Estive no Rio, no último dia 8, promovendo o lançamento de A Conquista do Brasil, na Livraria Cultura do Cine Vitória, na Cinelândia. Dessa vez, participei de uma conversa com uma ativa plateia sobre o livro, as origens do Brasil, da sua política e do comportamento político, com a gentil participação da jornalista Cristina Serra, do Fantástico, da TV Globo.
Eu e Cristina nos conhecemos há muito tempo, desde a faculdade, e nos encontramos esporadicamente ao longo da carreira. Ela acumulou longa experiência na convivência com os políticos e a política, em seus 17 anos cobrindo Brasília pelo Jornal Nacional. Fora da tela, sempre foi uma mulher afiada, de ideias formadas e muito empenhada em contribuir para o progresso do país, especialmente na área social.
No debate, Cristina nos deu seu retrato da política, de quem conviveu e convive com ela de perto. Em Brasília, os políticos tendem a defender os interesses que os elegem, que não são necessariamente do eleitorado, e sim dos apoiadores financeiros que sustentam suas campanhas. Na prática, existem menos os partidos, que têm pouca importância, e mais grupos de interesse - como a bancada ruralista, a bancada evangélica e assim por diante.
Como autor de um livro que mostra desde o início da construção deste país como são feitas suas práticas, eu permaneço na pergunta que me levou a escrevê-lo: será que não conseguimos nos livrar da má política, especialmente da corrupção, por questões congênitas? Será possível mudar um país campeão de corrupção sem muitos anos de educação e depuração de uma sociedade que se acostumou a ver seu país como um rico território aberto para o saque, e que só respeita a lei quando está em Miami ou Paris, para onde leva o dinheiro do butim?
Cristina acredita firmemente que a questão pode ser resolvida com um melhor controle dos financiamentos de campanha, que estão na baila na atual reforma política. É preciso que os partidos tenham meios de se sustentar com seus filiados, e não com umas poucas empresas contribuintes, que assim compram seu lobby em Brasília.
Concordamos em muitas coisas. Uma delas é que o Brasil ainda está no começo e nossa geração, em tempos dos quais ambos participamos ativamente como profissionais de imprensa, fez o país avançar muito - da velha e emperrada ditadura militar a um país mais jovem, onde prevalece o Estado de Direito, num regime democrático, com uma economia muito mais estável e que empreende um esforço considerável no sentido de diminuir as diferenças sociais.
É verdade que recentemente paramos nesse caminho - e a onda de corrupção faz parecer que tivemos um terrível retrocesso. Porém, gente como Cristina, com seu sorriso sempre confiante e sua certeza patriótica, me fazem manter as esperanças. O Brasil ainda não será um país de estrangeiros que nasceram aqui, e sim de gente que pensa não apenas no próprio bolso, como também no bem coletivo, no progresso deste lugar do qual dependemos, todos. É preciso coragem. E não desanimar.
quinta-feira, 11 de junho de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
A importância do Rio de Janeiro em A Conquista do Brasil
No próximo dia 8 de junho, segunda-feira, faremos o lançamento de A Conquista do Brasil na Livraria Cultura do Cine Vitória, no Centro do Rio. Uma data especial, não só pela presença da jornalista da TV Globo Cristina Serra, com quem vou promover um bate papo sobre a política e os políticos de hoje e suas raízes na origem do país, como pela importância do Rio de Janeiro no livro - e na história do país.
Pouca gente sabe por que o Rio foi capital brasileira e é uma cidade tão importante na nossa cultura e história. O Rio virou capital por obra do Marquês de Pombal, que considerava sua fundação o verdadeiro marco da colonização do país. Em A Conquista do Brasil, se entende a razão. Até a fundação do forte no morro Cara de Cão por Estácio de Sá, a costa brasileira ainda tinha zonas onde os portugueses não entravam - especialmente o entorno da baía da Guanabara, onde a resistência à colonização se concentrava.
A fundação do forte de São Sebastião foi o princípio do extermínio dos índios tupinambás, que se entrincheiravam em grandes aldeias, transformadas em verdadeiras fortalezas, como aprenderam a fazer com os franceses protestantes. O combate aos índios, que uniu três forças - galeões de guerra vindos de Portugal, a armada do governador Mem de Sá e os mercenários paulistas - foi engendrado e promovido pelos jesuítas, que desejavam erradicar de uma vez os "hereges" do Brasil - tanto os índios, "selvagens canibais", quanto os franceses protestantes.
O resultado disso foi um massacre que não poupou mulheres, velhos e crianças. Estácio de Sá morreu após agonizar por um mês, consequência de uma flechada no olho. Tinha 22 anos. A costa brasileira foi finalmente integrada sob o domínio português. As terras da Guanabara foram distribuídas entre portugueses, paulistas e os próprios jesuítas, que se transformaram nos maiores latifundiários do Novo Mundo. O Rio de Janeiro foi trasladado do forte, que mais servia a propósitos militares, para o mais aprazível Catete.
A conquista do Rio é um dos episódios mais importantes da história brasileira e enriquece nosso entendimento do que é o Brasil. O célebre historiador e brasilianista Kenneth Maxwell escreveu na revista Época que essa é uma passagem "absolutamente fascinante" de A Conquista do Brasil. Tenho que concordar com ele.
Meus postcards de Nova York
Em 2006, quando morávamos em Nova York, alugamos nosso apartamento em Battery Park City para uma amiga, Luisa Mendes, que passou na cidade o Natal com o marido e o filho. Inquilinos muito especiais, que além de passear pela cidade entraram de certa forma na nossa vida, com as coisas deixadas ali.
Naquele tempo, eu havia pintado alguns quadros, para decorar o lugar: não consigo viver em uma casa sem quadros, ou com quadros comprados, que na maioria das vezes me dão a impressão de estar num hotel. Luisa, sensível e simpática, me deixou de lembrança um jogo de canetas para colorir. Lembrei disso agora com a moda de comprar livros para colorir, tão terapêutica - e desencavei os desenhos que fiz em Nova York graças à gentileza da boa amiga e que me fizeram tão bem.
São imagens aleatórias, aquilo que dá mais prazer ao desenhar: deixar correr o rabisco solto para ver o que acontece. Saíram então: eu mesmo desenhando na cama, debaixo de um pilmone com capa de rosas vermelhas, comprado então por Graziela a peso de ouro numa loja do Soho sob um retrato em preto e branco de Marylin Monroe, que ela dizia ser o seu "luxo"; a vista da janela do quarto, no lugar onde eu trabalhava, que dava no fim da rua para o rio Hudson e a Estátua da Liberdade;uma mulher brava; o boulevard do Battery Park, perto de casa.
Uma caravela e um menino redondo que saíram ao acaso; o porco esturricado e Lampião retratei porque na época eram personagens do romance que escrevia então, Amor e Tempestade; meu filho ainda no ultrassom, que era preto e branco, mas imaginei colorido; algumas cenas do campo, homenagem a Van Gogh, que achei que teria gostado muito daquelas canetinhas. Um pouco do universo de um escritor brasileiro exilado em Nova York não faz tanto tempo assim.
Naquele tempo, eu havia pintado alguns quadros, para decorar o lugar: não consigo viver em uma casa sem quadros, ou com quadros comprados, que na maioria das vezes me dão a impressão de estar num hotel. Luisa, sensível e simpática, me deixou de lembrança um jogo de canetas para colorir. Lembrei disso agora com a moda de comprar livros para colorir, tão terapêutica - e desencavei os desenhos que fiz em Nova York graças à gentileza da boa amiga e que me fizeram tão bem.
São imagens aleatórias, aquilo que dá mais prazer ao desenhar: deixar correr o rabisco solto para ver o que acontece. Saíram então: eu mesmo desenhando na cama, debaixo de um pilmone com capa de rosas vermelhas, comprado então por Graziela a peso de ouro numa loja do Soho sob um retrato em preto e branco de Marylin Monroe, que ela dizia ser o seu "luxo"; a vista da janela do quarto, no lugar onde eu trabalhava, que dava no fim da rua para o rio Hudson e a Estátua da Liberdade;uma mulher brava; o boulevard do Battery Park, perto de casa.
Uma caravela e um menino redondo que saíram ao acaso; o porco esturricado e Lampião retratei porque na época eram personagens do romance que escrevia então, Amor e Tempestade; meu filho ainda no ultrassom, que era preto e branco, mas imaginei colorido; algumas cenas do campo, homenagem a Van Gogh, que achei que teria gostado muito daquelas canetinhas. Um pouco do universo de um escritor brasileiro exilado em Nova York não faz tanto tempo assim.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
terça-feira, 26 de maio de 2015
O médico e o escritor: uma história do lançamento de A Conquista do Brasil
Quando lancei Amor e tempestade, em 2009, apareceu uma moça trazendo um exemplar de O Homem Que Falava com Deus, um romance de 2003. "Mas o livro não é esse", eu disse. Ela respondeu que sabia, claro, mas pedia que eu autografasse aquele. "Queria te mostrar isso." Abriu o livro, folheou-o na minha frente: e não havia uma única página que não estivesse cheia de linhas sublinhadas ou de comentários nas margens. Estava tudo rabiscado. "Li o teu livro pelo menos 20 vezes", ela disse, para meu espanto. "Marquei cada frase." Reparei, porém, que as últimas vinte páginas estavam completamente limpas. "Não li o final", disse ela. Diante do meu espanto, explicou: "É que eu não quero que ele acabe."
Livraria da Vila, Shopping Higienópolis, quarta feira passada, 20 de maio de 2015. Lançamento de A Conquista do Brasil. Entre parentes, amigos e leitores, surge na minha frente à mesa de autógrafos uma colega de faculdade a quem não via há trinta anos, o que já seria uma maravilha. Ela, porém, coloca na minha frente um exemplar de Campo de Estrelas.
"Mas esse não é o livro", digo eu.
"Eu sei", ela responde. "Mas eu queria que você autografasse esse aqui, para o meu marido." E disse o nome dele.
Ela explicou então que o marido estivera internado com câncer no pâncreas. E que lera para ele o meu romance no hospital. Campo de estrelas é baseado na história do meu próprio tratamento de um câncer de bexiga, mesclado à história meio mágica de uma viagem que fiz quando adolescente com meu pai, Alipio. Presente e passado se fundem para dar coragem diante da maior das angústias. "Esse livro foi muito importante para ele", disse. "Ajudou-o a sair do hospital."
Impressionado, perguntei onde estava o marido dela. "Está por aqui mesmo", ela disse. Não havia tido, porém, coragem de vir com ela me pedir autógrafo pessoalmente. Disse que podia chamá-lo, seria um prazer conhecê-lo. Atendi mais uma ou duas pessoas e ela voltou, desta vez com o marido. Levantei e fui falar com eles.
"Eu só vim para te agradecer", ele disse. "Seu livro me ajudou muito, você não faz ideia de como é importante para mim. No hospital, cada dia eu queria viver até o dia seguinte, para saber como ele continuava."
Disse também que conhecia o médico que inspirava o personagem do livro: Eric Roger, cirurgião do Einstein, que me operou e tratou. "Mas você faz o quê?" - perguntei. "Eu sou médico", disse ele.
Resolvi também fazer uma confissão. Quando Eric revelou que estava com câncer terminal, fato que escondeu por muitos anos, e ficou meses internado no Einstein, eu fui lá visitá-lo. E também li Campo de Estrelas para Eric, sentado ao lado da cama.
Achei que seria bom aliviar a emoção do momento.
"Acho que esse é mesmo um livro para ser lido em hospitais, como a revista Caras no cabelereiro", disse.
Rimos. Mas o abraço que aquele homem me deu na despedida trouxe a certeza de que, se não tivesse servido para nada mais, todo o meu esforço escrevendo livros estaria recompensado ali.
Lançamentos trazem surpresas. E dão energia para continuar. Meu próximo livro será um romance. Vamos ver o que acontece em fevereiro de 2016.
http://www.saraiva.com.br/campo-de-estrelas-5246424.html
http://www.saraiva.com.br/o-homem-que-falava-com-deus-4404472.html
sábado, 2 de maio de 2015
O esforço e o sentido de A Conquista do Brasil
Amigos me perguntam quanto tempo levou para escrever A Conquista do Brasil, ou quanto tempo se leva para escrever um livro. Para mim, é uma resposta difícil de dar: o livro começa a surgir com o interesse do autor, às vezes de forma difusa e muito tempo antes de se concretizar. No caso de A Conquista do Brasil, é resultado de muitos anos de interesse e trabalho, mesmo na época em que eu mesmo nem sabia por que juntava tanta coisa sobre o assunto.
Hoje eu sei: minha vontade de escrever um livro de história nada tem a ver com o passado, e sim com as preocupações com o presente. Elas são mais candentes hoje, com a polarização política, a corrupção monstruosa e as ameaças veladas ao processo democrático que duramente minha geração ajudou a construir. Tudo isso nos faz pensar no que há de errado com o Brasil, em quem somos nós, brasileiros, e como podemos melhorar como Nação. E as respostas vêm lá de trás.
Entender as raízes mais antigas e profundas dos nossos problemas, estudar o começo, onde está o nosso DNA, é o caminho para mudar e melhorar a realidade de hoje. Como na psicanálise, para entender o que somos é preciso voltar à primeira infância. Fazer uma regressão.
O Brasil é um país que inventou muita coisa sobre si mesmo: o país do carnaval, do samba, do futebol, das mulatas, do Pão de Açúcar, do bom baiano, do brasileiro cordial. Com isso fica difícil explicar, ou mais fácil de acomodar, o país da corrupção, do abismo social, do racismo camuflado, da violência urbana, da direita truculenta e da esquerda hidrófoba.
Compreender o Brasil antigo é um esforço que exige muitos ângulos: o jornalístico, da pesquisa e informação bem apurada; o sociológico, para entender a formação do povo; o antropológico, que ajuda a compreender sem preconceito os índios e seu papel em todo o processo. A Conquista do Brasil deve muito à minha formação em Ciências Sociais, especialmente antropologia política.
Livros de etnólogos pouco conhecidos do público, como Pierre Clastres e Helène Clastres, me ajudaram a compreender o mecanismo social e político das sociedades ditas primitivas do Brasil, assim como a religião e sua influência psico-social, especialmente nas tribos do tronco tupi-guarani. A antropologia, no sentido geral, ajuda também a ver as coisas como eram, sem preconceitos modernos, seja na compreensão do canibalismo indígena, parte de um sistema social, seja na mentalidade dos primeiros portugueses, incluindo os jesuítas.
Ajudaram também as editoras brasileiras, especialmente a Itatiaia, que publicou há muito tempo as obras completas dos primeiros viajantes e historiadores brasileiros, e que eu comecei a colecionar, no princípio sem outro propósito além de querer saber mais.
Mais recentemente, uma ajuda inestimável veio da iniciativa do espólio do empresário José Mindlin, que disponibilizou obras raras de sua coleção pessoal, gratuitamente, na internet. E a própria rede social, que facilitou acesso a documentos que antes demandavam viajar a Portugal para serem consultados, razão pela qual a história que aprendemos nos bancos escolares até agora ainda era baseada no trabalho de pesquisadores do final do século XIX e começo do século XX, como Capistrano de Abreu.
Por último, e não menos importante, está uma certa experiência de vida. Passar alguns dias entre os índios do Xingu, por exemplo, me deu exata noção de como é para um ocidental estar no meio deles, em circunstâncias não muito diferentes das que tiveram pela frente homens como José de Anchieta e João Ramalho. Devo essa experiência à iniciativa do amigo, empresário e aventureiro James Lynch. Mesmo a enrascada em que nos metemos, sendo submetidos a um perigoso tribunal indígena, me deu melhor noção do que é encarar o risco de vida numa aldeia diante dos índios em seu próprio meio, como aconteceu com Hans Staden e o próprio Anchieta, que em sua cartas narra ter passado por julgamento semelhante.
Escrever, portanto, é a junção de muita coisa. Um livro é produto de um enorme esforço, onde colocamos tudo o que sabemos, num esforço físico e intelectual exaustivo. Quando terminamos, estamos esgotados, e isso é só o começo, porque um livro nada é, se não tiver leitores. Seja qual for o resultado, porém, para mim terá valido a pena.
Hoje eu sei: minha vontade de escrever um livro de história nada tem a ver com o passado, e sim com as preocupações com o presente. Elas são mais candentes hoje, com a polarização política, a corrupção monstruosa e as ameaças veladas ao processo democrático que duramente minha geração ajudou a construir. Tudo isso nos faz pensar no que há de errado com o Brasil, em quem somos nós, brasileiros, e como podemos melhorar como Nação. E as respostas vêm lá de trás.
Entender as raízes mais antigas e profundas dos nossos problemas, estudar o começo, onde está o nosso DNA, é o caminho para mudar e melhorar a realidade de hoje. Como na psicanálise, para entender o que somos é preciso voltar à primeira infância. Fazer uma regressão.
O Brasil é um país que inventou muita coisa sobre si mesmo: o país do carnaval, do samba, do futebol, das mulatas, do Pão de Açúcar, do bom baiano, do brasileiro cordial. Com isso fica difícil explicar, ou mais fácil de acomodar, o país da corrupção, do abismo social, do racismo camuflado, da violência urbana, da direita truculenta e da esquerda hidrófoba.
Compreender o Brasil antigo é um esforço que exige muitos ângulos: o jornalístico, da pesquisa e informação bem apurada; o sociológico, para entender a formação do povo; o antropológico, que ajuda a compreender sem preconceito os índios e seu papel em todo o processo. A Conquista do Brasil deve muito à minha formação em Ciências Sociais, especialmente antropologia política.
Livros de etnólogos pouco conhecidos do público, como Pierre Clastres e Helène Clastres, me ajudaram a compreender o mecanismo social e político das sociedades ditas primitivas do Brasil, assim como a religião e sua influência psico-social, especialmente nas tribos do tronco tupi-guarani. A antropologia, no sentido geral, ajuda também a ver as coisas como eram, sem preconceitos modernos, seja na compreensão do canibalismo indígena, parte de um sistema social, seja na mentalidade dos primeiros portugueses, incluindo os jesuítas.
Ajudaram também as editoras brasileiras, especialmente a Itatiaia, que publicou há muito tempo as obras completas dos primeiros viajantes e historiadores brasileiros, e que eu comecei a colecionar, no princípio sem outro propósito além de querer saber mais.
Mais recentemente, uma ajuda inestimável veio da iniciativa do espólio do empresário José Mindlin, que disponibilizou obras raras de sua coleção pessoal, gratuitamente, na internet. E a própria rede social, que facilitou acesso a documentos que antes demandavam viajar a Portugal para serem consultados, razão pela qual a história que aprendemos nos bancos escolares até agora ainda era baseada no trabalho de pesquisadores do final do século XIX e começo do século XX, como Capistrano de Abreu.
Por último, e não menos importante, está uma certa experiência de vida. Passar alguns dias entre os índios do Xingu, por exemplo, me deu exata noção de como é para um ocidental estar no meio deles, em circunstâncias não muito diferentes das que tiveram pela frente homens como José de Anchieta e João Ramalho. Devo essa experiência à iniciativa do amigo, empresário e aventureiro James Lynch. Mesmo a enrascada em que nos metemos, sendo submetidos a um perigoso tribunal indígena, me deu melhor noção do que é encarar o risco de vida numa aldeia diante dos índios em seu próprio meio, como aconteceu com Hans Staden e o próprio Anchieta, que em sua cartas narra ter passado por julgamento semelhante.
Escrever, portanto, é a junção de muita coisa. Um livro é produto de um enorme esforço, onde colocamos tudo o que sabemos, num esforço físico e intelectual exaustivo. Quando terminamos, estamos esgotados, e isso é só o começo, porque um livro nada é, se não tiver leitores. Seja qual for o resultado, porém, para mim terá valido a pena.
sexta-feira, 24 de abril de 2015
Reler o Brasil sem preconceitos
Na releitura da história brasileira, em que podemos ver claramente o DNA do Brasil, aquela matéria celular da qual nos formamos, minha maior dificuldade foi me despir da moral e da ética moderna, para emitir julgamentos sobre personagens que, muitas vezes, podem parecer execráveis ou incompreensíveis pelos códigos de hoje.
A história do Brasil está recheada de personagens como o padre Manuel da Nóbrega, que em suas cartas chamava os índios de "negros"; o padre Anchieta, o santo brasileiro, que dizia que o problema do índio no Brasil só seria resolvido "pela espada e a vara de ferro"; ou mesmo os índios canibais: Cunhambebe, por exemplo, dizia que podia comer a própria espécie porque na realidade era "um jaguar".
Procurei realizar um esforço antropológico, no sentido contemporâneo da ciência, de entender o outro despido de preconceitos. O tempo fez mudar muitos conceitos: o mameluco, por exemplo, que hoje é visto como uma categorização racista, naquela época era um conceito elogioso: designava os guerreiros respeitados, no caso os capitães de mato paulistas, descendentes de portugueses e índios. O termo vinha dos combates nas Índias Orientais, e referia-se aos generais valorosos que os portugueses enfrentavam nas batalhas contra os mouros, uma casta belicosa que mostrava seu valor nas frebets de batalha.
Na formação do Brasil estão muitos dos elementos que combatemos ainda hoje, a começar pelos governantes malabaristas, que tinham poderes para dividir a terra, e transferiam propriedades para "laranjas", que depois as retransmitiam de volta, apenas para contornar a lei que os impedia de beneficiar a si mesmos.
É difícil separar o que era o "normal" da época, como a implicação racial nos escritos de Nóbrega, para quem o "negro" era todo mundo menos o europeu caucasiano, e empregava o mesmo termo para os mouros, do que já era proibido ou antiético. É difícil, também, entender a necessidade do genocídio dos índios, que no entanto não podem ser vistos como vítimas de um massacre: eram uma sociedade que não sabia viver sem guerra, já havia dizimado os ocupantes anteriores da terra, e encontrou um inimigo mais forte.
O ritual do canibalismo e a guerra permanente fazias tão parte de suas regras consideradas naturais quanto para nós é hoje o Estado de Direito. E os jesuítas enxergaram isso claramente, assim como o fato de que, se não podiam catequizar aquela gente, não havia outra saída para salvar a colônia nascente (e a fé cristã) do que eliminar toda aquela gente. Isso implicava no massacre de velhos, mulheres e crianças, uma erradicação cultural comparável ao massacre indígena na América espanhola.
A Conquista do Brasil convida a uma revisão geral, não apenas da história como de nossos conceitos diante da História. Mostra que a face que nós brasileiros gostamos de mostrar é um tanto ilusória; o país do "carnaval, do samba e do futebol" esconde um espírito beligerante, selvagem e impiedoso que está na origem da formação do nosso país. É mais fácil entender o que acontece na política e na sociedade brasileira depois que compreendemos e aceitamos esse DNA. E isso nos dá, também, mais instrumentos para melhorá-lo.
A história do Brasil está recheada de personagens como o padre Manuel da Nóbrega, que em suas cartas chamava os índios de "negros"; o padre Anchieta, o santo brasileiro, que dizia que o problema do índio no Brasil só seria resolvido "pela espada e a vara de ferro"; ou mesmo os índios canibais: Cunhambebe, por exemplo, dizia que podia comer a própria espécie porque na realidade era "um jaguar".
Procurei realizar um esforço antropológico, no sentido contemporâneo da ciência, de entender o outro despido de preconceitos. O tempo fez mudar muitos conceitos: o mameluco, por exemplo, que hoje é visto como uma categorização racista, naquela época era um conceito elogioso: designava os guerreiros respeitados, no caso os capitães de mato paulistas, descendentes de portugueses e índios. O termo vinha dos combates nas Índias Orientais, e referia-se aos generais valorosos que os portugueses enfrentavam nas batalhas contra os mouros, uma casta belicosa que mostrava seu valor nas frebets de batalha.
Na formação do Brasil estão muitos dos elementos que combatemos ainda hoje, a começar pelos governantes malabaristas, que tinham poderes para dividir a terra, e transferiam propriedades para "laranjas", que depois as retransmitiam de volta, apenas para contornar a lei que os impedia de beneficiar a si mesmos.
É difícil separar o que era o "normal" da época, como a implicação racial nos escritos de Nóbrega, para quem o "negro" era todo mundo menos o europeu caucasiano, e empregava o mesmo termo para os mouros, do que já era proibido ou antiético. É difícil, também, entender a necessidade do genocídio dos índios, que no entanto não podem ser vistos como vítimas de um massacre: eram uma sociedade que não sabia viver sem guerra, já havia dizimado os ocupantes anteriores da terra, e encontrou um inimigo mais forte.
O ritual do canibalismo e a guerra permanente fazias tão parte de suas regras consideradas naturais quanto para nós é hoje o Estado de Direito. E os jesuítas enxergaram isso claramente, assim como o fato de que, se não podiam catequizar aquela gente, não havia outra saída para salvar a colônia nascente (e a fé cristã) do que eliminar toda aquela gente. Isso implicava no massacre de velhos, mulheres e crianças, uma erradicação cultural comparável ao massacre indígena na América espanhola.
A Conquista do Brasil convida a uma revisão geral, não apenas da história como de nossos conceitos diante da História. Mostra que a face que nós brasileiros gostamos de mostrar é um tanto ilusória; o país do "carnaval, do samba e do futebol" esconde um espírito beligerante, selvagem e impiedoso que está na origem da formação do nosso país. É mais fácil entender o que acontece na política e na sociedade brasileira depois que compreendemos e aceitamos esse DNA. E isso nos dá, também, mais instrumentos para melhorá-lo.
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