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sexta-feira, 1 de março de 2013

Pai, filho, amigo

As frustrações amorosas e um valor maior que ser, apenas, pai



Meu pai me disse, certa vez, que eu era o melhor amigo dele.

Confesso que eu, quando ouvi isso, no instante, não entendi. Eu o via como pai, não como amigo. Eu tinha muitos e grandes amigos. E um pai, somente. Isso devia ser muito mais importante que qualquer amizade. Não entendia como ele podia achar aquilo uma promoção.

Pego meu filho na escola quase todos os dias, uma maneira de estar presente no dia a dele, desde que me separei de sua mãe. E aproveito esse tempo, no trajeto da escola para casa, dentro do carro, ou na hora do almoço, para conversar.

Há alguns meses, quando ele tinha ainda tinha 5 anos, sentado na cadeirinha extensora do carro, ele disse que estava chateado com um colega de escola, G. aquele que considerava, até então, seu melhor amigo na classe. Melhor amigo, para ele, é um posto muito importante, e seu ocupante, embora varie de tempos em tempos, é levado muito a sério. Acontece que G., depois de tentar conquistar P., a garota que meu filho adorava, passou a dizer que não era mais ele. E meu filho, sinceramente triste, amargava a frustração de ver contra si aquele de quem esperava na amizade o benefício da reciprocidade.

- Ele diz que o melhor amigo dele agora é o D - disse meu filho, cabisbaixo, referindo-se a outro colega, inteligente e simpático.

Lembrei da minha conversa com meu pai, anos atrás. E pela primeira vez entendi porque ser amigo, para ele, era tão importante. País são dados pela natureza. Mas nem todos os pais são amigos de seus filhos. Amigos, a gente escolhe.

- Posso te contar um segredo? - eu disse a ele.

André adora segredos.

- O que?

- Você é meu melhor amigo.

Ele ficou surpreso. Talvez tanto quanto eu, no dia em que meu pai disse que éramos amigos. Assim como eu, não disse nada.

*
Em dezembro de 2012, fomos para a Disney, junto com a família de minha namorada. André estava animado em viajar para os parques de diversão na companhia de outras crianças ? só queria saber delas. A partida, porém, foi uma frustração. Depois de um voo para o Rio de janeiro, fomos barrados, eu e ele, por falta de um documento a ser anexado ao passaporte italiano, necessário na entrada em Orlando. Por volta das nove da manhã de um dia ensolarado, vimos o avião fechar as portas e tivemos de ir embora, enquanto os outros, embarcados, iriam decolar.

O voo seguinte para Orlando seria á meia noite daquele mesmo dia. Em vez de voltar para São Paulo e ficar em casa, á espera do novo voo, decidimos, eu e ele, ficar no Rio de Janeiro. Tomamos um táxi, almoçamos em um restaurante no calçadão de Copacabana e depois subimos o Pão de Açúcar. André regalou-se com lulas fritas na refeição, brincou no calçadão, refrescou-se nos vaporizadores de água. Depois, rosto colado no vidro do bondinho, aproveitou a viagem um pouco mais do que fizera da primeira vez que subira ali, com a mãe, num dia de tempo nublado. Mostrou para mim a passarela pelo bosque dos macacos, tomamos refresco e ele brincou bastante tempo nas telas interativas do museu que conta a história do lugar.

Pegamos o avião para São Paulo, no fim da tarde. Ele cochilou no meu colo, enquanto esperávamos o voo para Orlando, e dormiu também todo o trajeto até os estados Unidos. Esperou o dia inteiro com uma paciência diferente para um garoto de energia radioativa, estava bem humorado, sem me criticar ? eu, o adulto qeu havia esquecido o documento e causara aquilo tudo. Orlando seria muito divertido, com as outras crianças, os parques, toda a experiência. Porém, para mim, o dia forçado que passei com meu filho no Rio de Janeiro, como resultado do acaso, com certeza foi o melhor de todas as férias. Por causa dele.

*
André tem sido meu melhor amigo desde que nasceu. Quando era bebê, e eu escrevia em casa, era a companhia que eu procurava para as horas de intervalo. Eu o embalava para dormir, na hora do almoço. Catava para ele e, sem saber nenhuma canção de cor, inventava a letra ? depois anotava os poeminhas feito para ele dormir. Quando ficou um pouco maior, eu o levava para andar pela rua no canguru. Era meu companheiro, inclusive de trabalho.

Quando tinha de dois a três anos, quando almoçávamos em casa, ás vezes ele, que se sentava no canto oposto da mesa, levantava e vinha na minha direção. Setava no meu colo e gostava de me dar comida na boca, da mesma forma que eu fazia, quando ele era ainda um bebê. De alguma forma, sabia do que eu precisava. O papai cuidava da casa, da mamãe, do irmão, de todo mundo. Mas quem cuidava do papai? Havia no gesto de carinho, além da proeza de cuidar do adulto, algo que tinha a ver com compaixão.
Por esses e outros motivos, tive a impressão de que meu filho, mesmo pequeno, era capaz de me entender e levar em conta meus sentimentos. Preocupar-se comigo. Ser meu amigo. Tornou-se um companheiro bem disposto, mesmo para coisas que ele mesmo não entendia ou não gostava muito (certa vez, na saída de um jogo do Palmeiras, ele, com 6 anos, me disse, intrigado: ''pai, você gosta mesmo de futebol, né?'').

Quando me separei, e ele vinha passar as noites comigo, ficava mortificado por saber que eu vivia naquele apartamento espartano, sozinho.

- É triste - dizia.

Ele me estimulou a ter uma namorada. Aproximou-se dos filhos dela. Não queria estar sozinho, e sobretudo que eu ficasse sozinho.

Uma vez, sentado na sala, enquanto assistíamos TV, no intervalo do Bem 10, surgiu uma propaganda com a história de um garoto atrapalhado diante da namorada.

- Meninos sempre ficam um pouco bobos quando apaixonados - disse ele, que já havia caído de amores.

- Ah e como você sabe? - provoquei.

- Eu vi na TV - ele disse, para não dizer que sabia como era.

- É verdade -, eu disse. - Eu também, com as mulheres, sou meio bobo.

Com os olhos fixos na TV, André então disse:

- Não, você não é bobo com mulher, não.

- Sou, sim!

E ele, mortalmente sério:

- Não. Você, não.

Tenho a impressão de que os amigos sabem quem você. talvez melhor que você mesmo. Meu filho às vezes me assusta. E, como meu melhor amigo, me faz pensar.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Vitórias sobre o medo


Reflexões que servem para nossas vidas e todo um país

Quando eu tinha 36 anos, eu larguei um bom emprego, o casamento, a minha casa, tudo de uma vez. Queria escrever um romance que não saía do lugar, me sentia premido pelo que eu chamava de “maldição da classe média”, com a perspectiva de levar uma vida rotineira até confortável, mas que não estava à altura dos meus sonhos. E resolvi chutar o balde.

Eu me lembro de que naqueles dias, sozinho no meu apartamento de casado, enquanto minha ex-mulher buscava o apoio da família na sua cidade natal, comecei a pintar. Fiz uma paisagem. Achei que era apenas uma maneira de limpar a mente. Quando minha-ex-mulher retornou de viagem, e eu saí para nunca mais voltar, lembro de tê-la encontrado na garagem do prédio e, na passagem, de lhe dar de presente o quadro que eu pintara.

- Para onde você vai? – perguntou ela.

- Não sei ainda – eu disse. E completei, meio brincando, meio sério: – Morrer de fome, em algum lugar.

Ela olhou para o quadro que eu pintara. E disse:

- Você nunca vai morrer de fome.

Foi um momento especial, um último gesto de carinho, deixado num caminho que involuntariamente se tornara tão sofrido. Entendi afinal porque pintara aquele quadro: ele me lembrava do que gostava, de quem eu era, do que podia fazer sem recurso algum, começando do zero – do meu verdadeiro capital, que era eu mesmo. Sim, eu nunca vou morrer de fome, porque em tudo o que fizer, sempre haverá este valor essencial.

Mudei, deixando tudo para trás, num gesto que a muita gente pareceu insensato. Porém, foi a melhor coisa que fiz. Terminei meu livro e a literatura passou a fazer parte indistinta da minha vida. Trabalhei e ganhei mais dinheiro do que jamais pensei que iria ganhar. Recuperei a casa, o carro e todos os outros bens que deixei no passado, com larga vantagem. Sobretudo, passei a me conhecer melhor, ajustei a isto minhas escolhas e a partir daí construí uma nova família e uma maior felicidade.

Claro, eu não teria feito nada disso se tivesse medo. Medo de ficar sem emprego, casa, mulher. Medo de enfrentar o desconhecido. Medo de sofrer. Medo de mim mesmo.

Uma das coisas que sempre achei abomináveis na classe média é o medo. Medo de perder o emprego, que leva a outros medos e leva muita gente a viver pequeno, na defensiva. Medo de mudar. A média é mais conservadora das classes. Por isso é que a maioria dos ricos nasceu pobre. O pobre, que tem pouco a perder, tem menos medo de arriscar. O pobre fica mais rico que aquele que vem da classe média.

Falo de indivíduos, mas isso tem efeito sobre o próprio destino de um país, como estamos assistindo agora. Quando a crise financeira se abateu sobre o mundo, há um ano, a classe média brasileira olhou o que acontecera com a americana e se encolheu, com receio de também perder o emprego e ficar apenas com suas dívidas.

As empresas fizeram o mesmo, deixando-se governar pelo medo. Reduziram drasticamente investimentos, que são sinal de confiança no futuro. Preservaram-se, pensando pequeno.

O presidente Lula, que não veio da classe média, mas do pau-de-arara que o trouxe de Garanhuns, disse que não devíamos ter medo. Mandou o brasileiro continuar comprando, para que o medo não paralisasse a economia. E mandou que as empresas fizessem o mesmo, começando pelo exemplo das estatais, sobre as quais tem comando direto. Assim é que os empregos são garantidos.

Estava com a razão. A economia interna continuou funcionando e o Brasil, com o mercado interno imenso que possui, ainda mais agora, com a integração de muito mais gente à classe consumidora, não apenas foi um dos últimos países a serem afetados pela crise internacional como foi o primeiro a sair dela.

Volto do efeito do medo sobre a macroeconomia para o plano individual. Eu trabalhei em vários lugares, mas nunca tive medo. Medo de dizer o que penso, de tentar o que acho certo. Nunca tive medo de perder o emprego, que leva à subserviência, à vassalagem, e no fim das contas, à conivência com o erro. Nunca tive medo de crise. A crise é importante para melhorarmos; é quando quebramos padrões que não estão levando a lugar algum, para chegar a algo melhor. A crise é que move o mundo. Abre oportunidades.

Nunca tive medo porque nunca pensei nele. Nem nas suas consequências. Preferi sempre fazer as coisas sem pensar nos riscos, em ganhar ou perder – penso apenas em fazer o melhor possível. Não sei se isso é coragem, mas sempre deu certo, no fim das contas. Quem tem medo de perder, sempre acaba perdendo. Ao mesmo tempo, quem sempre acha que vai ganhar, corre sérios riscos. O melhor é viver agindo da melhor maneira, com esforço, inteligência e prazer. Estabelecer metas, mas não trabalhar por elas, e sim pelo próprio trabalho.

É o que dá mais resultado.