domingo, 7 de janeiro de 2024

Os que foram e os que ficaram

Paolo Paradisi tem 58 anos, é arquiteto de formação, mas diz que não há emprego para arquitetos na Itália, ainda mais para quem passou  dos 30 anos. Mora na antiga casa da família,  a dez minutos do aeroporto de Bolonha, e vive de hospedar e alimentar pilotos de passagem.

Conto que minha família materna é dali. Meu avô  José era chamado de Iusfen eu havia andado no dia anterior nos campos de meus bisavôs, caminhando entre os povoados de Crevalcuore, Ravarino e Santa Ágata Persiceto, e que eles haviam deixado em 1892.

Paradisi me explica que Iusfen é diminutivo de Iussef, que por sua vez é Iussef, Joseph, Giuseppe, ou José, portanto meu avô era "Zezinho". Vai até seus armários atulhados e tira um livro de família e um velho álbum.

Mostra as fotos de sua família,  que viveu perto de Ravarino, como a de minha mãe - as planícies úmidas, que já foram pântano antes de recortadas por canais, onde grassava a malária, nos tempos de meu bisavô.

Há dois adolescentes de pernas muito brancas e finas, resultado da poliomielite. Paradisi explica a migração daquelas terras para o Brasil,  no final do século XIX, período que narro em meu romance Filhos da Terra.

"O problema não era a malária, era a fome", diz. "Senta, vou fazer um almoço para o neto do Iusfen. Hoje, você não vai passar fome na Itália. E não vai pagar nada. "

Cozinha para mim uma massa com o "verdadeiro ragu bolonhês", regado a vinho tinto romeno (!), seguido por tiramisù gelado molhado com nocino, um licor de nozes, uma delícia do paraíso.

Eu saio deliciado daquele repasto.  No final, insisto em pagar pelo almoço,  afinal é um hotel. Ele, porém, se recusa a receber.  E nos despedimos com um abraço. 

A vida ainda não é tão fácil, mas Bolonha tem essa a alma italiana, deste e outros tempos. Como mostra essa pequena história de seus filhos, ainda unidos pelo amor, tanto dos que foram,  como dos que ficaram.

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