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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O dia dos humildes

O Brasil é um país generoso. Votou em massa no Wendell Lira e ele ganhou o prêmio Puskas de gol mais bonito, deixando para trás Messi e outros craques milionários do mundo.


O antes desconhecido jogador do Goianésia teve sua noite de estrela e representou o Brasil com a dignidade dos humildes na festa da Fifa em Paris, para a qual esperou no primeiro terno que vestiu em toda sua vida, do lado de fora, sozinho, sob um guarda-chuva.

No instante em que seu nome saiu, baixou a cabeça, no.meio da plateia. Diante do microfone, mesmo emocionado, manteve-a de pé. Foi simples, breve, comovente. O Brasil é capaz de grandes coisas, sobretudo sustentar a dignidade do brasileiro diante do mundo. 

Esse é o exemplo que deveriam tomar outros brasileiros, que não representam o povo, apesar de eleitos para tal, e só fazem nos envergonhar.



quarta-feira, 30 de julho de 2014

O que mudou no futebol - e a seleção não entendeu



O que mais impressionou na última Copa do Mundo foi a compleição física dos jogadores de todas as seleções, destacada pelas camisas colantes, que fizeram a alegria da torcida feminina. Com a ajuda dos computadores, ficamos sabendo que os atletas corriam entre 8 e 13 quilômetros por partida. É mais ou menos o que corre um maratonista, dentro do tempo de uma partida de futebol.

O desenvolvimento físico dos atletas fez o jogo se tornar mais dinâmico. É preciso passar a bola rápido, porque com a capacidade física aumentada, o adversário chega mais depressa para tomar a bola ou se antecipar. A bola tem de sair mais forte - no time da Alemanha, cada passe parecia parecia mais um chute a gol.

Com a transformação dos jogadores em atletas olímpicos, diminuíram os espaços em campo. Com isso, além da velocidade da bola para o passe, uma jogada que havia algum tempo andava desaparecida do futebol começou a retornar: a tabelinha. É preciso tocar a bola rápido e tramar em jogadas curtas para se livrar da floresta de adversários que rapidamente recompõem a defesa. O futebol de campo se aproximou do futebol de salão, onde os espaços são exíguos.

Esses são os elementos principais que faltaram ao futebol brasileiro, que caiu diante da Alemanha não apenas por falência psicológica. Caiu, e feio, porque os alemães jogaram um futebol adequado às condições do esporte hoje. A maioria dos gols alemães veio de trocas rápidas de passe. Os gols alemães e o próprio resultado do jogo foram de futebol de salão, um esporte que os brasileiros inventaram. Mas não percebemos sua importância no futebol de campo de hoje.

O Brasil jogou um futebol mecânico e antigo, pesado na defesa e lento na retomada do ataque. Com tempo para se fechar, os adversários dificultaram a ação dos nossos atacantes. O Brasil não precisa apenas se reerguer moralmente. Temos de entender que nós inventamos as qualidades que são necessárias no futebol moderno e voltar a praticá-las. A troca de bola em espaço curto, o drible, a troca rápida de passes sempre foram características do futebol brasileiro. E hoje vemos isso mais nos times europeus que no Brasil.

Gareca, o técnico argentino do Palmeiras, disse aos jogadores argentinos que está trazendo para o clube que se darão bem no futebol brasileiro, porque aqui os adversários dão muito mais espaço para jogar. O técnico da Fiorentina, Vincenzo Montella, que veio disputar um amistoso com o próprio Palmeiras no Brasil, disse o mesmo. Não é coincidência. Eles observam. E têm razão. Graças a técnicos incapazes de enxergar o que está acontecendo, esquecemos de jogar o nosso próprio futebol. Assistir aos jogos do Brasileirão, depois da Copa, virou uma chatice. Parece que as partidas são em câmera lenta.

Dar espaço na defesa e subir sonolentamente para o ataque são a antítese do futebol moderno, nestes tempos em que qualquer jogador poderia estar disputando a prova de 100 metros rasos ou a meia maratona. Ou o Brasil enxerga isso, ou continuaremos a ter dificuldades diante de seleções que sempre foram menores, como Chile e México, e apanharemos feio daqueles que, além dessa dinâmica, possuem também algum talento.

A Copa não foi apenas uma lição moral. Temos de aceitar que foi também uma aula de futebol.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Não é hora de chorar



O goleiro Júlio César chorou porque pegou os pênaltis que salvaram o Brasil contra o Chile. David Luiz chorou porque fez gol. William, porque chutou seu pênalti para fora. Thiago Silva, o capitão, que deveria ser um exemplo em campo, também chorou e avisou que pênalti ele não bate. Felipão chorou porque... Bem, não sabemos porque Felipão chorou, mas ele, como comandante da seleção, é quem devia ter mais estrutura emocional. E transmitir serenidade aos jogadores.

Desse jeito, a seleção acabará chorando até para bater um escanteio. O Brasil tem todo tipo de recurso, menos um psicólogo para acompanhar os jogadores na tarefa de vencer a pressão por vitória dentro do Brasil. Que erro elementar.

Deixaram os jogadores transformarem a Copa numa catarse psicanalítica. Na Tv, vemos toda a história da remissão de Júlio César, chorando porque levou um frango na última Copa, ficou sem clube e teve que treinar com o filho para ter sua "segunda chance". Thiago Silva chora ao trocar cartas com a mãe relembrando o passado pobre e a tuberculose. E assim por diante. Todos resolveram deitar no divã agora que a competição está chegando à fase decisiva.

Os nossos craques não são coitados. São profissionais milionários com carreiras bem sucedidas e muitas decisões no currículo. Coitados são os brasileiros que não têm dinheiro nem para um churrasco e sofrem pela seleção diante da Tv paga à prestação. Espera-se dos jogadores da seleção que sejam o que são: homens e profissionais pensando em ganhar o jogo, e não crianças em meio a um pesadelo coletivo.

A seleção precisa se reestruturar emocionalmente. Sim, a pressão é grande. Até Neymar, que joga como se estivesse sempre numa pelada em Santos, já chorou antes mesmo de entrar em campo. Mas é futebol, afinal. Eles sabem o que fazer com a bola, melhor do que ninguém. Espero que já tenham chorado o que tinham de chorar e voltem a ser o que somos: campeões que acima de tudo gostam de jogar bola e não têm medo de ninguém.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O gênio e o velho teimoso



Felipão pode dizer o que quiser, mas não podemos nos enganar com a vitória por 4 a 1 diante da equipe de Camarões, sem mais nenhuma responsabilidade na competição. O primeiro tempo do Brasil foi ruim, com mais uma péssima atuação dos jogadores que o técnico insiste em sustentar. Enquanto os treinadores das demais seleções já fizeram mudanças importantes, como o do Chile, que tirou Valdivia do time titular, e o do Uruguai, que mandou para o banco Pablo Forlan, considerado o melhor jogador do mundial de 2.010, Felipãp colocou em campo novamente as piores figuras das três partidas até aqui: Paulinho, que continua sem a força de antes, nem ritmo de jogo; Daniel Alves, fraco no desarme e pouco ativo no ataque; e por fim Hulk, que desperdiçou gols como um canhão descalibrado e abriu valetas no gramado do estádio Mané Garrincha com seus tombos retumbantes.

Como resultado, o primeiro tempo foi sofrido, com Camarões apertando o Brasil e colocando uma bola na trave antes de empatar o jogo. Por sorte, temos Neymar. Se antes andavam todos comedidos, não há mais como negar: o garoto é um gênio. Capaz de inventar jogadas nunca vistas antes no futebol, marcou dois gols, bailou entre os camaroneses e salvou a equipe na primeira etapa. Mas o Brasil não pode depender apenas dele.

No segundo tempo, Felipão colocou Fernandinho no lugar de Paulinho. Imediatamente o time se tornou mais dinâmico, com um passe mais rápido e maior presença no meio de campo. Seria muita macheza voltar com Paulinho no próximo jogo, a fase inicial dos mata-matas, porque se trata de partidas em que um erro pode colocar tudo a perder - não há segunda chance. O Brasil tinha de entrar afiado nesta fase, mas ainda no segundo tempo contra Camarões se encontrava em fase de experimentos, com a entrada de Ramires no lugar de Hulk, além da substituição de Oscar por William - que Felipão pretendia fazer, mas corrigiu a tempo, tirando Neymar em seu lugar. Era o homem do jogo, mas precisava ser preservado de um cartão amarelo e das botinadas com que os camaroneses o perseguiram em campo, porque sabemos que, sem ele, o Brasil é outro.

No segundo tempo, com Fernandinho em campo, o Brasil foi mais consistente, melhorando visivelmente, apesar do adversário já estar batido. Isso nos dá esperança, assim como a pressão inicial, que lembrou a Copa das Confederações, e os lampejos geniais de Neymar, que chegou a chapelar um camaronês e dar um passe de bailarino para no final Hulk desperdiçar mais um gol diante do goleiro.

*
Felipão pode falar o que quiser, mas é muito melhor enfrentar o Chile nas oitavas de final do que a Holanda. Como se viu no jogo entre as duas equipes, a Holanda tem um time matreiro, eficiente no jogo aéreo e mortífero no contra-ataque. Foram assim os dois gols que mataram as esperanças dos chilenos de ficar em primeiro lugar no grupo. Um erro contra a Holanda é sempre fatal.

Tão decantado por Felipão, o Chile é uma equipe talentosa e veloz, que toca bem a bola, mas joga um futebol já bastante conhecido pelo Brasil. Diante da desclassificadíssima Espanha, foi empurrado para sua própria intermediária como um coelho na toca e só não levou nenhum gol porque os espanhóis parecem ter sido assolados por alguma maldição.

Sim, é melhor enfrentar os holandeses ou outra equipe candidata ao título mais adiante, quando a seleção estiver melhor organizada. E Felipão se convencer de que não pode recuperar jogadores em uma competição tão curta quanto a Copa do Mundo: é preciso escalar quem está melhor no momento. Tanto Fernandinho quanto Ramires dão mais mobilidade, velocidade e consistência ao meio de campo do Brasil. Se insistir, Felipão estará fazendo aquela aposta: ganhando, terá sido perseverante. Perdendo, terá sido apenas o velho e teimoso gauchão.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pobre Espanha



Pobre Espanha.

Estive lá ano passado, numa caminhada a Santiago de Compostela, com meu pai. Um em cada três espanhóis está desempregado. As cidades do interior pelas quais passamos, ao norte, desde Pamplona, estavam praticamente abandonadas. O êxodo para os grandes centros em busca de trabalho só faz aumentar a dificuldade também nas metrópoles.

Lá, ao contrário do que se pensa aqui, o futebol não mascara as dificuldades políticas ou econômicas, é antes disso um pouco de alegria, um lenimento. O espanhol é um povo apaixonado por tudo, da tourada ao vinho, do vinho ao futebol, e é isso que sustenta os ricos clubes no país.O espanhol bem que estava precisando de um pouco de alegria. Porém, a seleção nacional de seu país, campeã do mundo em 2010, fez um papelão nesta Copa. Tomou sete gols em dois jogos e só fez um. "De noticia mala em noticia mala, nos pasa todo", lamentou o narrador da Rádio Cadena, de Barcelona, quando o time tomou o segundo gol chileno.

O celebrado futebol cadenciado da Espanha desmoronou diante de Holanda e Chile, duas equipes que, sem a mesma qualidade técnica, fizeram o que o Brasil já tinha feito na final da Copa das Confederações: não desperdiçaram oportunidades.

O futebol mortífero prevalece sobre o bem jogado. Holanda e Espanha foram efetivos, graças a atacantes que não titubeiam, e a jogadas rápidas de ataque, que não dão tempo para a defesa se organizar. Por jogar com uma troca exagerada de passes, a Espanha dá tempo para que a defesa se poste melhor. Seu futebol passou a ser previsível e o jogo enjoativo, com aquela troca de bola diante do paredão impenetrável feito pelo time adversário. E, nas oportunidades que teve, a Espanha não soube marcar.

Os espanhóis não foram os primeiros campeões a dar vexame na Copa seguinte. O Brasil, em 1.966, depois de vencer quatro anos antes, também saiu na primeira fase. A França fez uma campanha vergonhosa dentro e fora de campo em 2.002. A Itália caiu fora também logo de saída em 2.010. É a maldição dos campeões? Talvez. Mais provável, porém, é que exista uma acomodação na vitória. Ninguém vive do passado, muito menos no futebol.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O que vale é bola na rede



Eu acreditei que o Uruguai chegaria à final. Contra o Brasil. Reedição de 1.950. O Uruguai tem um belo time, guerreiro, técnico, experiente. Foi o melhor sul-americano no mundial de 2.010, com um quarto lugar.

O Uruguai estreou contra Costa Rica, jogo bem o primeiro tempo, saiu na frente, tudo indicava um resultado normal. Aí o jogo virou uma dessas jornadas mitológicas, com tudo dando certo para a Costa Rica. Final, Costa Rica, 3 a 1. O Uruguai não só perdeu, como perdeu bem. O Uruguai passou a ter que ganhar de Inglaterra e Itália para se classificar sem depender de ninguém. A Copa desafia os gigantes.

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A Costa Rica teve Campbell, jogador do Olimpiakus. Já tinha ouvido falar? Nem eu. Um moleque esperto e sem medo com a bola no pé, ele foi o astro na vitória contra o Uruguai. Vai ser difícil a Costa Rica repetir o feito contra Itália e Inglaterra, mas quem sabe? Pelo menos por um dia, Campbell foi um herói do futebol.

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A Holanda massacrou a Espanha loga na estreia, com um placar cruel de 5 a 1, conquistado com um belo jogo e contra-ataques mortais. Parece que na derrota para o Brasil na Copa das Confederações, a mágica espanhola desapareceu. Aquele jogo quebrou sua espinha dorsal. Os espanhóis se arrastam agora em campo, sujeitos a outras humilhações. Podem ainda se levantar. Porém, quando o moral acaba, e a insegurança se instala, é muito mais difícil.

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Portugal também levou uma biaba da Alemanha: 4 a 0. Cristiano Ronaldo, o craque da hora, com seu penteado novo, foi uma peça decorativa no pouco utilizado ataque português. Para ficar mais feio, o zagueiro Pepe resolveu dar uma de valentão e foi expulso. Coitada da torcida lusitana. Nesta Copa, Portugal parece mais a Portuguesa.

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Os alemães têm o time mais bem preparado, que vem amadurecendo desde a última Copa, quando fizeram uma bela campanha. É um esquadrão bem organizado, rápido no ataque e mortífero na conclusão. Eu diria que, pelo futebol, é o favorito. Mas o bom futebol não é tudo para se ganhar uma Copa.

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Itália e Inglaterra fizeram a melhor partida até agora, como dois combatentes de guarda baixa, esmurrando um ao outro, para ver quem cairia primeiro. Caiu a Inglaterra, que cansou no final e não conseguiu reagir ao segundo gol italiano. Foram dois gigantes e prometem mais emoção.

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A Copa já teve grandes jogos, surpresas e muitos gols. Sim o futebol bonito está de volta. Até seleções tradicionalmente trancadas como Itália e Inglaterra jogaram abertas.

As partidas da primeira rodada lembram o que é mais preciso para ganhar qualquer competição de futebol: efetividade. Jogando bem ou não, ganha quem não perdoa. Aproveita as oportunidades. Essa frieza objetiva e implacável é o que resolve as partidas, sobretudo numa competição com times tão equilibrados. Como dizia o velho ditado, o que vale é bola na rede.
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E hoje tem Brasil e México!

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O renascido e o predestinado: a Copa começou



A Copa do Mundo começou, momento histórico, que carrega tanto do momento do Brasil.

Primeiro a festa, provinciana, sem inspiração, mais parecida com uma festa junina de escola que um evento mundial. Aquelas crianças pulando na cama elástica, o pessoal fantasiado de araucária, os gaúchos pilchados foram de um primarismo bem raso. Mas ninguém liga para festa de abertura de Copa do Mundo.

No fim, tudo ficou no seu lugar. A presidente Dilma, cuja popularidade vai descambando a olhos vistos, diante do festival de bandalheiras no seu governo, foi vaiada na hora da vaia. Foi até gostoso ver a cara feia dela, como a convidada indesejável da festa. Depois a torcida cantou o hino à capela, como sempre, lembrando à Fifa mais uma vez que o que vale é a lei do Brasil e, cantado, ele tem duas partes. Depois, apoiou o time, aparecendo nos momentos de necessidade.

Quem queria se manifestar se manifestou, do lado de fora. Má propaganda para o Brasil? O mundo inteiro já entendeu que protestamos contra a corrupção, os gastos absurdos, a prepotência e a corrupção da Fifa. O mundo está vendo que o Brasil tem cidadãos. Sim, apareceram os abusos de parte a parte, dos baderneiros que aproveitam as manifestações públicas para descarregar seu ódio, e da polícia, que carece de treinamento e profissionalização, agindo mais pelo instinto de auto-proteção que de proteção ao público.

Está sendo assim no Brasil como foi em todo lugar, até nos jogos olímpicos de Londres, com a milenar civilização inglesa, também cheia de hooligans e bagunceiros. Que por sinal já estão por aqui. Um deles tentou passar a mão na minha mulher em um bar e acordei com a cantoria de um grupo de torcedores bêbados nas ruas de Higienópolis às 4 da manhã.

Mas e o jogo? Ah, o jogo foi duro e teve grandes personagens. Numa estreia nervosa, como é normal, houve aqueles que estiveram abaixo da própria média. Especialmente os dois laterais: Marcelo, que marcou um gol contra logo no início, e Daniel Alves, que deixou uma avenida nas suas costas, e no ataque pouco produziu. Foi mal Hulk, desaparecido, apesar do seu tamanho. E Fred, isolado no ataque, teve como única participação o teatro até meio bisonho com que cavou o pênalti do segundo gol. O juiz japonês caiu na dele, sem com isso nos tirar o gosto da vitória.

Diante de uma equipe forte, física e tecnicamente, bem organizada e que planejou bem o estilo de jogo contra o Brasil, explorando os contra-ataques pelas pontas, o Brasil se safou pela grande atuação de Oscar, que vinha sendo questionado, com a sombra crescente de William às suas costas. Oscar jogou para provar a que veio na seleção Brasileira, e provou. Enfrentou os zagueiros, tomando-lhes a bola, no lance que resultou no primeiro gol. Obrigou o goleiro adversário a fazer uma defesa difícil, ainda no primeiro tempo. Caiu pelos lados, criando jogadas, indo à linha de fundo, muitas vezes sozinho. No final, num lance individual, fez o terceiro gol quando o Brasil tomava um aperto de botar o coração na boca.

E Neymar? O grande astro brasileiro jogou mal. Pouco acertou os passes, os dribles tão fáceis andaram escassos. Diante da muralha de adversários, porém, marcou o primeiro gol, uma bolinha murcha, chorada, mas que entrou no cantinho. Cobrou também muito mal o pênalti, à meia altura, meio fraco, e o goleiro também aceitou. Jogou mal, mas tem uma sorte incrível. Neymar é um predestinado. Com os dois gols, salvou sua atuação. E o Brasil.

Os croatas fizeram um belo jogo em campo, e fora dele um papelão. O técnico croata só falou do pênalti marcado contra sua equipe. E os jogadores quebraram mesas e encanamentos no vestiário. Coisa de mau perdedor.

Com Oscar, o meia ressuscitado, e Neymar, o predestinado, o Brasil mostrou que seus jogadores mais jovens são capazes de conduzir o time, tanto quanto os mais experientes, como o par de zagueiros. Paulinho, que vinha jogando pouco, vai sendo colocado por Felipão na esperança de ganhar ritmo até os jogos finais. Então o técnico terá de novo a equipe brilhante e competitiva que ganhou a Copa das Confederações.

Mesmo não jogando bem, numa partida crítica, o Brasil virou o jogo. Mostrou que pode reagir, individual e coletivamente.

Futebol é uma loteria, em que já vimos tantas vezes grandes times naufragarem por um pequeno detalhe. Sim, a vida é cruel. Mas temos chances reais de vencer.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Copa e o país que podemos ser



Fui assistir no Morumbi o último jogo preparatório do Brasil para a Copa, no último dia 6, uma tarde de sexta-feira chuvosa, em que a torcida surgiu de última hora, e lotou os três anéis do estádio. Levei meu pai e meu filho de sete anos para um espetáculo vergonhoso, dentro e e fora do campo. Durante a maior parte do jogo, a torcida silenciosa nem parecia estar vendo uma partida do Brasil. O time, apático, quase saiu para o intervalo do jogo perdendo de 1 ou 2 a zero. Os jogadores foram para o vestiário debaixo de vaias.

É verdade que jogo-treino antes da Copa costuma ser mico, já que os jogadores não querem se machucar e o adversário nada tem a perder. Mas o lamentável não veio daí, e sim do show de mesquinharias dos apátridas que lá estavam travestidos de torcedores. No começo do segundo tempo, a torcida - boa parte dela de são-paulinos, que têm acesso mais barato às cadeiras cativas do estádio de seu clube -, puxou um coro pedindo pelo centroavante de seu time, Luís Fabiano. Foi apenas por espírito de porco. Fred, um artilheiro simpático, que fez um papel brilhante na Copa das Confederações, em seguida marcou um gol. Em vez de hostilizar a torcida que gritava de alegria apenas dois minutos depois de pedir a sua cabeça, comemorou sobriamente. Entre os brasileiros ali presentes, pelo menos ele manteve a dignidade.

Um são-paulino ao meu lado comportou-se mal desde que o locutor do estádio anunciou a escalação da seleção. Vaiava a maioria dos jogadores e também o técnico Luís Felipe Scolari, com o dedão para baixo, como um César condenando-os à morte na arena. Berrava alto, sozinho, e de forma insistente, perseguindo os jogadores o tempo todo. Sentado na sua cadeira plástica, como uma paxá num trono barato, parecia ter vindo ao estádio para destilar sua mau-humorada insolência, sua frustração e sua pobreza de espírito. Meu filho, ao meu lado, se incomodou. "Que chato esse cara!" - exclamou, a certa altura.

Porém, esse cidadão de araque não está sozinho. Parece que muita gente resolveu incorporar o espírito de porco para esta Copa do Mundo realizada dentro de casa. Em vez de fazer uma bonita festa, com a alegria costumeira do brasileiro, uma parcela importante da população resolveu se manifestar como os espanhóis do ditado: haja o que houver, soy contra. Categorias profissionais como os metroviários de São Paulo e os professores iniciaram uma onda de greves oportunistas. A motivação mistura interesses particulares, como o aumento do próprio salário, com questões gerais do governo e da Copa - corrupção, estádios superfaturados, e a tendência demagógica de todo governante de querer tirar uma casquinha da festa.

O brasileiro tem o direito de reivindicar salário, privada e coletivamente. Pode e deve protestar contra a corrupção. Mas não deveria se transformar num exemplo de incivilidade, nem ser injusto com todos aqueles que não tem responsabilidade pela situação, incluindo os que apenas e simplesmente gostam e querem ver o futebol. Este ano, completam-se 100 anos da existência das disputas de seleções. O futebol é um esporte presente na vida não apenas dos brasileiros como de todo o mundo. A Copa não é nossa, é mundial. O Brasil, no entanto, tem se comportado como o sujeito que convida os amigos para uma festa em sua casa, mas, quando eles chegam, reclama de quanto ela custou, fica dizendo que roubaram no preço da cerveja e do sanduíche, e só falta mandar todo mundo de volta para casa.

A Copa mostra bem o que somos e lembra como podemos ser. O brasileiro gosta de falar mal do brasileiro e trazer para a sala os problemas da cozinha. É o único cidadão do mundo que faz anti-propaganda do seu país, e, por conseguinte, de si mesmo. Fala mal de tudo, usa o Facebook para dar palpite no que acha que está errado, coloca a sua própria versão acima dos fatos. E não faz nada de concreto para melhorar nada, como se reclamar fosse o bastante. O brasileiro esquece que o Brasil melhor começa por ele mesmo.

Todo resmungão é preguiçoso. Nós, brasileiros, precisamos olhar mais para as coisas boas e nos empenharmos para que tudo vá melhor. Precisamos respeitar nossos atletas, que tão bem representaram o Brasil na Copa das Confederações, com uma vitória histórica sobre a Espanha na final, e merecem um voto de confiança. Respeitar o técnico, o torcedor, o direito e a opinião alheios. É certo que cada um tem suas preferências, mas não se pode menosprezar ninguém. O brasileiro se acostumou a não respeitar nada, e por isso não é respeitado.

O Brasil só fala bem do Brasil quando ganha. Esse foi o motivo do sucesso da Copa das Confederações. Se as coisas vão mal, o brasileiro se transforma num randômico atirador de flechas, como os antepassados tupiniquins. Quando reclamamos da crise, dos políticos, do governo, esquecemos que tudo isso vem do povo brasileiro, é seu produto, sua consequência. Se existe uma crise no Brasil, é de comportamento. Precisamos reclamar menos e consertar o que está errado, usando os canais corretos - especialmente o voto. Isso não nos tira o dever de tratar tratar todos com respeito, incluindo todos os atletas e torcedores de outros países que estão vindo ao Brasil pelo que a Copa tem de bom.

O brasileiro precisa ter mais espírito de colaboração, civilidade e educação, começando pela básica. É isso o que melhora tudo: os salários, a qualidade dos políticos, e também a nossa imagem, perante o mundo e sobretudo de nós mesmos.





segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um povo gigante

A festa tinha tudo para dar errado. A seleção brasileira vinha mal, o povo insatisfeito resolveu usar o futebol para manifestar todo seu desagrado, e havia um certo perigo de, ao expôr nossas mazelas, passarmos vergonha diante do público mundial, tanto no plano diplomático quanto esportivo.

E o que aconteceu foi bem o contrário. O Brasil já deu grandes exemplos ao mundo de civilidade. Primeiro, quando refez de forma pacífica sua cidadania e a democracia, com o movimento das Diretas Já. Depois, organizou sua economia, recolocando ordem onde é necessária. Mais recentemente, com o recado das urnas, estimulou a promoção social da massa mais pobre e marginalizada. E agora deu mais uma demonstração ao mundo de que não são os governantes que dirigem o país. Eles são apenas delegados, com mandato definido e contas a prestar. Quem manda no Brasil é o povo brasileiro. E o povo brasileiro sabe o que faz.

A Copa das Confederações acabou sendo uma festa política, de cidadania e foi coroada também por uma grande festa esportiva. Foi especial ver o povo brasileiro defender as causas em que acredita e lembrar seus governantes dos compromissos que ainda falta cumprir - transporte, segurança, saúde, educação, ética na política. Claro, sempre que há manifestações de massa, aparecem os oportunistas. Oportunistas são os baderneiros que aproveitam a multidão para fazer arruaça. São os partidos de direita e esquerda que querem pegar carona no que não têm - a força popular. E os políticos, como a presidente Dilma, que fez de conta que as manifestações eram a favor do governo, e usou o movimento para propor um plebiscito que nunca apareceu nas reivindicações populares, para poder fazer uma pseudo-reforma política que é do interesse apenas de um minoria dentro do seu próprio partido.

O povo brasileiro, porém, não pode ser confundido com essas minorias de oportunistas e vândalos. A voz do povo falou mais alto, com grandes manifestações cívicas. Foram as milhares de pessoas que saíram ordeiramente às ruas e cantaram o hino nacional em cima da laje do Congresso. E, nos estádios, levaram o hino até o fim, fazendo valer a lei brasileira - hino nacional, quando cantado, é até o fim. O povo brasileiro passou por cima da arrogância da Fifa e seu presidente, expoente máximo de uma entidade moralmente questionada por um passado infestado de denúncias de corrupção, mas que acha que pode dar lição de moral a um povo inteiro (e tomou uma vaia exemplar).

Por fim, o Brasil mostrou grandeza também em campo. Seu futebol renasceu das cinzas, vencendo de forma categórica a seleção cujos jogadores disseram que eram "o Brasil do presente". O Brasil, em campo, mostrou aos estrelados campeões espanhóis a cor da camisa do Brasil de verdade. Venceu com sobras uma Espanha que, melhor que tudo, não foi mal - ao contrário, mostrou seu futebol de sempre, vencedor e tão decantado pela imprensa esportiva. O Brasil não venceu bem porque a Espanha jogou mal. Venceu mostrando que há um padrão superior. Um futebol ao mesmo tempo competitivo e bonito e que, acima de tudo, não dá muitas chances ao melhor adversário.

O Brasil sofrerá derrotas e terá dias ruins. Porém, a força coletiva mostra que este é um país capaz de sempre se levantar. E que caminha rumo a um sonho de milhões de pessoas, desejosas de fazê-lo cada vez mais real. Quando acredita em si mesmo, e levanta suas bandeiras, dentro e fora de campo, o povo brasileiro é gigante.

sábado, 3 de julho de 2010

O país da alegria


Perdemos outra Copa em 2010; o Brasil tinha um técnico arrogante, um time confiante, que se dizia "um grupo fechado", e que de fato não deixou entrar mais ninguém; que não falava com a imprensa, movido por uma solidariedade interna que, em caso de vitória, teria sido força, mas na derrota fiocu só isolamento, só teimosia, só presunção.

Penso que o Brasil precisa continuar Brasil, humilde, mesmo no futebol. As crianças aqui já não aprendem a jogar em campo de terra, com bola de meia, ou de capotão; jogador de futebol é profissão séria, embora se comece nisso tão cedo; profissional não pode ser jovem, não pode fazer bagunça, nem tem muita liberdade; é uma máquina de ganhar dinheiro, produto de exportação, e sofre muita cobrança, há muita pressão.

Porém, não perdemos nossa alma: temos ainda aquela mistura, aquela reunião de talento, de garra, de força, de criatividade, de flexibilidade, de capacidade de mudança, de espírito de luta. Sabemos que não ganhamos sempre, mas que sempre seremos os que podem ganhar mais vezes. Sabemos que, mesmo após a derrota, a vida vai continuar. E que voltaremos a ganhar.
Não há ninguém no mundo melhor que o brasileiro para fazer a tristeza ir embora, não só em letra de samba, mas na vida real; já perdemos outras vezes e sabemos nos levantar; esse é um povo onde a alegria é inerente, fazemos piada e seguimos adiante.

Há quatro anos, meu filho estava dentro da barriga da minha mulher. Minha mãe estava com câncer e eu voltava para o Brasil por ela e por mim, em busca dos amigos, dos parentes, de amor e de raiz. Quatro anos depois, meu filho nasceu, cresceu, já grita "basil!", chuta forte com o pé direito, corre com a bola nos pés, faz ela parar, ajeita-a para bater, agita a bandeira nacional. Minha mãe faleceu há dois anos, mas teve a oportunidade de ver o primeiro neto nascer, e depois o segundo, meu sobrinho Theo. Pudemos eu e minha irmã lhe dar essa alegria, em meio ao tormento da luta contra a doença. Hoje, ao ver meu filho com uma camisa amarela da seleção que serviria num urso de pelúcia, choro ao pensar em como ela ficaria emocionada ao vê-lo assim; ela que também chorou quando leu o primeiro boletim escolar do neto; ela que tanto amava o Brasil; ela que, mãe e professora primária, me ensinou a escrever. Ela que acreditava que a educação mudaria este país, um desafio que ainda está diante de nós. Ela que torcia apaixonadamente pela seleção, porque para minha mãe, mais que qualquer coisa, fosse torcendo pelas meninas e meninos do volêi, do basquete, de qualquer esporte, a seleção era o Brasil, o Brasil a seleção.

Minha mãe não pode ver esta Copa; essa foi a primeira que vi sem sua força, sua alegria, sua ama brasileira; minha mãe cantava, dançava, era Brasil e carnaval; tinha luz na alma e olhos verde-amarelos como os meus e como a bandeira nacional. Seus netos correram e pularam por ela, mesmo sem ainda entender perfeitamente a fuzarca que vira esse país nos momentos de Copa. Sim, minha mãe teria chorado com a derrota da seleção, como agora eu choro, por ela e por mim; mas a Copa também nos faz olhar para a frente, para as crianças que estão no nosso regaço, que pelo menos por algum tempo ainda jogam bola como antigamente, sem pensar em mais nada, apenas na alegria lúdica do esporte, com seu sorriso de que não conhece tristeza - aquela inocência fundamental que não devíamos perder jamais.

*
Penso que tudo o que fiz foi bem feito; fico feliz por ter dado a minha mãe algumas de suas últimas alegrias; de fazer este país ter futuro, não só por ações, mas com esta criança que não conhece as regras do jogo, mas já intui os mistérios da bola; e penso que todo egoísmo é inútil, vivemos não para nós, mas somente para os outros; a vida se acaba e só viver para os outros hoje para mim faz sentido, porque são sempre os outros que ficam, sucessivamente.


Vivo hoje para os outros e acho que o Brasil devia ser assim também; porque nós ficaremos, mas o Brasil seguirá adiante; que a nossa próxima seleção esteja mais ao lado do povo, porque é para o povo, para o país, que essa alegria devia servir.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Nunca como antes


Copa o Mundo é também um marco da vida da gente e de uma época. Lembramos das Copas pelas quais passamos e vemos como o tempo muda, como mudamos nós. É como um passeio afetivo pelo baú da memória das épocas e das nossas épocas.

A primeira Copa de que me lembro é a 1970. Eu tinha seis anos de idade, morava no apartamento térreo de um prédio na Liberdade, onde nasci. No final da Rua dos Estudantes, na vizinhança dos inferninhos, já na Baixada do Glicério, como chamava minha mãe, com rancor, que enchia d' água no verão, pelo transbordamento do Tamanduateí. Foi o último ano em que moramos lá, num tempo em que os coreanos começavam a invadir o bairro.

Nunca haverá outra Copa como a de 1970. Uma das razões era o time do Brasil, de futebol bonito, com Pelé no seu auge - nunca haverá outro Pelé. Mas houve mais, foi a primeira Copa que todos (ou muita gente, porque não havia tantos aparelhos como hoje em dia) podiam assistir pela televisão.
A transmissão ao vivo com imagem foi para a época uma revolução. Uma Nação eletrizada como se estivesse no México. Motivada pela maior campanha de propaganda da história. "90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração!" dizia a música que ficou na cabeça e quem viveu esse tempo não esquece (meu Deus, hoje já somos quase 200 milhões).
Lembro do Brasil já estar ganhando, a TV preto e branco de encontro a uma parede nua, minha tia Malfisa entrar em casa com um bando de amigos com cornetas, bandeiras e copos de cerveja dançando nas mãos. O jogo nem havia terminado, mas o Brasil ganhava com facilidade, caminhava para fazer os 4 a 1 na Itália em contrataques rápidos e fatais, o jogo parecia já garantido, tanto que eles já comemoravam. Foram embora no mesmo repente com que chegaram, cantando e dançando, como um bloco de carnaval.

Fim do jogo, saímos para a rua, como todo mundo - eu, papai e mamãe. São Paulo estava em festa. Os carros buzinavam num engarrafamento monumental. Lembro de apanharmos meus primos Rogério e Regina de carro; ele tinha seis anos mais que eu e ela era adolescente. Regina queria subir no capô do veículo, quase parado no tráfego que avançava lentamente - e ninguém reclamava. Papai a princípio negou, Regina ficou amuada.

Nunca haverá outra Copa no Brasil como a de 1970. O que a história não registra é aquela alegria delirante, que extravasava tanta coisa. Um momento de liberdade num país de repressão; um amor nacionalista que tinha algo de redenção; um sopro de confiança, esperança e transgressão, ainda que movidas pela ilusão do esporte.

Seguimos com a massa de veículos pela 23 de Maio, em direção ao Ibirapuera; lá foi Regina, vencedora com apoio de mamãe, para o capô do fusquinha cor de café com leite; eu via os brasileiros com o corpo para fora das janelas dos carros, agitando as bandeiras verde-amarelas, e a longa avenida rumo ao parque era como um rio de felicidade fluindo onde antes havia só sofrimento e medo; por um instante o Brasil tinha licença para tudo, o país estava em festa e éramos todos irmãos.
Sim, nunca haverá outra Copa como a de 1970.

*

Da Copa de 1974, lembro de um dia de jogo Brasil e Alemanha Oriental, em que jogamos de azul marinho; eu morava então na casa Verde, num sobrado de vila, perto da escola pública que frequentava, o claudicante Benito Tolosa. Embora a escola fosse ruim, naquele dia de jogo, talvez apenas para mostrar um rigor que não tinha, a aula estava confirmada, bem na hora do jogo, para nosso desencanto. E lá fui eu, forçado e emburrado, para a aula.

Porém, aquilo que poderia ter sido mais um dia de Copa do Mundo do jogo que não vimos (e naquele tempo não havia videotape assim fácil, era só domingo à noite, e jogo ao vivo, passava num canal só) acabou se tornando memorável. Porque choveu; o dia já começara cinzento, ranzinza, choroso; choveu e choveu forte. Quando cheguei à escola, uma caminhada que eu fazia à pé, apenas duas quadras, as goteiras nas salas de aula fluíam como duchas. E a antes irredutível diretora não teve remédio senão mandar todo mundo de volta para casa.

Lembro da minha felicidade, com os livros pendurados às costas, amarrados por elástico largo, dessas faixas que se prendem à cintura; pensava no acaso, no destino benfazejo, na leniência divina, e me perguntava se dali em diante seria sempre assim: os momentos de liberdade e alegria seriam apenas nas férias, ou na ruína dos compromissos; talvez aquilo fosse crescer, fosse a própria a vida, ou o resto da vida.

Mas isso foi só um segundo, porque logo cheguei em casa, para espanto de minha mãe, e pude assistir à vitória magra do Brasil, extraída a ferro e fogo e suor e sangue, 1 a zero com gol de falta de Rivelino, furando a barreira com ajuda de Jairzinho, que cavara um buraco entre os jogadores adversários para a bola passar, atirando-se ao chão na hora H.

Mais do que o jogo, porém, a memória dessa Copa é aquela, da volta para casa, o momento de liberdade inesperada, de encher o pulmão com o ar da vitória rebelde. E de pensar que não sabia como seria o futuro, mas que aquele seria um dos momentos mais felizes da minha vida, para sempre.


(segue...)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Um vergonhoso festival

O centroavante César Maluco conta que quando entrou no Palmeiras, lá pelos já longínquos anos da década de 1960, o time era tão elegante e aristocrático que, quando marcavam um gol, os jogadores se cumprimentavam com um aperto de mão.

O tempo elegante e aristocrático do futebol ficou longe. O maior evento do esporte no qual as crianças antigamente se espelhavam, onde estavam os nossos heróis de infância, não apenas ganhou expressão mais livre como evolui para um festival de mau comportamento.

Alguns exemplos lamentáveis desta Copa vieram, como era de se esperar, do nosso comandante. Dunga xingou todo mundo ao final da partida Brasil e Costa do Marfim. Que o Brasil tinha ganho - imaginem se perdesse. Xingou depois um jornalista como um cão raivoso na sala de imprensa. O time do Brasil tem muito pouca graça com um líder resmunga tanto e se comporta como um buldogue maleducado, sob a justificativa de que as críticas o impedem de trabalhar à vontade.

O espírito guerreiro de Dunga se traduz mal em campo. Vide o zagueiro brasileiro Lúcio, um ardoroso defensor da Pátria, desferindo um soco no cotovelo sabidamente machucado do atacante marfinense Drogba.

O consolo dos brasileiros é que ninguém se saiu pior nessa Copa que os franceses. Xingaram uns aos outros, fizeram motim, trocaram acusações de tibieza e, para completar, perderam em campo vergonhosamente. Foram eliminados por times tecnicamente mais fracos, porém de melhor têmpera.

Os bleus cobriram de lama todo um país que se orgulha de sua cultura e da sua educação, a ponto da ministra do esporte tomar um avião para a África do Sul, na esperança não de controlar a situação, já perdida, mas de salvar um pouco as aparências. O papelão francês foi mais que grosseria: foi um festival coletivo de mau-caratismo.
Nem o treinador se salvou do naufrágio moral. Ao se recusar a cumprimentar o técnico adversário ao fim do jogo, deixando no ar a mão estendida do nosso Parreira, que na vitória como na derrota é sempre o mesmo gentleman, o francês Domenech deixou claro que o vexame futebolístico e ético da França não se deveu apenas aos jogadores.

Dunga falou em entrevista, emocionado, da educação que lhe deu o pai, hoje doente, e da mãe, que é professora de história. Sabemos por ele mesmo que ser filho de professora o ajudou a amar a pátria e a ter aquela disciplina espartana, com a qual conduz sua vida e a seleção. Porém, essa criação não o ajudou muito com a língua portuguesa, que ele atropela com a mesma volúpia com que gostaria de destruir adversários e opositores, principalmente na imprensa. E também não colaborou para conservar a noção básica da educação de que ficar xingando e destratando todo mundo é feio. Os pais tentam, sabemos, mas não conseguem tudo.

Por seu comportamento inadequado, Dunga ensaiou em seguida um pedido de desculpas, dizendo que o povo brasileiro não tinha que saber de seus problemas pessoais. Não se trata disso. Ele poderia ter problemas e trazê-las a público de maneira mais digna. No entanto, não deixa de ser verdade que o público vê futebol pela beleza do jogo, pelos momentos heróicos e emocionantes do esporte, pelo amor à pátria. E gostaria de ver aqueles que representam um povo se comportando de acordo.

Se esta Copa serve de exemplo, é daquilo que não se deve fazer. O futebol não perdeu apenas muito da paixão, convertida numa vontade de ganhar a qualquer preço, por trás da qual está a verdadeira motivação que hoje move o esporte: a ganância por dinheiro. E, quando isso acontece, desaparece a noção indispensável de honradez.
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O Brasil ganhou de pouco dos coreanos, venceu a Costa do Marfim na base da ferocidade e empatou melancolicamente com Portugal. No jogo em que precisou fazer substituições de um time já cheio de reservas, Dunga entrou com Grafite, Josué e Ramirez. Ficou clara a falta de imaginação d eum time comandado por um técnico que se deu ao luxo de deixar de convocar Neymar, Ganso e Ronaldinho Gaúcho. O erros em algum momento aparecem.