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sábado, 11 de abril de 2020

Bem vindos ao meu mundo

Bem vindos ao meu mundo. Eu sabia que um dia o estilo de vida dos escritores, tão decantado no período em que eles saem a beber, dizer besteiras e fazer enormidades, mostraria seu outro lado: o da vida de toupeira, enfiado num escritório, com a cabeça dentro de um laptop.

Escritores são, na maior parte do tempo, trabalhadores domésticos. Estou acostumado a longos períodos dentro de casa. Dias a fio, semanas, meses. Escritores vivem periodicamente quarentenas voluntárias. E bem. Por isso, a vida hoje não está muito diferente para mim. E talvez a minha experiência possa ajudar outros a conviver melhor com o isolamento.

O escritor tem algo de
faraó. Escrever um livro é como construir uma pirâmide. Você começa, não sabe quando vai terminar, e provavelmente a maioria das pessoas só vai ver aquilo depois da sua morte.

O processo de trabalho é uma mistura de horror e êxtase. Quando entramos no estado de sintonia necessário para emendar um parágrafo no outro, mergulhamos num túnel que parece interminável, até que algum dia, um belo dia, a gente sai do outro lado, ofuscado pela luz.

Para mim, esses períodos podem durar quatro, cinco, até seis meses. Saio do outro lado mais velho, com as costas moídas, estressado e gordo. Mas saio.

Você corre o risco de virar parte da mobília. É esquecido dentro de casa, como um abajur. Ou então, lembram  de você porque não está fazendo nada. Mandam você catar o lixo, atender a porta, consertar coisas. "Ficar em casa não é trabalho", dizia minha ex-sogra.

O contrário também é verdadeiro. A vida dentro de casa passa quase sem ser percebida. Se não vierem me chamar, não tomo café da manhã, não almoço, nem janto. Você pode achar estranho. Mas é o normal.

Concentração, a causa de alheamento, é fundamental para o trabalho. Eu já escrevi em redações de jornal, com 100, 200 pessoas. Você adquire a capacidade de se concentrar, apesar do barulho ou do movimento ao redor. Fica como numa caixa. Por isso, frequentemente passa como mal educado, ou imbecil.

Certa vez, quando escrevia O Homem que Falava com Deus, estava tão absorto no texto que só por volta das quatro e meia da tarde percebi não ter almoçado. Dei um grito, já bronqueado com Elizete, a empregada. "Elizete!" - berrei. "Você esqueceu meu almoço!"

Ela veio. E mostrou que o prato, já frio, estava do meu lado. Tinha entrado, avisado que o almoço estava servido, saiu. E nem percebi.

Esse estado de ausência pode durar dias, até semanas. Claro que eu paro para comer, tomar banho, essas coisas. Mas a cabeça frequentemente está em outro lugar. Quando estou parado, a cabeça trabalha. Nunca trabalho tanto quanto nos momentos em que pareço não estar fazendo nada. Eu me distraio fazendo outra coisa. Pode ser ver um filme, consertar alguma coisa. É preciso fazer uma atividade diferente, não que me faça parar de pensar, mas que me faça pensar em outra coisa, que não seja o livro que estou escrevendo. A isso eu chamo de descanso.

O tempo passa rápido, quando você está envolvido com alguma coisa. Lá fora não importa. Não sabemos se está chovendo, ou fazendo sol. Você vai dizer: não é possível. Outros já me disseram: não entendo como você escreve tanto. Escrevo tanto porque é possível. Quando começa o transe, sumo do mundo exterior.

Reapareço lá na frente, e é sempre um dia glorioso. Mas aquele tempo que passei dentro de casa sumiu do calendário. É quase como se eu não tivesse vivido. Transformou-se em algo que vira um monte de papel. E não faz nenhum sentido, se ninguém for ler.

Além de permanecer reclusos longos períodos, escritores se habituam a passar longas temporadas sem rendimento. Cada vez que você começa um livro, geralmente, está no risco. Risco de nenhum editor gostar da obra e ela não ser publicada. Risco de ela ser publicada - e não vender.

São períodos de ansiedade, tanto por conta do processso de escrever, em si, quanto pela expectativa de fazer algo que possa dar resultado. Do momento em que começo a escrever um livro, até ele ser publicado, existe o intervalo de pelo menos um ano. E outro ano, até que o livro seja vendido, a livraria pague a editora, e a editora me pague, como autor.

Não conheço nenhum outro ofício em que você investe tanto tempo e dinheiro, sem perspectiva de receber tão cedo. Talvez a construção civil. Para sobreviver, se você é empreiteiro, você precisa ter imóveis já à venda. O escritor, livros já escritos, que rendam algum dinheiro, enquanto você trabalho no próximo. Ainda assim, nada está garantido.

O livro tem uma curva de vendas. Vende mais no começo, depois as vendas começam a ser menores, até que ele vira uma "obra de catálogo". É importante você ter um bom catálogo, porque a soma da venda de livros que já não estão no auge, mas continuam vendendo, ajuda a você se manter pelo longo período de produção de um livro novo.

E quando ele acaba, ah!. Que sensação de alívio. É uma alforria. Dá vontade de viver de novo.Sair, viajar, namorar, fazer mil bobagens. Reencontramos os amigos, que não entendem nosso sumiço. Nem a mulher (ou marido) entende. São poucos os casamentos que sobrevivem a escrever um livro. Mas não há muita coisa você possa prometer para melhorar isso.

Vocês, meus amigos, ou a maioria de vocês, pelo menos, têm a sorte de estar sendo confinados uma vez na vida. Eu, com mais de duas dezenas de livros na carreira, vivo numa espécie de regime semi-aberto. Saio de vez em quando, para voltar ao confinamento. Preciso de ar livre, de experiências, de contato humano, de amor, para me reabastecer e voltar à clausura. E preciso da clausura. Não sei, até hoje, por que. Acho que nem quero mais saber.

São esses pensamentos que me vêm agora. Eu vejo e sei que lá fora a miséria avança, que estão todos preocupados, que o drama das mortes lança uma sombre negra sobre a Humanidade. E sei que o remédio do confinamento é duro. Se vale de alguma coisa a minha experiência, ou um conselho, é: torne seu tempo de confinamento produtivo. Empenhe-se em algo que vale a pena, tenha um objetivo, e envolva-se. Não fique achando que todo dia dá para tomar uma cerveja. Invente uma rotina. E aferre-se a ela, pensando que ela agora é a sua vida.

Você pode não ganhar dinheiro com isso. Mas chegará ao final do túnel ainda são, ou, pelo menos, recuperável.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O curso Escreva Bem, Pense Melhor volta à Livraria da Vila


Na segunda semana de outubro, o curso escreva Bem, Pense melhor voltará a ser ministrado no auditório da Livraria da Vila, na Vila Madalena, em São Paulo.

Duração: 6 encontros de 2 horas

Objetivo

O exercício de escrever traz benefícios que vão além da própria escrita. O aperfeiçoamento da escrita desenvolve o raciocínio organizado. Ele nos ajuda a pensar melhor. E pensar melhor também nos faz escrever melhor, com textos capazes tanto de exprimir o seu autor quanto de atrair o interesse dos leitores.

Encontros

1. O desafio do papel em branco. Como escrever bem. A força das ideias. Escrita e pensamento. Texto e linguagem falada.
2. O pensamento estruturado. Clareza, interesse, relevância. Abertura, desenvolvimento e fecho. A primeira frase. Encadeamento e lógica.
3. A forma e o raciocínio: redação e estilo. Texto jornalístico e informativo. Conteúdo, informação e notícia. Síntese, concisão e outras normas estilísticas.
4. Os elementos da criação. Escrita, emoção, autoanálise e desenvolvimento pessoal. “Inspiração”: os elementos da criação. O texto como expressão individual: diário, blog, autobiografia, memórias. As formas literárias: o conto, a crônica, a novela, o romance. Primeira pessoa, o texto opinativo, a crônica e o texto memorialístico. A ironia e o humor. Estilo e individualidade.
5. Estudo de caso. Workshop
6. Adequação ao público. Comunicação corporativa. Impacto. Público segmentado ou dirigido. Mensagem e linguagem.

domingo, 16 de maio de 2010

Diferenças entre yin - yang


Yin carrega poesia para a prosa, algo sempre muito difícil: exige o trabalho do ourives, o talento e paciência. Mas que, bem feito, produz resultados maravilhosos. É como escrever ao modo dos chinês, nanquin sobre papel de arroz, com cuidado, arte milenar. Busca a essência, até mesmo nas palavras; por isso, é profundo sem ser rebuscado; é elegante sem exageros; é apenas pleno de significado. Yin é intimista, no tema, no tratamento, no resultado.


Yang dá mais ênfase à trama, ao enredo, que à linguagem. Conduz o leitor menos pela profundidade das idéias que pela sequência da ação. Não aplica poesia à prosa, não busca seu poder nas imagens; ele apenas sugere a emoção como consequência da ação; mais do que diz, importa o que deixa de dizer, e que apenas se sente, como resultado do ato, como acontece na própria vida.


Yin quer só escrever, não importa onde, nem que seja numa masmorra, como Dostoiévski e Graciliano; alimenta-se de si mesmo. Yang quer somente escrever, mas onde tenha liberdade; precisa viver para alimentar sua criação, seja como um plongeur em Paris como Orwell ou estivador como Hammett en Nova York.


Yin gosta do mar, do sal e da brisa marinha; seu mundo é povoado de imágens aquáticas. Adora navegar, sentir o vento bater no rosto, a imensidão perigosa das águas, mas tem de voltar para a praia, a casa, o fogo, como o pescador; não suporta muito tempo a solidão do universo ao redor, precisa de companhia, de gente, de carinho; busca a comunhão com todas as criaturas, em harmonia com a natureza, faz parte dela.


Yang adora o mar, mas não depende de um porto aonde voltar; os vagalhões não são apenas movimento da vida, pelos quais nos deixamos levar; ao contrário, são um desafio a enfrentar. Prefere todo lugar mais isolado, que desperte seu instinto para a aventura, como o alto das montanhas, os extremos gelados da terra ou o céu estrelado e o silêncio dos desertos. Está em desarmonia com o mundo; rebela-se contra ele; embora seja livre, é o verdadeiro amigo da solidão.

Yin e Yang, dois caminhos, ou um só?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A importância de escrever


A escrita literária ajuda a recuperar a memória afetiva e favorece o autoconhecimento


Pessoas que sentem necessidade de escrever em forma literária frequentemente são movidas por vaidade, por achar que essa é uma boa maneira de impôr idéias e demonstrar inteligência. Outras sequer sabem a razão pela qual escrevem. É no segundo caso que escrever atinge seus propósitos mais profundos.


Muitas vezes não sabemos bem porque agimos de certa forma. São reações e atitudes instintivas, movidas por algo que não sabemos explicar, utilizando apenas os instrumentos da razão. Por vezes, a vaidade é apenas uma maneira de encobrirmos nossas verdadeiras razões. Nada faz com que nos enganemos mais com nós mesmos do que a vaidade.


Para eliminar a vaidade, é preciso admitir que escrevermos não para mostrar o quanto somos bons, mas para explorar, entender e vencer nossas fraquezas. Aí, sim, estamos preparados para olhar para a realidade de nós mesmos. E fazer alguma coisa que funciona, no sentido de nos fazer melhorar e nos sentirmos melhor.

Por trás do que parece um talento, muitas vezes está uma grande necessidade. Quando somos movidos a escrever por razões indefiníveis é porque estamos querendo, às vezes de maneira subconsciente, explorar nossos próprios sentimentos. Desvendar os mecanismos ocultos que nos fazem agir de maneira inexplicável até para nós mesmos. Descobrir os medos e influências que nos condicionam a responder de determinada maneira às circunstâncias da vida, às vezes de forma prejudicial para nós mesmos e os outros.

Buscamos aqueles elementos que nos faz responder de maneira emocional, exagerada ou inadequada a certos problemas. Que dificultam ou condicionam o relacionamento com outras pessoas. Que se tornam um incômdo ou um verdadeiro empecilho para a felicidade.

Mais do que raciocínio, escrever é um processo mental que leva à investigação dos sentimentos. Por meio da escrita, podemos refletir, organizar idéias e transmiti-las com mais clareza, o que é essencial no trabalho e na vida pessoal. Porém, o processo de escrever é também uma forma de autoconhecimento, por meio da exploração, compreensão e expressão das nossas formas de pensar e sentir.

Escrever é pensar no papel, um processo não apenas técnico como emocional. Escrever ajuda a pensar e também a reconhecer emoções. É uma forma de expressão tão útil quanto a expressão corporal ou outras formas de arte, por meio das quais hoje se faz terapia. Sobretudo quando estamos investigando nossa personalidade formada no período da primeira infância, que é ainda anterior à formação da linguagem, e portanto não pode ser lembrada e codificada pela memória racional, construída por meio de palavras.

Pode parecer contraditório, mas as palavras também nos levam a entender os sentimentos, isto é, nossa linguagem emocional. Ao contar uma história, por exemplo, podemos entender a motivação que nos leva a escrevê-la; a direção que lhe damos e a maneira como a tratamos um assunto revelam muito sobre nós mesmos e trazem descobertas muitas vezes surpreendentes.
Hoje muita gente se dedica às formas literárias, especialmente o blog, que é uma maneira de autoexpressão bastante difundida graças à internet. Com o meio eletrônico, a palavra escrita ganhou uma difusão, uma força e importância como jamais teve na história da Humanidade.


Muitas pessoas escrevem blogs para amigos ou com algum propósito informativo, outras sem mesmo saber se terão leitores. Sentem apenas a necessidade da expressão e de exploração das próprias idéias e sentimentos. E isso pode ser visitado por outras pessoas que, eventualmente, podem ter os mesmos sentimentos, angústias e preocupações.

Escrever faz bem à alma. Ninguém precisa ser profissional da escrita para escrever, e escrever bem. Assim como adolescentes escrevem di´rios, o hábito de escrever deveria ser uma prática adotada pela vida inteira, como um foro privado de reflexão. A expressão é algo que está ao alcance de todos. Incluindo a poesia, essa forma literária um pouco esquecida, e que é a que mais nos aproxima de nós mesmos, dos nossos sentimentos, e abre novas maneiras de pensar sobre as nossas emoções, de maneira ainda mais direta que o romance.

Cada vez tenho mais vontade de escrever poesia, e menos romance. Como é algo que hoje pouco se publica em livro, a poesia tem na internet um bom espaço. E não há nada melhor para ver a quantas andas o nosso coração.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Os bons princípios da redação


Escrever bem nunca foi tão importante como agora

O crescimento da internet como meio de informação e também de manifestação do indivíduo aumentou a necessidade e a oportunidade de ler e, sobretudo, de escrever. Com isso, aumentou também muito o interesse pela prática da boa redação. Escrever é importante em nossa vida pessoal como um meio de plena expressão. E é fundamental no exercício de qualquer profissão, sobretudo o jornalismo.


Não importa se alimentamos um blog, redigimos um e-mail, fazemos um paper para uma reunião de diretoria ou escrevemos um texto para internet, jornal ou revista. Os princípios de uma boa redação são sempre os mesmos, não importa o tamanho e a finalidade do texto ou onde ele será veiculado.

Escrever bem não é meramente uma questão técnica. Implica não só no trabalho de redigir o texto, como tudo o que está por trás dessa tarefa - da qualidade do conteúdo à maneira como se conquista a atenção e o interesse do leitor.

Não é possível se transferir a alguém o dom ou a faculdade de escrever bem. O que se pode mostrar é a maneira mais correta de escrever. O tempo, a dedicação e o talento individual completam o trabalho.

Mesmo para aqueles que não desejam escrever profissionalmente, é possível escrever textos gramaticalmente corretos, interessantes do ponto de vista estilístico e importantes pelo seu conteúdo. De um simples bilhete a uma tese de doutorado, o essencial para superar as dificuldades normais da pessoa que escreve é encontrar o foco do texto, desenvolvê-lo e terminá-lo de maneira memorável.

Na imprensa, o esforço cotidiano de escrever não chega ao seu melhor sem outro ingrediente: um certo idealismo, tanto mais necessário quanto menos se dissemina no mundo contemporâneo. É preciso estimular de modo permanente um jornalismo no qual não se abandona os ideais da imprensa diante das pressões inerentes à atividade. Deve-se com o mesmo empenho sustentar a qualidade diante da inércia e da rotina.

A busca pela informação correta e sua transmissão de forma transparente pede um trabalho diligente e incansável. A credibilidade, princípio fundamental da independência jornalística, é o maior patrimônio de um veículo de comunicação e seus profissionais. Para construí-la e manter a confiança do público é necessária uma série de pequenas ações cotidianas ao longo do tempo. Para perdê-la, basta um único deslize.

Essa escola, que vem na tradição da grande imprensa livre mundial, sobretudo depois do seu período de profissionalização, finca-se na idéia de que o patrão do veículo de comunicação é o leitor. É para ele que trabalham o jornalista e o editor. Na busca pelo serviço prestado a cada indíviduo, há também um compromisso permanente com a sociedade democrática.

Mesmo para aqueles que não desejam seguir a carreira jornalística, é bom ter claro estes princípios, ainda mais agora, em que não se exige mais o diploma específico para o exercício do jornalismo, numa decisão infeliz do Supremo Tribunal Federal.

Talvez a disseminação desses bons princípios ajude a nortear aqueles que desejam se aventurar no mundo da informação qualificada. E ganhar leitores com o mesmo receituário com que a imprensa tradicional fez sua História: uma leitura clara, instigante, com conteúdo importante, surpreendente e de credibilidade.