terça-feira, 7 de outubro de 2014

"Não tenha pressa, mas não perca tempo"

O jornalista José Ruy Gandra, que certa vez entrevistou o escritor português José Saramago, foi quem ouviu primeiro a frase lapidar, seu conselho para jovens escritores: "Não tenha pressa, mas não perca tempo".

Fiquei com a frase, pérola de sabedoria que serve para tudo, porém é especialmente importante para a tarefa de escrever. Há dentro dela mais do que simples filosofia: há um mecanismo de trabalho que define o próprio ato de escrever.

Escrever é pensar no papel. É preciso, para que um texto saia perfeito, haver uma sincronia entre ambas as coisas; certamente Saramago sabia disso como ninguém. Por vezes, se estamos ansiosos com o que vamos escrever, ou pensamos rápido demais, mais rápido do que podemos escrever, pulamos algo importante. Se as ideias não fluem, o texto não sai. Escrever tem, como se diria em inglês, o seu pace - o seu tempo, uma espécie de cadência, em que pensamento e escrita fluem juntos.

Esse fluxo em que se escreve pensando e vice-versa só é adquirido com a prática da escrita. Por isso, não basta o talento. Somente a prática faz com que o texto saia na tela do computador com naturalidade, da mesma forma com que as palavras saem da boca quando falamos. O discurso oral parece ser produzido sem pensar; na realidade, pensamos enquanto falamos. O mesmo ocorre com a linguagem escrita, com a diferença de que falamos desde pequenos, todos os dias, durante anos. Escrever com a mesma naturalidade com que se fala requer treinamento igual.

A pressa faz as palavras seguirem à frente das ideias, o que é contraproducente; escrever devagar faz o processo igualmente parar. Escrever requer paciência e o cumprimento de todas as etapas, frase a frase, parágrafo por parágrafo.

Claro que a sentença de Saramago se refere a mais coisas, ou principalmente a outra coisa. É muito fácil nos distrairmos diante da tarefa de escrever.É um trabalho pessoal, que não pode ser terceirizado. E que sempre requer a volta a uma certa sintonia quando temos que recomeçar depois de uma parada. Tendemos a querer fazer outras coisas, a fugir do trabalho, por receio de não conseguir realizar a mágica novamente, nunca mais. Por isso é importante não ter pressa, para fazer o serviço direito, mas não perder tempo. O tempo é a única coisa que temos.

Depois de escrever um livro de não-ficção, que deve sair pela editora Planeta em fevereiro próximo, estou pelo meio de um ambicioso romance, desafio diário que me dá tanto prazer quanto medo. Os anos de trabalho não eliminaram de todo a incerteza; por vezes, receio que uma coisa ou outra não fique tão boa; por vezes, resisto a recomeçar. Tento aproveitar os momentos de envolvimento com a história, que fazem o trabalho render mais. E sento diariamente diante da máquina, logo ao acordar, para que nada sirva de distração.

Penso em Saramago e João Ubaldo, que recentemente perderam a coisa mais importante para o escritor - o tempo. Eles me ajudam a ir adiante, sem perder tempo, nem o compasso.

Paulo Coelho, Deus e a função do editor



Ao assumir em novembro de 2.009 a direção editorial da Saraiva, para lançar livros de ficção e não-ficção, eu tinha dois desafios. O primeiro, como fazer uma editora que tinha a maior cadeia de livrarias do país vender também em outras redes e livrarias independentes. Segundo, que contribuía com o primeiro: como trazer grandes autores, que em geral estavam bem colocados em empresas concorrentes.

Com apoio da empresa, o primeiro desafio foi resolvido com a criação de uma marca: Benvirá, que seria divulgada por meio de um prêmio literário, entre outras ações. Precisávamos dar prestígio ao selo, colocando autores na Flip, por exemplo, o que viria a acontecer depois. Quanto a conquistar autores vendedores... Bem, esse era o maior desafio. Comecei a pesquisar autores de alta qualidade, que estavam meio abandonados, e eu poderia recuperar; autores novos, ainda despercebidos; e autores de calibre grosso que, com projetos sólidos, e dinheiro, eu tentaria conquistar.

A primeira oportunidade que surgiu foi justamente com o maior best seller brasileiro: Paulo Coelho. Naquela época, ele acabava de deixar sua antiga editora; seu primeiro livro em uma nova casa estaria em leilão. Enviei um e-mail para sua agente em Barcelona, Monica Antunes; marcamos para a feira de Londres, em abril seguinte, uma reunião.

O destino complica a vida das pessoas, sobretudo as sem experiência no ramo, como era o meu caso; naquele mês de abril, aconteceu na forma de um vulcão. A montanha, localizada na Islândia, resolveu bem naquela hora explodir; lançou uma nuvem de cinza sobre a Europa, que fechou os aeroportos; muita gente, como eu, teve cancelado o avião. Um dia depois da feira, onde, segundo eu acreditava, não tinha acontecido nada, li no jornal uma nota sobre a compra de Aleph, o novo livro de Paulo, pela editora Sextante.

Eu, que tinha com Monica aquela reunião, na expectativa de poder pelo menos fazer um lance, não podia estar mais frustrado. Tinha perdido o negócio, mas não a disposição. Mandei para ela nova comunicação. Disse que iria a Barcelona visitar alguns agentes, que gostaria de ter conhecido já em Londres, e pedia para falar com ela pessoalmente.

No dia marcado, hora marcada, eu estava lá: um prédio envidraçado na avenida diante do porto, onde ficava a Saint-Jordí. Cabelos curtos, olhos puxados, que deixam seu sorriso com um pouco da alegria chinesa, Mônica me recebeu na sala de reunião. "É um prazer te receber, mas não sei o que você está fazendo aqui", ela disse. "Como você sabe, eu já vendi o livro."

De fato. Eu, que às vezes compenso minha ignorância com certa ousadia, o que em geral se confunde com insolência, primeiro reclamei que ela tinha vendido o livro sem falar nada comigo. "É verdade", ela respondeu. "Mas o olhei o site da Editora Saraiva. É tão ruim que não sei como vocês fazem livro."

Não pude discordar. Desde que entrara, eu dizia que precisávamos de um site melhor, mais voltado para o varejo, necessidade do novo negócio. Me pediram para esperar, tudo seria reformulado. E, como costuma acontecer com medidas importantes mas consideradas pequenas nas grandes organizações, fiquei a esperar e esperar.

Disse então que estava ali porque tinha uma ideia para lhe dar. Ela tomou um choque, quase ofendida, beirando a indignação. "O Paulo não faz livro de encomenda!", avisou. Realmente, se há alguém que não precisa fazer um livro de encomenda, a cavaleiro dos seus milhões de livros vendidos em mais de 150 países, é Paulo Coelho. Isso, porém, não me abalou. "Mas você ainda nem ouviu a minha ideia!" Monica, mais uma vez surpresa, depois de olhar para mim, por desencargo, concordou.

Expliquei então o que eu imaginara. "Para mim, o Paulo é o grande fabulista do nosso tempo", eu disse. "Minha ideia é fazer ele reescrever as fábulas do Esopo, como fez la Fontaine. Na linguagem dele, voltada para o público contemporâneo. Seria um livro para crianças, mas que pode ser lido por qualquer um."

Mônica parou um instante: num estalo, em vez de me mandar embora com um piparote, comprou a ideia de imediato.

"Vou falar com ele", disse. Levantou-se inopinadamente, foi até uma prateleira na parede, e voltou dali com três livros. "Já que vocês têm na Saraiva a área educacional, poderiam fazer também isso aqui", ela disse, e me entregou os exemplares, num formato quase de livro de bolso. Eram O Alquimista, O Demônio e a srta Pryn e Verônika Decide Morrer, com um suplemento didático, uma coleção para ser vendida em escolas. Explicou que aqueles três livros eram usados por professores em países como Espanha, Estados Unidos e Portugal. "Talvez pudéssemos fazer isso também no Brasil."

Saí de lá desconfiado: estava bom demais. Já tomara uma surpresa antes, tomar outra não custaria nada. Ao chegar em São Paulo, porém, ao abrir o computador, estava lá: um e-mail do próprio Paulo, com um texto em anexo, em que ele, ainda antes de assinar qualquer contrato, e já trabalhando, perguntava: "é isso que você tinha em mente?". Era. Nascia aí o "Fábulas" de Paulo Coelho, que seria uma das maiores vendas durante a minha gestão.

Em um mês, criei uma página na internet só para o selo Benvirá - cartão de visitas que não dependia mais da grande reformulação prometida pela corporação. Negociei o contrato de Fábulas, e disse que faríamos os livros paradidáticos, com duas condições. A primeira: pelos livros didáticos, eu não pagaria nada de adiantamento autoral. Todo o dinheiro seria investido no trabalho com o professor. (Mais tarde, ela diria que eu fui o "editor mais duro" com quem negociou. Espantado, perguntei a razão. "Nunca tinha vendido um livro por zero", ela afirmou).

A segunda condição, no entanto, era a mais importante. Paulo Coelho sofria, sempre sofreu, uma grande rejeição do mundo intelectual no Brasil, incluindo o professor. Era um best seller, um autor popular, mas lhe faltava o prestígio qualitativo que faz entrar na escola um autor. A meu ver, isso acontecia porque os livros de Paulo, em português, onde sempre foram lançados inicialmente, tinham muitos erros: de ortografia, de lógica, de informação. Esses erros não afetavam outros países, onde Paulo tinha vendas e prestígio também, porque desapareciam na tradução.

Para vencer a resistência do professor, e convencê-lo a adotar os livros de Paulo, precisávamos de um produto impecável. Isso significava fazer os livros passarem por um implacável trabalho de edição.

Eu havia escutado que Paulo se recusava a ter seus textos editados e até mesmo revisados, o que deixava passar erros muitas vezes primários. Corria no mercado a lenda de que ele dizia receber aquelas palavras diretamente de Deus - portanto, seu texto tinha de sair como Ele mandava. Contei isso a Mônica. Ela respondeu que era tudo bobagem. E que eu podia fazer o trabalho que tinha de fazer.

Durante dois meses, além de fazer o material paradidático, com a ajuda de um professor, editamos e revisamos os três principais livros de Paulo, que se tornaram significativamente melhores na versão paradidática da Saraiva, comparada com a versão de varejo. A Saraiva começou a vender os livros para as escolas, um esforço árduo de convencimento do professor. E, paralelamente, o Fábulas saiu.

Todas as mudanças feitas no texto dos romances foram submetidos ao Paulo. Ele as aceitou, sem pestanejar. Deus também não fez nenhuma objeção. Na convivência do trabalho, meu conceito sobre ele subiu. Passei a respeitar Mônica, que o escritor Fernando Morais, meu amigo, chamava de A Bruxa, pela sua capacidade de catapultar um escritor brasileiro á condição de best seller mundial. Acho que foi recíproco. Eu e Monica nos tornamos amigos e nos encontramos muitas vezes, não apenas para falar de negócios. Ela é firme, dura e árdua defensora do seu autor, como tem de ser. Mas descobri que também é uma pessoa doce, sensível e de bom humor. E que aceita argumentos, quando são em benefício do negócio, bons para a editora, e o escritor. É, ainda, de uma simplicidade e modéstia exemplares. Quando lhe perguntei como tinha vendido Paulo no mundo inteiro, ela me respondeu, simplesmente: "batendo de porta em porta". Como eu, por sinal, também estava fazendo.

Muitas vezes penso que, se tivesse feito esse trabalho no início, Paulo não teria sofrido a rejeição que teve aqui, no Brasil. Nunca entendi por que os editores se furtaram a fazer seu trabalho, como tentei fazer. Nem mesmo Paulo Coelho, recebendo ou não suas palavras de Deus, acerta tudo. Ele é um gênio, que descobriu um filão literário a partir de sua experiência de vida, de sua intuição, de sua sintonia com o mundo e com os interesses do leitor. Esse é um talento que poucos têm. Mas é preciso ser rigoroso com o texto. Não basta ser criativo, nem mesmo genial. Qualquer um, até mesmo Deus, precisa de um bom editor.

Lições para escrever, n. 1


Naquele tempo eu trabalhava como editor assistente de Economia da revista Veja; para chefiar a seção, pouco tempo antes viera, deslocado de Internacional, o jornalista Fernando Pacheco Jordão. Profissional experiente, talentoso e simpático, um desses raros homens com quem trabalhar se pode dizer que também é um prazer.

Em Veja, especialmente nas quintas e sextas-feiras, trabalhávamos até muito tarde; o dia era gasto na apuração das notícias, o que significava ir além do que informavam os jornais; nossa função era explicar melhor, revelar os bastidores, fazer o leitor entender de maneira mais ampla ou profunda o que acontecia na sua própria vida e no mundo ao redor. Escrever era uma atividade que nos aproximava dos bombeiros, guardas noturnos e outros profissionais da noite. E não podiámos errar: ter que reescrever uma matéria significava um desastre, porque frequentemente nos levava a sair do trabalho somente de madrugada ou mesmo no dia seguinte pela manhã.

Fernando tinha uma particularidade; quando não sabia direito por onde começar uma matéria, começava por qualquer lugar; em algum momento, chegava à conclusão sobre o que era mais importante; nesse instante, voltava para o começo de tudo, depois punha o texto em ordem. Na maior parte das vezes, porém, ele me deixava escrever a reportagem, depois de dar alguma orientação.

Talvez pela tranquilidade com que confiava nesse método, certa vez eu e ele nos demos mal – mais eu do que ele, é claro. O governo acabara de anunciar um aumento do salário mínimo. A seu pedido, escrevi uma longa peroração sobre os efeitos que isso teria na economia, onerando contas públicas e a previdência social. Isso, dizíamos, apesar do benefício inicial para a população, geraria uma reação em cadeia que causaria prejuízos na frente, com o aumento da já elevada inflação.

No final, para não dizer que tínhamos deixado de mencionar o assunto, escrevi um pequeno box, quase um rodapé, sobre o problema da classe média, que teria de se virar para pagar a empregada doméstica. E lá fomos levar a matéria para José Roberto Guzzo, diretor de redação, que fazia a leitura final das reportagens mais importantes da nossa seção.

Com sua aparente bonomia, seu ceticismo permanente, e sua ironia fatal, Guzzo leu nossa obra, coçando a cabeça. Ao final, decretou:

- Muito bom – disse. – Vocês fizeram mesmo uma bela matéria sobre economia. Agora façam ela virar o box. E o box virar a matéria. O leitor não está interessado nas contas do governo. O problema dele é a empregada doméstica.

Saímos de lá; olhando para Fernando, com aquela cara, comecei a escrever tudo de novo. Mas Guzzo tinha razão. O leitor de Veja, que é de classe média, olhava primeiro para o próprio umbigo, ou melhor, o bolso: antes das grandes decisões da política e economia, a revista tratava do interesse pessoal e direto do leitor. A economia tinha um efeito retardado, ou secundário; aquela medida primeiro afetava o público da revista já no salário do fim do mês. O resto, ainda que relevante, ficava em segundo lugar. Cometeramos ali um erro de avaliação, tomando como base nossa própria cabeça de jornalistas e o que achávamos importante, mas para nós.

Conto essa história como exemplo de como é essencial pensar sobre o que vamos escrever, antes de escrever, e avaliar essas questões, antes de tomar uma decisão. Lição número 1 do livro Escreva Bem, Pense Melhor, e do curso com o mesmo nome, que tenho ministrado: escrever é, antes de mais nada, pensar. É preciso primeiro definir o que é importante, para balizar tudo o mais.

Essa decisão é fundamental, e nela pesam dois fatores. Um é o que achamos importante, a notícia, ou o que faz a diferença. Nem sempre é fácil entender o que é o mais importante, novo, ou fazer a síntese do que precisamos dizer já de saída. O outro fator, não menos importante, é pensar em quem o texto se destina; para isso, é preciso conhecer o público leitor, seus interesses e prioridades.

O sucesso de Veja, no seu auge, sempre se baseou nesses dois pilares: os temas que achávamos importantes, e que marcavam a posição da revista, mesclados aos que interessavam diretamente o leitor. Essa combinação é que criou um público leitor fiel, que fez Veja se tornar a maior publicação do Brasil e a quarta revista semanal do mundo em circulação.

A imprensa foi para mim um exercício permanente da escrita; além de escrever todos os dias, exige pensar o tempo todo no que é mais importante. O texto jornalístico pede cotidianamente a organização das ideias, de modo que o texto comece pelo mais importante e vá se desenvolvendo de forma lógica, encadeada e interessante até o final. Mesmo quando comecei a escrever ficção, esse exercício ajudou; não importante o assunto, ou o gênero, o que nos faz escrever melhor é sempre o pensamento organizado. Com o tempo, não importa o assunto, passamos a escrever cada vez mais rápido e melhor.

Toda vez que nos deparamos com algum tema, há sempre formas diferentes de tratá-lo ao escrever. A decisão é nossa. O leitor, porém, é que vai julgar. Ninguém escreve somente para si mesmo; nenhum homem é uma ilha, especialmente quando se trata de comunicação.

domingo, 14 de setembro de 2014

A era da intolerância



Jornalistas americanos são decapitados por mascarados do "Estado Islâmico". Outros mascarados, em Cascavel, Paraná, decapitam colegas presos em rebelião carcerária.

Uma mulher é vista na TV chamando o goleiro Aranha, do Santos, de macaco. O goleiro registra queixa na delegacia. A mulher vai à delegacia e se obriga a dar desculpas públicas perante a imprensa. Por fim, sua casa é incendiada.

As torcidas são clássico exemplo de intolerância e violência. Todos vão a campo para xingar e extravasar sua frustração pessoal. Se queimarmos a casa de todos que já o fizeram, o Brasil seria terra arrasada. Por sorte nem todos foram ainda filmados num gesto "anti-social". Ainda. Breve certamente será possível monitorar o que pensa, diz e faz cada torcedor.

A imolação pública de seres humanos, da mesma forma que se queimavam ou garroteavam hereges sem julgamento pela inquisição medieval, passou a fazer parte do dia a dia. Casos aparentemente sem conexão, mas que deixam a sensação de que a Humanidade na era da tecnologia paradoxalmente retorna em comportamento para a Idade Média.

A intolerância se expressa no dia a dia. No patrulhamento pela internet. Na vigilância pelas câmeras espalhadas por todo lado. No comportamento no trânsito. Nas crianças, que não se suportam, sem conseguir dividir os espaços. Até na relação entre irmãos e no casamento de pais separados, onde o compromisso nunca parece acima dos interesses dos filhos de cada parceiro ou de seus interesses individuais.

O Século XXI vai se delineando como uma combinação de Orwell e Kafka.

Como deter o barbarismo, último estágio da intolerância, esse veneno que contamina a sociedade e toma as relações sociais e de poder na sua microfísica, até chegar à violência coletiva e extremada?

Primeiro é preciso entender as causas e que as respostas não são as tradicionais. É tarde demais, ou urgente demais, para se esperar uma transformação em larga escala pela educação.

A potencialização da intolerância está diretamente ligada à era digital. Na mesma medida em que a tecnologia se desenvolveu, expondo a privacidade e o indivíduo ao seu grau máximo, o reacionarismo e a discriminação cresceram, uma reação exacerbada que se manifesta na violência cotidiana e na multiplicação de movimentos religiosos e reacionários.

O resultado é um mundo que avançou incrivelmente na tecnologia e na capacidade de comunicação, mas involuiu socialmente, na mesma e oposta dimensão. O meio virtual expõe também o que há de pior na sociedade. E faz isso estar presente num confronto diário e presente na vida de todos.

A igualdade, a liberdade de viver e de expressão, que deveriam crescer com a tecnologia da informação, são também a maior ameaça à igualdade e à liberdade como direitos humanos essenciais.

Na Internet, todos são livres; mas na realidade não há liberdade alguma, muito pelo contrário.
As forças que se reúnem no ambiente virtual, e podem vir à tona na vida real, da sua forma mais negra, mostram o novo conflito social: como controlar os agentes da sociedade que partem do ambiente virtual para se associar e criar poderes paralelos e ao mesmo tempo preservar a liberdade.

A intolerância e a violência formam um círculo vicioso, que se auto-alimenta. Criamos o mal com a mesma competência com que criamos o bem. Na era virtual, já se criaram as inquisições e as trevas. É preciso criar também um novo iluminismo. E fazê-lo prevalecer.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Rolim (o livro) está de volta


Há algum tempo, fui ver o Museu Asas de um Sonho, onde estão os aviões antigos colecionados por Rolim e João Amaro, e comprei lá os três últimos exemplares que havia da biografia que escrevi de Rolim, O Sonho Brasileiro. Há muito tempo o livro já se encontrava esgotado e a única versão disponível era uma contrafação pirata da obra, que causava algumas situações bizarras. Recentemente, por exemplo, um piloto do Paraná me enviou um email com um pedido; estava envergonhado de ter baixado o livro pirata e dizia ter gostado tanto dele que fazia questão de me pagar. E queria saber como.

Para todos aqueles que procuram pelo livro e não acham, ou que leram mas gostariam de tê-lo também na sua biblioteca digital, O Sonho Brasileiro está sendo relançado em e-book, disponível em todas as redes importantes, a começar pela Amazon, ao preço de 9,90 reais.

Revendo a obra, mais de dez anos após seu lançamento, e da morte de Rolim, a impressão que tenho é de que sua história já não funciona mais como um case de negócios ou de marketing - a maioria das coisas que Rolim fazia já não cabe na realidade de hoje, mesmo para a TAM, a companhia que fundou. Tudo parece pitoresco, arriscado, ousado demais para os dias de hoje. No entanto, a obra conserva um grande interesse, por dois motivos.

Primeiro, pela história aventuresca de Rolim, um tanto romãntica, ou picaresca, desde os tempos em que se aventurava em voos como piloto privado no desbravamento da Amazônia, um tempo pioneiro como não haverá outro mais.

O segundo motivo pelo qual o livro continua importante é o retrato de uma época em que os empresários ainda lutavam pela liberdade de fazer, de empreender, de buscar o melhor para as empresas, os clientes e a economia. Um tempo fechado pela ditadura militar, que criava reservas de mercado e entraves que faziam a economia brasileira ser comparável em atraso à da soviética. Rolim estava na linha de frente desse combate, e entender sua história é também entender a trajetória recente da economia brasileira.

Pra quem quiser conferir, o link na Amazon:

http://www.amazon.com/Sonho-Brasileiro-Portuguese-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00NBXKY36/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1410194168&sr=8-1&keywords=thales+guaracy+sonho+brasileiro

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Lucy e o sentido da inteligência



Assisti Lucy, o filme de Luc Besson com Scarlett Johansson e Morgan Freeman, que acaba de entrar em cartaz no cinemas, e deve também sair em breve, como hoje em dia costuma acontecer. Um filme estranho, sob muitos aspectos; aquela velha e boa sensação de estranheza de que algo ali merece ser explorado, como acontece com grandes filmes de ficção cientifícia, como 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick, ou Solaris, de Andrei Tarkovski.

A primeira estranheza, na verdade, vem da combinação que deu origem à produção: um cineasta francês, a quem se entregou a tecnologia dos grandes estúdios americanos. O resultado é um Frankeinstein cinematográfico: ao mesmo tempo em que procura fazer um filme de ideias, ao estilo francês, Besson cede aos efeitos especiais e a velhos chavões do consumo de massa: o vilão implacável e sua gangue, a perseguição de carros e o policial honesto que se mete na história por acaso. Por trás disso, porém, há uma ideia melhor, mais profunda e interessante.

Sob o impacto de uma overdose involuntária de drogas que carrega em um saco costurado no ventre, Lucy vai atingindo progressivamente 100% do uso do seu cérebro; resultado de uma reação em cadeia da inteligência, equivalente a de uma bomba nuclear. Com ela, podemos nos fazer muitas perguntas; sobretudo, nos aproximamos do conceito de que não existe a morte. E que o verdadeiro sentido da inteligência é o da busca pela imortalidade.

Nos acostumamos a pensar que somos o nosso corpo; o filme de Besson nos lembra que o corpo não importa. Vivemos querendo ser a árvore, regá-la, apará-la, conservá-la por mais tempo que pudermos, mas ela nunca deixará de ser perecível. Lucy entende que a única forma de sobreviver é não ser árvore, é entrar para a natureza, que nunca morre. A evolução do ser humano é abandonar o corpo perecível para ser somente uma forma de inteligência.

Estranho? Pode ser, mas aí está um intrigante caminho, e quem sabe uma visão do futuro, baseada nas possibilidades humanas. Muitas vezes a ficção científica mostra soluções; a própria física começa como uma investigação filosófica, para depois ser demonstrada em fórmulas matemáticas. O filme escorrega nos americanismos, e às vezes alguma cenas parecem patéticas, como o encontro de Lucy com sua versão antropóide, primeiro espécime da desenvolver a inteligência que consideramos humana, ou sua subida pelas paredes, que mais lembra carrie, a Estranha. Porém, não há pasteurização capaz de derrubar o fato de que, ali, há algo interessante no ar, e cada um pode tirar disso suas próprias conclusões.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O curso Escreva Bem, Pense Melhor volta à Livraria da Vila


Na segunda semana de outubro, o curso escreva Bem, Pense melhor voltará a ser ministrado no auditório da Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo.

Duração: 6 encontros de 2 horas

Objetivo

O exercício de escrever traz benefícios que vão além da própria escrita. O aperfeiçoamento da escrita desenvolve o raciocínio organizado. Ele nos ajuda a pensar melhor. E pensar melhor também nos faz escrever melhor, com textos capazes tanto de exprimir o seu autor quanto de atrair o interesse dos leitores.

Encontros

1. O desafio do papel em branco. Como escrever bem. A força das ideias. Escrita e pensamento. Texto e linguagem falada.
2. O pensamento estruturado. Clareza, interesse, relevância. Abertura, desenvolvimento e fecho. A primeira frase. Encadeamento e lógica.
3. A forma e o raciocínio: redação e estilo. Texto jornalístico e informativo. Conteúdo, informação e notícia. Síntese, concisão e outras normas estilísticas.
4. Os elementos da criação. Escrita, emoção, autoanálise e desenvolvimento pessoal. “Inspiração”: os elementos da criação. O texto como expressão individual: diário, blog, autobiografia, memórias. As formas literárias: o conto, a crônica, a novela, o romance. Primeira pessoa, o texto opinativo, a crônica e o texto memorialístico. A ironia e o humor. Estilo e individualidade.
5. Estudo de caso. Workshop
6. Adequação ao público. Comunicação corporativa. Impacto. Público segmentado ou dirigido. Mensagem e linguagem.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O resgate da literatura brasileira



Na mais recente edição da revista Observatório Cultural, do Banco Itaú, a agente literária Luciana Villas-Boas deixa um artigo importante para todos aqueles que vivem de livro no Brasil, especialmente ficção. E mais, faz um alerta especialmente para aqueles que atribuem a dificuldade dos autores brasileiros de emplacar em listas de mais vendidos à globalização do mercado, às deficiências de marketing das editoras e outras razões que não dizem respeito, essencialmente, ao produto.

O que diz Luciana é: o problema, sim, é o produto. Deixamos no Brasil de fazer literatura brasileira. Na esperança de ganhar o mundo, tentamos ser como os outros. Mas os outros ganharam o mundo sendo eles mesmos. O que os americanos vendem é literatura americana. Os franceses, idem. Gabriel Garcia Marques fez sua literatura se tornar global a partir dos recônditos da Colômbia. Eis a questão, desnudada por Luciana com clarividência: por que não literatura brasileira?

Ela pode falar da cátedra. Como editora da Record, Luciana se caracterizou pelo esforço de publicar autores brasileiros, inclusive novos. Sempre foi uma defensora da publicação de autores brasileiros no exterior. Seu empenho pessoal nisso a levou, quando deixou a empresa, em 2.012, a tornar-se agente literária. Inteligente, refinada e ativa, Luciana antes de mais nada é uma idealista, não no sentido do sujeito sonhador, mas de quem sabe que o ideal é o certo, e o certo é o ponto que se coloca adiante para alcançar o sucesso. Hoje, existem muitos agentes literários que vivem somente de vender autores estrangeiros no Brasil. O que ela viu foi a oportunidade, pela raridade de quem o fizesse, de vender autores brasileiros no exterior.

E há demanda. Recentemente, me contou ela ter vendido um jovem autor brasileiro a uma editora europeia por um dinheiro surpreendente. Segundo Luciana, o que os editores estrangeiros querem do Brasil são autores brasileiros, que falem da nossa realidade, presente ou passada; que tenham a cor, o cheiro, o gosto do Brasil. Não por acaso Jorge Amado se tornou o romancista brasileiro mais vendido do passado. Gabriela e Tieta não moravam em Nova York. O Brasil é rico em cultura, em história, e o charme brasileiro está na moda em todo o mundo. Os autores brasileiros, porém, não perceberam isso.

Pode ser que o leitor brasileiro também tenha perdido isso de vista. Sucessos como Guerra dos Tronos, Harry Potter e 50 Tons tiraram o foco ou o interesse dos leitores, sobretudo os mais jovens, da literatura nacional. Nosso maior autor no exterior hoje, Paulo Coelho, criou a onda mística que lhe permitiu ser um sucesso mundial sem falar uma única palavra sobre o país onde nasceu. Porém, trata-se de uma exceção, e um fenômeno que hoje já vai ficando datado.

Não adianta reclamar da vida ou levantar barreiras protecionistas. A saída, mostra Luciana, é fazer uma literatura brasileira de qualidade; vendedora, sim, mas genuinamente nacional. Precisamos fazer do Brasil a potência que todos esperamos na economia, mas essa presença não existe sem estar também no cinema, na literatura e nas artes de forma geral. É possível. É importante. Vamos trabalhar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Vai Antonio Ermírio, ficam seus valores



Em meados da década de 1.990, quando eu trabalhava no grupo Exame, publiquei uma entrevista do ex-governador Orestes Quércia, na qual este acusava a família Mesquita, dona do jornal O Estado de São Paulo, de corrupção - teria usado sua influência na imprensa para obter empréstimos favorecidos do BNDES. A família Mesquita processou Quércia pela acusação, e este processou os Mesquita de volta. O caso, em si, obviamente não deu em nada. Porém, ficou disso uma estranha amizade. Uma vez por ano, eu era chamado ao Fórum da Lapa, em São Paulo, assim como o empresário Antonio Ermírio de Moraes e o banqueiro Olavo Setúbal, os três arrolados como testemunhas. A família Mesquita e Quércia, os principais interessados no processo, nunca compareceram ao fórum. Eu, porém, Ermírio e Setúbal, estávamos sempre lá. Uma vez por ano, durante cerca de cinco anos, nos encontrávamos pontualmente no Fórum. E ficávamos batendo papo, até que o juiz, ao ver que as partes efetivamente não compareciam, acabava por nos dispensar.

Era um prazer conversar com ambos. Nesses encontros, discutia-se sempre a ética. Tanto Setúbal quanto Ermírio eram pessoas ocupadíssimas. Porém, davam valor e respeitavam a justiça em primeiro lugar. Ermírio, sobretudo, fazia questão de não se portar como costumam fazer os poderosos, que se acham pairando sobre a lei ou, esquecidos dos princípio básicos da igualdade humana, do respeito e da humildade, deixam de fazer aquilo que é obrigação de cada um. Mais do que um dos líderes da Votorantim, ao lado de seu irmão José, Ermírio se tornou conhecido pela ética do trabalho, da qual era o grande pregador. E fazia questão de ir muito além de suas obrigações. Mesmo tendo a maior companhia privada do Brasil para tocar, desdobrava-se para fazer seu trabalho administrativo - e benemerente - no hospital Beneficência Portuguesa.

Quando inaugurou o hospital São José, que pretendia transformar num centro de excelência, tive o prazer e a honra de comunicar a ele que receberia o título de Paulistano do Ano, concedido pela revista Veja S. Paulo, que me pediu para escrever um perfil dele. Hoje, esse perfil se encontra publicado em livro ("Eles Me Disseram, Editora Saraiva/Versar). Nessa ocasião, em que me recebeu sem muito apreço pelo prêmio, como por qualquer prêmio, mas atencioso com o jornalista e feliz com a realização do hospital, "doutor Antônio" se deixou conhecer um pouco mais.

A morte de Antônio Ermírio, aos 86 anos, assim como a de Setúbal, deixa a marca de um brasileiro incansável, patriota e exemplar. Rico como era, mas levando uma vida relativamente espartana, totalmente voltada para os 9 filhos e o trabalho, ele se tornou líder pelo comportamento. Uma breve experiência na política mostrou-lhe que esse mundo não lhe servia, e que fazia mais pelo país como simples cidadão e empresário. Avesso à demagogia, criticava políticas assistencialistas, como a do Bolsa Família. Seu foco era a geração de emprego e a valorização do cidadão pela educação e o trabalho.

Sem Ermírio, fica-se com a impressão de que o Brasil perdeu um de seus pilares. Porém, se os homens vão, seus valores ficam. O Brasil precisa de muitos Ermírio, que lutem pela saúde, educação e trabalho de forma honesta e incansável. Pessoas que se orgulhem de pagar impostos e capazes de doar parte de seu tempo e capacidade às causas coletivas. Pessoas que prefiram às vezes trilhar o caminho mais difícil, pelos frutos mais duradouros que renderão no futuro, do que ceder às facilidades momentâneas ou à tentação do golpe empresarial ou eleitoreiro.

Não vou ao seu velório, nem ao seu enterro. Vou trabalhar, a melhor homenagem que neste momento poderia lhe prestar. Ermírio para mim está vivo, pois sua missão nunca se acaba, mais importante do que nunca.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A redescoberta do Brasil

Meu novo livro, que sai pela Editora Planeta: a revisão da descoberta do Brasil, uma história épica, irônica, às vezes fantástica, com prefácio de Laurentino Gomes



Por muito tempo, sem entender bem os motivos secretos que por vezes nos fazem agir, colecionei livros e material sobre a descoberta e a colonização do Brasil. Obras dos primeiros cronistas, ensaios, teses, livros de História. Mapas, desenhos, gravuras. Por alguma razão, sempre tive vontade de rever o começo do Brasil, que sempre me pareceu uma história épica, irônica, às vezes meio fantástica. E que também sempre me pareceu muito abreviada nos livros de História, às vezes mal interpretada, ou ainda despida das cores da realidade.

Temos grandes obras teóricas, ou ensaísticas, como de Sérgio Buarque de Hollanda e Darcy Ribeiro. Temos muitos livros didáticos. E temos livros de história escritos no passado mais distante, sem os mesmos recursos de hoje, com o acesso que há à informação e uma visão mais contemporânea dos fatos. E eu queria reconstituir a história do Brasil como numa grande reportagem, que fosse algo mais vivo, mais próximo da verdade, em que se pudesse não apenas entender como ver o que aconteceu.

Neste ano, em que tive oportunidade de voltar a escrever, meu livro sobre as origens do Brasil começou a surgir. Há duas semanas, coloquei ponto final, entre orgulhoso e desancado por meses pregado à minha cadeira Aeron. O trabalho de reconstrução, ou de restauração, foi muito enriquecido por uma sorte conjuntural. Graças à internet, muitas obras raras e antigas se tornaram disponíveis para consulta, dos historiadores clássicos aos textos originais de jesuítas e exploradores. Aos poucos, fui refazendo o percurso de nossa história. E, pela primeira vez na vida, creio ter entendido, de fato, o Brasil. Da maneira como precisa ser feito: desde as raízes.

Aos poucos amigos com quem conversei nesses meses de trabalho, expliquei por que coloquei isso na frente de escrever ficção. A ficção preenche com ajuda da imaginação os espaços vazios entre os acontecimentos, coloca vida, emoção e gesto nos personagens. E temos, na descoberta do Brasil, personagens monumentais. Mas ela não pode fazer isso à custa de erros ou interpretações equivocadas da história. Talvez eu ainda venha a escrever um romance sobre a colonização do Brasil, mas para isso precisava primeiro estudar a fundo e entender o que aconteceu. Com isso, espero dar também uma contribuição do jornalismo contemporâneo ao entendimento da nossa história.

Hoje em dia, devido ao trabalho de jornalistas como Laurentino Gomes, estamos modernizando a história do Brasil, revendo nosso passado, para tirar dele a poeira e as deturpações, em busca de uma visão mais realista e profunda do país. A revisão da História é uma prova de que o passado pode mudar. Com uma visão mais moderna, informação e novos achados, revemos o que aconteceu, tanto os fatos como a interpretação dos fatos. Laurentino, que faz isso muito bem, e entende a importância desse trabalho, que é coletivo, gentilmente aceitou a tarefa de escrever uma apresentação deste novo livro.

O livro sairá apenas no começo do ano que vem, pela Editora Planeta. O lançamento coincidirá com as comemorações do aniversário de 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, que foi um marco fundamental na colonização portuguesa do Brasil. A partir da fundação do Rio, por paulistas e portugueses, é que a costa brasileira efetivamente se tornou uma colônia portuguesa. Por isso, essa reconstrução do Brasil é também uma homenagem à cidade que, além de maravilhosa, tem uma importância capital em nossa história e na cultura brasileira.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Redford e Fonda: o bom finalmente é marginal



Nos últimos tempos, assisti a três grandes filmes, estrelados por astros do cinema que tiveram seu auge nos anos 1.960-1970: Robert Redford e Jane Fonda. Ambos têm muita coisa em comum. Representaram no passado uma geração de artistas ligados nos Estados Unidos aos movimentos de protesto, à contracultura, e mesmo assim sempre foram estrelas do cinema mainstream. Ambos foram sempre celebrados por sua beleza na juventude. Ambos protagonizaram alguns grandes clássicos do cinema. Ambos, especialmente Jane, filha de outro astro, Henry Fonda, são tão parte da indústria do cinema quanto a Paramount ou a 20th Century Fox.

Agora, eles têm mais coisas em comum. Uma delas é que continuam em grande forma. Ambos envelheceram bem. E têm feito bons filmes.

Redford, que criou e promoveu o Sundance, maior festival de cinema alternativo, e foi celebrizado por clássicos como Butch cassidy & Sundance Kid, ou Todos os Homens do Presidente, fez recentemente dois filmes excelentes. Um deles, Sem Proteção (cuja romance, de Neil Gordon, lancei no Brasil, como editor da Saraiva), conta a história de um ex-guerrilheiro foragido que é obrigado a revelar sua identidade por conta de um problema com o filho. Seu filme mais recente, Até o Fim, é uma poderosa história sobre um náufrago que praticamente não precisa de palavras para ser contada.

Fonda está em Paz, Amor e Muito Mais, uma comédia sentimental primorosa, em que faz um papel bastante ligado a ela mesma. A estrela de Amargo Regresso, Julia e outros papéis que lhe deram 7 Oscars, agora já uma senhora, vive a mãe de uma advogada que se ressente de sua opção pela vida hippie, a vida sexual livre e a plantação de maconha debaixo da casa, mesmo que tudo isso já pareça fora de moda. A pergunta que a personagem faz à filha (“o que fiz de tão grave que não posso ter o seu perdão?”) ressoa alto para gente como eu, que se coloca a mesma questão diante de familiares que nunca deixam de alimentar a raiva ou rancor.

Redford e Fonda têm ainda uma terceira coisa em comum. Nenhum de seus mais recentes filmes entrou em grande circuito. Mesmo sendo ótimos, passaram direto para a TV a cabo ou o DVD, onde podem ser vistos hoje. Finalmente conseguiram, de fato, ser alternativos, ou marginais. Seus filmes nem sequer chegaram aos cinemas.

Claro que isso se explica. A disputa hoje por espaço nos cinemas é muito grande. E os executivos do cinema talvez tenham outras prioridades. Talvez achem que os grandes astros do passado não tenham mais o mesmo apelo. Talvez os filmes que eles fazem hoje sejam finos demais para a maior parte do público atual. Talvez hoje as pessoas prefiram menos arte, e mais entretenimento. Talvez as pessoas se interessem cada vez menos pelo relacionamento humano, e procurem no cinema somente qualquer coisa cheia de efeitos especiais. Talvez a Humanidade tenha caído um degrau na escala evolutiva em certos aspectos.

De todo modo, Redford e Fonda continuam aí, para quem quer diversão e arte. Se a mídia digital trouxe um grande bem, é a possibilidade de se ter acesso a tudo, de alguma forma. Inclusive ao que é vintage e o que é bom.


Os tigres e nós, os imprudentes



Uma vez fui ao Circo Garcia, em São Paulo. Estava passeando do lado de fora, na hora do intervalo, e vi o dono do circo sentado num tablado, ao lado de um tigre branco, apoiado nos quatro cotovelos.

- Quer dar um abraço nele? - ele me perguntou, com sotaque castelhano.

Meio ressabiado, fui lá. Dei um abraço no tigre. Foi gostoso, um gatão peludo, mais aquela sensação do perigo. Perguntei se o tigre tomava algum remédio pra ficar calminho. O homem ficou bravo. Balançou a varinha e fez o bichão ficar de pé, para mostrar que estava bem esperto. O tigre levantou nas patas traseiras, ficou maior que um armário, um armário siberiano, e colocou as mãos nos ombros dele.

O menino do zoológico de Cascavel foi imprudente. Assim como o pai dele. Todos não somos, alguma vez na vida? Talvez ele tenha tido sorte. Saiu com vida.

Pensamentos de quem já abraçou um tigre.

PS: E o zoológico, não foi imprudente, de fazer uma jaula assim acessível e sem fiscalização? Estão jogando a culpa no pai, mas e eles?

Edir Macedo e o Templo de Salomão



Eu sou um dos pouquíssimos jornalistas que já tiveram a oportunidade de entrevistar e conhecer pessoalmente o bispo Edir Macedo. Fui recebido por ele quando trabalhava no grupo Exame, anos atrás. Ele havia acabado de comprar a TV Record e, depois de muita insistência, concordou que eu escrevesse um perfil falando dele, de sua igreja e da maneira como a organizava.

Edir chamava a atenção já no aperto de mão. Vítima de uma má-formação, ele possui em ambas as mãos o polegar diminuto e a pele escamosa; a sensação foi de que eu apertava uma rã. Parece apenas um detalhe bizarro, mas a deformidade de Edir tem um papel fundamental em sua história pessoal. Ele se culpava, ou a genes ruins, por ter tido uma filha com lábio leporino. Buscara ajuda na igreja católica, mas não encontrava consolo. Nas reuniões às quais ia, percebeu que mais ajudava as outras pessoas do que era ajudado. E resolver fundar sua própria igreja, primeiro subindo nas favelas do Rio de Janeiro, depois pregando no seu primeiro centro de culto, uma loja aonde antes funcionava uma funerária.

A igreja criada por Edir é um reflexo dele mesmo, uma panaceia que junta retalhos de outras fés. Embora sua base seja o Evangelho e a figura de Jesus, como a maioria das seitas pentecostais, Edir misturou outros elementos, da encenação do candomblé, com o exorcismo de pessoas supostamente tomadas pelo demônio, às raízes judaicas do Velho Testamento. Lá está o templo de Salomão, conhecido como o “rei da sabedoria”, na verdade uma figura controvertida na própria visão bíblica. No Livro de Salomão, a sabedoria terrena na verdade é vista criticamente, como a “vaidade das vaidades”, em oposição à simplicidade da fé.

Sem importar-se em ser um teólogo capaz de fazer sentido, Edir é na realidade um motivador de pessoas – aí reside seu talento. Essa virtude lhe permitiu não só conquistar acólitos como também ser um extraordinário formador de quadros capazes de ampliar seu raio de ação. É impressionante sua capacidade de produzir “bispos” e pastores fiéis ao seu discurso, gestual e ideias. Graças ao seu trabalho de RH, Edir fez a Universal prosperar rapidamente no Brasil e mundo afora.

É também um pastor com tino de empresário. Para mim, reclamou que a igreja era vista pela imprensa ingenuamente como uma exploradora do povo mais pobre. Para começar, dizia que não era o miserável que sustentava a Universal. Na verdade ele enxergara um mercado: o trabalhador que tinha emprego e renda, mas nenhuma perspectiva de subir na vida, por falta de oportunidade. Seu discurso sempre foi de que esse trabalhador pode conseguir mais, se tiver fé; ele tem dinheiro para pagar o dízimo, e a fé que o inspira é uma “fé de resultados” capaz de levá-lo a uma vida melhor.

A ideia de que ganhamos um lugar no Paraíso além da vida, pregada pela Igreja Católica, nunca foi suficiente para Edir. Ele sempre acreditou que a igreja tem de dar respostas para o ser humano ainda em vida. Sua igreja é pragmática e não há dúvida de que ajuda muita gente. Edir é polêmico porque é impossível medir a relação entre o benefício que sua igreja traz aos seus acólitos e o quanto do dinheiro arrecadado vai em benefício pessoal de seus bispos e pastores. Edir não vê nisso conflito de interesses, porque nunca pregou o discurso da vida ascética nem defendeu qualquer espécie de voto de pobreza.

Edir já foi preso por falsa ideologia, mas não apenas foi solto como o juiz que mandou prendê-lo (por sinal com um nome bíblico, Abrão), acabou sendo afastado para um forum na periferia de São Paulo - foi para a geladeira. O que era uma suposta defesa do público empreendida pelo justiceiro togado acabou virando, aos olhos do Judiciário, uma inútil perseguição. Não se pode subestimar as pessoas que seguem a Universal, que têm o direito de escolher, apoiar, pagar e professar a fé que quiserem, por mais descabida que possa parecer. E assim Edir vai conseguindo edificar o seu império, do qual o Tempo de Salomão, construção de proporções bíblicas numa das zonas mais abandonadas do centro de São Paulo, é apenas o mais novo, extravagante e significativo símbolo.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O que mudou no futebol - e a seleção não entendeu



O que mais impressionou na última Copa do Mundo foi a compleição física dos jogadores de todas as seleções, destacada pelas camisas colantes, que fizeram a alegria da torcida feminina. Com a ajuda dos computadores, ficamos sabendo que os atletas corriam entre 8 e 13 quilômetros por partida. É mais ou menos o que corre um maratonista, dentro do tempo de uma partida de futebol.

O desenvolvimento físico dos atletas fez o jogo se tornar mais dinâmico. É preciso passar a bola rápido, porque com a capacidade física aumentada, o adversário chega mais depressa para tomar a bola ou se antecipar. A bola tem de sair mais forte - no time da Alemanha, cada passe parecia parecia mais um chute a gol.

Com a transformação dos jogadores em atletas olímpicos, diminuíram os espaços em campo. Com isso, além da velocidade da bola para o passe, uma jogada que havia algum tempo andava desaparecida do futebol começou a retornar: a tabelinha. É preciso tocar a bola rápido e tramar em jogadas curtas para se livrar da floresta de adversários que rapidamente recompõem a defesa. O futebol de campo se aproximou do futebol de salão, onde os espaços são exíguos.

Esses são os elementos principais que faltaram ao futebol brasileiro, que caiu diante da Alemanha não apenas por falência psicológica. Caiu, e feio, porque os alemães jogaram um futebol adequado às condições do esporte hoje. A maioria dos gols alemães veio de trocas rápidas de passe. Os gols alemães e o próprio resultado do jogo foram de futebol de salão, um esporte que os brasileiros inventaram. Mas não percebemos sua importância no futebol de campo de hoje.

O Brasil jogou um futebol mecânico e antigo, pesado na defesa e lento na retomada do ataque. Com tempo para se fechar, os adversários dificultaram a ação dos nossos atacantes. O Brasil não precisa apenas se reerguer moralmente. Temos de entender que nós inventamos as qualidades que são necessárias no futebol moderno e voltar a praticá-las. A troca de bola em espaço curto, o drible, a troca rápida de passes sempre foram características do futebol brasileiro. E hoje vemos isso mais nos times europeus que no Brasil.

Gareca, o técnico argentino do Palmeiras, disse aos jogadores argentinos que está trazendo para o clube que se darão bem no futebol brasileiro, porque aqui os adversários dão muito mais espaço para jogar. O técnico da Fiorentina, Vincenzo Montella, que veio disputar um amistoso com o próprio Palmeiras no Brasil, disse o mesmo. Não é coincidência. Eles observam. E têm razão. Graças a técnicos incapazes de enxergar o que está acontecendo, esquecemos de jogar o nosso próprio futebol. Assistir aos jogos do Brasileirão, depois da Copa, virou uma chatice. Parece que as partidas são em câmera lenta.

Dar espaço na defesa e subir sonolentamente para o ataque são a antítese do futebol moderno, nestes tempos em que qualquer jogador poderia estar disputando a prova de 100 metros rasos ou a meia maratona. Ou o Brasil enxerga isso, ou continuaremos a ter dificuldades diante de seleções que sempre foram menores, como Chile e México, e apanharemos feio daqueles que, além dessa dinâmica, possuem também algum talento.

A Copa não foi apenas uma lição moral. Temos de aceitar que foi também uma aula de futebol.

A bestialidade humana



Há um fogo cruzado na imprensa e nas redes sociais,pró-israelenses dizendo que a culpa é do movimento palestino terrorista Hamas, pró-palestinos dizendo que a culpa é dos israelenses. Enquanto isso, ontem morreram dezenove crianças num bombardeio na faixa de Gaza, enquanto dormiam num abrigo da ONU.

A morte de crianças revela a única verdade, que abrange um e outro lado da disputa: todos são culpados. Uma vez que a intolerância e obscurantismo se armam, e se passa à guerra, sob qualquer pretexto, todos os lados perdem a razão. A guerra mostra apenas a bestialidade humana, nossa natureza mais feroz, aquela que deveríamos ter controlado quando decidimos levantar a cabeça, ser diferentes dos animais e construir uma civilização.

São criminosos os que colocam civis como escudo para terroristas, como são criminosos os que não se importam com qualquer tipo de barreira para eliminar o inimigo. São criminosos os indivíduos que instalam o terrorismo, e é criminoso o terrorismo de Estado.

Em pleno Século XXI, em que tantos avanços foram feitos graças ao pensamento iluminista e à tecnologia, a maior ameaça mundial continua a ser o barbarismo oriundo da intolerância e do radicalismo religioso, que remontam à era tribal. Eu, que estudei a Bíblia para escrever um romance sobre a formação do povo judeu (O Homem que Falava com Deus), pesquisei na Jerusalém de hoje costumes e ideias preservados há milênios para produzir um romance histórico, porque os componentes mais primitivos da beligerância religiosa estão todos lá.

Os judeus cultuam o mito de uma raça pura, advinda de um único ancestral, escolhida por Deus, e fundaram ao redor desse mito uma Estado militarizado voltado para a guerra e disposto a tudo para prevalecer. Um grande livro, que tive a oportunidade de lançar como editor (A Invenção do Povo Judeu, do professor judeu Shlomo Sand, um heroi de guerra, professor de História na Universidade de Tel Aviv) mostra como na verdade os judeus são um povo miscigenado, formado ao longo dos séculos, que bem poderia entender suas raízes históricas para construir ao seu redor um mundo mais pacífico.

Por sua vez, os palestinos, que sempre estiveram por ali mesmo, também foram incapazes de conciliar suas crenças com a tolerância na vida terrena. Ainda mais agora, em que o radicalismo islâmico produziu uma força tão cega e feroz quanto a de seus adversários.

Este planeta é pequeno para a ambição humana. A incapacidade de dividir, de conviver, de tolerar, de respeitar as ideias, crenças e costumes do próximo sempre foram nossa perdição. Estamos de volta às cruzadas, quando os guerreiros usavam lanças e travavam batalhas a cavalo, pois o problema continua o mesmo.

A pobreza crescente faz com que a população carente se apegue às ideias mais retrógradas, patrocinadoras do único culto universal, que é o culto da raiva. E o pobre é, no fim das contas, a maior vítima desse tipo de disputa. Sim, porque os ricos não estão lá, morrendo em abrigos, ou levando tiros nas trincheiras.

Como desarmar os espíritos, quando chegamos a este ponto? Como levantar bandeiras de paz? Como restituir a civilidade a uma sociedade retornando à bestialização completa, desta vez não com pedras e espetos de pau, mas com mísseis de longo alcance?

Olhemos para os corpos das crianças, amontoadas como lixo entre os escombros. Ali está a resposta.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Uma estrela da literatura brasileira



João Ubaldo Ribeiro escreveu sua obra maior, Viva o Povo Brasileiro, numa velha máquina de escrever, um aparelho mecânico, assestado sobre um caixote de madeira, na Ilha de Itaparica, sua terra natal. Dali saiu com um calhamaço debaixo do braço para o Rio de Janeiro, onde ficam as grandes editoras de livros e a aura de que precisam os escritores. E se tornou sem sombra de dúvida o maior escritor brasileiro contemporâneo.

Nunca mais João Ubaldo escreveu um livro tão bom, ambicioso e vasto quanto Viva o Povo Brasileiro. Ele era baiano e, embora gostasse de escrever, tinha preguiça de trabalhar, quanto mais num livro do mesmo calibre. Levei muito tempo para convencê-lo a escrever uma simples crônica, na época em que dirigia a revista VIP, e lancei uma série de relatos de viagem de escritores que acabaram reunidos em livro (Viagem Inteligente, da Geração Editorial). Antônio Callado, em seus últimos tempos de vida, escreveu sobre Roma. Lygia Fagundes Telles sobre Estocolmo. Luis Fernando Veríssimo, sobre Paris. Ubaldo, a muito custo, escreveu sobre Berlim, onde passara uma temporada, com uma bolsa do governo alemão. No texto, em que discorria sobre hábitos estranhos dos alemães, como nadar pelados no frio extremo, deixava o que foi a sua marca como cronista: a ironia, o bom humor, a observação arguta, e um ponto de vista que sempre tinha algo da velha baianidade.

Ubaldo não escreveu muitos grandes romances, nem deixou grandes personagens, como Gabriela e Tieta, de Jorge Amado. Porém, escrevia magicamente bem, e a marca da ironia e do fino pensamento fizeram da sua leitura sempre um enorme prazer. Dizia que, antes de começar a escrever, rezava um padre-nosso. A inspiração, embora seja um dom natural, ou resultado do trabalho, parece precisar sempre de certa interferência divina para fazer o bom texto acontecer. E ele dependia daquilo, porque vivia apenas de escrever, embora fosse formado em Direito, e não gostasse muito do trabalho árduo, como é o ofício de escrever.

Os livros secundários de Ubaldo, como O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos e sobretudo Sargento Getúlio, um primor do minimalismo literário, misto de ensaio político e humano, levados ao cinema e à TV, fizeram dele um escritor mais completo. Em Viva o Povo Brasileiro, narrativa histórica que dá dimensão não apenas à obra mas à formação da sociedade brasileira, Ubaldo se fez não apenas como romancista, mas um escritor ligado ao Brasil, que explica o Brasil, e forma o Brasil.

Por muitos anos, Ubaldo lidou com problemas de saúde, especialmente os ligados ao alcoolismo, que o deixou à morte. Para mim, era mais um caso comprovador de que ser escritor não se trata de escrever nem de ser publicado ou reconhecido, é viver no extremo do conflito existencial. Diante da luta contra o inevitável, da certeza de que a batalha da vida sempre é perdida, o escritor se lança numa jornada interior que só pode ser aliviada pelo desabafo das letras. E se torna, muitas vezes, um processo autodestrutivo.

Ubaldo sabia que, como qualquer outra coisa, a literatura é inútil para nos manter vivos. Ao morrer nesta madrugada, vitimado por complicações respiratórias, fechou aos 73 anos o capítulo que temera desde sempre. Ressentia-se de que sua obra pregressa tinha desaparecido das livrarias e de nunca ter sido tratado da mesma forma que as estrelas estrangeiras nas festas literárias aqui mesmo dentro do Brasil. João Ubaldo Ribeiro, porém, foi uma estrela da literatura brasileira, à qual ele deu mais brilho. E agora pode descansar no seu firmamento.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A batalha no Brasil



A Alemanha não venceu a Copa porque foi o time mais organizado e de melhor futebol. Teve sorte. O gol no final da prorrogação saiu de um lance igual a outros em que a bola foi perdida. E a Argentina, aguerrida e melhor em grande parte do jogo, levou um castigo imerecido, se contarmos só a partida final.

Revi há pouco no YouTube Brasil 2x0 Alemanha na final de 2002. O Brasil tinha grandes craques, sobrou no torneio e voava em campo na decisão. venceu de forma categórica. Na decisão de ontem, ambos os times estavam esgotados pela campanha. Física e psicologicamente. Não houve superioridade clara. Esta Copa foi feita de grandes lutas, uma verdadeira batalha.

Os alemães trabalharam bem para ser campeões. Mas na final, quando já fraquejavam, dependeram da sorte para vencer.
No fim foi foi justo; mas ficou a triste sensação de que, com um comando melhor, que organizasse o nosso time e lhe desse a tranquilidade necessária, poderíamos ter ganho.

O Brasil fez uma bela Copa e ainda tem o melhor futebol do mundo. Precisamos apenas de um comando mais moderno, mais realista e eficaz. Nisso os alemães deram seu show. Num time sem um destaque muito evidente, o time era um verdadeiro conjunto, como peças que fazem um relógio. Faltou essa capacidade à nossa comissão técnica, assim como humildade, para rever erros, principalmente quando ainda havia tempo para isso.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

As coisas podiam ter sido diferentes



Você acredita em teorias da conspiração? Eu não, mas fico pensando no que teria acontecido se as coisas tivessem sido diferentes.

Se a Fifa não tivesse trocado o critério da formação das chaves, colocando como cabeças-de-chave seleções como Colômbia e Bélgica, será que os times mais fortes e tradicionais como Itália, Espanha, Uruguai e Alemanha ficariam todos amontoados do lado do Brasil, como aconteceu? Será que o Brasil pegaria a Alemanha na semifinal? E se com outro chaveamento pegasse a Alemanha somente na final, as coisas não poderiam ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse examinado os vídeos e advertido os juízes de que os adversários estavam procurando quebrar Neymar no primeiro lance de cada partida, será que não teria havido jogadores advertidos ou expulsos? Será que Neymar teria ido parar no hospital?

Se a Fifa tivesse sido tão rigorosa com o jogador da Colômbia que tirou Neymar do futebol, como foi com Luizito Suárez, não daria menos a impressão de ter sido leniente com o que fizeram com o jogador brasileiro? Se Neymar tivesse jogado a semifinal, as coisas não podiam talvez ter sido diferentes?

Se a Fifa tivesse punido o lateral da Colômbia, ou jogadores da França que aplicaram diretos no queixo contra adversários, será que ainda estaríamos com essa impressão de que a Fifa agiu precisamente para tirar Luizito e o Uruguai da Copa?

Se fossem coibidas essas rodas de apostas milionárias, em que um sheik árabe ganhou 2 bilhões de dólares (repito, 2 bilhões) por apostar que o Brasil perderia de 7 a 1 para a Alemanha, não teríamos menos razões para temer a circulação de malas pretas vultuosas para jogadores?

Se não fosse permitida tanta influência dos interesses comerciais em jogo, com agentes e grandes patrocinadores por trás de cada jogador, das seleções e da própria Fifa, poderíamos ter mais certeza da lisura no esporte? As coisas não seriam diferentes?

Se os cambistas que vendiam ingressos no mercado negro não estivessem hospedados no Copacabana Palace, o mesmo dos diretores da Fifa, não teríamos menos essa impressão de que a entidade tem algo a ver com isso?

Os jogadores do Peru confessaram ter recebido mala preta para perder em 1.978 para a Argentina, que precisava de quatro gols para tirar o Brasil e vencer a Copa em seu próprio país. Nesse jogo, a Argentina fez seis. Foi uma das maiores goleadas da história das Copas. Se a Fifa tivesse mandado investigar o caso e punir criminalmente quem foram os subornadores, teríamos ainda essa sensação de que coisas estranhas acontecem com a sua complacência?

Se o Brasil tivesse feito a mesma coisa que a Argentina em 1.978, as coisas teriam sido diferentes?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O Brasil não sabe perder



A fragorosa derrota para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, por inimagináveis 7 a 1, serviu como um bom exemplo do maior problema do país: o Brasil não sabe perder.

O motivo é um só. Fazemos alta conta de nós mesmos, dormindo em berço esplêndido num país de grande potencial, e não aceitamos nada menos que nossos sonhos de grandeza e de vitória. Por décadas, compensamos nossa frustração com as mazelas do país com aquilo em que nos achamos bem sucedidos. E o fato é que não sabemos perder tanto num campo como no outro, o da vida e o do futebol.

O resultado da Copa foi de vitórias e fracassos. Organizamos uma boa Copa, com belos estádios e bom futebol. Aconteceram coisas muito graves, como o superfaturamento dos estádios, e incidentes que falam muito mal a respeito do nosso país. Morreu um jornalista argentino de 38 anos, atirado para fora do táxi ao ser abalroado por um veículo roubado, perseguido pela polícia. Durante a festa, caiu um viaduto em Belo Horizonte. Isso, porém, vai ficar embaixo do que até parece um desastre maior: o vexame da seleção, levando uma goleada histórica dentro de casa.

O Brasil acha que tem de ser sempre grande, e reage mal à derrota, negando seus males e sua responsabilidade. Uns fazem piada, e somos prolíficos nisso. (A minha preferida, foi de um internauta que diz só assistir o UFC, porque lá o juiz pelo menos interrompe tudo quando alguém está apanhando muito). A outra reação tipicamente brasileira ao insucesso, refletida na imprensa brasileira, é criticar tudo na derrota, com a marca da maldade, nesse caso cravada nos jogadores e na comissão técnica.

O brasileiro gosta de ironizar, falar mal e jogar a culpa sobre as nossas mazelas nos políticos, quando se fala do país, e nas derrotas esportivas sobre o técnico ou algum outro bode expiatório. O derrotado, no Brasil, fica marcado a fogo, como o velho e falecido Barbosa, goleiro da seleção de 1.950. Foi triste ver os jogadores da seleção, ao final do jogo, sem saber o que fazer: se saíam de fininho, ou agradeciam a torcida que os apupava e procurava afugentar como um bando de cachorros sarnentos. Não foram só os jogadores, porém, que perderam. Quem perdeu foi o Brasil.

Assim como o povo brasileiro, em campo os nossos jogadores demonstraram que não sabem perder. E, dessa forma, não sabem também ganhar. Por isso, não surpreendeu o choro depois da sofrida vitória nos pênaltis diante do Chile. Os atletas brasileiros mostraram aí o quanto faltava estrutura psicológica para enfrentarmos as dificuldades de uma Copa dentro de casa. Jogaram a responsabilidade para a torcida, denunciando uma grande "pressão". A torcida não tinha culpa de torcer, ou de cantar o hino, ou de cobrar vitória, ou lançar emoção nas partidas. E os jogadores não podiam ter desmontado daquela forma, como se a Copa tivesse acabado no dia do Chile. Para nós, o sonho de vitória, pressentia-se, terminava mesmo aí. E de fato apenas ganhamos uma sobrevida, com a imerecida vitória contra a Colômbia. Porque contra a Alemanha nem chegamos a jogar.

Qual é o problema do nosso aparente antipatriotismo, da nossa mania de falar mal de nós mesmos, da nossa recusa em olhar para nossos erros? É que, jogando sempre a culpa nos outros, não aprendemos nada com as derrotas. Esta Copa foi cheia de lições de futebol e também para o país. O brasileiro parece ser brasileiro apenas antes do jogo e, depois, na vitória. Não sabe ser brasileiro na hora de levantar a poeira e dar a volta por cima. A Espanha, última campeão do mundo, levou uma biaba tão feia quanto a nossa nesta Copa, ao ser goleada pela Holanda, mas não levou a derrota tão fundo na alma. Mas a Espanha é um país de primeiro mundo, sem esses complexos que o Brasil gosta de carregar para aliviar o peso da frustração consigo mesmo.

Qual é a realidade que temos de encarar, o que temos a aprender? O Brasil perdeu porque se preparou mal. Os alemães mantiveram um time que já tinha ido bem na Copa anterior e, eles sabiam, precisava ainda amadurecer para vencer. E amadureceu. Manteve os jogadores, um técnico jovem e técnicas de preparação que incluiu desde softwares sofisticados a aulas de ioga e relaxamento. Construiu um centro de treinamento próprio na Bahia. Os alemães pensam no longo prazo e criam tijolo sobre tijolo as condições para a vitória.

Já nossa seleção primou pela falta de estrutura, mesmo numa organização rica como a CBF. Descobrimos, no jogo contra o Chile, que os jogadores não dispunham nem mesmo de acompanhamento psicológico. Uma psicóloga foi chamada às pressas para tentar reerguer o moral da equipe. O que se conseguiu foi um remendo, que rasgou completamente assim que o Brasil tomou o primeiro gol alemão.

Felipão gosta de bancar o paizão, mas sua especialidade não é a psicologia. Com a caricatural macheza gaúcha, chegou a ventilar um mal estar interno ao dizer que se arrependera de convocar um dos dos 23 jogadores, uma maldade tão gratuita quanto inútil e contraproducente dentro de qualquer equipe. Felipão também não sabe perder. Deixou a responsabilidade da derrota para os jogadores, atribuindo-a ao "apagão" no qual levamos gols em sequência. E escamoteou o fato de que o Brasil se preparou mal tecnicamente.

A CBF, representada por José Maria Marin, um político sem nenhuma expressão, confiou demais na experiência de Felipão e Parreira, dois técnicos campeões, mas já ultrapassados. Felipão não soube armar a equipe no início e piorou diante das dificuldades que foram surgindo e exigiam inteligência e ação. Por sua vez, o técnico confiou demais na equipe que ganhou a Copa das Confederações, sem rever as peças que andavam mal, como Fred e Paulinho. E não soube o que fazer quando perdeu dois de seus mais importantes jogadores: Neymar, que levava o ataque sozinho nas costas, enquanto esteve jogando, e Thiago Silva, que com David Luiz vinha não apenas salvando a defesa, apesar do desempenho desastroso dos laterais, como ainda ajudava o ataque. É bom lembrar, foram os zagueiros que marcaram os dois gols na vitória contra a Colômbia.

O Brasil não soube lutar dentro e fora de campo. Neymar foi perseguido em todos os jogos, até o lance criminoso que o tirou da Copa e do futebol por um bom tempo. Em todas as partidas, recebeu no primeiro lance uma pancada dura como "cartão de visita". Em nenhum desses lances, o jogador adversário recebeu o cartão amarelo, ou sequer uma advertência, assim como na entrada em que o craque brasileiro foi literalmente quebrado ao meio.

Jogamos contra os adversários em campo e a Fifa fora dele. Pelos critérios adotados pela entidade, a maioria dos times de tradição em Copa do Mundo ficaram no lado da chave aonde estava o Brasil. A designação dos cabeças de chave segundo um ranking formulado pela própria Fifa, com Colômbia e Bélgica à frente de grandes forças, é uma forma evidente de manipulação ou de indução aos resultados. Não era difícil imaginar que Argentina ou Holanda chegariam à final. Não fossem algumas zebras, o Brasil poderia já ter sido eliminado antes, no cruzamento com a Espanha ou o Uruguai.

O Brasil também se dobrou a exigências absurdas, como expulsar do país um jogador (Suárez) que nem sequer foi expulso de campo, por normas de uma entidade que ocupa o país-sede com leis próprias e sua periferia de encrencas, incluindo cambistas que habitam o mesmo hotel aonde se hospeda sua suspeita diretoria.

O Brasil precisa parar de falar mal de si mesmo e trabalhar de forma construtiva. Reconhecer os erros e entender o que aconteceu é a única forma de construir um futuro melhor, e não falo apenas do futebol.

E eis a verdade: o Brasil não fez nenhum jogo nesta Copa de encher os olhos. Deixamos de mostrar força fora de campo, em defesa do nosso talento, de maneira que os árbitros continuaram a permitir a caçada a Neymar, impunemente. Viramos as costas para o fato de que a Copa é um jogo cheio de interesses, dos altos apostadores que hoje usam a internet para ganhar dinheiro aos patrocinadores capazes de transformar em marketing até mesmo os votos de solidariedade de colegas a um companheiro machucado.

A Copa é um jogo viciado, mas o Brasil até poderia ganhar, com outra postura. O Brasil quer ser sempre grande, mas precisa agir grande, para voltar a vencer. Com realismo no olhar sobre si mesmo e inteligência na preparação.

*
Acabo de terminar um livro sobre a descoberta do Brasil, e a Copa me ajudou a ver que somos assim desde sempre. Nossa mania de grandeza vem de longe, assim como nossa omissão na solução dos problemas que nos separam da grandeza real. Essa vocação para reclamar de tudo sem olhar para o próprio umbigo está na raiz do povo brasileiro. Nelson Rodrigues estava errado. O complexo de vira-lata não acabou com o Brasil campeão e copeiro. Ainda está aí, vivo, pungente a cada derrota transformada por nós, como na letra do hino que gostamos tanto de cantar quando ainda estávamos acreditando, em fracasso retumbante.





segunda-feira, 30 de junho de 2014

Não é hora de chorar



O goleiro Júlio César chorou porque pegou os pênaltis que salvaram o Brasil contra o Chile. David Luiz chorou porque fez gol. William, porque chutou seu pênalti para fora. Thiago Silva, o capitão, que deveria ser um exemplo em campo, também chorou e avisou que pênalti ele não bate. Felipão chorou porque... Bem, não sabemos porque Felipão chorou, mas ele, como comandante da seleção, é quem devia ter mais estrutura emocional. E transmitir serenidade aos jogadores.

Desse jeito, a seleção acabará chorando até para bater um escanteio. O Brasil tem todo tipo de recurso, menos um psicólogo para acompanhar os jogadores na tarefa de vencer a pressão por vitória dentro do Brasil. Que erro elementar.

Deixaram os jogadores transformarem a Copa numa catarse psicanalítica. Na Tv, vemos toda a história da remissão de Júlio César, chorando porque levou um frango na última Copa, ficou sem clube e teve que treinar com o filho para ter sua "segunda chance". Thiago Silva chora ao trocar cartas com a mãe relembrando o passado pobre e a tuberculose. E assim por diante. Todos resolveram deitar no divã agora que a competição está chegando à fase decisiva.

Os nossos craques não são coitados. São profissionais milionários com carreiras bem sucedidas e muitas decisões no currículo. Coitados são os brasileiros que não têm dinheiro nem para um churrasco e sofrem pela seleção diante da Tv paga à prestação. Espera-se dos jogadores da seleção que sejam o que são: homens e profissionais pensando em ganhar o jogo, e não crianças em meio a um pesadelo coletivo.

A seleção precisa se reestruturar emocionalmente. Sim, a pressão é grande. Até Neymar, que joga como se estivesse sempre numa pelada em Santos, já chorou antes mesmo de entrar em campo. Mas é futebol, afinal. Eles sabem o que fazer com a bola, melhor do que ninguém. Espero que já tenham chorado o que tinham de chorar e voltem a ser o que somos: campeões que acima de tudo gostam de jogar bola e não têm medo de ninguém.

Mais uma derrota dos subdesenvolvidos



Os franceses têm Paris, a revolução francesa, as tortas de morango. A França é um dos países mais adoráveis do Mundo, como a Itália.Mas os brasileiros, maioria dos 67 mil pagantes no estádio Mané Garrincha, Brasília, torceram pela Nigéria.

Por quê? Complexo de subdesenvolvido,que nos faz ficar ao lado sempre dos pobres, por inveja e raiva dos mais ricos? Nosso espírito de país cristão, que nos faz odiar os ricos porque somos pobres? Ou medo de pegar um país mais rico na semifinal?

A Nigéria jogou um futebol vistoso no primeiro tempo, mas os franceses os franceses que lhes deram campo, para marcar no contra-ataque. No segundo tempo, pressionaram a Nigéria e o adversário sumiu. Fizeram dois gols e venceram com autoridade.

Faltou à Nigéria capacidade de decisão. Confiança de ser vencedor, de ser de primeiro mundo. A Nigéria perdeu. E os brasileiros perderam, sem o Brasil ter jogado.

domingo, 29 de junho de 2014

A vantagem da Colômbia



A Colômbia passou pelo Uruguai, e seu futebol bem jogado tem encantado a torcida e a crítica, mas não é ele que o Brasil pode temer, pois tem um time superior. A Colômbia jogou uma primeira fase contra times mais fáceis e chegou ao mata-mata sem muito desgaste, não apenas físico como sobretudo mental.

O Uruguai passou por um grande estresse, ao perder para Costa Rica e ter que virar a história em dois jogos duros contra Inglaterra e Itália. No segundo, o lance de Suárez foi típico do estado de nervos em que se encontrava o time o e jogador.Punido Suárez, um Uruguai cansado, sofrido e à flor da pele acabou sendo presa fácil.

O Brasil suou sangue para vencer o Chile. Vai pegar uma Colômbia mais fresca e com o time inteiro. As batalhas deixam sequelas. Neymar foi caçado em campo contra o Chile e vem sendo atingido com jogadas maldosas em todos os jogos no primeiro lance de que participa, para que o adversário o tire de jogo sem levar cartão. O Brasil tem de se recuperar fisicamente e também mentalmente. A sequência de jogos até a final é muito dura e é preciso manter a força mental elevada.

O Uruguai tem um grande time e gastou toda sua energia no começo. Não fosse isso, passaria pela Colômbia. Tem força, técnica e tradição, mesmo sem Luizito Suárez. O Brasil, no entanto, mostrou que mesmo quando não vai muito bem, tem energia para se superar.

É a nossa esperança.

O Brasil tratado a pontapés



O Brasil jogou bem no primeiro tempo, marcou, foi rápido no ataque, criou oportunidades de gol, fez o gol.

Depois num lance bobo de Hulk na devolução de uma cobrança lateral sofreu o empate. Se desorganizou e só voltou a melhorar no segundo tempo, com Ramires no lugar de Fernandinho, dando novo fôlego ao meio de campo.

O Chile correu muito e não desperdiçou a oportunidade que teve, marcando no ataque. Esse foi o mal do Brasil, dispersivo no último lance. Fred e Hulk, apesar da volúpia do segundo, tem sido pouco eficazes no arremate. Jô, no lugar de Fred, foi ainda pior. Com isso, o Brasil não se impôs, no meio de campo e no marcador, deixando a sensação de que é vulnerável, um mau recado para os próximos adversários.

Contudo, foi também prejudicado pelo juiz no gol mal anulado.E não só nisso. Os adversários têm usado de um expediente antiesportivo. No primeiro lance, partem para machucar Neymar. O Brasil, sobretudo ele, tem sido tratado a pontapés. Quem deu a receita foi a Sérvia, que quase quebrou Neymar no primeiro lance dele no jogo amistoso, o último antes da Copa, para prejudicar seu desempenho. Na Copa, o México fez o mesmo, Camarões também, e o Chile quase tirou o atacante de campo com um golpe maldoso na primeira vez em que ele tocou na bola.

Se os juízes não mostrarem que cartão pode ser usado de saída, isso continuará. Não se pode permitir a violência como método. E aí vamos saber se a Fifa, tão rigorosa com Suárez, está mesmo ao lado ou não da esportividade e do bom futebol.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

O Brasil não podia expulsar Suárez

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística




Da noite para o dia, Luizito Suárez, atacante do Uruguai, saiu de uma cirurgia para virar herói, com seus dois gols sobre a Inglaterra, que ressuscitaram a seleção celeste no primeiro turno da Copa do Mundo, depois da inesperada derrota para Costa Rica na primeira rodada, em que ele não pôde atuar. E, com uma mordida no zagueiro Chiellini, na vitória por 1 a 0 que deu aos uruguaios a classificação sobre a Itália, do dia para a noite Suárez foi transformado em bandido e bode expiatório. Recebeu da Fifa uma pena considerada "exemplar", que na realidade é apenas uma prova da arbitrariedade e da truculência na organização. E que extrapolou o âmbito esportivo, com a absurda conivência (ou subserviência) das autoridades brasileiras.

O juiz não viu ou ignorou as queixas do zagueiro italiano porque, desde a expulsão de Marchisio, Chiellini vinha fazendo cena para provocar uma expulsão também no adversário. A mordida de Suárez existiu, mas sua gravidade foi dramaticamente encenada pelo zagueiro. Os italianos são craques também na ópera. E Chiellini não conseguiu do árbitro sequer atenção.

A pena de nove jogos foi exemplo apenas do abuso de autoridade pela Fifa. No jogo entre França e Equador, os franceses aplicaram duas cotoveladas no queixo de jogadores equatorianos, mostradas em close e câmera lenta na TV, sem que por isso recebessem punição alguma, muito menos equivalente à de Suárez. Não vejo razão para considerar uma mordida no ombro um ato mais ofensivo do que um golpe direto no rosto, proposital e fora de disputa da bola. No entanto, Suárez foi escolhido como bode expiatório.

Além da exagerada suspensão de quatro meses e nove jogos oficiais com a seleção, a Fifa aplicou em Suárez uma punição extra tão deselegante e vergonhosa que se equivale à do atleta em campo. Suárez foi ainda banido dos "ambientes" da Fifa, estádios, concentrações, hotéis e do próprio território brasileiro, do qual foi expulso, embora tenha passaporte válido e, fora dos jogos, tenha direito de circular como outro cidadão qualquer, incluindo os turistas uruguaios que estão assistindo à Copa.

Essa atitude arbitrária é um exemplo tão ruim para a sociedade quanto o ato antiesportivo de Suárez em campo, com a diferença de que o erro do jogador uruguaio foi num instante da competição, um ato intuitivo, impensado, enquanto a decisão da Fifa apenas mostra sua frieza cerebral e sua falta de respeito e escrúpulos. Suárez foi julgado sem tribunal nem apelação e condenado, mesmo à revelia da suposta vítima. Envergonhado pela própria simulação, Chiellini foi o primeiro a vir a público para defender o uruguaio. "Eu sempre considero correta a ação dos órgãos competentes, mas ao mesmo tempo acredito que essa punição proposta foi excessiva", disse o italiano. "Um banimento assim é realmente triste para um jogador." Aparentemente, Chiellini foi o único a lembrar que Suárez é humano. "Meu único pensamento é para Luis e sua família, porque terão de enfrentar um período difícil."

Não é admissível que o governo brasileiro corrobore decisões como a de expulsar alguém do país por determinação de uma organização futebolística. Um país é maior do que isso e tem leis próprias. A instalação do governo provisório da Fifa no Brasil, por mais draconiano que possa ser o contrato com a entidade, extrapola qualquer limite do razoável e é uma verdadeira vergonha para o povo brasileiro. O Brasil se caracterizou no passado por receber e proteger exilados políticos e até mesmo bandidos foragidos, como Ronald Biggs, celebrizado por roubar um trem. Não tem a menor razão para condenar um jogador que cometeu um erro no âmbito esportivo, pisoteando a lei e a própria moralidade cujo exemplo se pretendia dar. Por que não botam então no xadrez o técnico da Alemanha, que fica enfiando o dedo no nariz? Também é feio pra diabo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O gênio e o velho teimoso



Felipão pode dizer o que quiser, mas não podemos nos enganar com a vitória por 4 a 1 diante da equipe de Camarões, sem mais nenhuma responsabilidade na competição. O primeiro tempo do Brasil foi ruim, com mais uma péssima atuação dos jogadores que o técnico insiste em sustentar. Enquanto os treinadores das demais seleções já fizeram mudanças importantes, como o do Chile, que tirou Valdivia do time titular, e o do Uruguai, que mandou para o banco Pablo Forlan, considerado o melhor jogador do mundial de 2.010, Felipãp colocou em campo novamente as piores figuras das três partidas até aqui: Paulinho, que continua sem a força de antes, nem ritmo de jogo; Daniel Alves, fraco no desarme e pouco ativo no ataque; e por fim Hulk, que desperdiçou gols como um canhão descalibrado e abriu valetas no gramado do estádio Mané Garrincha com seus tombos retumbantes.

Como resultado, o primeiro tempo foi sofrido, com Camarões apertando o Brasil e colocando uma bola na trave antes de empatar o jogo. Por sorte, temos Neymar. Se antes andavam todos comedidos, não há mais como negar: o garoto é um gênio. Capaz de inventar jogadas nunca vistas antes no futebol, marcou dois gols, bailou entre os camaroneses e salvou a equipe na primeira etapa. Mas o Brasil não pode depender apenas dele.

No segundo tempo, Felipão colocou Fernandinho no lugar de Paulinho. Imediatamente o time se tornou mais dinâmico, com um passe mais rápido e maior presença no meio de campo. Seria muita macheza voltar com Paulinho no próximo jogo, a fase inicial dos mata-matas, porque se trata de partidas em que um erro pode colocar tudo a perder - não há segunda chance. O Brasil tinha de entrar afiado nesta fase, mas ainda no segundo tempo contra Camarões se encontrava em fase de experimentos, com a entrada de Ramires no lugar de Hulk, além da substituição de Oscar por William - que Felipão pretendia fazer, mas corrigiu a tempo, tirando Neymar em seu lugar. Era o homem do jogo, mas precisava ser preservado de um cartão amarelo e das botinadas com que os camaroneses o perseguiram em campo, porque sabemos que, sem ele, o Brasil é outro.

No segundo tempo, com Fernandinho em campo, o Brasil foi mais consistente, melhorando visivelmente, apesar do adversário já estar batido. Isso nos dá esperança, assim como a pressão inicial, que lembrou a Copa das Confederações, e os lampejos geniais de Neymar, que chegou a chapelar um camaronês e dar um passe de bailarino para no final Hulk desperdiçar mais um gol diante do goleiro.

*
Felipão pode falar o que quiser, mas é muito melhor enfrentar o Chile nas oitavas de final do que a Holanda. Como se viu no jogo entre as duas equipes, a Holanda tem um time matreiro, eficiente no jogo aéreo e mortífero no contra-ataque. Foram assim os dois gols que mataram as esperanças dos chilenos de ficar em primeiro lugar no grupo. Um erro contra a Holanda é sempre fatal.

Tão decantado por Felipão, o Chile é uma equipe talentosa e veloz, que toca bem a bola, mas joga um futebol já bastante conhecido pelo Brasil. Diante da desclassificadíssima Espanha, foi empurrado para sua própria intermediária como um coelho na toca e só não levou nenhum gol porque os espanhóis parecem ter sido assolados por alguma maldição.

Sim, é melhor enfrentar os holandeses ou outra equipe candidata ao título mais adiante, quando a seleção estiver melhor organizada. E Felipão se convencer de que não pode recuperar jogadores em uma competição tão curta quanto a Copa do Mundo: é preciso escalar quem está melhor no momento. Tanto Fernandinho quanto Ramires dão mais mobilidade, velocidade e consistência ao meio de campo do Brasil. Se insistir, Felipão estará fazendo aquela aposta: ganhando, terá sido perseverante. Perdendo, terá sido apenas o velho e teimoso gauchão.

domingo, 22 de junho de 2014

O melhor dos Estados Unidos



Um gol miraculoso aos 48 minutos do segundo tempo, quando Portugal já se encontrava com o pescoço na guilhotina, salvou os portugueses de uma derrota. E tirou no último instante o gosto da seleção americana de uma gloriosa virada, que lhe daria não somente a classificação antecipada, como o direito de lutar por um empate com a Alemanha na rodada final para ficar com o primeiro lugar do grupo.

No empate por 2 a 2, a seleção dos Estados Unidos jogou melhor que Portugal a maior parte do jogo. Enquanto Portugal lembrava mais a Portuguesa, com um time desfalcado, caindo pelas tabelas, e tendo no seu único craque, Cristiano Ronaldo, uma figura caricata de si mesmo, os americanos marcaram forte, atacaram com rapidez e perderam muitos gols. É verdade que Portugal também desperdiçou boas chances, mas a virada americana teve algo de épico, assim como toda a campanha, que inclui a vitória sobre Gana. Eles tem feito por merecer um lugar na próxima fase.

Confesso que, além do Brasil, em primeiro lugar, e depois a Itália, minha segunda pátria, torço para os Estados Unidos. Essa simpatia, que não tem paralelo em outros assuntos que envolvem os americanos, como a economia e a política internacional, tem um motivo. Há oito anos, quando morei em Nova York, descobri que os torcedores de futebol são o que há de melhor no país, pelo simples fato de que prestam atenção no resto do mundo. Eles são os únicos que sabem, por exemplo, que a capital do Brasil não é Buenos Aires e admiram nossa cultura e nossa tradição no esporte. "Brazil rocks!", dizem as crianças americanas que jogam nos clubes locais.

Em Nova York, levei meu enteado João, então com onze anos, para jogar num clube local, o Downtown United, o "Unidos do Centrão". Pude acompanhar de perto o trabalho de base feito lá no futebol. Havia um professor peruano, formado numa escola de técnicos, que orientava as crianças, ensinando os fundamentos do esporte; times que treinavam durante a semana, desde o infantil até o nível profissional, e pais que incentivavam e acompanhavam os filhos de perto, como costumam fazer em tudo. Foram as pessoas que em Nova York me receberam melhor, por ser brasileiro. E as únicas que realmente se interessavam por nós e o que fazíamos ali, além dos professores de João e seus colegas estrangeiros na escola pública 89.

O futebol tem esse efeito mesmo sobre os americanos, tão voltados para si mesmos que chamam o vencedor do torneio de beisebol de "world champion", como se o esporte fosse jogado somente ali. Essa ignorância e desinteresse em relação ao resto do mundo tem muito a ver com a postura imperialista dos americanos, traduzida no dia a dia por uma certa empáfia, irritante mas certificadora de que eles se isolaram. A antiga recusa do americano em gostar de futebol era também uma demonstração solene de auto-suficiência, como se o esporte mais popular do mundo indicasse que além das suas fronteiras houvesse apenas bárbaros ignorantes que gostavam de um esporte onde se troca as mãos pelos pés.

Aos poucos, esse preconceito vem sendo vencido. Os pais que levavam as crianças para treinar futebol, ao lado dos muitos estrangeiros no país, começaram a fazer do futebol algo importante, muito mais do que os tempos de Pelé no Cosmos - é um fenômeno em andamento. A primeira partida dos Estados Unidos na Copa teve uma audiência na TV quase equivalente à da final da liga de basquete, o segundo esporte mais popular no país, depois do beisebol. É um sintoma da sanidade num país que descobriu que nem ele pode ficar sozinho no mundo. E que não faz mal algum falar e lidar com pessoas diferentes, ligadas no mundo inteiro por meio de um esporte que funciona como o melhor embaixador da Humanidade.

Torço pelos Estados Unidos na Copa para que essa abertura na dura carapaça americana continue se alargando, com o entusiasmo de um número cada vez maior de aficionados pelo esporte. Seria um grande bem, não apenas para o futebol como para a sociedade americana e o resto do mundo.