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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A volta da vitrola e o futuro do livro

A vitrola está na moda. Agora as pessoas dizem que o velho disco de vinil, aquela bolacha negra não comestível, produz um som diferente, inimitável e de alta qualidade que justifica um retorno ao mercado consumidor na era digital. Verdade? Talvez ouvidos hiper-treinados percebam alguma diferença. Eu não consigo imaginar como um disco de vinil possa superar a tecnologia contemporânea, exceto se a música for gravada de um disco de vinil, e não de uma matriz, perdendo, portanto, qualidade nessa transferência.

Esse retorno, porém, é muito sugestivo sobre o que vai ficar ou não entre todas as mídias. Sabe-se que a reprodução do meio digital também implica numa perda de qualidade. Uma foto arquivada no éter virtual, copiada ao infinito de um servidor a outro, com o tempo perderá definição, assim como aconteceu no passado com o papel, que amarelece, desmancha e some.

Todas as mídias são perecíveis. Um filme dos anos 1950 hoje é uma velharia em preto e branco; copiado num arquivo digital, continuará perdendo viço e terá no futuro talvez de ser restaurado como os afrescos de Da Vinci. Um filme contemporâneo, com todos os recursos digitais, certamente será também coisa tecnicamente superada daqui a dez ou vinte anos e provavelmente se tornará algo irreconhecível daqui a poucos séculos. Não há nenhuma criação artística que, como produto, não vá desaparecer de alguma forma, ou deixar de ser conhecida na sua forma original.

Eu disse nenhuma? Bem, de tudo, o menos perecível ainda é o livro, por ser, de todas as criações artísticas, a mais impalpável. Feito de signos, como transmissores de ideias, ele não sofre com a passagem de uma mídia para outra, como a do papel para o meio digital. Um texto sempre poderá ser copiado mantendo as características originais. A escrita não morre, assim como as ideias.

Os signos com os quais escrevemos serão sempre os mesmos, ainda que as gerações futuras falem e pensem diferente. Tentei recentemente ler para crianças de 13 anos um livro de Julio Verne. Acharam tudo maçante; longas descrições, linguagem arcaica, tudo serviu para que a minha diversão de criança, que lhes apresentei com tanto entusiasmo, parecesse um aborrecimento colossal. A literatura envelhece, é claro. Porém, a história continua lá, da forma como foi criada. Pulou de uma edição para outra, invulnerável ao tempo.

Hoje podemos saber como foi a vida dos antigos egípcios não apesar dos hieróglifos, mas justamente por causa deles, deixando os os registros de uma forma escrita. Eles podem ser reproduzidos em qualquer meio sem mudar de forma; não amarelecem, não perdem qualidade, e não por terem sido gravados em papiro ou pedra, e sim porque podem ser copiados da mesma forma que sempre foram. Serão para sempre os mesmos símbolos e signos que, uma vez decifrados, nos contam exatamente as histórias e a vida de um povo, da maneira como pensavam e se manifestavam.

Pode ser que daqui a milhões de anos nada reste, não apenas da arte, como da própria Humanidade; é talvez a dura conclusão sobre o nosso inglório esforço de deixar alguma herança no universo. Somos passageiros insignificantes de uma vastidão inimaginável e por isso a existência do homem na vastidão sideral representa menos que a de uma formiga na terra. Porém, gosto de pensar que ainda desafiamos as impossibilidades; há certa beleza no nosso orgulho ou, mesmo, na nossa petulância tão humana.