segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
David Bowie: é possível ser sempre jovem
Conheci David Bowie - não a pessoa, mas a música, o artista, o personagem - na faculdade, período da juventude em que gostamos de arte cult. Bowie nunca foi um artista popular. Era inventivo, iconoclasta, experimentalista. Chegou a fazer algumas músicas populares, como Little China Girl, mas ele foi muito mais uma influência criativa sobra uma série de artistas de várias gerações, e de um público mais refinado, do que realmente um artista pop.
Bowie, porém, era mais do que um músico. É verdade que ele chamou a atenção pelas roupas extravagantes, o visual andrógino e a onda interplanetária do final dos anos 1960, embalados pela chegada do homem à Lua. Sua obra inicial parecia feita para filmes de ficção científica, a começar pelo álbum que o fez famoso, Space Odissey. Foi pelo talento, porém, que Bowie se firmou, além da capacidade de renovação pelas fases de sua vida pessoal e artística, que o fizeram ganhar o apelido de "camaleão".
Mesmo sua aparição no cinema, que o deixou ainda mais conhecido, também foi cult. Os filmes de Bowie nunca foram um estrondoso sucesso de público, mas sempre tiveram charme, por serem vistos pela gente certa - os fãs de Bowie, principalmente. Foi assim com Fome de Viver, que eu vi também nos tempos universitarios, uma história de vampiros com a igualmente cult Catherine Deneuve. E Furyo, um filme de guerra, talvez seu melhor papel.
Bowie atravessou gerações como um símbolo da música criativa. Sua voz grave e inconfundível era o seu verdadeiro instrumento. Era perfeito porque era um esteta, que chegou a escrever um livro de estilo, Objects, sobre objetos de formas que ele admirava. Modelo de elegância, na vida e nas artes, nunca deixou de ser britânico, pela maneira perfeita como falava e se comportava. Profissional, nunca perdeu o interesse pelos outros nem a humildade, essência para sempre começar tudo de novo, como se estivesse partindo do zero, a real fonte da criatividade.
É um final de filme que Bowie tenha morrido justamente quando lançou seu último álbum, Blackstar. É preciso ouvir Bowie várias vezes para começar a gostar. Isso acontece sempre que estamos ouvindo algo novo, inédito, que busca outros caminhos. Ele fez parte da nossa educação musical e estética nos últimos 40 anos e deixa não apenas o legado como o exemplo de que é possível ser sempre jovem. "A idade não importa – o que importa é a intenção, a integridade e o poder de tocar as pessoas", disse ele à revista Rolling Stone.
Bowie morreu aos 69 anos. Mas sua obra provavelmente continuará agradando a jovens e velhos num futuro incontável, porque, como ele, não envelhece. Ao menos, para quem tem a mente aberta para entender a linguagem de um artista único.
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
Os pecados da tribo contemporânea
Em seu romance Os Pecados da Tribo, de 1976, o escritor goiano J.J.Veiga, falecido em 1999, imaginava um mundo em que desaparecera toda a tecnologia, depois de uma inexplicada catástrofe que tirou a energia artificial: um planeta sem carros, geladeiras e outras máquinas, onde a consulesa - uma mulher casada desejada pelo narrador por seus lindos pés -, andava sempre descalça.
Uma interessante fábula para mostrar que, sem os meios criados pela indústria contemporânea, o homem permanecia o mesmo, com seus desejos, mesquinharias e problemas, que remontam aos tempos das cavernas. Prova de que a civilização está no comportamento, e não nos instrumentos de que a sociedade dispõe.
Falo deste livro para fazer um exercício contrário, tomando o mundo real de hoje. Desde a invenção da roda e da máquina a vapor, a sociedade não mudou tanto quanto agora, na era da informação. Impregnado de tecnologia, especialmente a que hoje conecta todo os indívíduos, vemos que esse avanço civilizatório não fez progredir também os elementos essenciais da Humanidade. O mundo continua o mesmo, ou pior, já que a tecnologia tem servido para acirrar suas dissensões.
Em vez de dirigir o mundo para uma fase desenvolvimentista, objetiva e integrada às bases humanistas ou iluministas, como seria de se esperar de uma geração tão próxima dos elementos da razão, o que a tecnologia fez foi impulsionar a intolerância religiosa, acirrar o maniqueísmo político, dar voz aos extremistas de esquerda e direita e fortalecer minorias que tentam encobrir a maioria com seu ativismo.
A multiplicidade se transforma em uma infinidade de defesas de interesse que buscam tirar a legitimidade umas das outras e tendem a desintegrar um mundo cada vez mais integrado pela comunicação.
Assim como as tribos africanas não deixaram de ser tribais, apenas hoje usam metralhadoras no lugar dos antigos chuços para dizimar seus inimigos em maior escala, a internet se tornou um instrumento de última geração para a ação de ideologias que se supunha anacrônicas.
Ressurgiu a velha dicotomia de esquerda e direita, que parecia destinada à submersão no processo de redemocratização do Brasil. Levantaram-se da tumba os arautos de velhas esquerdas, como a stalinista, segundo a qual os fins justificam os meios, defensores da erradicação do capitalismo a qualquer preço, que tem muitos correligionários ao redor do governo da presidente Dilma Rousseff.
Surgiram também do limbo, ao mesmo tempo, os radicais de direita, para quem tudo o que a esquerda prega é um absurdo, e justifica-se portanto o absurdo do lado contrário, incluindo silenciar a esquerda e defender bens imponderáveis como a pátria, a família e a liberdade com a luta armada, outra aberração anti-civilizatória de tempos pregressos.
No mundo, acontece a mesma coisa. Pela internet, agrupam-se e se fortalecem movimentos radicais islâmicos que acabam nas ruas, como o que resultou na morte de mais de uma centena de pessoas, recentemente, em Paris. Ressurge o nazi-fascismo, que se julgava morto e enterrado desde a experiência macabra da Segunda Guerra Mundial.
Da mesma forma que permite a adolescentes suicidas encontrarem apoio uns nos outros para realizar o seu intento, a internet é um espaço onde interesses específicos podem se reunir em redes e fortalecer o ânimo de grupos com propósitos fora da curva.
Ao patrulhamento ideológico, que tenta matar toda e qualquer manifestação contrária nas redes sociais, junta-se a cizânia pura e simples, daqueles que veem defeito em tudo e só sabem criticar o governo, o vizinho, as instituições, a democracia e reclamar da vida - da falta d´água ao preço do dólar.
Excluída a tecnologia, como o rei da fábula, que de repente se viu nu, ainda somos os mesmos. Os cruzados ainda lutam contra os mouros, e a irracionalidade da intolerância religiosa ganha força e amplitude com sua agregação virtual: Jerusalém agora é cada cidade do mundo, como Paris. A Guerra Fria não é mais entre americanos e soviéticos, é entre todos os que defendem o Estado absolutista e do outro lado o capitalismo liberal, se possível selvagem e desenfreado.
O movimento das minorias ganhou ainda mais força, seja das feministas, dos gays, dos negros. E com isso vão também se criando guetos de exclusividade e privilégio em que o cidadão fora dessas nomenclaturas vai sendo alijado do direito de igualdade.
Essa guerra microfísica, que está no dia a dia das pessoas, vai tornando o ambiente virtual estressante e potencialmente explosivo. A facilidade com que a organização de grupos na internet ganha as ruas, de repente e aparentemente do nada, para quem não vigia os meios virtuais, é o maior fenômeno social da era contemporânea.
Dentro desse cenário, está também a tentativa de desmoralizar a imprensa, para a ocupação do espaço da informação com o ponto de vista dos grupos de interesse. Um mundo em que não há verdades, ou fatos, e apenas versões sobre tudo, vai se tornando um campo minado para a sociedade, sujeita mais a campanhas de marketing que à realidade.
A divergência política, que se dava apenas em períodos eleitorais, e antes se restringia às páginas de opinião dos jornais ou ao churrasco de fim de semana, hoje é um campo aberto e cotidiano. Os projetos de interesse coletivo estão sujeitos a uma infinidade de pressões que ameaçam paralisar as atividades de Estado e precisam ser defendidos diariamente, assim como a reputação daqueles que são achincalhados impunemente no meio virtual.
A democracia se obriga a respeitar o direito de opinião livre de todas as minorias, não pode ir contra a multiplicação desse tipo de material que infesta hoje o espaço virtual, tão presente na vida das pessoas, ainda que isso não represente o pensamento da maioria, geralmente silenciosa. É um desafio para o mundo se tornar governável diante de todas essas fontes de pressão.
A tecnologia avança, mas ainda somos os mesmos que levaram este planeta às guerras mundiais, à Inquisição, à perseguição política, à censura e outros males crônicos da Humanidade. A civilização não é a tecnologia, e sim o que está por trás dela, e agora aparece à frente, tão claramente. Espera-se que seja uma fase e venhamos a encontrar fatores de equilíbrio, a começar pela consciência das consequências do mundo virtual no mundo real.
Uma certa volta aos pés no chão da consulesa, símbolo último da realidade.
Uma interessante fábula para mostrar que, sem os meios criados pela indústria contemporânea, o homem permanecia o mesmo, com seus desejos, mesquinharias e problemas, que remontam aos tempos das cavernas. Prova de que a civilização está no comportamento, e não nos instrumentos de que a sociedade dispõe.
Falo deste livro para fazer um exercício contrário, tomando o mundo real de hoje. Desde a invenção da roda e da máquina a vapor, a sociedade não mudou tanto quanto agora, na era da informação. Impregnado de tecnologia, especialmente a que hoje conecta todo os indívíduos, vemos que esse avanço civilizatório não fez progredir também os elementos essenciais da Humanidade. O mundo continua o mesmo, ou pior, já que a tecnologia tem servido para acirrar suas dissensões.
Onze Cabeças, de Pavel Filonov, Museu Russo, em São Petersburgo |
A multiplicidade se transforma em uma infinidade de defesas de interesse que buscam tirar a legitimidade umas das outras e tendem a desintegrar um mundo cada vez mais integrado pela comunicação.
Assim como as tribos africanas não deixaram de ser tribais, apenas hoje usam metralhadoras no lugar dos antigos chuços para dizimar seus inimigos em maior escala, a internet se tornou um instrumento de última geração para a ação de ideologias que se supunha anacrônicas.
Ressurgiu a velha dicotomia de esquerda e direita, que parecia destinada à submersão no processo de redemocratização do Brasil. Levantaram-se da tumba os arautos de velhas esquerdas, como a stalinista, segundo a qual os fins justificam os meios, defensores da erradicação do capitalismo a qualquer preço, que tem muitos correligionários ao redor do governo da presidente Dilma Rousseff.
Surgiram também do limbo, ao mesmo tempo, os radicais de direita, para quem tudo o que a esquerda prega é um absurdo, e justifica-se portanto o absurdo do lado contrário, incluindo silenciar a esquerda e defender bens imponderáveis como a pátria, a família e a liberdade com a luta armada, outra aberração anti-civilizatória de tempos pregressos.
No mundo, acontece a mesma coisa. Pela internet, agrupam-se e se fortalecem movimentos radicais islâmicos que acabam nas ruas, como o que resultou na morte de mais de uma centena de pessoas, recentemente, em Paris. Ressurge o nazi-fascismo, que se julgava morto e enterrado desde a experiência macabra da Segunda Guerra Mundial.
Da mesma forma que permite a adolescentes suicidas encontrarem apoio uns nos outros para realizar o seu intento, a internet é um espaço onde interesses específicos podem se reunir em redes e fortalecer o ânimo de grupos com propósitos fora da curva.
Ao patrulhamento ideológico, que tenta matar toda e qualquer manifestação contrária nas redes sociais, junta-se a cizânia pura e simples, daqueles que veem defeito em tudo e só sabem criticar o governo, o vizinho, as instituições, a democracia e reclamar da vida - da falta d´água ao preço do dólar.
Excluída a tecnologia, como o rei da fábula, que de repente se viu nu, ainda somos os mesmos. Os cruzados ainda lutam contra os mouros, e a irracionalidade da intolerância religiosa ganha força e amplitude com sua agregação virtual: Jerusalém agora é cada cidade do mundo, como Paris. A Guerra Fria não é mais entre americanos e soviéticos, é entre todos os que defendem o Estado absolutista e do outro lado o capitalismo liberal, se possível selvagem e desenfreado.
O movimento das minorias ganhou ainda mais força, seja das feministas, dos gays, dos negros. E com isso vão também se criando guetos de exclusividade e privilégio em que o cidadão fora dessas nomenclaturas vai sendo alijado do direito de igualdade.
Essa guerra microfísica, que está no dia a dia das pessoas, vai tornando o ambiente virtual estressante e potencialmente explosivo. A facilidade com que a organização de grupos na internet ganha as ruas, de repente e aparentemente do nada, para quem não vigia os meios virtuais, é o maior fenômeno social da era contemporânea.
Dentro desse cenário, está também a tentativa de desmoralizar a imprensa, para a ocupação do espaço da informação com o ponto de vista dos grupos de interesse. Um mundo em que não há verdades, ou fatos, e apenas versões sobre tudo, vai se tornando um campo minado para a sociedade, sujeita mais a campanhas de marketing que à realidade.
A divergência política, que se dava apenas em períodos eleitorais, e antes se restringia às páginas de opinião dos jornais ou ao churrasco de fim de semana, hoje é um campo aberto e cotidiano. Os projetos de interesse coletivo estão sujeitos a uma infinidade de pressões que ameaçam paralisar as atividades de Estado e precisam ser defendidos diariamente, assim como a reputação daqueles que são achincalhados impunemente no meio virtual.
A democracia se obriga a respeitar o direito de opinião livre de todas as minorias, não pode ir contra a multiplicação desse tipo de material que infesta hoje o espaço virtual, tão presente na vida das pessoas, ainda que isso não represente o pensamento da maioria, geralmente silenciosa. É um desafio para o mundo se tornar governável diante de todas essas fontes de pressão.
A tecnologia avança, mas ainda somos os mesmos que levaram este planeta às guerras mundiais, à Inquisição, à perseguição política, à censura e outros males crônicos da Humanidade. A civilização não é a tecnologia, e sim o que está por trás dela, e agora aparece à frente, tão claramente. Espera-se que seja uma fase e venhamos a encontrar fatores de equilíbrio, a começar pela consciência das consequências do mundo virtual no mundo real.
Uma certa volta aos pés no chão da consulesa, símbolo último da realidade.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Dilma chama as sereias do impeachment para bailar
Dilma Rousseff trocou o ministro Levy pelo ministro Barbosa; com isso, jogou fora o fiel da balança, que procurava dar ao governo algum crédito, graças ao compromisso de colocar mais ordem nas contas do governo.
Era uma política recessiva, é verdade, mas o fato é que o governo ficou sem dinheiro; literalmente quebrado, acabou a cornucópia com a qual se incentivava a economia por meio do gasto público, incluindo a distribuição de renda em programas como o Bolsa Família.
Nenhuma política demagógica dá certo no final: pode durar algum tempo, mas a realidade se impõe. E a realidade é que não se cria riqueza por decreto. Com um furo orçamentário na casa do bilhão, Dilma conseguia com Levy algum respaldo por contrariar seu partido, que quer mais do mesmo. Ou seja, ainda mais presença do Estado, gastando o que há muito tempo já não tem.
Não é uma questão de conta, nem de bom senso, nem de trato da gestão pública. É meramente política.Com Levy, o homem do Bradesco, Dilma tinha um certo pacto com a iniciativa privada de que faria o ajuste por conta própria. Sob a espada do processo de impeachment, teria menos pressão contra seu mandato. Ninguém quer ficar com o ônus do ajuste, que é sempre amargo. Dilma já está mesmo queimada: estava ficando, porque ia limpar a própria sujeira.
Só que ela cedeu à pressão de seu próprio partido. O raciocínio do PT é de que na atual situação, é tudo ou nada. Que o ônus fique para o próximo, então. Com Barbosa, pretende-se retormar algum tipo de desenvolvimento, dentro da filosofia de que é possível conciliar estímulo do Estado à economia com controle fiscal. Na situação em que estamos, isso é uma impossibilidade matemática que vai contra qualquer análise mais racional.
Cedendo aos apelos de seu partido, Dilma se torna novamente vulnerável. Ao declarar que não vai fazer o ajuste como precisaria ser feito, vai retornar ao curso que a levou à beira do abismo. Só que agora pode estar apressando sua vida no Planalto.
Por mais que se cerque o processo do impeachment de minuetos institucionais, é certo que a situação econômica tem um peso relevante no seu andamento. Collor caiu assim. Não havia prova direta do seu envolvimento nas negociatas de PC Farias. Porém, com o Brasil embicando para o desastre, as forças populares indignadas juntaram-se ao que realmente faz diferença, que é a vontade das elites. E estas, no Congresso, o forçaram à renúncia.
Todos sabem que o Brasil não pode ficar assim por mais três anos, até porque vai piorar. E que, quanto mais rápido o ajuste, melhor. Se Dilma dá sinal de que não vai mais fazê-lo, para jogar o ônus ao seu sucessor, está colocando sua posição sob risco ainda maior. As elites brasileiras não vão esperar mais três anos de aprofundamento da crise. Têm os instrumentos para isso, com seus representantes no Congresso, muito bem remunerados.
Na prática, a presidente está chamando as sereias do impeachment para bailar.
Era uma política recessiva, é verdade, mas o fato é que o governo ficou sem dinheiro; literalmente quebrado, acabou a cornucópia com a qual se incentivava a economia por meio do gasto público, incluindo a distribuição de renda em programas como o Bolsa Família.
Dilma com Barbosa: impossibilidade matemática |
Nenhuma política demagógica dá certo no final: pode durar algum tempo, mas a realidade se impõe. E a realidade é que não se cria riqueza por decreto. Com um furo orçamentário na casa do bilhão, Dilma conseguia com Levy algum respaldo por contrariar seu partido, que quer mais do mesmo. Ou seja, ainda mais presença do Estado, gastando o que há muito tempo já não tem.
Não é uma questão de conta, nem de bom senso, nem de trato da gestão pública. É meramente política.Com Levy, o homem do Bradesco, Dilma tinha um certo pacto com a iniciativa privada de que faria o ajuste por conta própria. Sob a espada do processo de impeachment, teria menos pressão contra seu mandato. Ninguém quer ficar com o ônus do ajuste, que é sempre amargo. Dilma já está mesmo queimada: estava ficando, porque ia limpar a própria sujeira.
Só que ela cedeu à pressão de seu próprio partido. O raciocínio do PT é de que na atual situação, é tudo ou nada. Que o ônus fique para o próximo, então. Com Barbosa, pretende-se retormar algum tipo de desenvolvimento, dentro da filosofia de que é possível conciliar estímulo do Estado à economia com controle fiscal. Na situação em que estamos, isso é uma impossibilidade matemática que vai contra qualquer análise mais racional.
Cedendo aos apelos de seu partido, Dilma se torna novamente vulnerável. Ao declarar que não vai fazer o ajuste como precisaria ser feito, vai retornar ao curso que a levou à beira do abismo. Só que agora pode estar apressando sua vida no Planalto.
Por mais que se cerque o processo do impeachment de minuetos institucionais, é certo que a situação econômica tem um peso relevante no seu andamento. Collor caiu assim. Não havia prova direta do seu envolvimento nas negociatas de PC Farias. Porém, com o Brasil embicando para o desastre, as forças populares indignadas juntaram-se ao que realmente faz diferença, que é a vontade das elites. E estas, no Congresso, o forçaram à renúncia.
Todos sabem que o Brasil não pode ficar assim por mais três anos, até porque vai piorar. E que, quanto mais rápido o ajuste, melhor. Se Dilma dá sinal de que não vai mais fazê-lo, para jogar o ônus ao seu sucessor, está colocando sua posição sob risco ainda maior. As elites brasileiras não vão esperar mais três anos de aprofundamento da crise. Têm os instrumentos para isso, com seus representantes no Congresso, muito bem remunerados.
Na prática, a presidente está chamando as sereias do impeachment para bailar.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
Hemingway e um bangalô na mata
Quando vi a casa pela primeira vez, pensei: é aqui que eu vou ficar.
Nem pensava em comprar uma casa. Ou melhor, queria algum lugar que tivesse alguma coisa que eu ainda não sabia bem o que era. Uma casa no meio da mata. Isolamento. Mas algo acolhedor. Uma casa para um escritor.
Casas são muito importantes para quem escreve, pois escritores passam muito tempo dentro delas. Precisam contar histórias, porque é isso o que fazemos. Ali nos cercamos das nossas coisas, das nossas histórias. Um ambiente favorável a sermos nós mesmos. À criação.
Hemingway adorava casas. Visitei a de Key West. Por pouco não vi a de Cuba (estava fechada). Para ter uma casa, Hemingway gastava o dinheiro que não tinha e realizava projetos mirabolantes. Jack London comprou uma fazenda perto de São Francisco, que dizia ser uma futura fazenda modelo, mais um de seus projetos brancaleones. A casa pegou fogo pouco antes da inauguração.
A Casa da Mata, como eu a chamo, foi construída há cerca de doze anos pelo ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Yoshiaki Nakano, professor de economia da USP. Ele e a mulher começaram ao redor dela o jardim japonês conservado até hoje. Um homem de bom gosto, o jornalista Antônio Telles, diretor de jornalismo da TV Bandeirantes e apresentador do Canal Livre, reformou-a com grandes vidros para a luz e a paisagem e lixou-a inteira para substituir o verniz grosso e brilhante com um fosco, mais elegante.
Minha contribuição foi fazer tudo funcionar, incluindo a piscina, pouco utilizada a quase 1700 metros de altitude. E coloquei ali o que faltava: a literatura. No final, balançando na rede da varanda, entendi porque gostara daquela casa desde o início. A construção, feita pela hoje falida Casema, especializada em casas pré-fabricadas, para as quais utilizava um tipo de madeira que hoje já não existe disponível, é na realidade um bangalô ao estilo inglês. Como muitos que vi na África, onde os ingleses colonizadores procuravam manter viva sua civilização num ambiente agreste. E como a de Tarzan, meu ídolo de criança na literatura, que gostava de viver seminu na jângal, mas tinha uma fazenda onde morava com Jane, num bangalô que na minha imaginação é exatamente como este.
Ali terminei A Conquista do Brasil, livro de história hoje nas livrarias, editado pela Planeta. Ali escrevi meu próximo romance, que deve sair em 2016 pela mesma editora. E ali comecei e terminei um livro muito pessoal.
Como em tudo o que fazemos, até mesmo a casa é uma escolha literária. Não deve ter sido fácil morar em Cuba ou Key West nos tempos de Hemingway. A Casa da Mata fica longe e não tem internet. É uma ilha na modernidade. Mas tudo bem. Escrever só vale a pena quando vivemos pelo que escrevemos, seguimos os sonhos e não há diferença entre o que somos e como queríamos ser.
quarta-feira, 9 de dezembro de 2015
Um pano, um romance e as mulheres
Eu tinha dezesseis anos de idade quando viajei com meu pai a Macchu Picchu, no Peru - por terra. Fizemos o célebre caminho que incluía as mais de 30 torturantes horas no Trem da Morte, partindo de Quijarro até Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Fomos e voltamos pelo mesmo caminho, de trem, avião, caminhão, ônibus, a pé - incluindo andar por um bom pedaço do deserto no altiplano. A história renderia um romance, Campo de Estrelas, publicado em 2005 pela editora Globo e que se pode encontrar hoje em e-book aqui.
http://www.amazon.com.br/Campo-Estrelas-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00EDXV2S4/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1435865130&sr=8-1&keywords=campo+de+estrelas
Na volta, depois de uma noite demoníaca dentro de um ônibus superlotado, em que ficamos presos na última fileira, molhados a uma temperatura bem abaixo de zero, paramos em Puno, no Peru. Lá comemos o ceviche original, com o Peixe-Rei, exclusividade do Titicaca, cozinhado no limão com cebola e pimenta - uma delícia para o paladar e uma prova de fogo para o sistema digestivo. Na frente do boteco onde fizemos o repasto, uma feira das muitas que havia em toda a Bolívia e o Peru, com suas cholas sentadas vendendo artesanato. Ali, me encantei pelas cores de um auayo - o pano com que as nativas carregam as crianças nas costas onde quer que vão. Um costume antigo, como vimos pelos auayos nas paredes do Museu de Arqueologia em La Paz.
Comprei. Para mim, o auayo não somente era uma peça de vestuário ou utilitária, como também o símbolo daquelas mulheres, que antes de qualquer coisa eram mães. Levavam suas crianças como cangurus, admiravelmente sem se queixar, às vezes em longas viagens (os bolivianos parecem nômades, estão sempre em movimento), nas condições mais adversas.
Guardei aquilo como uma lembrança de viagem. Mais tarde, dei o auayo de presente a uma namorada, que para mim era também uma mulher e mãe admirável. Quando nos separamos, ela achou por bem me devolver o presente, dizendo que eu deveria dá-lo a uma mulher definitiva, a quem realmente caberia aquela peça.
Fiquei novamente com o auayo, mas não poderia dar novamente a alguém um presente que já havia sido de outra pessoa. Ficou comigo e andou de casa em casa até finalmente achar o seu lugar, mais de trinta anos depois, no meu quarto na Casa da Mata, onde se encontra até hoje. É uma boa lembrança, ligada tanto ao romance que escrevi como a um romance na vida real e, sobretudo, à imagem que tenho das mulheres.
Funciona como um retrato da bravura, do amor e da força feminina, que permanecem para mim como ideal admirável.
http://www.amazon.com.br/Campo-Estrelas-Thales-Guaracy-ebook/dp/B00EDXV2S4/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1435865130&sr=8-1&keywords=campo+de+estrelas
Na volta, depois de uma noite demoníaca dentro de um ônibus superlotado, em que ficamos presos na última fileira, molhados a uma temperatura bem abaixo de zero, paramos em Puno, no Peru. Lá comemos o ceviche original, com o Peixe-Rei, exclusividade do Titicaca, cozinhado no limão com cebola e pimenta - uma delícia para o paladar e uma prova de fogo para o sistema digestivo. Na frente do boteco onde fizemos o repasto, uma feira das muitas que havia em toda a Bolívia e o Peru, com suas cholas sentadas vendendo artesanato. Ali, me encantei pelas cores de um auayo - o pano com que as nativas carregam as crianças nas costas onde quer que vão. Um costume antigo, como vimos pelos auayos nas paredes do Museu de Arqueologia em La Paz.
Comprei. Para mim, o auayo não somente era uma peça de vestuário ou utilitária, como também o símbolo daquelas mulheres, que antes de qualquer coisa eram mães. Levavam suas crianças como cangurus, admiravelmente sem se queixar, às vezes em longas viagens (os bolivianos parecem nômades, estão sempre em movimento), nas condições mais adversas.
Guardei aquilo como uma lembrança de viagem. Mais tarde, dei o auayo de presente a uma namorada, que para mim era também uma mulher e mãe admirável. Quando nos separamos, ela achou por bem me devolver o presente, dizendo que eu deveria dá-lo a uma mulher definitiva, a quem realmente caberia aquela peça.
Fiquei novamente com o auayo, mas não poderia dar novamente a alguém um presente que já havia sido de outra pessoa. Ficou comigo e andou de casa em casa até finalmente achar o seu lugar, mais de trinta anos depois, no meu quarto na Casa da Mata, onde se encontra até hoje. É uma boa lembrança, ligada tanto ao romance que escrevi como a um romance na vida real e, sobretudo, à imagem que tenho das mulheres.
Funciona como um retrato da bravura, do amor e da força feminina, que permanecem para mim como ideal admirável.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
Máquinas do tempo
Ao longo dos anos, fui guardando as máquinas onde escrevi, vitimadas pela rápida obsolescência nesta era de extraordinárias mudanças para quem opera com as letras. Tenho dificuldade de me desfazer das minhas companheiras de trabalho; cada uma delas lembra um, ou mais, livros que escrevi. São as testemunhas mudas do meu esforço, instrumento único desse solilóquio obsessivo da escrita. Foram ficando pelos cantos, enfiadas em armários, e aos poucos, como para mostrar a mim mesmo de como vim de longe, como foi demorada, trabalhosa e talvez inglória a jornada até aqui, foi surgindo a vontade de reuni-las num mesmo lugar, onde eu pudesse olhar para elas, como os personagens dos meus livros, e dizer: vocês merecem uma boa aposentadoria, mas ainda gosto da sua companhia, podem ficar por aqui.
Na casa nova, achei o lugar e a ocasião: em uma estante de quina entre a saleta de leitura e a de jantar, fui colocando minhas velhas companheiras, perfiladas como num batalhão: soldados que deram baixa depois da guerra e se reencontram para relembrar feitos que, não fosse pelo que escrevemos juntos, só teriam significado para eles e seu comandante.
Sem dúvida, a máquina mais importante dessa pequena coleação é a velha Olivetti-Underwood Studio 44 verde, modelo exato da máquina de meu pai, Alipio. Ela é, na verdade, um sonho de criança, desde os tempos em que eu via meu pai escrevendo; passava pela porta fechada do pequeno escritório onde ele, entre volutas de fumaça de cachimbo, escrevia suas reportagens e editoriais para revistas como Médico Moderno e Contrução Hoje. Entrar lá dentro era proibido; eu só podia fazê-lo por motivo de força maior, o que queria dizer uma ordem de minha mãe ("chame seu pai para o jantar").
Antes, eu parava na porta, para ouvir o claqueteclaque tão familiar, que para mim é como uma música de infância. Entrar no escritório de meu pai quando ele escrevia era como penetrar em território sagrado, como um cemitério indígena ou o solo da Terra Santa. Pelo menos, assim eu pensava, já que ele abominava ser perturbado, por razões intrínsecas ao ofício de escrever, que eu mesmo só entenderia muito mais tarde. O mistério daquele trabalho e esse pequeno tabu fizeram com que esse momento para mim sempre tenha sido cercado de respeito; e me deixou a convicção de que quem escreve tem direito ao silêncio e à solidão.
Meu pai passou anos a trabalhar com aquela Studio, uma das melhores máquinas já feitas para escrever; para deslizar de volta à margem esquerda, o carro macio demandava apenas a ponta do dedo. Quando meu pai não estava, eu roubava algumas folhas de papel para experimentar; escrevia com quatro dedos, como faço até hoje, com a desculpa de que o que fazemos é escrever, e o importante são as ideias, não a datilografia.
Durante anos a fio, sonhei em estar ali, naquele lugar: diante da máquina verde onde os sonhos ainda estavam por ser feitos. Aos dezoito anos, quando tive meu primeiro carro, viajava até Suzano, em geral aos sábados, para visitar meu avô José: adorava ouvi-lo cantar suas antigas modas de viola e, especialmente, contar as histórias com que preenchia o tempo entre uma canção e outra. Ele já tinha passado dos 90 anos, estava encurvado, reclamava de varizes, e da surdez; para me comunicar com ele, eu escrevia frases num velho caderno escolar, sobre a mesa da cozinha, onde fazíamos nossas tertúlias: na verdade um interminável monólogo que comecei a gravar com a ideia de transformar aquelas histórias no meu primeiro romance.
Fiz isso por cerca de seis meses; tirava as fitas K-7 direto na máquina verde de meu paí. Eu ainda não escrevia nada, apenas transcrevia, com o máximo possível de fidelidade, as frases enfeitadas do português italianado e brejeiro de meu avô. As folhas, algumas de seda, outras de sulfite, foram se acumulando até formar um respeitável calhamaço ao qual eu pretendia dar algum sentido. E quem sabe ver publicado como meu primeiro livro.
As folhas foram sendo rabiscadas e passadas a limpo na Olivetti, mas aquilo não formava ainda um romance; era um proto-livro, o rascunho do que viria a ser o que eu primeiro pensaria intitular como Iusfen e, mais tarde, foi Filhos da Terra. Levei tempo para entender que a degravação das histórias de meu avô não dariam um romance e que eu precisaria absorver aquela matéria prima e recriá-la, para surgir um livro de verdade.
Meu avô tinha razão: quando eu lhe dizia que tinha vontade de usar suas histórias para escrever um livro, ele apenas ria e falava: "isso está em você". Filhos da Terra, de fato, não é um livro de meu avô, ou sobre meu avô, mas de como eu o via e, ao final, acabaria sendo um livro sobre mim mesmo.
Filhos da Terra levou sete anos para ser concluído; quando penso no enorme esforço que me custou, parece que uma parte da minha vida foi engolida no tempo. Trabalhei nesse romance como se fosse a única e última coisa que faria na vida; foi meu primeiro romance para adultos e, acredito, ainda o melhor.
Quando saí da casa de meu pai, deixei de escrever na mesma máquina que ele; o romance foi concluído num laptop Toshiba 1000, um precursor dos notebooks modernos; mas as folhas onde o livro nasceram continuaram numa pasta que me servia de referência, onde estava a linguagem que eu queria conservar, o frescor de sua origem. Mais tarde, comprei a máquina que agora está na Casa da mata. Era já uma peça de museu, reformada numa oficina de máquinas de escrever, no centro de São Paulo, próxima do Pátio do Colégio. De alguma forma, necessitava daquela companhia, que me lembra, até hoje, como comecei e por que, mais do que gostar, preciso escrever.
Na casa nova, achei o lugar e a ocasião: em uma estante de quina entre a saleta de leitura e a de jantar, fui colocando minhas velhas companheiras, perfiladas como num batalhão: soldados que deram baixa depois da guerra e se reencontram para relembrar feitos que, não fosse pelo que escrevemos juntos, só teriam significado para eles e seu comandante.
Sem dúvida, a máquina mais importante dessa pequena coleação é a velha Olivetti-Underwood Studio 44 verde, modelo exato da máquina de meu pai, Alipio. Ela é, na verdade, um sonho de criança, desde os tempos em que eu via meu pai escrevendo; passava pela porta fechada do pequeno escritório onde ele, entre volutas de fumaça de cachimbo, escrevia suas reportagens e editoriais para revistas como Médico Moderno e Contrução Hoje. Entrar lá dentro era proibido; eu só podia fazê-lo por motivo de força maior, o que queria dizer uma ordem de minha mãe ("chame seu pai para o jantar").
Antes, eu parava na porta, para ouvir o claqueteclaque tão familiar, que para mim é como uma música de infância. Entrar no escritório de meu pai quando ele escrevia era como penetrar em território sagrado, como um cemitério indígena ou o solo da Terra Santa. Pelo menos, assim eu pensava, já que ele abominava ser perturbado, por razões intrínsecas ao ofício de escrever, que eu mesmo só entenderia muito mais tarde. O mistério daquele trabalho e esse pequeno tabu fizeram com que esse momento para mim sempre tenha sido cercado de respeito; e me deixou a convicção de que quem escreve tem direito ao silêncio e à solidão.
Meu pai passou anos a trabalhar com aquela Studio, uma das melhores máquinas já feitas para escrever; para deslizar de volta à margem esquerda, o carro macio demandava apenas a ponta do dedo. Quando meu pai não estava, eu roubava algumas folhas de papel para experimentar; escrevia com quatro dedos, como faço até hoje, com a desculpa de que o que fazemos é escrever, e o importante são as ideias, não a datilografia.
Durante anos a fio, sonhei em estar ali, naquele lugar: diante da máquina verde onde os sonhos ainda estavam por ser feitos. Aos dezoito anos, quando tive meu primeiro carro, viajava até Suzano, em geral aos sábados, para visitar meu avô José: adorava ouvi-lo cantar suas antigas modas de viola e, especialmente, contar as histórias com que preenchia o tempo entre uma canção e outra. Ele já tinha passado dos 90 anos, estava encurvado, reclamava de varizes, e da surdez; para me comunicar com ele, eu escrevia frases num velho caderno escolar, sobre a mesa da cozinha, onde fazíamos nossas tertúlias: na verdade um interminável monólogo que comecei a gravar com a ideia de transformar aquelas histórias no meu primeiro romance.
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As folhas foram sendo rabiscadas e passadas a limpo na Olivetti, mas aquilo não formava ainda um romance; era um proto-livro, o rascunho do que viria a ser o que eu primeiro pensaria intitular como Iusfen e, mais tarde, foi Filhos da Terra. Levei tempo para entender que a degravação das histórias de meu avô não dariam um romance e que eu precisaria absorver aquela matéria prima e recriá-la, para surgir um livro de verdade.
Meu avô tinha razão: quando eu lhe dizia que tinha vontade de usar suas histórias para escrever um livro, ele apenas ria e falava: "isso está em você". Filhos da Terra, de fato, não é um livro de meu avô, ou sobre meu avô, mas de como eu o via e, ao final, acabaria sendo um livro sobre mim mesmo.
Filhos da Terra levou sete anos para ser concluído; quando penso no enorme esforço que me custou, parece que uma parte da minha vida foi engolida no tempo. Trabalhei nesse romance como se fosse a única e última coisa que faria na vida; foi meu primeiro romance para adultos e, acredito, ainda o melhor.
Quando saí da casa de meu pai, deixei de escrever na mesma máquina que ele; o romance foi concluído num laptop Toshiba 1000, um precursor dos notebooks modernos; mas as folhas onde o livro nasceram continuaram numa pasta que me servia de referência, onde estava a linguagem que eu queria conservar, o frescor de sua origem. Mais tarde, comprei a máquina que agora está na Casa da mata. Era já uma peça de museu, reformada numa oficina de máquinas de escrever, no centro de São Paulo, próxima do Pátio do Colégio. De alguma forma, necessitava daquela companhia, que me lembra, até hoje, como comecei e por que, mais do que gostar, preciso escrever.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
No ponto em que Dilma está, Collor renunciou
Para quem é mais jovem e não viu, o ponto em que Dilma está agora é o mesmo em que Fernando Collor renunciou. Primeiro presidente eleito em 30 anos, símbolo do último passo da redemocratização após o regime militar, Collor se perdeu em denúncias de corrupção contra seu governo. Seu braço direito, PC Farias, foi pescado em uma série de cobranças de propina a empresários e a crise política fez com que o presidente perdesse rapidamente todo e qualquer apoio político.
Collor decidiu renunciar, porque quando o processo de impeachment é aberto, ele é muito rápido. E ser impedido significava ficar mais tempo com os poderes políticos cassados. Por ter renunciado é que Collor está de volta à política, agora como senador. (Por sinal, não conseguiu ficar longe de mais esta onda de denúncias de corrupção. Parece que não aprendeu nada).
Assim como Collor, Dilma não aparece recebendo dinheiro de ninguém, nem tem conta na Suíça. O presidente é preservado das negociatas justamente para não deixar suas digitais. Com tanta corrupção à sua volta, porém, Dilma não pode se fazer de inocente. Deixou grassar a corrupção no governo, sem sequer demitir ninguém antes da ação da polícia. Todo o seu governo é pecaminoso.
Ela disse que não vai renunciar. Ao contrário de Collor, talvez não tenha mais pretensões políticas. Ser presidente era o mais que podia aspirar. Não há como o PT salvar sua honra, e a da presidente, nesse tipo de processo. As provas contra os acusados são mais do que cabais.
O único lenimento para Dilma é que os parlamentares que instauram o processo têm suas digitais também por toda parte. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é o mais notório e enroscado deles. O PMDB, que ficaria com o governo no caso do afastamento da presidente, é também um pau de galinheiro.
A decisão está em grande parte na mão do PMDB. Ao resolver tentar ficar com o governo de Dilma, o partido se arrisca a virar uma vidraça ainda maior. Poderia ter protelado as coisas e se ocultado atrás da presidente. Porém, o que se pode imaginar que tenha acontecido entre os caciques do partido é que eles sabem que perdido é perdido e meio. Se for para afundar na sequência de Dilma, que pelo menos estejam com o governo nas mãos.
O Brasil está num quadrante miserável. Pior que a crise é a falta de ideias e de gente com moral para a reconstrução. É preciso recuperar a credibilidade do poder público, e para isso precisamos de um estadista cuja cara ainda não surgiu por aí.
Procura-se.
Collor decidiu renunciar, porque quando o processo de impeachment é aberto, ele é muito rápido. E ser impedido significava ficar mais tempo com os poderes políticos cassados. Por ter renunciado é que Collor está de volta à política, agora como senador. (Por sinal, não conseguiu ficar longe de mais esta onda de denúncias de corrupção. Parece que não aprendeu nada).
Dilma: o processo não resgata a honra |
Assim como Collor, Dilma não aparece recebendo dinheiro de ninguém, nem tem conta na Suíça. O presidente é preservado das negociatas justamente para não deixar suas digitais. Com tanta corrupção à sua volta, porém, Dilma não pode se fazer de inocente. Deixou grassar a corrupção no governo, sem sequer demitir ninguém antes da ação da polícia. Todo o seu governo é pecaminoso.
Ela disse que não vai renunciar. Ao contrário de Collor, talvez não tenha mais pretensões políticas. Ser presidente era o mais que podia aspirar. Não há como o PT salvar sua honra, e a da presidente, nesse tipo de processo. As provas contra os acusados são mais do que cabais.
O único lenimento para Dilma é que os parlamentares que instauram o processo têm suas digitais também por toda parte. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é o mais notório e enroscado deles. O PMDB, que ficaria com o governo no caso do afastamento da presidente, é também um pau de galinheiro.
Cunha: não vai melhorar |
O Brasil está num quadrante miserável. Pior que a crise é a falta de ideias e de gente com moral para a reconstrução. É preciso recuperar a credibilidade do poder público, e para isso precisamos de um estadista cuja cara ainda não surgiu por aí.
Procura-se.
Quando as coisas se juntam
Sou um colecionador de memórias profissional - e, da mesma forma como acumulo a memória factual e afetiva para escrever, vou juntando móveis, papéis, obras de arte e pequenas tralhas das quais tenho dificuldade de me separar. Penso que os objetos que carregamos junto conosco contam um pouco a história da gente e falam muito sobre quem somos - ou o que fizemos de nós mesmos. No meu caso, aparecem aqui e ali nos meus livros e são parte do que escrevo.
Na minha casa em São Paulo, que deixei há quatro anos, esse espaço estava circunscrito ao escritório, onde eu trabalhava diariamente, cercado de coisas cuja maioria só eu sei para que servem ou de onde vieram - pinturas, desenhos, lembranças de viagem, objetos curiosos. Para quem olha de fora, aquilo é apenas uma bagunça, ou o sinal visível do caos interior. Para quem examina tudo mais de perto, ou vê o conjunto, e conhece as histórias de cada objeto e sua importância, surge um novo sentido, que é inerente à própria vida e ao trabalho criativos.
Comecei a revisitar as minhas coisas, e a mim mesmo, recentemente. Para tentar entender melhor o porque de tudo, ou de cada coisa, como numa visita ao museu de mim mesmo.
Por certo tempo, minhas coisas andaram espalhadas, por conta da bússola errática que às vezes toma controle da vida. Assim como seu dono, parecia que elas andavam à procura de um lugar - um lugar onde afinal tudo se encaixasse, esperando que fosse para sempre. Algo difícil, como haver harmonia na tempestade, unidade na diversidade, sentido na loucura. Aos poucos, porém, vida e arte foram se juntando no mesmo lugar.
Até por estar sem endereço fixo em São Paulo, levei tudo para uma nova casa no meio da mata, onde passei a escrever meus livros. No antigo sítio, jamais consegui trabalhar. Havia sempre algo a fazer, a cerca para cuidar, o cão como companhia do passeio, a tarde para namorar. Porém, aos poucos foi tomando força a ideia de reunir tudo lá - o trabalho e o ambiente que o cerca.
Na Casa da Mata, além do meu último níquel, gasto sem nenhuma cerimônia em um cheque rabiscado no balcão de fórmica do cartório, comecei a fazer meu novo futuro levando meus cacos do passado, como o rearranjo de um antigo mosaico, em busca de sua forma definitiva. O que só foi possível depois de encontrar com um amor extraordinário e benevolente que, sem ciúme do que já passou, e capaz de me trazer de volta a energia incomparável da esperança, permitiu que passado, presente e futuro se juntassem de uma forma harmoniosa.
Para minha surpresa, ou alívio, velho e novo foram se encaixando em seus lugares, como se tivessem esperado sempre para estar ali. Passeio agora pela casa e tudo ali faz mais sentido: começo, meio, fim. Cada peça conta uma história, e cada história é uma parte do quebra-cabeça: elementos de sonho, de realização, de aventura, de amor.
Vejo uma linha do tempo e vêm recordações que não são passado, porque atuam, ou mesmo determinam minhas mudanças e a razão de estar aqui. Sentimentos antigos continuam presentes: tudo está dentro de mim. E tenho o impulso de registrar um pouco o que há por trás de cada coisa: a vida que pulsa em cada objeto aparentemente inanimado, o que cada coisa fala de mim, ou sobre mim, e para mim. Eu me redescubro, preparado para mais.
Somos a somatória de tudo: viagens, momentos, lembranças, ideias, ideais, encontros. Recolhemos pela vida aquilo que se amolda a nós mesmos: e aqui estamos. Nossa casa é o espaço onde essa mágica se realiza, ainda mais no caso de gente que, como eu, trabalha em casa e cria um mundo ao próprio redor.
Aqui quero trabalhar, juntar crianças, ouvir o som dos pássaros. Há lá fora um bando de javalis baderneiros que se atocaiaram na montanha e escavam o baixio com os seus caninos; lá embaixo, onde havia o lago onde uma vez uma mulher já morreu afogada, está agora o poço de pedra onde a água mina, cristalina; a rede está à espera, depois do almoço, quando eu e a Mulher Desaparecida vamos nos deitar.
E a mesa de trabalho está ali, ao lado da lareira vermelha; são dela as primeiras horas do dia, sempre, e alguns minutos, antes de dormir.
Na minha casa em São Paulo, que deixei há quatro anos, esse espaço estava circunscrito ao escritório, onde eu trabalhava diariamente, cercado de coisas cuja maioria só eu sei para que servem ou de onde vieram - pinturas, desenhos, lembranças de viagem, objetos curiosos. Para quem olha de fora, aquilo é apenas uma bagunça, ou o sinal visível do caos interior. Para quem examina tudo mais de perto, ou vê o conjunto, e conhece as histórias de cada objeto e sua importância, surge um novo sentido, que é inerente à própria vida e ao trabalho criativos.
Comecei a revisitar as minhas coisas, e a mim mesmo, recentemente. Para tentar entender melhor o porque de tudo, ou de cada coisa, como numa visita ao museu de mim mesmo.
Por certo tempo, minhas coisas andaram espalhadas, por conta da bússola errática que às vezes toma controle da vida. Assim como seu dono, parecia que elas andavam à procura de um lugar - um lugar onde afinal tudo se encaixasse, esperando que fosse para sempre. Algo difícil, como haver harmonia na tempestade, unidade na diversidade, sentido na loucura. Aos poucos, porém, vida e arte foram se juntando no mesmo lugar.
Até por estar sem endereço fixo em São Paulo, levei tudo para uma nova casa no meio da mata, onde passei a escrever meus livros. No antigo sítio, jamais consegui trabalhar. Havia sempre algo a fazer, a cerca para cuidar, o cão como companhia do passeio, a tarde para namorar. Porém, aos poucos foi tomando força a ideia de reunir tudo lá - o trabalho e o ambiente que o cerca.
Na Casa da Mata, além do meu último níquel, gasto sem nenhuma cerimônia em um cheque rabiscado no balcão de fórmica do cartório, comecei a fazer meu novo futuro levando meus cacos do passado, como o rearranjo de um antigo mosaico, em busca de sua forma definitiva. O que só foi possível depois de encontrar com um amor extraordinário e benevolente que, sem ciúme do que já passou, e capaz de me trazer de volta a energia incomparável da esperança, permitiu que passado, presente e futuro se juntassem de uma forma harmoniosa.
Para minha surpresa, ou alívio, velho e novo foram se encaixando em seus lugares, como se tivessem esperado sempre para estar ali. Passeio agora pela casa e tudo ali faz mais sentido: começo, meio, fim. Cada peça conta uma história, e cada história é uma parte do quebra-cabeça: elementos de sonho, de realização, de aventura, de amor.
Vejo uma linha do tempo e vêm recordações que não são passado, porque atuam, ou mesmo determinam minhas mudanças e a razão de estar aqui. Sentimentos antigos continuam presentes: tudo está dentro de mim. E tenho o impulso de registrar um pouco o que há por trás de cada coisa: a vida que pulsa em cada objeto aparentemente inanimado, o que cada coisa fala de mim, ou sobre mim, e para mim. Eu me redescubro, preparado para mais.
Somos a somatória de tudo: viagens, momentos, lembranças, ideias, ideais, encontros. Recolhemos pela vida aquilo que se amolda a nós mesmos: e aqui estamos. Nossa casa é o espaço onde essa mágica se realiza, ainda mais no caso de gente que, como eu, trabalha em casa e cria um mundo ao próprio redor.
Aqui quero trabalhar, juntar crianças, ouvir o som dos pássaros. Há lá fora um bando de javalis baderneiros que se atocaiaram na montanha e escavam o baixio com os seus caninos; lá embaixo, onde havia o lago onde uma vez uma mulher já morreu afogada, está agora o poço de pedra onde a água mina, cristalina; a rede está à espera, depois do almoço, quando eu e a Mulher Desaparecida vamos nos deitar.
E a mesa de trabalho está ali, ao lado da lareira vermelha; são dela as primeiras horas do dia, sempre, e alguns minutos, antes de dormir.
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domingo, 29 de novembro de 2015
A vitória de Lula que não aconteceu
Em 1989, o Brasil foi tomado de norte a sul pelo maior movimento cívico da história do país: a campanha eleitoral para presidente da república por via direta pela primeira vez depois de trinta anos.
Havia no ar não apenas a restauração plena da democracia como um certo clima de messianismo. O presidente eleito pelo povo teria a complicada missão de salvar a economia, mergulhada em recessão profunda e abalroada por uma inflação que chegaria a quase 90% - ao mês.
Havia no ar não apenas a restauração plena da democracia como um certo clima de messianismo. O presidente eleito pelo povo teria a complicada missão de salvar a economia, mergulhada em recessão profunda e abalroada por uma inflação que chegaria a quase 90% - ao mês.
Na campanha, todas as forças que saíam do período da ditadura estavam representadas. Estavam ali como candidatos Ulysses Guimarães, pilar central da campanha pelas diretas; Paulo Maluf, candidato alinhado com as antigas forças da ARENA, que disputara a eleição indireta com Tancredo, anos antes; Leonel Brizola, o velho caudilho do trabalhismo.
E havia o "novo": Lula, emergente do movimento sindical e do PT, e Fernando Collor, então um jovem egresso do governo alagoano, conhecido como "caçador de marajás", expressão cunhada na reportagem da revista Veja sobre sua atuação no governo alagoano, que transparecia como um político mais liberal, de origem conservadora, mas com um lustro dinâmico e modernizador.
Foi o evento mais importante da política brasileira talvez de todos os tempos e eu estava em posição provilegiada, como editor de assuntos nacionais da revista Veja, então o principal veículo impresso de circulação nacional.
Pela importância do momento, decidiu-se que, além de fechar a seção, com a cobertura completa das eleições, eu seria destacado para cobrir também a campanha de Lula, que chegou à disputa do segundo turno com Collor e reuniu ao seu redor todas as forças de centro-esquerda. O jornalista Eduardo Oinegue, então chefe da sucursal de Veja em Brasília, seguiria Collor.
Sem sabermos quem iria ganhar, numa disputa que seria bem parelha, trabalhamos em duas matérias completamente opostas: um perfil de Lula vencedor, a ser escrita por mim, e outro de Collor, cuja reportagem seria feita por Oinegue.
A cobertura completa da eleição incluiu pelo menos uma matéria ampla sobre cada candidato. Sobre Brizola, escreveu Arlete Salvador, que também trabalharia no perfil de Marisa, mulher de Lula; Maluf foi perfilado por Denise Chrispim Marim; e assim por diante. A equipe incluía também outros grandes jornalistas, como o repórter Expedito Filho, um especialista em circular pelos bastidores de Brasília.
Foi um período de muito trabalho, em que só o entusiasmo do momento e a juventude explicam a resistência para encarar aquele pique. Eu entrava na redação na quinta-feira às 11:00 para começar a fechar a seção de Nacional. Saía do fechamento às 5 da manhã de sexta-feira. Dormia um pouco e às 11:00 da sexta-feira estava de volta à redação de Veja, no edifício da Marginal do Tietê. Saía novamente por volta das 10:00 da manhã de sábado, praticamente um zumbi, e tomava o avião às 2 da tarde para onde Lula estivesse em campanha.
E a campanha era dura. A caravana de Lula começava sempre muito cedo e corria o Brasil inteiro. Certos dias, ao acordar, precisava olhar o cinzeirinho do hotel na cabeceira da cama para me dar conta de onde estava.
Houve grandes momentos, do comício em Osasco, no qual Lula levou uma ovada na cabeça, e subiu ao palanque para fazer um belo discurso do preconceito do trabalhador contra o próprio trabalhador, ao comício de Salvador, que assisti de um apartamento envidraçado debruçado sobre o farol da Barra, que parecia se mover sob o mar de bandeiras vermelhas do PT, ao lado do fotógrafo Antonio Ribeiro.
Para mim, o momento mais especial ocorreu quando consegui o que nenhum outro jornalista teve durante todo o segundo turno de campanha: uma entrevista exclusiva com o candidato. Depois de muito chorar, consegui uma hora de entrevista com Lula, dentro do carro, no trajeto entre São Paulo e São Bernardo, onde ele ocupava o sobrado de um amigo empresário para descansar da campanha.
O que mais me chamou a atenção na conversa foi entender a perspectiva de Lula quando lhe perguntei como se sentiria se virasse mesmo presidente da República, algo que realmente parecia já muito perto de acontecer. "Para mim, foi muito mais difícil sair do sertão para São Bernardo", disse ele.
Saído da miséria, Lula tinha em conta que havia uma distância muito maior entre um excluído é o metalúrgico, um trabalhador qualificado, um cidadão, com direito a colocar filho na escola, ter uma casa e beber sua cerveja no fim de semana, do que qualquer cidadão virar presidente.
No final, bem no finzinho, Lula perdeu a eleição. O perfil que escrevi dele chegou a ser composto, como comprovam cópias que guardei da matéria que nunca saiu. Abaixo, reproduzo a reportagem integral, com o perfil de Lula, recheado de informações até hoje relevantes sobre o homem que esperaria ainda três governos até finalmente realizar a profecia do título, referência ao "Lula-lá", trilha sonora da campanha.
Ironia, a cobertura traria ainda a matéria sobre Collor derrotado e um perfil de Marisa como primeira-dama. Abaixo, a reportagem que foi publicada, de Collor vencedor, que fechei com o mesmo prazer com que teria fechado a minha própria. Um grande momento para nós de Veja, que com nossa cobertura das eleições ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo Político daquele ano. E para o Brasil, que voltou novamente a olhar com esperança para o futuro.
A capa que não saiu
A "derrota" de Collor
Marisa: ainda seria verdade.
A matéria publicada
sábado, 28 de novembro de 2015
Requião e o coronel Lobo fazem um refém
Em março de 1991, eu trabalhava como repórter especial de política do Estadão, na equipe do então diretor de redação Augusto Nunes; trabalhava sobretudo para trazer histórias de fundo na edição de domingo. Dessa forma, fui destacado para fazer uma matéria no Paraná, onde a eleição para o governo do estado deixara uma história rumorosa que ainda estava devendo apuração. Durante a campanha, a equipe do então candidato Roberto Requião mostrara um depoimento de um suposto pistoleiro, o "Ferreirinha", que dizia ter cometido crimes a mando da família de latifundiários do candidato concorrente, José Carlos Martinez. Como veio a se saber depois, "Ferreirinha" na verdade não era Ferreirinha nem pistoleiro, e sim um farsante - na época em que alegava ter trabalhado para os Martinez, era ainda uma criança.
Às vésperas da posse de Requião, Martinez tentava impugnar a eleição, alegando que a mentira tivera influência decisiva no resultado das urnas. E lá fui eu, sobretudo para tentar encontrar o "Ferreirinha", cujo nome verdadeiro era Afrânio. Segui seus passos por todos os lugares onde passou, da pensão pulgueirinha onde ele morou, na zona do baixo meretrício de Curitiba, até a Viação Cristo Rei, de onde tinha sido demitido depois de várias bebedeiras. Não pude encontrar pessoalmente o ex-motorista, que segundo indícios desaparecera na fronteira paraguaia, mas reconstituí sua trajetória.
Andar no submundo de Curitiba não foi tão alarmante quanto o encontro com Roberto Requião. Encontrei-o em sua casa, na companhia do coordenador de campanha Fabio Campana e de um boneco feito por sua filha, Roberta, que me apresentou com orgulho: uma versão gigante do Lobo Mau, trajado como um dândi, que Requião batizara de "coronel Lobo". Requião me convidou a ver o video original do "Ferreirinha" na sua sala de TV, saiu do recinto e, inexplicavelmente, trancou a sala por fora à chave. Me deixou ali como refém para ver "o vídeo na íntegra". Fui liberado quando ele resolveu voltar.
Ao final da entrevista, mesmo diante de todas as evidências, Requião se recusou a aceitar o fato de que sua campanha veiculara uma mentira. "Se esse Ferreirinha é um ator, deve ser o Marlon Brando", ele me disse. Professor de formação, Requião me deu a impressão de ser uma mente brilhante, mas um tanto perturbada. Ameaçava continuar sua campanha difamatória contra Martinez, sob a alegação de que, ainda que "Ferreirinha" fosse uma fraude, os crimes cometidos contra grileiros pelos Martinez seriam verdade.
Ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor à presidência em 1989, Martinez seria acusado em 1992 de receber 4,5 milhões de dólares de PC Farias para comprar a TV Corcovado, aumentando sua rede de mídia, que já contava no Paraná com a CNT. Morreria aos 55 anos num acidente de avião, com o prestígio abalado, assim como todos os que foram denunciados por corrupção na era Collor. O tempo mostrou que Martinez não era de fato nenhum anjo. Para mim, porém, ficou a sensação naquele episódio paranaense de que não havia santo de lado algum.
Às vésperas da posse de Requião, Martinez tentava impugnar a eleição, alegando que a mentira tivera influência decisiva no resultado das urnas. E lá fui eu, sobretudo para tentar encontrar o "Ferreirinha", cujo nome verdadeiro era Afrânio. Segui seus passos por todos os lugares onde passou, da pensão pulgueirinha onde ele morou, na zona do baixo meretrício de Curitiba, até a Viação Cristo Rei, de onde tinha sido demitido depois de várias bebedeiras. Não pude encontrar pessoalmente o ex-motorista, que segundo indícios desaparecera na fronteira paraguaia, mas reconstituí sua trajetória.
Andar no submundo de Curitiba não foi tão alarmante quanto o encontro com Roberto Requião. Encontrei-o em sua casa, na companhia do coordenador de campanha Fabio Campana e de um boneco feito por sua filha, Roberta, que me apresentou com orgulho: uma versão gigante do Lobo Mau, trajado como um dândi, que Requião batizara de "coronel Lobo". Requião me convidou a ver o video original do "Ferreirinha" na sua sala de TV, saiu do recinto e, inexplicavelmente, trancou a sala por fora à chave. Me deixou ali como refém para ver "o vídeo na íntegra". Fui liberado quando ele resolveu voltar.
Ao final da entrevista, mesmo diante de todas as evidências, Requião se recusou a aceitar o fato de que sua campanha veiculara uma mentira. "Se esse Ferreirinha é um ator, deve ser o Marlon Brando", ele me disse. Professor de formação, Requião me deu a impressão de ser uma mente brilhante, mas um tanto perturbada. Ameaçava continuar sua campanha difamatória contra Martinez, sob a alegação de que, ainda que "Ferreirinha" fosse uma fraude, os crimes cometidos contra grileiros pelos Martinez seriam verdade.
Ex-tesoureiro da campanha de Fernando Collor à presidência em 1989, Martinez seria acusado em 1992 de receber 4,5 milhões de dólares de PC Farias para comprar a TV Corcovado, aumentando sua rede de mídia, que já contava no Paraná com a CNT. Morreria aos 55 anos num acidente de avião, com o prestígio abalado, assim como todos os que foram denunciados por corrupção na era Collor. O tempo mostrou que Martinez não era de fato nenhum anjo. Para mim, porém, ficou a sensação naquele episódio paranaense de que não havia santo de lado algum.
A matéria:
Requião (à esq.), seu assessor Fabio Campana, o "coronel Lobo" e eu:
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
A proposta de Playboy para Ísis Valverde e o futuro do nu na internet
Em maio de 2013, uma atriz brasileira recebeu a maior oferta em dinheiro para posar nua na história de Playboy. Foram cinco milhões de reais, para Ísis Valverde. Por meio de suas agentes, ela respondeu gentilmente. Recusou.
Sei disso porque fui eu que fiz a proposta. Como diretor do Grupo Playboy, à época, eu estava determinado a devolver Playboy a velhos e bons tempos. Porém, os tempos eram diferentes. Estrelas como Ísis já ganhavam aquele montante, até mais, fazendo publicidade. Não se encantavam com o dinheiro. Podiam escolher.
Playboy já não tinha tantos recursos quanto antes. Para fazer a proposta, precisei do apoio da Editora Abril, que ainda não havia decidido se livrar da revista, como fez com todos os outros títulos licenciados. Roberto Civita, que me convidou para levantar a revista, havia morrido fazia apenas um mês, mas o presidente da Abril Mídia, Jairo Leal, ainda lhe dava suporte. Só que as coisas mudavam rapidamente, na empresa e na comunicação.
Havia uma grande mudança social e de mercado, à qual Playboy precisava se adaptar. Claro, o leitor ainda queria as grandes estrelas. Porém, era o mesmo leitor que, assim que saía a revista, copiava as fotos e as espalhava na internet. O que ajudava, portanto, a derrubar as vendas da publicação que ele gostaria de ver fortalecida.
Para as estrelas de Playboy, a era da reprodutibilidade do conteúdo passou a ser um problema. No passado, os contratos garantiam um uso limitado de fotos, que acabava quando a revista saía de circulação. Havia às vezes um número determinado de fotos que poderiam ser usadas em restrospectivas e edições históricas. E só. A mulher não ficaria nua para sempre, como acontece quando uma foto cai na internet. Com a difusão pela internet, de onde Playboy precisava começar a tirar o dinheiro, já não havia essa garantia.
Mudança na operação
A Playboy americana logo percebeu a sinuca em que a colocou a nova era da comunicação. Já não publicava mais celebridades nuas na edição impressa. Mudava seu perfil para uma publicação de serviço masculino, de bem viver, com o nu de mulheres bem escolhidas, porém menos conhecidas. E foi além nessa política no mês passado, anunciando que deixará de publicar ensaios nus completamente.
Num tempo em que o nu sobrecarrega a internet, faz sentido. Hoje, ninguém precisa da Playboy ou das revistas masculinas para ver o nu. O fato de não ter mais exclusividade sobre o próprio material que produz, e a dificuldade em convencer estrelas a posar, fez com que o coração do negócio de Playboy sofresse um colapso.
Ao ver a dificuldade que teria em convencer estrelas a posar, fosse qual fosse o dinheiro, tomei outra direção. Jairo Leal saiu da Abril Mídia e do conselho da empresa. Os conceitos e a conduta de Roberto Civita foram rapidamente abandonados. Quando a Editora Abril decidiu cortar o investimento em Playboy, e chegou a anunciar o fechamento da revista, em julho de 2013, porém, eu já havia mudado meu modo de operação.
Primeiro, promovi um corte de gastos violento na estrutura e no pessoal. E uma derrubada dramática dos cachês oferecidos às mulheres em Playboy. Já que milhões não faziam efeito, não importava que Playboy já não tivesse dinheiro. Teria de ser por outro caminho. Posar para Playboy tinha de ser pelo desejo de entrar para uma galeria de celebridades, que vinha desde Marilyn Monroe. Retratar a beleza de uma mulher no seu auge para guardá-la. Algo que a própria estrela pudesse ver eternizada, que a congelaria para o futuro, o tempo em que a beleza passa.
Esforço de sedução
Os cortes de gasto funcionaram. Com isso, demos à publicação dois anos de sobrevida. E, com um grande esforço de sedução, ao custo de alguns cabelos brancos e muitos sapos engolidos, consegui colocar em Playboy mulheres extraordinárias, como Nanda Costa, então estrela da novela da oito da TV Globo, edição mais vendida em três anos, desde Adriane Galisteu; e a também atriz Antônia Fontenelle, que decidiu derrubar a reclusão da viuvez, um ensaio entre os melhores da história da revista. Isso deu alento às vendas. Porém, não era o bastante. Era preciso alinhar a publicação com os novos tempos, prepará-la para aumentar a receita dentro de um novo paradigma.
Playboy já dava à Abril a maior receita de mobile na empresa, com a venda de fotos exclusivas e vídeos que produzíamos junto com a edição impressa. Mas a Abril recebia apenas 20% daquela receita - a parte do leão ficava com as operadoras de telefonia. Minha ideia era fechar o site e internar 100% daquele dinheiro. Isso ajudaria a custear a publicação impressa e pagaria os royalties à Playboy International sem problemas.
Porém, já desinteressada por títulos licenciados, que dependiam do pagamento de direitos, a Abril decidiu fechar o site de Playboy. Criou uma landing page que jogava os leitores para a página de VIP. Eu me tornava um problema. Quando comecei, nove meses antes, Playboy tinha 250 mil seguidores no Facebook. Naquela altura, tinha 1,4 milhão. E a empresa reclamava do custo adicional pelo espaço que Playboy estava ocupando no servidor.
Estava selado o futuro da publicação dentro da empresa. E minha participação nela. Graças às mudanças que tinham sido feitas, por algum tempo valeu mais a pena manter a revista do que fechá-la. Porém, com o passar do tempo, sem uma fonte de receita alinhada com o futuro, a queda progressiva de venda e de receita da publicação inevitavelmente a estrangularia novamente. Foi o que aconteceu até o anúncio, há uma semana, do encerramento do ciclo de Playboy na Abril, uma história com 40 anos de glórias.
O futuro do nu
Playboy continua a ser uma das marcas mais fortes do planeta. E Playboy.com seguirá seu caminho na internet, com conteúdo de qualidade. Mas o futuro do nu deve ser diferente. O olhar de Playboy sobre o nu sempre foi de respeito, admiração, culto à beleza da mulher. Playboy manteve um alto padrão de qualidade, evitou a vulgaridade, para tratar a mulher como ícone de beleza a ser venerado. Em vez de vulgarizá-la, dava-lhe supremo valor. Isso ainda pode ressurgir, talvez em contraste ou reação ao conteúdo livre da internet. Cada um pode escolher o que gosta. E o nu clássico de Playboy ainda poderá ter o seu nicho.
Hoje o vasto terreno a ser percorrido é virtual. Os homens (e muitas mulheres) certamente continuarão a pagar pelo nu, incluindo de celebridades. Mas esse nu certamente não será o mesmo dos padrões a que os leitores se habituaram a ver na revista de antigamente. Será certamente um nu mais discreto, artístico, capaz de revelar a beleza, sem no entanto avançar demais, para não misturar-se à avalanche de conteúdo do mesmo gênero à qual se tem fácil acesso pelo meio virtual. E, claro, as estrelas irão posar para eternizar seu momento. Já não é, nem será mais, uma questão de dinheiro.
Playboy já não detém a exclusividade do nu. Por isso, terá também de trabalhar com custos mais baixos. Depois de um forte downsizing, que reduziu sua estrutura nos Estados Unidos a um 1/4 do que era, a Playboy americana voltou a crescer, em outras bases, com um site sólido, pago, com bom serviço, e seu conceito de estilo de vida masculino, que não deixou de existir. É o processo pelo qual devem passar todas as empresas de comunicação. Ainda mais aquelas que, no passado, dependiam em grande parte do papel.
Sei disso porque fui eu que fiz a proposta. Como diretor do Grupo Playboy, à época, eu estava determinado a devolver Playboy a velhos e bons tempos. Porém, os tempos eram diferentes. Estrelas como Ísis já ganhavam aquele montante, até mais, fazendo publicidade. Não se encantavam com o dinheiro. Podiam escolher.
Ísis: não éuma questão de dinheiro |
Playboy já não tinha tantos recursos quanto antes. Para fazer a proposta, precisei do apoio da Editora Abril, que ainda não havia decidido se livrar da revista, como fez com todos os outros títulos licenciados. Roberto Civita, que me convidou para levantar a revista, havia morrido fazia apenas um mês, mas o presidente da Abril Mídia, Jairo Leal, ainda lhe dava suporte. Só que as coisas mudavam rapidamente, na empresa e na comunicação.
Havia uma grande mudança social e de mercado, à qual Playboy precisava se adaptar. Claro, o leitor ainda queria as grandes estrelas. Porém, era o mesmo leitor que, assim que saía a revista, copiava as fotos e as espalhava na internet. O que ajudava, portanto, a derrubar as vendas da publicação que ele gostaria de ver fortalecida.
Para as estrelas de Playboy, a era da reprodutibilidade do conteúdo passou a ser um problema. No passado, os contratos garantiam um uso limitado de fotos, que acabava quando a revista saía de circulação. Havia às vezes um número determinado de fotos que poderiam ser usadas em restrospectivas e edições históricas. E só. A mulher não ficaria nua para sempre, como acontece quando uma foto cai na internet. Com a difusão pela internet, de onde Playboy precisava começar a tirar o dinheiro, já não havia essa garantia.
Mudança na operação
A Playboy americana logo percebeu a sinuca em que a colocou a nova era da comunicação. Já não publicava mais celebridades nuas na edição impressa. Mudava seu perfil para uma publicação de serviço masculino, de bem viver, com o nu de mulheres bem escolhidas, porém menos conhecidas. E foi além nessa política no mês passado, anunciando que deixará de publicar ensaios nus completamente.
Num tempo em que o nu sobrecarrega a internet, faz sentido. Hoje, ninguém precisa da Playboy ou das revistas masculinas para ver o nu. O fato de não ter mais exclusividade sobre o próprio material que produz, e a dificuldade em convencer estrelas a posar, fez com que o coração do negócio de Playboy sofresse um colapso.
Ao ver a dificuldade que teria em convencer estrelas a posar, fosse qual fosse o dinheiro, tomei outra direção. Jairo Leal saiu da Abril Mídia e do conselho da empresa. Os conceitos e a conduta de Roberto Civita foram rapidamente abandonados. Quando a Editora Abril decidiu cortar o investimento em Playboy, e chegou a anunciar o fechamento da revista, em julho de 2013, porém, eu já havia mudado meu modo de operação.
Primeiro, promovi um corte de gastos violento na estrutura e no pessoal. E uma derrubada dramática dos cachês oferecidos às mulheres em Playboy. Já que milhões não faziam efeito, não importava que Playboy já não tivesse dinheiro. Teria de ser por outro caminho. Posar para Playboy tinha de ser pelo desejo de entrar para uma galeria de celebridades, que vinha desde Marilyn Monroe. Retratar a beleza de uma mulher no seu auge para guardá-la. Algo que a própria estrela pudesse ver eternizada, que a congelaria para o futuro, o tempo em que a beleza passa.
Esforço de sedução
Os cortes de gasto funcionaram. Com isso, demos à publicação dois anos de sobrevida. E, com um grande esforço de sedução, ao custo de alguns cabelos brancos e muitos sapos engolidos, consegui colocar em Playboy mulheres extraordinárias, como Nanda Costa, então estrela da novela da oito da TV Globo, edição mais vendida em três anos, desde Adriane Galisteu; e a também atriz Antônia Fontenelle, que decidiu derrubar a reclusão da viuvez, um ensaio entre os melhores da história da revista. Isso deu alento às vendas. Porém, não era o bastante. Era preciso alinhar a publicação com os novos tempos, prepará-la para aumentar a receita dentro de um novo paradigma.
Playboy já dava à Abril a maior receita de mobile na empresa, com a venda de fotos exclusivas e vídeos que produzíamos junto com a edição impressa. Mas a Abril recebia apenas 20% daquela receita - a parte do leão ficava com as operadoras de telefonia. Minha ideia era fechar o site e internar 100% daquele dinheiro. Isso ajudaria a custear a publicação impressa e pagaria os royalties à Playboy International sem problemas.
Porém, já desinteressada por títulos licenciados, que dependiam do pagamento de direitos, a Abril decidiu fechar o site de Playboy. Criou uma landing page que jogava os leitores para a página de VIP. Eu me tornava um problema. Quando comecei, nove meses antes, Playboy tinha 250 mil seguidores no Facebook. Naquela altura, tinha 1,4 milhão. E a empresa reclamava do custo adicional pelo espaço que Playboy estava ocupando no servidor.
Estava selado o futuro da publicação dentro da empresa. E minha participação nela. Graças às mudanças que tinham sido feitas, por algum tempo valeu mais a pena manter a revista do que fechá-la. Porém, com o passar do tempo, sem uma fonte de receita alinhada com o futuro, a queda progressiva de venda e de receita da publicação inevitavelmente a estrangularia novamente. Foi o que aconteceu até o anúncio, há uma semana, do encerramento do ciclo de Playboy na Abril, uma história com 40 anos de glórias.
O futuro do nu
Playboy continua a ser uma das marcas mais fortes do planeta. E Playboy.com seguirá seu caminho na internet, com conteúdo de qualidade. Mas o futuro do nu deve ser diferente. O olhar de Playboy sobre o nu sempre foi de respeito, admiração, culto à beleza da mulher. Playboy manteve um alto padrão de qualidade, evitou a vulgaridade, para tratar a mulher como ícone de beleza a ser venerado. Em vez de vulgarizá-la, dava-lhe supremo valor. Isso ainda pode ressurgir, talvez em contraste ou reação ao conteúdo livre da internet. Cada um pode escolher o que gosta. E o nu clássico de Playboy ainda poderá ter o seu nicho.
Playboy já não detém a exclusividade do nu. Por isso, terá também de trabalhar com custos mais baixos. Depois de um forte downsizing, que reduziu sua estrutura nos Estados Unidos a um 1/4 do que era, a Playboy americana voltou a crescer, em outras bases, com um site sólido, pago, com bom serviço, e seu conceito de estilo de vida masculino, que não deixou de existir. É o processo pelo qual devem passar todas as empresas de comunicação. Ainda mais aquelas que, no passado, dependiam em grande parte do papel.
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