quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Martin Amis e jovens autores que merecem ser lidos

Conheci Martin Amis em Machu Picchu, no Peru. Eu tinha 16 anos de idade e viajava de mochila nas costas ao lado de meu pai. Um sujeito com chapéu de vaqueiro nos abordou, enquanto olhávamos o Huayna Picchu, batido pelo vento misterioso da cidade inca. Queria saber que língua falávamos. Achou o português uma língua forte. Disse ser escritor, mas, quando perguntei que livros que tinha escrito, respondeu que nenhum, ainda. Terminava o primeiro. Imaginei que estivesse escrevendo algum romance sobre uma aventura na selva peruana. Não. "Escrevo sobre Londres", explicou. Prometi que iria ler o livro, quando saísse. E, qual não foi minha surpresa, quando anos depois vi seu retrato em Campos de Londres - até hoje, creio, seu livro mais conhecido.
Amis quando era um jovem autor desconhecido


É uma boa história, embora eu não goste muito de Amis como autor. Ele agora disse em entrevista ao El País que não vale a pena ler autores jovens. Que os clássicos sobreviveram à prova do tempo e sua leitura seria, portanto, mais garantida. Claro, se ninguém lesse autores jovens, Amis um dia nunca teria sido lido. Não estaríamos também lendo essa sua entrevista. E não teriam surgido os clássicos. Sua declaração só pode ser entendida como uma provocação. Esse é e continuará sendo o grande desafio de qualquer autor: ser lido pela primeira vez. Ainda mais nos dias de hoje, em que qualquer um pode publicar qualquer coisa na internet. Ser lido, porém, é diferente.

Durante meus três anos como diretor editorial da Saraiva, tive oportunidade de lançar alguns autores inéditos no grande mercado. Certamente esse garimpo deu muito trabalho, excluiu gente que talvez merecesse, mas o resultado para mim deu ainda mais prazer que publicar William Faulkner e outros clássicos. A criação do Prêmio Benvirá de Literatura rendeu bons frutos para a Saraiva e, creio, para o mundo editorial no Brasil. A literatura contemporânea é um retrato dos dias de hoje, do pensamento, do comportamento, e é o que deixará a marca deste tempo. Hoje de novo como autor, eu me sinto mais vivo por fazer parte disso. E por estar também dividindo este tempo com grandes talentos.

Acho que divulgar novos autores é importante para todos, incluindo os autores consagrados. Na cultura, apesar da má vontade de boa parte da crítica brasileira, não há lugar para a mesquinharia. O estímulo ao hábito da leitura é essencial para o mercado editorial, para a educação e a cultura de um país. Autores jovens ajudam a falar com a juventude, que precisa ser trazida para a leitura, essencial para o progresso da educação. Ainda mais em um país tão carente de homens e livros, as duas coisas essenciais para uma nação, como dizia o velho Monteiro Lobato.

Alguns dos jovens autores brasileiros de que mais gosto, lancei pela Saraiva. Outros, li somente por prazer. A rigor, jovens autores para mim são todos aqueles que estão vivos. Porém, há os valores que despontam agora e começam a construir sua carreira, e para os quais vale a pena chamar a atenção. Aqui, ordenados aleatoriamente, seguem meus favoritos. E a razão. 

Daniel Galera: todos os grandes autores são fruto de uma obsessão. A de Galera é o sangue. Ele escreve muito bem. E, dado o seu tema favorito, tem impacto. 


Paula Parisot: Gonzos e Parafusos, seu romance de estreia, é primoroso. Trata de um tema forte, a mulher seviciada na infância, com a leveza de um Machado de Assis. Nem por isso deixa de ter um impacto desconcertante, como sugere o título.



Lucrecia Zappi: certa vez, Lucrecia me contou que tinha escrito um romance em inglês, porque morava em Nova York, e achava que encontraria um editor por lá. Eu lhe disse, por experiência própria, que nenhum editor americano publicaria uma autora argentina-brasileira sem antes ter sido editada em seu país. Levou pouco tempo para ela perceber que eu estava certo. Ela reescreveu o livro, em português, e publicamos no Brasil Onça Preta, um história de fixação sobre o pai perdido que é um fino passeio pela alma feminina. Assim como Parisot, Lucrecia é uma artista no sentido amplo, e também desenha brilhantemente. O livro, com espetaculares ilustrações feitas por ela própria, ficou um primor de edição. Já foi publicado em língua espanhola e começa a fazer carreira internacional. A segunda parte da minha profecia ainda está por se completar - Lucrecia ainda será editada no mercado americano, com seu livro publicado primeiro no Brasil.



Raphael Montes: ele se diz um autor policial, mas a grande qualidade de Raphael é a construção de personagens. Observador atento das pessoas, especialmente no meio em que vive, os jovens de classe média da Copacabana de hoje, Raphael faz o absurdo parecer natural e com isso vai ganhando rápido espaço no reinado do suspense psicológico. Já é publicado em 13 países, incluindo EUA e China, o que faz dele um autor internacional - e agora avança sobre novelas e minisséries. Esse, ninguém segura.



Alessandro Thomé: este ainda pouco conhecido romancista, hoje baseado em Poços de Caldas, é um dos mais brilhantes escritores contemporâneos do Brasil. Lancei seu segundo romance, A casa Iluminada, um daqueles livros que você fecha ao final como se tivesse caído de um trem. Para mim, é o autor que melhor representa os dias de hoje e um tipo de violência muito contemporânea, que parece tão mais banal quanto mais exponencial. Seus livros são tão fortes que nenhum editor ainda aceitou pegar o terceiro, Cão Maior, por receio da reação que ele pode produzir. Thomé assusta, mexe, incomoda, perturba, às vezes enoja, tira certezas, bagunça o coreto. Sem ter sido publicado, o livro já vai virando cult, como a biografia proibida de Roberto Carlos. Realmente, publicar Thomé requer coragem. Mas é a mesma coragem que se pede para enfrentar o mundo como ele é.



Livia Brazil: divertida e ao mesmo tempo comovente, Lívia se destaca entre todos os chick lits que aparecem por aí. Em Queria Tanto, livro que fizemos na Saraiva com o selo Benvirá (e cujo título me orgulho de ter feito), ela já traz sua visão reveladora sobre as mulheres e suas dificuldades de relacionamento. Perfeita para meninas, adolescentes, mulheres eternamente à beira de um ataque de nervos e todo mundo que deseja entender um pouco mais o feminino e suas sutilezas.



Oscar Nakasato: quando liguei para Oscar, e disse que tinha ganho o prêmio Benvirá, ele ficou sem chão. "Mas eu estou no supermercado", balbuciou incrédulo o professor de português da cidade de Apucarana, no Paraná. Quando lhe pedi uma foto de divulgação, mandou-me um registro em que se encontrava sem camisa, num churrasco com amigos. "Era a foto que tinha", explicou. Seu romance, Nihonjin, trabalhado com a delicadeza de um bonsai, e forte como um código samurai, revela a vida interior dos imigrantes japoneses no Brasil. E acabou levando também o prêmio Jabuti de 2012, o que causou revolta na comunidade literária, principalmente entre os medalhões ultrapassados por aquele estreante desajeitado, que tentaram desmerecer o resultado, questionando os jurados e o regulamento. Isso já bastaria para fazer de Oscar um caso único na literatura brasileira. Aguardamos agora seu segundo romance, que, segundo ele, está saindo agora no segundo semestre.




João Batista Melo: poucos romancistas contemporâneos se arriscam numa área que também é central na minha própria obra: a família. João Batista, cineasta e documentarista, faz isso muito bem em Malditas Fronteiras, que eu achei e foi publicado mais tarde, depois que saí da Saraiva.



Benedito Costa Neto: melhor contista contemporâneo brasileiro, de quem lancei na Saraiva um pequeno mas brilhante livro: "Diante do Abismo." Contos são difíceis de escrever. Os dele são pérolas. Meu preferido é "Réquiem para um Vitrúvio Negro", desafiador tanto pelo conteúdo quanto pela forma. 



PS: De volta à vida de autor, agradeço aos mais de 200 mil leitores dos meus livros de ficção e não ficção, que me mantém ainda hoje no trabalho. Muitos me contaram histórias comoventes sobre a importância que livros meus tiveram em sua vida ou em um momento de sua vida. Essa é a maior recompensa que pode ter um jovem autor, como ainda me considero: receber de volta uma resposta amiga pelo grande esforço de compartilhar a experiência humana.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Caixa de Amor: "Presença"

As ruas hoje estavam desertas
A luzes opacas, e fazia frio
Meu coração, de portas abertas,
Sem você ficou muito vazio

Voltei para casa sem nada
Do que pensei, vivi e senti
Era o efeito da madrugada
Mas eu te encontrei aqui

O teu baú está nesta estante
Na escada ressoam teus passos
Eu mesmo fiquei bastante
Mudado por teus abraços

Teu bichinho repousa ao meu lado
Teus bilhetes ressoam tua voz
Te possuí nua naquele gramado
(e os vizinhos só falam de nós)

Os lençóis agora têm o teu cheiro
O sofá branco manchas de amor
E ao pôr a cabeça no travesseiro
Embalo meu sono com teu calor

(São Paulo, maio de 2003)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Estrela permanente

Meu amor, quando eu for tão somente
Um suspiro do que fui, minha alegria
Subirá à primeira estrela do poente
Só para lembrar nesse mesmo dia

Que desde a noite em que a gente
Sem entender ainda o que queria
Num encontro assim tão de repente
Plantou uma semente e não sabia

Sob uma aparente e falsa calmaria
Germinou o amor na alma descontente
Que esperava e também amadurecia

E sei hoje na saudade mais pungente
Que você é minha estrela permanente
É você que desde sempre eu já queria

("Estrela permanente", poema inédito de um livro que eu ainda hei de fazer)


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A sabedoria diante do inevitável

Procuro um amigo, proponho tomarmos uma cerveja.

- Podemos nos ver, mas não bebo mais.

Estranhei.

- Mas foi recomendação médica ou decisão própria?

- Decisão própria.

Tenho outros amigos que resolveram levar vida espartana, todos no intuito de viver mais. Uns cortaram o fumo (o mais comum). Outros praticam esportes como loucos. Acreditam que cada vez que fazem algo em 1 segundo a menos estão ficando mais jovens. Desconfio que, depois de certa idade, forçar demais o corpo é que prejudica a saúde. Mas eles contribuem para as hordas que enchem as academias.

Eu não vou a academia. Por temperamento, detesto movimentos repetitivos. E não acho saudável. Fazer ginástica em esteira ou aparelhos de musculação, para mim, é como mascar chiclete - você mastiga e mastiga, mas não está se alimentando. Academia não pode ser vida saudável.

O que eu faço? Quem escreve leva uma vida muito sedentária; por isso, tento o mais possível manter a atividade física (caminhar, cuidar do sítio, fazer trabalhos manuais). Pratico algum esporte (bicicleta, piscina, futebol com o filho), mas como diversão. Acima de tudo, porém, acho que a sabedoria da saúde está em aceitar o envelhecimento.

O avanço da medicina colabora para que vivamos mais. Porém, o homem contemporâneo também rejeita cada vez mais a ideia do envelhecimento e da aproximação da morte. Com medo de morrer, vai se privando das coisas boas da vida. E vai morrendo antes da morte.

O homem difere dos animais porque bebe, fuma, se comunica por símbolos e mantém outros comportamentos que definem a civilização. Só não deixa de ser um animal que morre. Quem tem religião pode aceitar esse fato com mais tranquilidade. Mas não há Deus nas academias. De alguma forma, todos temos de aceitar e lidar com o inevitável, não lutar contra ele. É o caminho da verdadeira sabedoria. E da saúde.

Tenho um amigo, médico, que está acostumado a lidar com doenças graves e a perspectiva da morte, com que lida diariamente no trabalho. Ele tem planejado o resto de sua vida útil, onde cabe desfrutar seus prazeres prediletos. Diz, por exemplo que depois dos 70 anos voltará a fumar. Por que, daí em diante, esse tipo de restrição não faz mais diferença.

Como médico, ele não pode recomendar a pacientes e familiares certas coisas que decidiu para si mesmo. Afirma que, quando ficar seriamente doente, prefere ficar em algum lugar aprazível, onde não exista atendimento médico, ou onde o atendimento seja tão remoto que não haja tempo de hospitalização. Acredita que o pior pesadelo de uma pessoa é justamente não morrer - ficar num estado crítico, sustentada por caros recursos da medicina, que prolongam a vida, mas em condições inumanas ou desumanas. Assim como eu, entende que precisamos, um dia, acabar. Esse limite é até onde temos qualidade de vida.

Eu lembro de minha mãe no leito do hospital, às vésperas da morte, quando como último desejo pediu um sorvete, e com o organismo destroçado pela doença não conseguiu sequer lambê-lo. Ela me disse, meu filho, não se prive de nada na vida, não vale a pena. E me lembrou de Borges, que escreveu da velhice: se pudesse voltar no tempo, tomaria mais sorvete. E cometeria mais erros.

O caminho da sabedoria não é fácil. Estou certo, porém, que ele está muito mais dentro da nossa cabeça que no próprio corpo que agitamos nas esteiras eletrônicas. A paz de espírito é um fator fundamental para o equilíbrio do organismo. Às vezes, a angústia e a ansiedade modernas se manifestam nesssa luta insana pela fonte da eterna juventude. Isso é doença. É preciso envelhecer com tranquilidade e dignidade. Os que aceitam sua idade, estou certo, vivem mais.

Boas más notícias

André, 8 anos, saindo da escola.
- Pai, tenho uma boa e uma má notícia. Qual você quer primeiro?
- A má notícia.
Ele pensa um pouco e diz.
- Não, tem de ser a boa notícia primeiro. Se não, a má notícia não fica tão boa.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Meninos, homens e heróis

Quando menino, todo homem sonha ser alguém, ou ter as coisas que viu alguém ter. No meu caso, esse modelo um tanto utópico foi um personagem de ficção, Peter Miller, protagonista de O Dossiê Odessa, um clássico da literatura de suspense, escrito por Frederick Forsyth.

É difícil explicar a admiração de um garoto por um modelo masculino, mas sempre há pistas. Miller só fazia o que gostava (era repórter freelance), ganhava dinheiro, vivia em aventuras (especialmente depois de decidir investigar um dossiê nazista). Tinha uma linda namorada, go-go girl de uma boate em Hamburgo que, por trás da exuberância exibida em sua profissão, escondia uma personalidade tímida e a vocação de mãe de família. Queria casar-se com ele incondicionalmente e ter um monte de crianças rosadas.

 Eu achava aquilo o máximo.

É difícil saber quanto do menino fica no homem. O fato, porém, é que todo homem desde cedo constrói uma imagem idealizada de si mesmo, que se pode identificar por meio desses ícones masculinos. Desde crianças, queremos ser fortes como o Super-Homem, ágeis como o Homem-Aranha, implacáveis como Batman, indomáveis e destemidos como Tarzan.

Quando ficamos mais velhos e começamos a entender melhor as coisas, queremos tomar martinis, usar summer jackets e levar as mulheres para a cama com a elegância fatal de James Bond, tendo ao mesmo tempo a fortuna de Goldfinger. Em geral, o modelo de homem perfeito, o verdadeiro cavalheiro, mistura coragem, estilo, elegância. E um pouco de picardia.


O filme, com Jon Voight
O importante no ícone masculino não é o carro, a roupa, a casa, as mulheres maravilhosas e tantas outras coisas desejáveis, mas a atitude. Ela mostra o que somos. Essa atitude, de quem sabe como agir nas horas certas, e conhece as coisas com que lida, faz o homem ter classe, transformar-se em alguém superior. Todo homem que se preza tem de se sentir o herói de sua própria biografia.

Claro, se pudéssemos juntar todos nossos heróis preferidos num personagem num só, teríamos então o homem corajoso, elegante, charmoso, forte, independente, capaz, culto, sagaz, sábio, talvez um tanto cínico e, não obstante, bem-sucedido. Claro, o homem perfeito não existe, mas é a tarefa da vida fazer de nós mesmos o melhor possível. Não apenas para os outros – as mulheres, os profissionais que encontramos no trabalho, o vizinho. Sobretudo, fazemos isso por nós mesmos.

Um homem com atitude se manifesta também nos pequenos detalhes. Eles fazem muita diferença. O homem com atitude sabe como preparar um dry martini, vestir um summer jacket e até conquistar uma mulher com elegância.

Porém, isso não se faz artificialmente nem como cópia dos antigos modelos masculinos. A elegância vem de dentro para fora, e não de fora para dentro. Essa é maneira mais rápida de nos aproximarmos do homem ideal - talvez ainda um tanto imperfeito, mas ao menos muito próximo do que sonhamos ser.

Faço aqui uma lista de heróis que sempre achei admiráveis desde a infância. E a razão. Talvez você se identifique com algum. Em que você se espelhou quando criança? Tem algo disso hoje na sua vida? Não se pode perder os modelos e velhos sonhos.

Batman, o dos quadrinhos, solitário e implacável, na versão
em que é também mais detetive. Nada feito no cinema se compara

O detetive Deckard, interpretado por Harrison Ford,
em Blade Runner: herói existencialista onde o figurino
implacável não esconde o coração

O corajoso e sardônico James T. Kirk, interpretado por William
Shatner, em Jornada nas Estrelas: quem queria ser Spock?

Christopher George como Ben Richards, em O Imortal,
série esquecida de 1970: um herói solitário e sempre em fuga

Fess Parker como Daniel Boone: um homem de caráter
com uma espingarda. Eu sempre quis ter um 
chapéu desses, com rabo. E uma espingarda 
Guy Williams, o melhor Zorro, na série da Disney:
bravo e ao mesmo tempo elegante, galante e espirituoso

Homem aranha, nos quadrinhos, e no desenho mais clássico,
de Steve Ditko: herói  problemático, sem perder o bom espírito

O Homem de Ferro de Robert Downey Jr é melhor que
o dos quadrinhos: playboy, milionário, gênio e herói,
sem deixar de rir de si mesmo

O personagem principal de O Homem de Virgínia era o de James Drury (à esq.),
mas eu gostava mais de Doug Mclure (ao centro), tão valente quanto, e mais simpático 
Napoleon Solo (à dir.) e Ilya Koliac, agentes da UNCLE:
Koliac era mais frio, porém Solo tinha mais charme

Nenhum outro sujeito será 007 como Sean Connery. Um ícone do homem
diante das mulheres,  do champanhe e dos bandidos

Mannix era um grande detetive, inteligente e de ação. Alguém lembra?

National Kid é meu herói mais antigo, do tempo em que as crianças
achavam que um adulto devia salvá-las. Pobres adultos
de hoje, que não salvam nem a si mesmos.

Columbo era feio, tímido, esquisito e andava com essa capa de
chuva surrada, mesmo quando não chovia. Ninguém dava 
nada por ele - e era aí que pegava o criminoso. Genial.

Tarzan - o dos livros - sempre foi meu herói favorito. Difícil transpô-lo
para a tela como é na literatura, ao mesmo tempo nobre e selvagem.
Escolhi Ron Ellis, que fez uma série nos anos 70, um
Tarzan menos musculoso, que passava gel no cabelo, mas era inteligente

William Smith como Joe Riley, em Laredo: simpático,
durão e galã, a montanha de músculos era detalhe


David Carradine, como Kung Fu: eu adorava quando,
na maior calma,  ele dava uma boa lição naqueles americanos 
presunçosos e violentos. Mas só ao rever a série, já adulto, entendi o
quanto ela era boa - e cheia de ensinamentos

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Levy contra a Hidra de Lerna

A presidente Dilma Roussef saiu da sala de reuniões com o pacote anti-crise negociado com seu ministro econômico. Funcionário de carreira do Bradesco, o ministro Levy não apenas representa o sistema financeiro: ele é o sistema financeiro. É como se o Bradesco estivesse intervindo na economia. Os banqueiros não podem deixar que alguém acabe com o país onde ganham o seu dinheiro.

A missão de Levy no governo é desconstruir o que o PT fez nos últimos anos, para recolocar a economia nos trilhos. Começa com a tarefa gigantesca de eliminar o déficit de mais de 30 bilhões de reais. Para isso, ficou resolvido um grande corte nos gastos sociais, justamente o trunfo eleitoral do PT nos últimos anos. A isso soma-se o congelamento dos aumentos no funcionalismo público por sete meses. O corte de uma dezena de ministérios. E uma tentativa de arrumar o resto do dinheiro com a reintrodução de impostos como a CPMF, o que depende de aprovação do Legislativo.
Levy com Dilma: esforço para andar para trás

Na tentativa de salvar seu governo, Dilma fez a única coisa que podia fazer: cedendo ao ministro e quem ele representa, começou a remar contra a corrente do PT. Contraria seu próprio partido, mas faz a escolha de estar ao lado da maioria, para poder governar. Antes refém do PT, ela agora é refém do sistema financeiro e do PMDB, que manobra a maioria no Congresso. Dilma precisa disso para aprovar o pacote. E precisa do pacote para sair da inação e recuperar alguma governabilidade.

A presidente ficou entre a cruz e a caldeirinha. Com o programa do PT, que está levando à recessão brutal, ao desemprego e à inflação, tinha contra ela as grandes manifestações de massa e um princípio de debandada nas fileiras ministeriais e na base aliada no Congresso. Agora terá a resistência de seu próprio partido e as promessas de guerra do funcionalismo público federal, que ameaça uma onda de greves. Transformada em uma máquina petista, a criatura agora se voltará contra o criador.

Num cenário de recessão, é difícil imaginar quem receberá aumento de salário nos próximos sete meses. Todos na iniciativa privada sabem que já será feliz quem mantiver o seu emprego. A máquina pantagruélica que o PT alimentou, porém, é cega e surda. Infelizmente para Dilma, não é também muda.

A demagógica máquina burocrática do PT no governo cresceu com ramificações em estatais corrompidas, se espalhou pelos estamentos da administração pública até ONGs, autodenominadas "movimentos sociais", que são apenas organizações subsidiadas com dinheiro público para formar um pelotão pró-governo. Com isso, tornou-se uma verdadeira hidra de lerna. O ministro Levy terá de ser um Hércules para matar as seis cabeças e enterrar a última - que, segundo o mito grego, é imortal.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Um governo sem solução num país sem sabedoria

Brindes de champanhe, risos e alvoroço na quarta-feira passada, num almoço promovido por uma importadora num restaurante chique de São Paulo. Um breve interlúdio com a alegria, um parênteses na preocupação geral, um lembrete de como a vida poderia ser se não cometéssemos, nós brasileiros, tantos e enormes erros.

Os sinais de mais uma das pequenas mortes que este país já sofreu em sua curta existência: o governo anuncia o aumento da taxação do vinho para o fim do ano, mais uma das medidas inócuas para resolver a crise que se alarga, com demissões em massa e o desânimo que se espalha cancerigenamente dentro do próprio governo. Os ministros já se juntam à população desanimada com a perspectiva de uma gestão sem soluções, para si mesma e o país. A começar pelo homem que deveria propor saídas, o Levy, da economia, que nem queria o cargo, e dá todos os sinais de estar louco para ir embora.

Dilma: isolamento e falta de perspectivas
Aumentar impostos é uma medida inócua, porque no ambiente de crise aumentar os preços significa diminuir ainda mais as vendas e, por conseguinte, a arrecadação. O governo, que gastou descontroladamente nos últimos anos, e desperdiçou fortunas numa espiral de corrupção, não sabe como  tirar o país da queda livre. A presidente Dilma vai ficando isolada, não apenas do país, como na própria esplanada dos ministérios.

O governo Dilma vai ficando cada vez mais parecido com o de José Sarney, que já não mandava nada no fim de mandato, e teve seus últimos meses no cargo como uma via crucis, para ele e todo o país, à espera da troca de governo e de alguma mágica que restabelecesse a autoridade presidencial, colocasse a economia nos eixos e pusesse o Brasil novamente em direção a um futuro mais promissor. Sarney em fim de feira assinava decretos e decretos ordenando as mesmas coisas sem ser levado em consideração.

Na crise total, em que a inflação beirou 80% ao mês, Sarney deixou o cargo a um messias de direita egresso das urnas, chamado Fernando Collor de Mello, que também não soube o que fazer com o poder. Impôs um plano econômico draconiano, enquanto sua gestão mergulhava nos meandros de uma corrupção que parecia gigante naquela época, mas ainda era bolinho comparada ao Mensalão, Petrolão, Lava Jato e Pixuleco, os desmandos todos que estão transparecendo hoje aí à luz do dia.

Collor renunciou, mas não aprendeu a lição, e reentroduzido como senador figura aí novamente nos inquéritos como participante desses desmandos que prosseguem na vida pública brasileira como uma verdadeira maldição. Pior do que a crise conjuntural, a conclusão é de que o Brasil é um país sem sabedoria, à mercê de planos econômicos salvacionistas e artificiais, que sempre nos colocam nessa gangorra: um ciclo de crescimento fantasioso, baseado numa falsa distribuição de renda, a lambança na suposta riqueza, e depois o mergulho no abismo, que nos tira todos os avanços que pareciam ter sido alcançados, nos devolvendo à triste realidade.

Collor: renunciou, voltou e não aprendeu a lição
Aumentar impostos sobre o vinho, ou trazer de volta a CPMF, o imposto sobre transações financeiras, que nasceu para ser aplicado na área de saúde mas só serviu para cobrir o rombo das contas públicas, é apenas mais uma tentativa atrabiliária de remendar o que não tem remendo. O Brasil não terá seus problemas resolvidos sem sacrifício, mas é ilusão achar que sobretaxar os que são mais ricos é o caminho. Oprimir a iniciativa privada, aumentar o custo de vida da classe média consumidora, tirar mais emprego, aumentar a insatisfação geral são as únicas consequências da sobretaxação.

O que o Brasil precisa é de sabedoria. De um plano de quinze anos, que nos coloque num caminho seguro de crescimento sustentável, independentemente de quem esteja no poder. Hoje, esse plano significa primeiro limpar toda a máquina artificial criada pelo PT, seja pelo desaparelhamento do governo federal, inchado pelo perfil estatizante do petismo, seja pelo esvaziamento dos programas sociais que oneram toda a sociedade sem criar, de fato, riqueza - e, agora, são responsáveis diretos pelo rombo das contas públicas, o desemprego e a inflação.

Com esse ajuste, que sem dúvida tem de ser brutal, para nos recolocar pelo menos 12 anos atrás no tempo, o governo abriria novamente espaço à iniciativa privada para cuidar do que realmente pode promover o bem comum do brasileiro: um sistema de saúde eficiente e igualitário, que permita melhor atendimento tanto do mais pobre quanto da classe média, assim como um sistema educacional decente, que valorize o professor, e dê perspectiva da promoção dos trabalhadores a uma renda maior não pelo favor ou atestados de pobreza, e sim pela maior qualificação.

Nós precisamos nos livrar de uma vez por todas da demagogia e de seus arautos, com soluções reais, e não mentiras ilusórias que no final só levam de volta à crise, depois de uma festa a fantasia. Enquanto o governo distraiu o povo com suas moedas, acumulou-se o déficit onde ele precisaria ter agido.

Dilma parece ser a única a não ter percebido o próprio isolamento ou a gravidade da situação. Ou sabe, mas chora quietinha, no escuro, refém de um partido apodrecido, sem capacidade de ação. De uma forma ou outra, ela é mais uma passageira dessa nau no momento sem rumo que chamamos de Brasil. Se ela quiser se salvar, deveria começar a fazer ela mesma essa limpeza. Ter a coragem de ser, no governo, o anti-PT. Teria uma chance, talvez, de voltar a governar.

Precisamos invocar novamente as nossas forças, acreditar que estamos num país viável, capaz de resolver seus problemas com suas próprias virtudes. E, pela via democrática, que está na nossa raiz, criar coletivamente um novo projeto para o Brasil. Um plano honesto e competente, validado pelas urnas, sem demagogia, capaz de dar realmente algo melhor do que temos hoje às gerações futuras.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Tales Alvarenga e o círculo secreto

Ontem, conversando com uma amiga, relembramos Tales Alvarenga, editor de Veja, falecido em 2006. Reproduzo o que escrevi na época, não apenas para relembrá-lo, como para preservar este arquivo, que já andava meio no limbo dos meus alfarrábios virtuais. E também para recordar alguns princípios do jornalismo, que é sempre bom ter presentes.


Nova York, 08 de Fevereiro de 2006


Às vezes eu tenho a sensação de pertencer a um círculo secreto de samurais, que um dia serviram a um certo senhor feudal, mas depois se espalharam pelo mundo - sendo que alguns deles, como eu, se tornaram um tanto renegados. Apesar do tempo e da distância, ainda dividimos os mesmos códigos, usamos as mesmas armas, falamos a mesma linguagem. Uns empregam seus poderes para o bem, como acredito que eu ainda o faça, outros foram atraídos para o mal. Não importa de que lado se esteja, quando um desses ronins tomba a gente fica sabendo e, mesmo longe, como eu aqui em Nova York, ouve aquela voz tonitruante, que vem dos céus e em inglês: "There will be only one..."

Esse foi o brado que me estremeceu ao saber que morreu na sexta-feira passada Tales Alvarenga, diretor de Veja e Exame, um jornalista com quem convivi muitos anos. Tales era um dos guardadores desse código de fraternidade, que de alguma forma implicava um certo espírito de renúncia, para a dedicação integral a um bem indefinível. Ou apenas definível para quem experimentou virar madrugadas trabalhando na revista Veja, sobretudo em épocas passadas, quando esse esforço chegava ao limite físico, o que nos dava um sentido ainda maior de missão.

Esse código de gente abnegada, que trabalhava à custa da saúde e da vida familiar, proibida de buscar os holofotes, incluía jamais aceitar favores, compactuar com governos, dar as costas para a verdade, em nome da defesa do povo brasileiro. E, por mais pretensioso que pareça, acreditávamos ter esse poder (mesmo separados, ainda acreditamos).

Tales pertenceu a esse grupo de justos, que eu vi no seu esplendor, reunido na década de 1980 dentro de Veja, na redação talvez mais brilhante que a revista já teve em todos os tempos, quando o Brasil ainda lutava pela abertura política e econômica, essencial para o progresso. Era uma outra Veja, alinhada com os interesses do leitor, uma publicação em franco crescimento. O diretor de redação era José Roberto Guzzo; o diretor adjunto, Elio Gaspari; a redatora-chefe, Dorrit Arazim; os editores executivos eram Henrique Caban e Tales Alvarenga, então responsável pela Vejinha, que se tornava o segundo maior sucesso comercial da Abril, logo depois da revista-mãe.

Dos editores, todos assumiriam mais tarde postos de comando dentro da revista, na Editora Abril ou fora dela: Antonio Machado de Barros (economia), Paulo Moreira Leite (Brasil), Fernando Pacheco Jordão (internacional), Eurípedes Alcântara (geral), Mario Sergio Conti (variedades), Paulo Nogueira (Vejinha). Dias Lopes faria história na imprensa ao abrir a revista Gula. E havia grandes repórteres em todo o país, que não cabem neste parágrafo.

Eu começava a carreira e aprendi muito com eles todos, satisfeito de ter a oportunidade, após muito "rolar na lama", como se dizia no jargão de Veja, de entrar para a irmandade. E foi pelas mãos desse grupo que me tornei editor de Brasil, a seção mais importante da revista e uma das mais importantes do jornalismo brasileiro, com apenas 24 anos de idade.

De todo aquele grupo, Tales não era o mais brilhante, mas com certeza tinha qualidades incomparáveis - e a tenacidade lhe daria seu momento. Muitos acusaram-no de ter se tornado arrogante depois de assumir o comando de Veja, em 1997, mas só pode dizer isso quem não o conheceu. Ele não era arrogante, exatamente. Apesar de ter estudado filosofia, Tales se caracterizava por um certo desprezo pelos intelectuais, em quem não via nada construtivo, e pelos que se achavam poderosos em geral. Era um partidário do cidadão comum. Essa era sua maior qualidade: um tipo ostensivo, assumido e um tanto desafiador de humildade.

Graças a essa mentalidade, Tales em geral sabia melhor o que interessava o maior número possível de pessoas. O leitor de Veja podia não conhecê-lo, mas Tales conhecia bem o leitor: era gente como ele. Dava-lhe o que queria ler. Estava em posição de defender seus interesses.

Quando a economia e a política se tornaram mais estáveis, deixando de produzir as notícias sensacionais que levantam as vendas nas bancas, e a revista teve que buscar outros caminhos, esse foi o grande trunfo de Tales para uma nova fase de sucesso em Veja, que perdurou muitos anos. Na época, eu recomeçava a trabalhar na revista como repórter especial, respondendo diretamente ao Tales. Discutimos muitas vezes o que fazer. Eu sustentava que naquele tempo o interesse individual se tornara mais importante que as grandes causas coletivas, visto o sucesso dos livros de auto-ajuda. Era nisso que a revista podia investir.

Tales sabia escutar. E, como autor do plano, mandou-me executá-lo. "Está bem, então você vai fazer", ele disse. Criou uma seção sem nome, uma espécie de segunda Geral, chefiada por mim. Aumentou o número de sucursais para doze, de modo a mostrar mais o Brasil para o brasileiro, e colocou-as todas sob o meu comando. Toque típico de Tales, mandou diminuir os textos, cujo tamanho na opinião dele causava cansaço no leitor comum (ironizava sua própria instrução dizendo que a reportagem ideal era o "pirulito", a notícia de uma coluna).

Assim surgiu uma Veja que colocava em sua capa reportagens sobre problemas conjugais, o poder do cérebro e viagens à Disney, mais enxuta, dinâmica e com mais assuntos. Ao mesmo tempo, não deixava de ser a Veja de sempre, que ainda se destacava pela reportagem de denúncia e investigação.

No início de sua gestão como diretor de redação, foi Tales quem ordenou uma capa sobre quem era o deputado Sérgio Naya, símbolo de um Brasil que literalmente matava a classe média sob os escombros dos prédios que construía: a reportagem foi redigida e fechada por mim, com relatórios da reportagem em Brasília e do Rio de Janeiro. Pouco depois, Veja deu uma entrevista exclusiva com o "maníaco do parque", trabalho brilhante e ousado da equipe da editora executiva Laura Capriglione, que infiltrou uma repórter na cadeia e ouviu a confissão do criminoso. Foi também a equipe de Laura que esperou meses a fio para dar no momento exato, como um grande furo de reportagem, uma descoberta da medicina que revolucionaria a vida de muita gente: o Viagra. Tudo isso consolidou um novo patamar de vendas para Veja e a posição de Tales à frente da revista.

Foi a fase culminante de uma carreira longe das luzes, mas hiperativa. Tales participou ativamente da história do Brasil, desde os tempos da ditadura militar, quando se caracterizou como um especialista em política. Porém, mais que um repórter, era um "fechador": aquele sujeito que põe a notícia trazida pelos repórteres no papel e faz a revista sair.

Em geral, o "fechador" tem menos gosto pelo trabalho da rua, mas é mais pensador. Essa era a arte de Tales, no silêncio de sua sala de vidro, escrevendo como um conspirador. Podia parecer arrogante, com seu jeito de levantar o queixo: mesmo sendo baixinho, produzia a sensação de que olhava para você de cima para baixo. Nesse gesto talvez inconsciente, havia também uma atitude perante o mundo.

Descrente da política e nos homens, desconfiava de tudo, especialmente da índole dos governantes, que se achavam em cima, mas para os quais ele também olhava de cima para baixo. Levava seu ceticismo cortante do jornalismo para as coisas comezinhas da vida e as grandes também. A frase que melhor o definia, como agnóstico e um exasperado com os males que se multiplicavam, era essa: "se Deus existe, ele não interfere".

Como Deus se omitia, pensava Tales, cabia aos jornalistas fazer o melhor possível: lutar pela democracia, vencer a pobreza, destruir os larápios e a corrupção. Era uma missão superior, instituição em Veja. Algo que no círculo dos cavaleiros suplantava até mesmo a importância do patrão, como homem de negócios às vezes mais sujeito a contemporizações. Como todos em Veja, Tales fazia essa distinção: o papel do patrão era um, o do jornalista era outro. E ambos sabiam disso.

Em minhas duas passagens por Veja, nas quais acumulei alguns anos de convivência direta com Tales, como subordinado e depois amigo, ele sempre teve comigo um certo ar paternal, talvez por termos o mesmo nome, com a diferença de um H (provocador, Guzzo nos dizia que eu só tinha essa letra a mais que o Tales - e era uma letra muda). Mesmo assim, não me poupava do pior trabalho nem de certas crueldades que reservava aos seus colaboradores quando eles achavam que sua vida andava fácil - ou pretendia destruir a oposição.

Para mim, mesmo sem motivo, dizia: "mude de nome ou de comportamento". Na reunião de pauta de Veja, na minha hora de expor as ideias para a capa da semana, ironizava os conselhos que ele próprio me pedira ao ser promovido à direção, tornando público algo que dividíramos em território particular: "Vamos agora ouvir o Guaracy, que veio me dizer o que fazer no meu emprego". Passava descomposturas sempre depois de convidar uma testemunha, algo que não o ajudou a se tornar mais popular.

Porém, nada disso o desmerece. A vida em Veja era de muita pressão, o que ajuda a explicar certos exageros de comportamento. Tales não se aborreceria por me ver contando essas coisas. Era a favor sempre de mostrar o "outro lado", parte do código samurai, segundo o qual mesmo dos bons não se pode deixar de mostrar o lado ruim, um princípio da credibilidade defendido a qualquer custo. 

Tales era a favor de não esconder nada, nada mesmo, ainda que às vezes isso parecesse cruel. Certa vez, ele me mandou incluir no texto de uma reportagem o fato de um entrevistado ter me recebido em sua casa pelado, para mostrar o corpo coberto de feridas, resultado de obesidade mórbida, de modo a obter a complacência da revista. Foi o que fiz. Além, é claro, de desfiar os negócios escusos que realizava.

Depois que saí de Veja, de modo a ganhar o tempo necessário para escrever meus romances - um projeto pessoal -, encontrei Tales em várias ocasiões. A última delas, em Campos do Jordão, foi num seminário de intelectuais que se propunham dar soluções para o Brasil. Ele circulava por ali anonimamente, assistindo a tudo, atento. Jantamos juntos: comemos, bebemos, rimos, contamos histórias e ele me explicou que estava ali em busca de elementos na sua incansável campanha para desancar os discursos vazios. 

Tinha espaço privilegiado para fazê-lo, na coluna que mantinha nas duas revistas cuja direção acumulava, as mais influentes do país: a própria Veja e Exame. Por trás do eterno ceticismo, acho que alimentava também ainda a esperança de um mundo um pouco melhor, além dos antigos ideais.

Problemas ainda não muito esclarecidos, decorrentes de dificuldades respiratórias, tiraram a vida de Tales Alvarenga, 61 anos, na sexta-feira, dia 3 de fevereiro de 2006. Talvez ele dissesse, sobre a própria morte, que Deus não interferiu - mais uma vez. Deveria tê-lo feito, para benefício dos amigos a quem subtraiu o seu convívio, e do Brasil, que perdeu um sincero, competente e honesto defensor.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O superestrelado Amor e Tempestade chega à era digital

É estranho celebrar o fim de um casamento, mas o fim de casamentos geralmente abre perspectivas para um futuro mais duradouro. É o caso do meu romance Amor e Tempestade, cujo contrato com a editora Objetiva chegou ao termo, e ganha agora novo começo com a sua publicação inédita em e-book pelo selo Copacabana.

Nos seis anos em que o romance permaneceu na Objetiva, a venda foi excelente, sobretudo considerando-se que se trata de um livro brasileiro de mais de 300 páginas, que custava ao leitor 54 reais: cerca de 6 mil exemplares. Talvez tivesse sido mais, se a editora não estivesse já muito satisfeita com os lucros e, com um pouco mais de ambição, apostasse em mais reimpressões. É um livro com uma legião de fiéis leitores, que lhe deram 80% de aprovação com quatro e cinco estrelas no Skoob.

Durante todo esse tempo, assim como muitas editoras de grande porte, que não estão dando conta do recado do terreno virtual, a Objetiva sequer chegou a  produzir a versão digital da obra, que só agora é lançada no meio virtual. Por essa razão, a versão do livro em inglês chegou primeiro - Love and Tempest já se encontrava desde o ano passado na Amazon, Google Play, I-Tunes, além de Saraiva, Cultura/Kobo etc.

Para mim, é importante ver este romance na galeria das obras que, por meio do veículo digital, não sairão mais das prateleiras. Ele é resultado de um período importante de minha vida, quando morava em Nova York, e de meu trabalho. Eu me propus um ano de dedicação a um livro que, segundo pensava, ninguém mais poderia escrever, pela experiência, o tempo e o esforço de que necessitava. E escrevi.

O romance saiu como imaginei, daquele tipo como já não se faz comumente hoje em dia. É ambicioso, por retratar um período turbulento da História do Brasil. Grande, como pedia uma saga com toques picarescos, em que entram personagens históricos, como Lampião, o padre Cícero, o Marechal Rondon, os 18 do Forte e os integrantes da Coluna Prestes. E intenso, mesclando aventura, ação e romance às questões existenciais, especialmente sobre o significado da família e do heroísmo.

Amor e Tempestade me custou caro, não somente por esvaziar minhas reservas financeiras nesse ano de trabalho solitário na cidade mais cara do mundo, como fisicamente. Escrevi sua parte final literalmente em pé. Depois de meses a fio trabalhando de doze a dezesseis horas por dia ao computador, já não conseguia sequer sentar. Coloquei então o laptop em cima da prateleira de livros e continuei.

Em Nova York, quando escrevia Amor e Tempestade:
já não podia nem sentar
Quando vemos um livro, seja qual for, muita gente não imagina o esforço que há por trás. Muita gente acha idílico o trabalho do escritor, mas na maior parte do tempo ele é impiedoso, sacrificante e mal remunerado. Mas o resultado vale, por seu significado. Um romance de fôlego como esse representa muito, pelo empenho emocional que exige, seu envolvimento afetivo, o tempo que tomou, os valores que contém, suas ideias e mensagens.

Um livro fica bom apenas quando nos entregamos a ele de corpo e alma. Um romance leva tudo da gente, mas ele fica. Em Amor e Tempestade, eu dei realmente tudo de mim, até a última gota, o bagaço, o frangalho.  E agora ele é novamente dos leitores. Por um preço muito melhor que o do livro impresso (9,90). E à distância de uns poucos cliques, incluindo para a coleção dos fiéis leitores que já compraram o livro impresso e fizeram dele um romance superestrelado.

domingo, 23 de agosto de 2015

A era da ignorância

Vejo na internet um vídeo com entrevista da minha agente literária, Luciana Villas Boas, na qual ela afirma que a literatura brasileira perdeu espaço de influência na cultura brasileira. É verdade, mas o que vemos hoje com as redes sociais é um fenômeno ainda mais amplo, em que não apenas a literatura como a leitura - matéria prima para as ideias - perdem seu espaço, numa era em que a informação nunca foi tão farta.

A internet trouxe para o mundo contemporâneo um grande paradoxo. A era da informação, contraditoriamente, é também a era da ignorância. Graças à internet, ficamos sabendo como a civilização ainda é pobre - ontem vi um vídeo, por exemplo, de uma gincana na França em que um concorrente, entre quatro alternativas, cravou que a Terra gira em torno da Lua. Quem tem visto filmes franceses sobre educação sabe que até no país mais culto do mundo ela anda em baixa.

As pessoas se acomodaram - é mais fácil ver um vídeo ou distrair-se com bobagens na internet do que aprender algo construtivo. A mesma facilidade com que se faz compras de supermercado por meia dúzia de cliques faz também com que o ser humano deixe de pensar, tanto quanto de sair de casa. Ambas as coisas são importantes para aprender.

Já ouvi muitos relatos sobre jornalistas que vivem atrás do computador. Não vão para a rua, não fazem reportagens, não conhecem pessoas.  Não têm, portanto, conexões nem experiência de vida. E esse é um capital essencial para quem quer escrever, seja informativa ou literariamente.

Há trinta anos eu escrevo todos os dias e me surpreendo com tantos novos "escritores" surgindo na internet. Fazem vídeos e dão entrevistas como se soubessem tudo sobre escrever, sobre o mercado, sobre a vida. Mesmo assim, quem começou a carreira na imprensa diária, no tempo da máquina de escrever, sabe que escrever é experiência e treino - exceto, talvez, na poesia. E isso falta, e muito, na literatura que surge no meio virtual.

Escritores da era digital tendem a tomar conta do mercado porque são jovens, geralmente não precisam sustentar família e têm mais tempo para fazer seu marketing virtual. Vão ocupando espaço e dando a impressão de que isso é a literatura contemporânea. O mesmo acontece em outras áreas da comunicação. A internet oferece espaço de manifestação para uma série de minorias que fazem muito barulho, porque ocupam espaço nas redes sociais. Com isso, dão a falsa impressão de que são maioria. Ou de que têm razão. Multiplicam-se os donos da verdade de tal maneira que a internet se torna enfadonha.

Lógico que se pode encontrar inteligência na internet, assim como espaços com informação relevante e confiável. Porém, a internet favorece o nivelamento por baixo em larga escala . A mediocridade tende a ganhar ainda mais espaço porque as pessoas até agora não têm dado devida importância ao fato de que informação de qualidade - incluindo  a literatura, que é informação para o desenvolvimento intelectual e emocional - precisa ser um serviço remunerado, como sempre foi. Os internautas em sua maioria ainda preferem o espaço onde está na verdade o lixo da informação, apenas porque ele é gratuito.

Os jornalistas tradicionais não aprenderam direito a fazer uso das novas mídias; ao contrário, são boicotados dentro delas, em movimentos promovidos por neo blogueiros para desacreditar o profissional da informação e ocupar o seu espaço, ou por gente financiada de forma escusa por interesses de outra maneira indefensáveis. Os profissionais precisam aprender a navegar como os neófitos e voltar a transformar a missão de escrever, seja de forma informativa como literária, de uma maneira que isso continue a ser de fato uma profissão, entendida como uma especialidade da qual alguém pode tirar seu ganha-pão.

A redução do hábito da leitura de jornais e livros impressos parece indicar que o terreno livre da internet representará uma nova seleção natural. Existirão os livros e veículos de informação digitais, mas as regras do que é bom não mudaram. Conteúdo de qualidade estimula a leitura e vice-versa. A reentrada dos profissionais no mercado pode ajudar a devolver qualidade à informação e a restabelecer a ordem das coisas: os neo blogueiros é que terão de se esforçar para aprender como esse negócio funciona, e os jabazeiros ficarão expostos, por contraste.

Está mais que na hora de isso começar. 




sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Mais romancista que repórter: meu placar no skoob



Roberto Civita, falecido dono da editora Abril, onde trabalhei muitos anos, certa vez encontrou o banqueiro Armando Conde, do BCN, que lhe disse estar em contato comigo, para que eu pudesse ajudá-lo a escrever seu livro de memórias. E perguntou o qeu Civita achava sobre mim.  "Péssimo jornalista", disse Roberto, com seu ar sempre blasé. "Mas é um grande contador de histórias..."

Fui pesquisar no Skoob meu placar junto aos leitores, para saber como avaliaram meus livros. E verifiquei, agora em números, que de fato sou mais romancista que repórter - os meus romances são mais bem avaliados que os livros de não ficção.

O primeiro da lista é Filhos da Terra, meu primeiro romance, que com 20 avaliações recebeu 5 estrelas de 60% dos leitores. Entre quatro e cinco estrelas, são 80% de aprovação.

No mesmo plano está O Homem que Falava com Deus, com 14 avaliações, que recebeu cinco estrelas de 64% dos leitores. Com 14% de 4 estrelas, o índice vai a 78% de aprovação.

Amor e Tempestade, meu romance mais recente, publicado originalmente pela Objetiva/Suma de Letras, tem 77% de aprovação, mas quase o mesmo número de avaliações de quatro e cinco estrelas (33% e 38%, respectivamente).

Os livros de não ficção não são tão festejados, mas também estão muito bem avaliados. O Sonho Brasileiro, biografia de Rolim Amaro, fundador da TAM, tem 70% de aprovação, entre 4 e 5 estrelas, por 25 avaliadores. A Conquista do Brasil é muito recente e recebeu por enquanto apenas 2 avaliações: uma de quatro e outra de cinco estrelas. Promete.

Se você já leu alguns desses livros, vá ao Skoob e vote! O autor aqui agradece o interesse. Isso nos ajuda a continuar trabalhando. O leitor é que manda! Meu próximo livro, por sinal, será um romance. Assim como Conquista do Brasil, será lançado pela editora Planeta.

http://www.amazon.com/Filhos-Terra-Portuguese-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00EDXV2UW/ref=sr_1_2?ie=UTF8&qid=1439582147&sr=8-2&keywords=filhos+da+terra