Mostrando postagens com marcador #romance. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador #romance. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 28 de março de 2019

Clarice e a vida depois da morte

Meu filho, de 12 anos, conta que acabou de ler, na escola, Clarice Lispector. Aqui e ali, encontro alguém que está lendo, vejam, Clarice Lispector. É clarice pra cpa, Clarice pra lá. E olha já faz tempo que saiu sua biografia.

É estranho que, só agora, o brasileiro reencontre Clarice Lispector. Ou, por  outro lado, não é nada estranho.

Clarice: o sucesso, tarde demais
Tradicionalmente, o brasileiro não dá muito valor a seus escritores. Com raras exceções, em geral aqueles pertencentes a algum grupo de solidariedade política, social ou artísticamente correto e chique, como o Chico Buarque.

(Outro dia, conversando com um amigo meu, grande poeta, eu disse: "Estou perdido, como autor. Não sou preto, nem gay, nem comunista". Ele me respondeu: "Você ainda pode ser judeu.")

Clarice não pertencia a corrente alguma. Como eu, era jornalista. Colocada do lado de fora nada, como imprensa, ou do lado de dentro, como autora, não estava ao lado de ninguém, exceto dela mesma.

Assim, construiu uma obra original, desconectada de movimentos ou correntes e, talvez por isso, de difícil aceitação no seu tempo. Fazia de tudo, romance, conto e poesia, mas não era bem poeta, nem contista, nem romancista.

Sua poesia se aproximava da prosa e a prosa da poesia. O conto era quase uma coleção de pensamentos. Por isso, defino seu estilo pessoal e único como uma "prosa filosófica", em que cada frase tem peso. É denso, conciso. Os textos tendem a não ser muito grandes e por vezes contam uma história de um jeito muito difuso.

Naquele tempo de Clarice, muitos achavam que era apenas algo ruim, ou incompleto, ficado no meio caminho de tudo: não chegava a ser boa prosa, não chegava a ser bom conto, não era boa poesia.

Clarice, como muitos escritores, morreu na miséria. E não viveu para desfrutar o tempo em que se tornou, talvez, mais compreendida. Para a maioria dos escritores brasileiros, o sucesso vem tarde demais.

É pena. Guimarães Rosa, o grande, por exemplo, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1963 - morreu qutro anos depois, em 1967. Na festa em que recebeu seus galardões, reclamou ter sido indicado quando já era "quase uma vaga".

Especulo que o interesse atual por essa rainha da introspecção, assim como a ressurreição recente da poesia, venha da internet. Nas redes sociais, multiplicaram-se os textos curtos, irônicos ou filosóficos, acompanhados de alguma imagem. Algo perfeito como veículo para as frases de Clarice, que são como haicais.

Entendo e aceito que, infelizmente, a obra sobrevive a um autor (certa vez, ao lhe perguntarem se queria eternizar-se por sua obra, Woddy Allen respondeu que preferia se eternizar "não morrendo").

Acho um pouco pena que a maioria dos autores brasileiros deixem de ser reconhecidos em vida. E que, sem vender livros como poderiam, muitos vivam de galho em galho, sobrevivendo duramente para fazer sua arte.

Aceito a vida como ela é. Eu mesmo sempre disse que tenho de trabalhar pouco e ganhar muito, para poder trabalhar muito e ganhar pouco (escrevendo romances).

É blague, claro. Na realidade eu trabalho muito, e duas vezes: para ganhar dinheiro e para continuar escrevendo.

É o que eu faço e pretendo continuar a fazer, sem reclamar. E, aos que me conhecem e os que não me conhecem, quero dizer que não me esquecerei de morrer.