23:29 de 3 de novembro. Faz algum tempo que acabei o romance que será publicado ano que vem. Escrevo agora o livro mais difícil da minha vida. Nem sei se terei coragem de apresentá-lo um dia. Acabo esse trecho, abaixo. Não falta tanto para o fim. Escrevo na esperança de que tenha um fim. Mas receio que nunca acabe.
"Quando minha mãe morreu, meu filho tinha dois anos de vida. Eu olhava para ele como se olhasse para mim mesmo no começo de tudo. Meu filho estava aprendendo a viver. Andava sem dar a mão, aproximava-se de desconhecidos, avançava curioso sobre tudo. Descobria como o mundo é maravilhoso. Avaliava a importância de cada pessoa que conhecia, dentro do seu universo. (“Você é o meu vovô?”, perguntava repetidas vezes a meu pai). Via o sol, as estrelas. Experimentava, fantasiava. Certo dia, apanhei-o batendo com um tubo de cola na testa. Tentava colar nele mesmo a sua sombra.
É duro aprender a viver; mais duro ainda é aprender a viver com a morte. Pessoas que perderam cedo os pais ou outros entes queridos têm de fazê-lo também cedo. Não existe uma ordem natural para as coisas; o destino muitas vezes é tomado pelo acaso e só nos resta enfrentá-lo como ele vem.
É difícil encarar a morte enquanto estamos cheio de vida; ela não pode se tornar uma sombra, pois aquele que chora todos os dias, ou que teme o fim diariamente, morre um pouco também todos os dias. É preciso assimilar as piores tristezas e os fatos mais duros da existência e ainda assim manter a cabeça erguida, a dignidade e sobretudo a alegria.
Eu me encontrava nesse estágio do aprendizado; via a vida florescer, ao mesmo tempo em que tinha de aprender a conviver com a dor da grande perda. Era sorte, ser também pai; isso me ajudava a manter a coragem de seguir em frente, pois exigia uma motivação superior a qualquer tristeza.
Filhos são um bem do céu, não porque nos trazem felicidade, mas porque pedem de nós a felicidade. Não apenas dão alegria, como a exigem de nós. Por eles, todos os dias temos de sorrir, de brincar e esquecer nossos males. Crianças não nos dão tempo para a dor.
Ao mesmo tempo em que ensinamos os filhos, aprendemos com eles. Não é apenas pelas crianças que se deve seguir em frente, mas por nós mesmos, e pela criança que há dentro de nós. É na infância, a nossa e dos nossos filhos, ou dos que vêm depois, que está uma fonte permanente de felicidade. Por isso, aquele que não ri nem se alegra com as crianças está morrendo sem saber.
Aquele que aprendeu a viver com a morte talvez esteja mais preparado para aprender a morrer; cada etapa parece servir de antesala da próxima, cada degrau da sabedoria leva a outro. Provavelmente, quando não achamos um degrau, ou perdemos o pé, é porque não subimos direito o anterior."