de sucursais e do correspondente vinham por telex, uma máquina que reproduzia o texto sem acentuação nenhuma - til, ponto final, cedilha. Aquilo tinha de ser colocado à mão. Eu não mexia nos textos de Sotero - nem pensar. Porém, tudo o que ele escrevia passava pela minha mão.

Mais tarde, tornei-me repórter de Nacional e comecei a escrever meus próprios textos. De lá para cá, foram quase 30 anos de jornalismo, em veículos como Veja, Exame, Estadão e, mais recentemente, o livro. Considerando o ponto em que comecei, é uma honra dividir a mesa dos jurados do Esso com Sotero, uma pessoa afável, um bom contador de histórias e um repórter incansável, que nas conversas ao redor do cafezinho fazia questão de dizer o assunto de sua coluna no jornal do dia seguinte. Para um jornalista, o assunto em que se empenha é sempre a coisa mais importante do mundo. Sotero viu a imprensa mudar, mas se conservou essencialmente jornalista, como deveria permanecer o jornalista em geral, independentemente da mídia onde atua, se digital ou em papel, ou do veículo.

Eu mudei nesses 30 anos, como a imprensa mudou, mas uma análise do material coletado para o prêmio mostra que, apesar da proliferação de conteúdo exclusivamente digital, o melhor jornalismo ainda é feito pelos veículos mais tradicionais da imprensa, que vêm da era do papel. São eles que mais investem em reportagem, em séries mais longas ou que demandam um esforço maior de investigação. Veículos como Zero Hora, O Globo e Estadão produziram excelente material, bem como outros veículos que, mesmo sem terem sido premiados, foram capazes de mostrar este ano que a imprensa, embora em busca de novos mecanismos financeiros, ainda é a maior fonte de informação confiável, profunda e independente da era contemporânea.

A internet deu grande liberdade de acesso à informação, mas produziu também muita margem para a deturpação, a difamação e o opinionismo. Tornou-se um vasto campo para difusão de versões e o conflito de interesses. Creio que isso só serve para acentuar a importância de veículos que buscam o bom jornalismo, na forma da reportagem - a informação exclusiva, de primeira mão, apurada e checada, com a máxima isenção possível, a serviço do leitor. Quanto mais se espalha a nuvem de dissimulações produzida pela rede virtual, mais e mais o público leitor percebe que a imprensa não deixou de ter o seu valor e que, não importa se em papel ou no meio virtual, é um bem imprenscidível, pelo qual se pode e se deve pagar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Isto não é o fim da imprensa



A imprensa, um dos pilares essenciais da comunicação e da democracia, é uma indústria como todas as outras – com a única diferença de que seu produto é a notícia. Muito se tem especulado sobre o futuro da imprensa na internet, que tirou das grandes empresas o monopólio dos meios de distribuição. Porém, uma indústria não deixa de existir quando mudam os meios de consumo. Deixa de existir, isso sim, quando deixa de fazer o seu produto.

Um exemplo de como isso está acontecendo. Há duas semanas, um amigo meu veio com a informação de que a prefeitura de São Sebastião tinha aprovado um plano diretor pelo qual seria derrubado um bom pedaço de Mata Atlântica em área de proteção ambiental na praia de Maresias, em São Paulo. Procurei um grande jornal de São Paulo que pudesse se interessar pela notícia. Um editor com quem entrei em contato me forneceu o e-mail de um segundo editor do mesmo jornal. Este me respondeu, dizendo que esse assunto era com uma terceira pessoa. Escrevi para o terceiro profissional. Esse sequer me respondeu.

Esse episódio me lembrou outro, de quando eu era editor de assuntos nacionais na revista Veja e recebemos um telefonema anônimo, dando conta de que um soldado da base militar de Anápolis estava sendo torturado. Por dever de ofício, mesmo sem a identificação do denunciante, fomos apurar. Uma hora depois do telefonema, eu enviava para lá Celson Masson, então repórter da sucursal de Brasília.

Celso voltou de Anápolis sem encontrar nada. Na semana seguinte, ainda com aquela história na cabeça, pedi autorização da direção da revista para fazer nova despesa: mandei o repórter para Anápolis novamente. Dessa vez, num golpe de sorte, perguntando na rua, Celso Masson achou o soldado. Esperou sair do hospital, onde havia sido isolado pela aeronáutica até que se aliviassem as marcas da tortura. Com a publicação da história, os chefes da base aérea passaram por um tribunal militar e foram afastados e punidos. Idem os policiais da delegacia civil que tinha sido utilizada para a tortura. E, com aquela reportagem que mostrava a sobrevivência da tortura mesmo depois do fim da ditadura, Celson Masson ganhou o prêmio Esso de jornalismo daquele ano.

Tudo isso por que atendemos e demos a devida atenção a um simples telefonema.

Faço essa comparação para dizer que o jornalismo tem acabado não por culpa da internet, mas das empresas e seus jornalistas, muitos dos quais esqueceram qual é o seu trabalho. Ouço muito de colegas veteranos que hoje os repórteres não saem do computador. Não vão aos lugares onde as coisas acontecem nem conhecem seus entrevistados pessoalmente. Basicamente, se faz muito pouca reportagem. Em consequência, os jornalistas pouco têm a apresentar além do que qualquer blogueiro diletante.

A indústria da imprensa no Brasil também tem deixado a desejar na solução de problemas em outras áreas do negócio. Reclama-se que a internet não dá dinheiro, especialmente porque as pessoas não estariam dispostas a pagar por conteúdo exclusivo na internet. Vale lembrar outra história do passado. Há cinquenta anos, quando Roberto Civita entendeu que precisava de anunciantes para sustentar suas revistas, e para lhes garantir circulação devia ter um sistema de assinaturas, teve de montar uma rede de distribuição de revistas impressas por todo o país.

Mais: precisou convencer as pessoas a pagar adiantado por um produto que ainda não tinham visto, e só receberiam ao longo do ano. Diante do colossal esforço empreendido pela Editora Abril para criar o sistema de assinatura da revista impressa, que fez da empresa líder absoluta do mercado, não me parece tão difícil convencer hoje leitores a fazer uma assinatura de jornal pela internet, onde se tem o retorno imediato do serviço, acesso ao banco de dados completo e não é preciso esperar pelo caminhão de revistas ou o jornaleiro.

Outro mito que se desenhou sobre o destino da imprensa é que a multiplicação de fontes de informação aumentou a concorrência – onde antes se recorria apenas a dois ou três veículos, hoje se pode utilizar uma multiplicidade de fontes que, entre outras coisas, replicam o conteúdo dos jornais sem pagar por ele. Isso se enfrenta, por um lado, com o combate à pirataria, impondo sanções. Por outro, fazendo um jornalismo sério, que leva um leitor a ser fiel à sua fonte de informações, aquela em que acredita e com a qual pode se identificar. Sim, a internet tem muita coisa - mas tem pouco jornalismo de verdade.

Não se trata de saudosismo, ou de comparar momentos diferentes. Nem é caso de reinventar nada. Os tempos mudam, sim, e a mudança tecnológica destes nossos tempos representa uma enorme reviravolta na comunicação. Porém, os princípios que regem o interesse das pessoas, a necessidade de informação confiável e as bases profissionais do jornalismo não mudaram. É preciso apenas recolocar a imprensa num ambiente que, em última análise, apenas eliminou o papel e facilitou o acesso à informação, nacionalizando e mesmo internacionalizando todos os veículos – o que, em vez de diminuir, só aumentou seu potencial.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Os jornalistas viram suco

Vejo no Facebook que uma jornalista, minha conhecida, abriu uma lanchonete. Sei de outros colegas de profissão que andam quebrando a cabeça sobre o que fazer do futuro, agora que o mercado formal de trabalho na imprensa convencional - jornais, revistas e mesmo na internet - encolheu como nunca.

Isso me lembra outra história, em outro momento, quando eu ainda saía da faculdade, em meados dos anos 1980. Na época, o Brasil andava numa crise danada, e não havia mercado para os engenheiros. Eles se formavam, mas não encontravam emprego. Sem dinheiro, o país estava parado: não havia obras, civis ou públicas. E ficou famoso, na época, um bar especializado em sucos naturais, aberto na Avenida Paulista, que se chamava, não por acaso, "O Engenheiro que Virou Suco". Um boteco com um dono altamente qualificado, mas sem espaço no seu próprio mercado. Havia então engenheiros dirigindo táxis e fazendo uma porção de outras coisas que nada tinham a ver com sua formação.

O grande problema dos veículos de mídia é um só. Numa época em que a distribuição das notícias não depende de altos investimentos em papel, gráfica e logística, ficou também fácil copiar e redistribuir conteúdo de qualidade. É inviável para a empresa jornalística fazer o seu trabalho - pagar um jornalista profissional, mandá-lo fazer a reportagem em algum lugar, numa empresa com todos os custos formais - para em cinco minutos perder a exclusividade sobre a notícia, que é imediatamente copiada e reproduzida exaustivamente por todos aqueles que não gastaram nada em sua produção.

Esse dilema da mídia impressa é dividido com a publicidade, que está ficando sem seus veículos habituais e, pior, cada vez mais é deixada de lado por clientes que dão sua informação publicitária - uma forma de notícia - diretamente para o cliente, por meio das ferramentas da rede social.

Mesmo os portais, um serviço de informação que já nasceu supostamente vocacionado para a internet, têm dificuldade de subsistir, com redações grandes e o desafio de atrair anunciantes. A pergunta é: o que será do jornalismo e do jornalista na era virtual?

Existem alguns casos exemplares, que mostram como o jornalismo está mudando, ou para onde pode ir. Glenn Greenwald (foto abaixo), o jornalista que foi o primeiro a dar as notícias sobre a espionagem americana no Brasil, especialmente nos negócios da Petrobras, é um americano que mora no Rio e passa uma parte do seu tempo na praia, passeando com o cachorro ou seu namorado brasileiro. Ele foi escolhido pelo ex-espião Edward Snowden para receber seu dossiê por três razões: 1 - No Brasil, está fora do alcance da pressão americana; 2 - É um vigilante permanente do governo americano; 3 - Seu blog está abrigado sob o guarda-chuva de um jornal de prestígio: o The Guardian.



O que se pode deduzir do jornalista mais bem sucedido dos últimos tempos é que existe uma tendência maior de os jornais serem aglutinadores de jornalistas espalhados pelo mundo, que não ganharão um salário, e sim um "frila fixo" para estarem sob o abrigo de uma marca de imprensa. Os custos caem para as empresas, que deixam de arcar com uma série de despesas. E os jornalistas não ficam à míngua. Os interesses são os mesmos: o jornal garante conteúdo exclusivo (pelo menos por alguns minutos) e de qualidade, além de atrair leitores com profissionais de renome. E os jornalistas ganham mais leitores trazidos pelo tráfego do jornal, que funcionaria assim como uma espécie de Hub de notícias.

No caso Snowden, o Guardian chegou a investir na reportagem - pagou uma passagem para Glenn encontrar-se com sua fonte de informação na Ásia. Quer dizer que o modelo do jornalismo mudou, mas o jeito como se faz o bom jornalismo, não. É possível ainda fazer bom jornalismo nos moldes atuais. E os investimentos necessários para tê-lo.

Claro que o bom jornalismo é e continuará sendo sempre necessário. As pessoas já perceberam que a internet é um mar reprodutor de boatos e erros grosseiros de informação e que informação qualificada custa - é um serviço essencial á sociedade pelo qual temos de pagar. Porém, a transição do modelo de papel, que vem encolhendo a olhos vistos, e esse futuro em um estágio auto-sustentável ainda pode demorar a acontecer. Vender suco talvez não seja o ideal de vida para um jornalista, mas talvez não existam muitos outros meios para aqueles que não se adaptarem ao novo manejo da profissão.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O legado de Civita


Em 1999, o financista aposentado Geraldo Forbes estava na mesa que lhe era diariamente reservada no restaurante Fasano, em São Paulo, quando entrou no salão o editor Roberto Civita. Conhecidos de longa data, Geraldo chamou Roberto à sua mesa. Cumprimentou-o e apontou, almoçando à sua frente, a filha Alexandra Forbes, que trabalhava, na época, em VIP. A revista, que fazia pouco deixara de ser um suplemento de Exame, então andava explorando aspectos mais bizarros do sexo para chamar a atenção. Geraldo não gostava nada daquilo, embora Alexandra fizesse, na publicação, somente a função de crítica gastronômica. “Roberto, quero te apresentar minha filha Alexandra, que trabalha numa de suas revistas, a VIP” , disse ele. “E quero também te dizer uma coisa: eu tenho vergonha de dizer que ela trabalha na VIP!” Roberto não se fez de rogado. Abriu seu sorriso de sempre e, com o sotaque levemente americano que o caracterizava, disse, simplesmente: “Se você tem vergonha de dizer que ela trabalha nessa revista, imagine então eu, que sou o dono dessa revista!”

Panache é uma maneira elegante e espirituosa de sair de situações difíceis ou delicadas. Ela define o homem, porque vem não somente da educação como de uma atitude perante o mundo. É um refinamento do verdadeiro cavalheiro, ao qual poucos chegam. Este pode até passar por apuros, mas não deixa de encarar a vida com certa leveza. É digno e, na vida prática, creio que funciona melhor. Roberto Civita tinha panache. Aparecia nas diversas situações que tinha de enfrentar, muitas como editor, especialmente em Veja. Não fosse isso, provavelmente teria muitas vezes deixado de lado suas convicções. Roberto sustentava corajosamente pontos de vista, mesmo quando pareciam ser os mais quixotescos, como se não fosse nada. “Os leitores que gostam compram”, disse certa vez, ao discorrer sobre a necessidade do editor de mostrar claramente o seu ponto de vista nas capas de Veja. “Os que não gostam, passam para ler outra coisa.”

Esse mesmo espírito aparecia nas decisões empresariais. Quando a Abril passava por uma séria crise financeira, em meados dos anos 1990, os consultores contratados pelo próprio Roberto diziam que era preciso cortar gastos, começando pelo overhead – os executivos e jornalistas que pertenciam à cúpula da empresa. Numa reunião, onde estes se encontravam todos presentes, ao chegar ao assunto dos cortes na diretoria, Roberto se levantou da mesa. “Eu vou embora, e vocês resolvem aí quem é que vai sair”, disse ele. “Eu simplesmente não consigo me livrar dos meus idiotas de estimação.” E saiu mesmo, deixando uns olhando para os outros, em silenciosa perplexidade.

Um dos que se tornaram ex-executivos da Abril, o jornalista Antonio Machado, lhe mandou um e-mail quando a Abril vendeu para a Folha da Manhã sua participação no UOL por um bom dinheiro, em 2001. Antonio lembrava que Roberto era descrente dos negócios da internet, e que ele, Antonio, levara adiante a primeira incursão da empresa no mundo virtual (o "Brasil Online, BOL), de forma que naquele momento podia colher o resultado. “A minha participação nessa venda eu deixo a você como doação”, escreveu Antonio. Roberto lhe enviou uma resposta, dando-lhe toda razão, reconhecendo o fato de Antonio ter insistido com ele para levar adiante o portal na internet. Assinava, no final, “Roberto”. Embaixo, um PS: “E muito obrigado pela sua doação!”

Roberto Civita faleceu no dia 26 de maio último. Assim como Ruy Mesquita, de O Estado de S. Paulo, falecido pouco antes, deixa no ar a sensação de que uma certa era da imprensa vai indo embora junto com seus ícones. Porém, Roberto deixa um legado importante para a imprensa, além do conjunto de seus negócios, que se espalham pelo meio do livro, da revista, da TV e dos veículos digitais. É algo mais impalpável, porém mais duradouro: o respeito à verdade, a coragem, o compromisso com o Brasil e com o leitor, que é o brasileiro. Deixa um modelo de imprensa exemplar e também de comportamento, que me lembra que mesmo para mover montanhas é bom ter um sorriso no rosto e algumas palavras gentis.

domingo, 21 de junho de 2009

A democracia ameaçada


Não é apenas a profissão do jornalista que está em risco

Em seu arrazoado em defesa da extinção do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, fez uma bela comparação. Disse que qualquer um pode trabalhar na cozinha de um restaurante sem diploma. E que no jornalismo seria da mesma forma: como se jornalismo fosse como fazer um coq au vin ou um virado de feijão.


Talvez o ministro Gilmar Mendes tenha uma certa razão. Se não é preciso qualificação para ser presidente do Supremo Tribunal Federal, porque ela seria necessária no caso de um simples jornalista?

Ao determinar o fim do diploma, num retrocesso de décadas, o STF consagra a tese dos donos de jornais e revistas no Brasil. Os patrões da imprensa encontram sempre um motivo nobre para ocultar seus interesses comerciais – o chamado vil metal. Alegam que a necessidade de diploma para o exercício do jornalismo cerceia a liberdade de expressão. Uma coisa, porém, não tem qualquer relação com a outra.


Liberdade de expressão é o direito de cada um dizer o que pensa. Ninguém pode ser preso ou discriminado por suas idéias – nem mesmo um nazifascista. A liberdade de expressão é uma conquista da civilização moderna, da qual a imprensa é apenas uma parte. A imprensa livre e profisisonalizada deve-se abrir a opiniões e pontos de vista contrários, à palavra do cidadão, do cronista, do comentarista. Mas não pode abrir mão da profissionalização.


A liberdade de expressão foi alcançada também muito com a ajuda da imprensa profissionalizada, que abre espaço para opiniões diferentes e respeita princípios éticos, pilares da imprensa livre e da própria democracia.


As faculdades de jornalismo foram criadas para fazer com que o futuro profissional do jornalismo passe necessariamente pelo aprendizado desses princípios, além da técnica. A necessidade do diploma específico reafirma a responsabilidade do jornalista, assim como o diploma de engenheiro é pré-condição para alguém fazer ou executar o projeto de uma ponte.


O problema é que quando uma ponte cai, a responsabilidade do profissional que causou o desastre fica evidente, assim como suas consequências. O dano causado por maus jornalistas não é tão evidente. Porém, não pode ser considerado menor. Um mau jornalista pode, inclusive, causar mortes. Fazer caírem pontes. E causar confusões ainda piores.


Num momento de transição da mídia em papel para o meio eletrônico, o que os veículos querem é apenas abrir as portas do mercado para rebaixar salários. Esquecem que assim rebaixam também a qualidade dos profissionais, justo num momento em que mais se pede a disseminação do bom jornalismo, agora que a informação vem se expandido na forma de blogs e outros veículos de informação pela internet. Assim, enquanto miram numa vantagem financeira imediatista, os editores cavam sua própria sepultura nesse tipo de negócio.


O fim do diploma do jornalista coincide, também pelas mãos do STF, com o fim da lei de imprensa. É certo que ela foi redigida no tempo da ditadura militar, mas o fato é que a imprensa se torna no Brasil cada vez mais uma terra sem lei. O STF argumenta que a imprensa deve criar um sistema auto-regulatório, como ocorre com a propaganda, que coibe abusos por meio de um conselho, o Conar. Esse caso, porém, não é assim tão simples.


Nenhuma regulamentação de qualquer atividade profissional suprime o que está na Constituição – é apenas a regulamentação de uma atividade profissional. Não se pode misturar as duas coisas. O diploma do jornalista nunca foi impedimento para a liberdade de expressão, muito pelo contrário.


Da mesma forma, não se pode ficar sem uma lei de imprensa, alegando que se trata de um “resíduo ditatorial”. Não se pode imaginar um mundo perfeito em que a liberdade plena jamais causará danos a terceiros de maneira eventualmente injusta. É preciso preservar a liberdade de imprensa, mas não se pode permitir que ela seja uma plataforma de defesa para a prática do achaque, da calúnia, ou da interpretação de fatos em benefício de interesses privados.


Por outro lado, não se pode prmitir tambem que a imprensa livre seja coibida por uma onda de processos sem cabimento. A ausência da lei específica deixa margem ao seu cerceamento por via judicial, com aliás já vem ocorrendo.



Desse jeito, aquilo que se apresenta como o regime de liberdade total vira terra de ninguém, zona de bandoleiros, em que o cidadão está à mercê de quem detém o poder dos meios de comunicação – contra os quais nada se pode fazer. E, agora, também de jornalistas de qualidade indistinta que não passaram necessariamente pelo crivo elementar da educação.


Assim como a liberdade de expressão, é parte da democracia também o direito de defesa, de proteção da privacidade e da honra. Democracia não quer dizer liberdade total, mas um sistema de direitos e deveres no qual a liberdade de um é limitada, sim, pelos direitos do outro.


Liberdade total é a anarquia. Se não podemos recorrer ao STF para evitá-la, porque o ministro Mendes não se importa com quem está cozinhando as notícias, a quem apelar?


Bem vindos, amigos, aos tempos do faroeste nos meios de comunicação, com imprevisíveis consequências.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O homem que queria saber tudo


Entre em uma sala de aula de uma faculdade de jornalismo, pergunte aos estudantes: quem já ouviu falar em Getúlio Bittencourt? E eles ficarão quietos.


O jornalista é como a notícia que ele publica: no dia seguinte, é página virada. Mas eu vou dizer alguma coisa sobre Getúlio Bittencourt, que eu conheci há mais de vinte anos, na redação da Gazeta Mercantil.


Getúlio pousara na Gazeta como uma estrela do jornalismo. Ganhara ainda mais prestígio com um prêmio Esso que lhe fora conferido por uma entrevista com o presidente João Figueiredo, homem avesso à imprensa, de cujas idéias ele fizera um impressionante retrato, celebrizado pela declaração do general-presidente de que ele preferia aos homens o cheiro dos cavalos.

O que pouca gente sabe é que Getúlio tinha sido protocolarmente proibido de gravar a conversa. Dono de uma memória prodigiosa, transcrevera a longa entrevista de cabeça. E, das páginas inteiras de jornal que rendera o encontro, nenhuma palavra foi contestada.

Nascido pária, Getúlio era autodidata. Vivia aprendendo e gastava a maior parte do ganhava com livros, de maneira obsessiva, até perdulária. Baixinho, de voz fina, com cabelinho pixaim, era uma figura que poucos levariam a sério à primeira vista, o que o ajudava a prestar atenção em tudo, principalmente em conversas alheias, sem ser notado. Em circunstâncias que reuniam muitos jornalistas em busca de notícias, estava sempre longe das aglomerações, conversando com uma fonte ao pé do ouvido. Era esse o seu estilo.

Uma atitude definia bem seu jornalismo. Quando um entrevistado lhe perguntava o que ele queria saber, respondia, simplesmente: “tudo”. Era um concorrente difícil, sobretudo para mim, repórter principiante, que na época da Gazeta apenas começava a disputar com ele diariamente o espaço da primeira página do jornal.

Getúlio não foi apenas jornalista, mas uma figura ambivalente, que como muitos outros repórteres políticos acabou sendo envolvida pelo mundo do poder. Aproximou-se do ex-presidente José Sarney, graças não apenas à sua inteligência e qualidades profissionais como pelo interesse comum nos mistérios infensos à Razão.
Cerebral, Getúlio estudava astrologia como um pequeno cientista, o que para ele não era uma contradição. Chegou a escrever um livro, No Azul do Céu Profundo, em que expunha mapas astrológicos de políticos célebres e estabelecia relações entre o zodíaco e a política. A empresa por meio da qual recebia seus rendimentos chamava-se "Júpiter", elemento do sistema solar ao qual associava o sucesso financeiro que ele, gastador compulsivo, jamais alcançou.

Como a crença muitas vezes é que move a realidade, a astrologia de Getúlio realizou proezas bem concretas. Por suas previsões, transmitidas a Tancredo Neves pelo deputado Thales Ramalho, teria sido modificado o horário de funcionamento do colégio eleitoral que elegeu o primeiro presidente civil do Brasil depois da ditadura militar, em janeiro de 1985.

Levado ao Planalto, Getúlio foi um jornalista que salvou um jornal. Por sua influência astrológico-corporativa no governo, saiu um empréstimo do Banco do Brasil à Gazeta Mercantil, então em dificuldades financeiras, que lhe valeria anos de sobrevivência - e um lugar para Getúlio como correspondente do jornal nos Estados Unidos, onde ficou por uma década, depois de encerrada a gestão Sarney, como se faz com um benfeitor que merece uma boa embaixada.

A vida é cruel quando atinge as pessoas onde está seu dom. Tira as mãos de um pianista, como fez com o hoje maestro João Carlos Martins, ou a voz de um locutor, como aconteceu com Osmar Santos. A vida parece feita para testar o ser humano no seu máximo. E deu a Getúlio um tumor no cérebro, que nele não era apenas o escritório, um local de trabalho, como um centro de recolhimento, um mundo próprio, muitas vezes tortuoso e obscuro, onde se pode dizer que funcionava também seu coração.

Faleceu Getúlio Bittencourt, com apenas 57 anos. Uma página do jornalismo brasileiro foi virada. Amanhã, serão outras as notícias do jornal. Mas fica alguma coisa para a história, que registra uma perda importante, sobretudo pela falta de alguém que sabia muito bem contá-la.

sábado, 30 de maio de 2009

O futuro do jornal e do livro


O que muda - e o que vai melhorar


Os catastrofistas gostam de achar que a decadência dos jornais pelo mundo será o fim da imprensa. Assim como muitos apontam que a era digital nunca substituirá o livro. Em geral, os catastrofistas acertam apenas quanto a si mesmos. É preciso pensar o que a era digital pode trazer de bom para a imprensa e o livro. Ela pode.


Daqui a alguns anos, o jornal em papel certamente será lembrado como um anacronismo igual ao que é hoje a velha máquina de escrever. O custo de esperar a árvore crescer para fazer o papel, industrializá-lo, imprimi-lo e distribui-lo é incomparavelmente maior que o do meio eletrônico. É a única razão pela qual o jornal desaparecerá e isso não está longe, já que a internet tem agora um alcance suficiente para cobrir os leitores que antes só tinham acesso à imprensa da maneira convencional, em bancas ou assinaturas.


Quando quebraram as mãos do jornalista Antonio Maria por conta do que escrevia, ele disse: “Tolos, pensam que a gente escreve com as mãos”. O mesmo se pode dizer da imprensa. São tolos os que pensam que a imprensa se faz com o papel. Não importa o meio onde ela se propaga, mas os seus princípios: informação com credibilidade, facilidade de acesso, defesa da liberdade de expressão e de opinião. A internet traz também vantagens nessa área. Permite atualização constante e consulta permanente ao que já foi publicado.

Se os veículos de imprensa hoje estão em dificuldades, é porque estão em sua fase de transição – enquanto entram na era digital, ainda têm de carregar o velho negócio em papel. Em vez de investir no novo, precisam empregar esforços em sustentar o decadente. É difícil a decisão de simplesmente acabar com o jornal impresso e ficar só na internet. A sensação é de diluição no mar virtual. Porém, quem tem um serviço de qualidade, e uma marca de prestígio, tem mais chances de consolidação no mercado de informação virtual.

O mesmo deve acontecer com o livro. Já tive a oportunidade de manusear o Kindle, o livro eletrônico da Amazon, o mais conhecido do gênero. Ele ainda é caro (cerca de 700 dólares nos Estados Unidos), ainda não há uma plataforma para produzi-lo com obras em português, e não sabemos se as pessoas comprarão um aparelho exclusivamente para ler livros ou jornais. Ele tem, porém, uma série de vantagens incomparáveis sobre o livro convencional.

Para começar, ao contrário do que dizem os preconceituosos, ele é mais amigável . Como um palmtop um pouco maior, pode ser segurado com uma única mão, ao contrário do livro, que a gente tem de abrir – e por vezes administrar as duas partes, que tendem a fechar-se novamente. É possível fazer marcações no texto. E, sobretudo, ali cabe uma biblioteca inteira. Assim, você pode ir para a praia levando não apenas o livro da vez, como toda sua biblioteca. E ler ainda o jornal do dia.

Assim como no caso dos jornais, o livro eletrônico elimina enormes custos de produção e armazenagem de volumes impressos. Mesmo o custo do aparelho é relativo: basta pensar que sai muito mais barato do que comprar uma biblioteca de 3.000 livros, sua capacidade de instalação. Com a erradicação dos custos de papel, impressão e estocagem, o livro novo pode ser barateado, e muito. Isso com certeza difundirá a leitura ainda mais, já que o principal impedimento da expansão do mercado, sobretudo no Brasil, é o preço.

Claro, há dúvidas. Uma ameaça é a pirataria. Se as editoras e autores forem atropelados pelos piratas, com a distribuição gratuita das obras, não haverá muito mais gente disposta a escrever, produzir e divulgar livros. Os direitos autorais não podem ser reduzidos, mesmo em face da queda no preço unitário do livro, sob a mesma pena de eliminar o seu produtor. Isso já tem acontecido na música com a troca do CD pelo Ipod.

Pode ser que a literatura, assim como a música, deixem de ser atividades profissionais, para se tornarem novamente produto do diletantismo de pessoas que fazem outras coisas na vida e escrevem, compõem ou tocam como uma atividade secundária, por prazer ou necessidade pessoal. Se isso acontecer, teríamos um grande retrocesso. Cabe aos cérebros digitais estudar como evitar melhor a pirataria e o desmanche de uma indústria fundamental para a educação e o entretenimento.


Não importa o veículo onde se coloque a imprensa e a arte; ambas são uma necessidade da sociedade e do indivíduo; por isso, sempre existirão. A profissionalização de ambas é que garante sua qualidade e por isso deve ser respeitada e incentivada, em vez de destruída. A boa imprensa e o bom livro são indispensáveis e parte da vida contemporânea, contraponto do barbarismo das civilizações antigas que perseguiam iconoclastas e queimavam livros para manter o povo na obscuridade.


A era digital tem, acima de tudo, essa virtude: o acesso a tudo, por qualquer um, em qualquer tempo. É um enorme passo para um futuro melhor.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Lição para o futuro


O fim de um jornal melhor que os seus donos

A imprensa anda de luto pela Gazeta Mercantil, o jornal que estertorou nas mãos da CBM, Companhia Brasileira de Multimídia, de Nelson Tanure. Seu fim não se dá pela crise da imprensa, que vai abalando grandes jornais do mundo, a começar pelo New York Times, nos Estados Unidos, com a prevalência crescente da internet sobre a mídia impressa. É apenas um caso de má administração e incompreensão da natureza de um negócio. Com a Gazeta, vai se encerrando parte da história do jornalismo brasileiro, mas ela ainda nos dá uma lição, sua última contribuição para o futuro.

Comecei a trabalhar na Gazeta em 1986, recém-saído da faculdade, depois de rápido estágio na TV Bandeirantes. Instalada num edifício da rua Major Quedinho, a Gazeta era um jornal venerável, considerado leitura obrigatória no mundo profissional. Sua circulação era menor que a da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo, porém seu público era mais qualificado.

Possuía também um braço na TV, o programa Crítica e Autocrítica, capitaneado pelo seu diretor editorial, Roberto Muller, que ia ao ar no domingo à noite. Era uma alternativa para o público que queria ver uma conversa mais séria, ainda que às vezes meio sonolenta, em lugar das mesas redondas de futebol.
Na redação do jornal, havia uma constelação de estrelas do jornalismo, a começar pelo seu diretor, Matias Molina, o secretário de redação, Alexandre Gambirasio, e um time de repórteres tratados como primas-donas: Celso Pinto, José Casado, Getúlio Bittencourt, entre outros - todos premiados e com vasta folha de serviços prestados ao jornalismo brasileiro.
A Gazeta era não apenas um grande jornal de negócios, como uma escola de jornalismo. Isso incluía princípios como a imparcialidade e a honestidade absolutas; a obsessão pela informação correta, segundo elemento essencial para a credibilidade; a busca incansável pela notícia exclusiva, que fazia a diferença.
A disputa aberta e estimulada entre os repórteres pelo espaço da primeira página era uma forma de garantir a perseguição permanente pela qualidade, num mercado em que ainda não havia concorrentes importantes. A Gazeta valorizava o jornalista, que assinava todas as suas reportagens e era tratado como patrimônio da casa, a própria essência do negócio.
Parecia uma fortaleza inexpugnável, e teria sido, não fossem os seus proprietários: a familia Levy, cujo patrono, o deputado federal Herbert Levy, deixara a administração do jornal ao filho Luiz Fernando para cuidar de suas atividades políticas. A gestão fez da Gazeta Mercantil o único órgão de imprensa em que trabalhei a atrasar salário. Porto seguro para a publicidade de bancos e outras empresas que tinham no jornal um veículo perfeito, o uso dos recursos fazia com que volta e meia a empresa entrasse em dificuldades.
Por sorte, naquela época, havia um grupo de empresários que, nos momentos mais difíceis, socorriam o jornal. Sabiam que ele era melhor que os seus donos. Agiam não por amizade, compromisso, ou mesmo medo, mas pelo entendimento de que o serviço prestado pela Gazeta era importante e insubstituível para a comunidade de negócios e o país.
Assim, o jornal prosseguiu não por causa de seus criadores, mas apesar deles; pertencia não a uma família, mas à sociedade. Sempre foi respeitado muito graças ao espírito de corpo dos jornalistas que nele trabalhavam, enquanto seus proprietários eram tratados com reserva.
Lembro de certa tarde em que eu, ainda um repórter principiante, fui fazer uma entrevista com o então diretor do Banco Central, Wadico Bucchi, em São Paulo. Encontrei Luiz Fernando Levy já na ante-sala, à espera de uma audiência. Levy continuou esperando, enquanto eu entrei na sua frente, atendido primeiro.
Para Bucchi, o repórter principiante merecia preferência em relação ao dono do próprio jornal onde trabalhava. Ele sabia que eu estava ali em busca de notícia, fazendo meu serviço para uma publicação de prestígio. Levy estava lá para pedir alguma coisa.
Quando o mercado se torna mais difícil, uma má gestão fica mais evidente e faz a diferença, sempre para pior. Surgiu o Valor Econômico, um concorrente que tomou da Gazeta boa parte de seu principal ativo: os jornalistas. A empresa mergulhou em dívidas e mesmo os seus mais antigos defensores desistiram de salvá-la. Acossado pelos credores, Levy entregou o título a Nelson Tanure, empresário do ramo de transportes, que resolveu investir em comunicação e cobriu-lhe dívidas.
Tanure não tem a mesma familiaridade com as qualidades que fizeram da Gazeta um grande veículo e poderiam recuperá-la. E anunciou que fecharia o jornal por conta da cobrança na Justiça de dívidas trabalhistas anteriores à sua gestão e que, segundo explicou no próprio jornal, não lhe dizem respeito.
Há hoje uma onda de empresários que arriscam tornar-se editores sem compreender a dependência desse negócio de sua matéria-prima essencial – gente. A Gazeta teve seus quadros reduzidos, os salários aviltados. A qualidade do jornal era até miraculosa, dadas as condições de trabalho.
O que assusta hoje na imprensa não é a mudança da mídia impressa para a digital. A verdadeira ameaça ao negócio é a entrada de gente com dinheiro e ousadia, mas sem conhecimento do riscado – sobretudo, da importância da separação entre Igreja e Estado. Para mercadores vindos de outras áreas, é difícil aceitar que não se barganha conteúdo jornalístico por dinheiro, e que a credibilidade, que exige o sacrifício do ganho fácil, é a fonte do sucesso duradouro nesse tipo de negócio.
A Gazeta virará agora uma embrulhada jurídica para que se saiba quem pagará as contas, se Levy ou se Tanure – um tipo de disputa à qual ambos, por sinal, estão habituados. Esse, porém, não é o verdadeiro fim da história. Jornal que sempre analisou em suas reportagens as causas do sucesso e do fracasso empresarial, a Gazeta fez de sua própria trajetória uma parábola do assunto que explorava.
Em sua agonia, a Gazeta deixa como ensinamento o que é capaz de levantar e também derrubar um negócio de comunicação, não importa qual seja sua plataforma – o papel, a TV ou o mundo virtual. E, nesses tempos tão cheios de dúvidas sobre o futuro do negócio da informação, reafirma a convicção de que, enquanto os bons princípios do jornalismo forem praticados, sempre haverá uma imprensa livre e economicamente forte para proteger a sua e a nossa liberdade.