Caminho pela rua, onde os mendigos se multiplicaram: um deles levanta debaixo de uma coberta imunda e me pergunta a hora, com educação. Há nas ruas de Higienópolis muita gente morando em colchões jogados ao chão; estamos perto do centro, mas não havia aqui assim tanta gente antes: é impossível andar uma quadra sem ouvir um pedido de dinheiro.
Uma manicure senta na porta do salão de beleza, cigarro nos dedos da mão: não há clientes na tarde sem vento. Por volta das onze horas, um homem veio me visitar em casa: o filho mora na Europa, vem ao Brasil um tempo, para se operar, e assim que puder, vai voltar para lá. Em dois dias, é a quinta pessoa que me fala de alguém que saiu do Brasil.
Temos 11 milhões de desempregados, isso na contabilidade oficial: todos os que ouço dizem que os negócios estão parados. Muitos deixam a cidade grande, vão buscar a vida no interior, como já aconteceu na Roma antiga: a saída para a sobrevivência básica. A mudança, criada não pela esperança, e sim pela desilusão, é fuga, e não solução.
Levo meu filho ao futebol, o que deveria ser uma das poucas alegrias restantes: nosso Palmeiras está na liderança no campeonato. Mesmo lá, porém, o cenário é constrangedor. Nas partidas a que temos assistido, no Allianz Parque, ao ritmo da música, a torcida substitui a letra do hino nacional pela palavra "Palmeiras" durante toda a execução. Canto o hino, enquanto meu filho olha, confuso, o pai ser o único a fazer aquilo no meio daquela multidão, uma voz dissonante entre 30 mil pessoas, para não dizer duas centenas de milhões.
Ontem anunciaram os convocados para a seleção olímpica, mas pouca gente pensa agora na beleza épica da olimpíada, um momento especial que agora vai parecendo um espetáculo inconveniente, constrangedor, quase uma maldição. Meus amigos dizem que só se importam com os clubes, não com o time nacional. Penso que é por isso que estamos nessa situação; o futebol não é apenas o futebol, é comportamento. Por olhar somente para interesses próprios ou pequenos, por agir somente em função dos interesses individuais, inclusive desrespeitando a lei e o direito do próximo, ou preferindo fazer vista grossa ao governo corrupto enquanto a economia ainda estava bem, é que o brasileiro, e não o governo, deixou que chegássemos a esta situação.
Agora parece ser tarde demais e o brasileiro se desanima com a política, mas no fundo se desanima consigo mesmo. Há os alienados, os hipócritas e os insensatos de sempre, a quem se deu oportunidade de tomar o poder. O PT quebrou o governo, não apenas com os rios de dinheiro desviados de empresas antes sólidas como a Petrobras e até dos fundos de pensão; é difícil imaginar como puderam pensar que iriam sair bem do fim do túnel em um trem descarrilhado.
Um partido que tomou dinheiro até dos aposentados deveria tirar o "Trabalhadores" de sua legenda. Mas não vejo vergonha, nem arrependimento, e sim o orgulho cego e prepotente de sempre. Vejo as hostes do PT agitando suas bandeiras vermelhas e reafirmando os mesmos velhos bordões. Sinto que a Humanidade não aprende consigo mesma, repete seus erros, até a violência. O avanço da tecnologia e o iluminismo não avançam com a era digital, que divide e desintegra a sociedade civilizada por um lado, e por outro agrega e reafirma a bárbarie.
Se fosse apenas o Brasil, mas é um fenômeno global. O mundo andará melhor? Recentemente, extremistas religiosos explodiram a si mesmos em dois aeroportos, em Bruxelas e Istambul, matando com eles dezenas de pessoas. Inocentes foram dizimados a tiros de fuzil quando se divertiam em um clube noturno. O Oriente Médio é um barril de pólvora. O Brasil tinha condições de ser um exemplo de tolerância e progresso, mas nossa índole e falta de educação nos levam novamente ao desastre, em vez do futuro que sonhamos, sem persegui-lo de fato, com determinação.
O Brasil é um país fácil. Com um imenso mercado consumidor, de gente que precisa e só deseja melhorar de vida. Somos um país democrático. Não temos problemas como outros, que não têm espaço o bastante para plantar, ou enfrentam o clima inóspito, ou dependem de energia suja, ou lidam com radicais religiosos. Nascemos em berço esplêndido, mas talvez venha daí, das nossas facilidades, nossa propensão para a indolência e a irresponsabilidade.
Nós temos como desafio apenas a nossa própria pobreza, ou a nossa ganância, ou nossa incapacidade de agir coletivamente. Somos ainda índios, ou melhor, dispersos como nossos tribos ancestrais, infectados com a ganância dos primeiros portugueses, que entraram nesta terra com o único objetivo de fazer fortuna e voltar a Portugal.
Somos um país de uma única língua, com grande identidade cultural, que poderia ser uma grande força, mas nos perdemos com nós mesmos. Os grandes esforços de reconstrução, após o belo capítulo da nossa história que foi a reconstituição do Estado de Direito e do regime democrático após o regime militar, parecem ter sido debalde: voltamos ao Brasil de sempre.
Hoje eu vou a jogo do Palmeiras, e vou cantar o hino nacional, ainda que seja o único em todo o estádio: no meio da multidão ingrata, eu me sinto quixotesco, deslocado, louco, mas, por meu filho, ainda acho que a esperança tem de recomeçar de algum ponto, de algum lugar, de algum coração.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
sexta-feira, 10 de junho de 2016
Uma razão de viver
"Pensei que você iria achar tudo muito sem graça", diz ela, enquanto repousa os pés cansados no meu colo, dentro de um estudio em Londres, com uma parede de vidro para um jardim à moda inglesa: o backyard longo, com árvores que parecem pender de algum quadro imoldurável, e uma igreja de tijolos escuros que já encampou um dia rezas de religiosos medievais.
Fala não porque duvida, ou não me conhece. Fala justamente porque não é verdade: gosta de provocar, quer que eu diga o que ela já sabe.
Tem os olhos vermelhos, cansados da semana quase sem dormir; hoje madrugou em Antuérpia e termina o dia em Londres; conheceu e almoçou com um rei e acabou o dia num proletário trem de subúrbio; andou de roda-gigante, entrou pela primeira vez num avião a hélice, passeou comigo por uma "catedral" que não é igreja, e sim uma estação de trem. Ganhou bombons, um guarda-chuva branco e muitos sorrisos de despedida dos amigos que fez com o encanto imediato dos meteoros. Assim cansada, fez questão de carregar como sempre a bagagem pelo labirinto subterrâneo do metrô londrino, como gosta de fazer, dizendo sempre: "sou muito forte".
Nós dois nesta casa temporária onde há pouco espaço para algo além de nós dois: sim, ela trabalhou a semana inteira, quase sem dormir, quase sem me ver, apesar de eu estar ao seu lado o tempo todo. E assim, quase invisível, eu não poderia achar a vida sem graça, pois a graça está justamente nela.
Eu a vi iluminar homens sisudos e assuntos áridos, emprestar brilho à festa de um rei sem fama e ornar com feminina beleza os salões ricamente decorados da cidade dos diamantes. Ela tem aquele sorriso para cada um; a palavra amiga e a modéstia de quem é elegante em qualquer lugar. No salão dos reis, comeu zabaione com cerveja, riu um pouco tonta, contou histórias e desceu as escadarias monumentais, deixando atrás a desolação dos palácios, que dela sentirão falta e perderão o sentido pelos próximos trezentos anos.
Vi tudo, invisível, mas feliz. Para mim, tive muito. A tarde em que festejamos o fim do seminário em Londres; fomos para casa a pé; atravessamos o Hyde Park, caminhamos toda a Oxford Street e comemos num restaurante turco, com cerveja turca, e risos transcontinentais. Ela ao fim de tudo, com trabalho extra que apareceu na hora errada, e ainda assim sorriu, brincou, dançou diante da lareira com a echarpe negra. Criança, adolescente, mulher.
Ela sabe fazer todos felizes: eu e os outros. E mais a mim, que já fui tão difícil de contentar, e hoje me dobro diante dela, observando: diligente, concentrada, atenciosa, comedida ao falar, como se a radiação que lhe deu a natureza pedisse sua mansidão como um fator de equilíbrio. Ela poderia ser cheia de exigências e certezas e sentenças, mas fala quando é a hora, pergunta, escreve - o que pensam e dizem os outros. Ela, que poderia ter tudo, ou o que quisesse, onde quisesse.
Por fazer tanto por todos, e por mim, ela que já me acompanhou discreta e prestativamente em outras tantas viagens a trabalho; por ser comigo o que ela é com todos, generosa e pronta, com alguns privilégios mais, eu posso experimentar como é estar do outro lado com prazer. Posso fazer por ela o que ela faz por mim.
Estar em um lugar apenas como o companheiro; saber dela, ela que sabe tudo de mim: quando estou ou não triste, o quanto eu gosto, o quanto eu sinto. Incluindo saber que estou aqui assim como vivo com ela, de boa fé, não porque é Londres, não porque esse é o único tempo que temos, mas porque é ela que me faz alegre, que me faz sorrir, me faz viver.
Fala não porque duvida, ou não me conhece. Fala justamente porque não é verdade: gosta de provocar, quer que eu diga o que ela já sabe.
Tem os olhos vermelhos, cansados da semana quase sem dormir; hoje madrugou em Antuérpia e termina o dia em Londres; conheceu e almoçou com um rei e acabou o dia num proletário trem de subúrbio; andou de roda-gigante, entrou pela primeira vez num avião a hélice, passeou comigo por uma "catedral" que não é igreja, e sim uma estação de trem. Ganhou bombons, um guarda-chuva branco e muitos sorrisos de despedida dos amigos que fez com o encanto imediato dos meteoros. Assim cansada, fez questão de carregar como sempre a bagagem pelo labirinto subterrâneo do metrô londrino, como gosta de fazer, dizendo sempre: "sou muito forte".
Nós dois nesta casa temporária onde há pouco espaço para algo além de nós dois: sim, ela trabalhou a semana inteira, quase sem dormir, quase sem me ver, apesar de eu estar ao seu lado o tempo todo. E assim, quase invisível, eu não poderia achar a vida sem graça, pois a graça está justamente nela.
Eu a vi iluminar homens sisudos e assuntos áridos, emprestar brilho à festa de um rei sem fama e ornar com feminina beleza os salões ricamente decorados da cidade dos diamantes. Ela tem aquele sorriso para cada um; a palavra amiga e a modéstia de quem é elegante em qualquer lugar. No salão dos reis, comeu zabaione com cerveja, riu um pouco tonta, contou histórias e desceu as escadarias monumentais, deixando atrás a desolação dos palácios, que dela sentirão falta e perderão o sentido pelos próximos trezentos anos.
Vi tudo, invisível, mas feliz. Para mim, tive muito. A tarde em que festejamos o fim do seminário em Londres; fomos para casa a pé; atravessamos o Hyde Park, caminhamos toda a Oxford Street e comemos num restaurante turco, com cerveja turca, e risos transcontinentais. Ela ao fim de tudo, com trabalho extra que apareceu na hora errada, e ainda assim sorriu, brincou, dançou diante da lareira com a echarpe negra. Criança, adolescente, mulher.
Ela sabe fazer todos felizes: eu e os outros. E mais a mim, que já fui tão difícil de contentar, e hoje me dobro diante dela, observando: diligente, concentrada, atenciosa, comedida ao falar, como se a radiação que lhe deu a natureza pedisse sua mansidão como um fator de equilíbrio. Ela poderia ser cheia de exigências e certezas e sentenças, mas fala quando é a hora, pergunta, escreve - o que pensam e dizem os outros. Ela, que poderia ter tudo, ou o que quisesse, onde quisesse.
Por fazer tanto por todos, e por mim, ela que já me acompanhou discreta e prestativamente em outras tantas viagens a trabalho; por ser comigo o que ela é com todos, generosa e pronta, com alguns privilégios mais, eu posso experimentar como é estar do outro lado com prazer. Posso fazer por ela o que ela faz por mim.
Estar em um lugar apenas como o companheiro; saber dela, ela que sabe tudo de mim: quando estou ou não triste, o quanto eu gosto, o quanto eu sinto. Incluindo saber que estou aqui assim como vivo com ela, de boa fé, não porque é Londres, não porque esse é o único tempo que temos, mas porque é ela que me faz alegre, que me faz sorrir, me faz viver.
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Lembrando Cauby
Em 2009, quando fui convidado pela primeira vez a escrever o perfil dos vencedores do prêmio Paulistanos do Ano, promovido pela revista Veja São Paulo, conheci pessoalmente Cauby Peixoto, destaque na categoria musical. Cauby acabara de ganhar o Grammy Latino, o prêmio Tim, e lotava as suas noites do bar Brahma, no centro velho de São Paulo, com um show em que desfilava seu repertório quase invariável.
Ali, Cauby ainda realizava a mágica que o mantinha vivo, a verdadeira mágica da transformação. Ao colocar suas roupas fulgurantes, a peruca que o deixava com uma cabeleira cheia de anéis, a verdadeira máscara de pintura com que redesenhava seu rosto e lhe dava um semblante um tanto trágico, sua figura ganhava a antiga extravagância e acompanhava o vigor da voz, que já não era a mesma de outros tempos, porém mantinha-se superior à da maioria dos intérpretes de gerações subsequentes.
O Cauby que me recebeu, porém, era um pouco diferente. Foi pouco antes do show, no improvisado camarim do Brahma, uma salinha meio escura, onde mal cabíamos os dois. Sentado numa cadeira de madeira, estava sem a sua clássica peruca: completamente calvo, com o rosto já pintado para o show, mostrava-se envelhecido e frágil, o que explicava ser carregado para o palco, onde cantava sentado, durante todo o espetáculo. Pela proximidade e o despojamento, caí de repente e sem aviso na sua intimidade.
Quando lhe falei que ganhara o prêmio e e eu escreveria sobre ele na revista, ele não pareceu surpreso, mas não deixou de sentir-se lisonjeado. Falou de seu momento e de sua história, desde os tempos em que foi ganhar a vida cantando em bares nos Estados Unidos. Nessa época, pintava já os cabelos de preto, porque os americanos queriam ouvir um latino que se parecesse com o cantor então da moda, o argentino Carlos Gardel.
Com sua voz grave, empostada e calma, Cauby falou ainda de sua vida reclusa, num apartamento de Higienópolis, do qual saía apenas para trabalhar. Achava que assim preservava sua imagem: não era visto nem reconhecido como outra coisa além do personagem que o fizera famoso e que gostaria de preservar.
O que mais me impressionou, no entanto, foi outra coisa. A certa altura, lhe perguntei se não ficara magoado com tudo o que Veja escrevera sobre ele no passado, quando foi taxado de cantor brega e usado incansavelmente como piada. Disse que estava admirado de que ele, apesar daquilo, estivesse me recebendo tão bem daquela forma.
Cauby respondeu que o artista vivia para ser visto: "o mais importante não é o que falam de mim, mas falarem de mim", ele me disse. "A única coisa que me importa, e é sempre uma honra, é ser lembrado." Sem os trajes nos quais brilhava, nesse instante ele me pareceu ao mesmo tempo pequeno e grande: pequeno como ser, frágil, vaidoso, angustiado, e grande, por conta de uma inesperada e superlativa humildade.
Fiquei com ele até o momento de sair, carregado por dois garçons, até o palco. Cauby tinha vencido tudo: a idade, a fama de brega, o esquecimento, e até a revista Veja. Era venerado pela plateia, como poucas vezes vi um artista: havia no ar um certo saudosismo de tempos dos quais todos sentiam falta, e ele simbolizava essa era, como se todos ali de repente pudessem rejuvenescer. E mesmo os jovens pareciam sintonizados com aquele artista que, no final, já parecia não ter tempo.
Agora que o tempo enfim levou Cauby, penso nele, no seu olhar grato e triste, na alma do artista que vive do calor humano, porém na mais completa solidão. E concluo que ele,na sabedoria de toda uma vida, estava certo: o que importa é deixar alguma coisa aos outros, nossa herança, nosso sentimento, literalmente a nossa voz; e por isso ser lembrado, apenas ser lembrado.
Leia também a reportagem em Veja SP
Ali, Cauby ainda realizava a mágica que o mantinha vivo, a verdadeira mágica da transformação. Ao colocar suas roupas fulgurantes, a peruca que o deixava com uma cabeleira cheia de anéis, a verdadeira máscara de pintura com que redesenhava seu rosto e lhe dava um semblante um tanto trágico, sua figura ganhava a antiga extravagância e acompanhava o vigor da voz, que já não era a mesma de outros tempos, porém mantinha-se superior à da maioria dos intérpretes de gerações subsequentes.
O Cauby que me recebeu, porém, era um pouco diferente. Foi pouco antes do show, no improvisado camarim do Brahma, uma salinha meio escura, onde mal cabíamos os dois. Sentado numa cadeira de madeira, estava sem a sua clássica peruca: completamente calvo, com o rosto já pintado para o show, mostrava-se envelhecido e frágil, o que explicava ser carregado para o palco, onde cantava sentado, durante todo o espetáculo. Pela proximidade e o despojamento, caí de repente e sem aviso na sua intimidade.
Quando lhe falei que ganhara o prêmio e e eu escreveria sobre ele na revista, ele não pareceu surpreso, mas não deixou de sentir-se lisonjeado. Falou de seu momento e de sua história, desde os tempos em que foi ganhar a vida cantando em bares nos Estados Unidos. Nessa época, pintava já os cabelos de preto, porque os americanos queriam ouvir um latino que se parecesse com o cantor então da moda, o argentino Carlos Gardel.
Com sua voz grave, empostada e calma, Cauby falou ainda de sua vida reclusa, num apartamento de Higienópolis, do qual saía apenas para trabalhar. Achava que assim preservava sua imagem: não era visto nem reconhecido como outra coisa além do personagem que o fizera famoso e que gostaria de preservar.
O que mais me impressionou, no entanto, foi outra coisa. A certa altura, lhe perguntei se não ficara magoado com tudo o que Veja escrevera sobre ele no passado, quando foi taxado de cantor brega e usado incansavelmente como piada. Disse que estava admirado de que ele, apesar daquilo, estivesse me recebendo tão bem daquela forma.
Cauby respondeu que o artista vivia para ser visto: "o mais importante não é o que falam de mim, mas falarem de mim", ele me disse. "A única coisa que me importa, e é sempre uma honra, é ser lembrado." Sem os trajes nos quais brilhava, nesse instante ele me pareceu ao mesmo tempo pequeno e grande: pequeno como ser, frágil, vaidoso, angustiado, e grande, por conta de uma inesperada e superlativa humildade.
Fiquei com ele até o momento de sair, carregado por dois garçons, até o palco. Cauby tinha vencido tudo: a idade, a fama de brega, o esquecimento, e até a revista Veja. Era venerado pela plateia, como poucas vezes vi um artista: havia no ar um certo saudosismo de tempos dos quais todos sentiam falta, e ele simbolizava essa era, como se todos ali de repente pudessem rejuvenescer. E mesmo os jovens pareciam sintonizados com aquele artista que, no final, já parecia não ter tempo.
Agora que o tempo enfim levou Cauby, penso nele, no seu olhar grato e triste, na alma do artista que vive do calor humano, porém na mais completa solidão. E concluo que ele,na sabedoria de toda uma vida, estava certo: o que importa é deixar alguma coisa aos outros, nossa herança, nosso sentimento, literalmente a nossa voz; e por isso ser lembrado, apenas ser lembrado.
Leia também a reportagem em Veja SP
domingo, 15 de maio de 2016
"O Brasil só se mexe na crise"
Entrevista na rede Vida sobre a saída de Dilma, o impeachement, a crise política e econômica e o que nos aguarda depois de tudo.
http://redevida.com.br/programa/tribuna-independente/comentaristas/analise-politica-do-jornalista-thales-guaracy.html
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terça-feira, 26 de abril de 2016
Pela democracia, pela tolerância
Quando eu era diretor da Playboy, eu costumava deletar do facebook uns caras que apareciam só para me xingar. Achavam que sabiam o que fazer no meu emprego, mais do que eu, e descontavam em mim seu fracasso existencial. Senti compaixão pelo técnico da seleção brasileira. Escreviam baixarias e eu, se fosse tirar satisfação com todo mundo, estaria na cadeia até o Século 23.
Ofensa gratuita é uma coisa, opinião é outra. Nunca deletei ninguém nem jamais censurei comentário de gente que diverge de mim. Como jornalista, ganhei com a equipe da revista onde trabalhava um prêmio Esso pela cobertura da eleição que trouxe de volta a democracia plena ao Brasil. Na imprensa, trabalhei anos a fio, de madrugada, à custa da saúde e da diversão, ao lado de muitos outros brasileiros, para a gente poder ter essa liberdade. Não darei exemplo aos que desejam tirá-la. Não se exclui ninguém por divergência política ou de opinião. Democracia é a convivência dos contrários.
A intolerância cresce, não só neste ambiente aqui, em que muitos se julgam protegidos para julgar e agredir os outros, como nas ruas. O confronto do ator Zé de Abreu num restaurante e o comportamento do deputado Jean Willys, tanto quanto o casal ofensor e o provocador Bolsonaro, revela que todos os envolvidos nesta guerra perderam a razão junto com a compostura. Os defensores de cusparadas e outras impropriedades mostram que a cizânia está saindo do mundo virtual para a microfísica do cotidiano.
Vejo amigos experimentados na vida defendendo boicote a empresas "de oposição" publicamente, o que configura crime, e não deixa de ser crime pela internet. Outros, do lado oposto, generalizam a pecha de "ladrão" aos integrantes do governo e seus apoiadores, tanto quanto estes atribuem a condição de "golpista" a quem apenas deseja o cumprimento da lei e o bom trato do dinheiro público.
Os intolerantes, felizmente minoria, continuam sendo os que mais fazem barulho. No final, como aquele vizinho chato e agressivo, incomodam o cidadão pacífico, democrático, que apenas quer ver o Brasil dentro da lei e desfrutar das possibilidades de progresso que este país oferece quando a gente não estraga tudo.
A aparição da "primeira dama" do turismo deu margem a mais intolerância. De um lado, aqueles moralistas que acham o fim da picada a mulher do ministro aparecer de decote tirando foto deslumbrada no ministério. E os moralistas defensores do governo, que se acham de esquerda, mas são tão patrulheiros da liberdade quanto os extremistas que defendem o velho dístico da tradição, família e propriedade.
O moralismo existe, faz parte da sociedade, e como tudo tem de ser tolerado. O direito à liberdade, de fazer humor com o governo, de publicar o que se quiser, porém, está na essência da prática democrática. Qualquer tipo de censura e patrulhamento é que deve ser combatido. Como dizia o velho lema, é proibido proibir. A não ser, claro, aquilo que está estritamente fora da lei.
quarta-feira, 30 de março de 2016
Verdades
Ouvindo em casa o disco do irmão do André, 9 anos.
- João está cantando e tocando muito bem. Só falta ganhar um dinheiro...
André:
- Outro dia ele foi tocar (com a banda Bell & The Boys) lá na Paulista. Só dava nota de 2.
Dou risada.
- É - acrescenta André. - Ele disse que deu mais de 60 reais!
Mais risos.
- Está melhor que você - completa ele. - Que ganha 3 reais por livro.
(...)
(Verdade).
- João está cantando e tocando muito bem. Só falta ganhar um dinheiro...
André:
- Outro dia ele foi tocar (com a banda Bell & The Boys) lá na Paulista. Só dava nota de 2.
Dou risada.
- É - acrescenta André. - Ele disse que deu mais de 60 reais!
Mais risos.
- Está melhor que você - completa ele. - Que ganha 3 reais por livro.
(...)
(Verdade).
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