terça-feira, 26 de maio de 2015

O médico e o escritor: uma história do lançamento de A Conquista do Brasil

Lançar um livro dá um certo nervoso, mas eu sempre tive experiências maravilhosas nessas noites de festa, que me lembram do motivo pelo qual eu escrevo, e a verdadeira natureza da conexão que fazemos com as pessoas.

Quando lancei Amor e tempestade, em 2009, apareceu uma moça trazendo um exemplar de O Homem Que Falava com Deus, um romance de 2003. "Mas o livro não é esse", eu disse. Ela respondeu que sabia, claro, mas pedia que eu autografasse aquele. "Queria te mostrar isso." Abriu o livro, folheou-o na minha frente: e não havia uma única página que não estivesse cheia de linhas sublinhadas ou de comentários nas margens. Estava tudo rabiscado. "Li o teu livro pelo menos 20 vezes", ela disse, para meu espanto. "Marquei cada frase." Reparei, porém, que as últimas vinte páginas estavam completamente limpas. "Não li o final", disse ela. Diante do meu espanto, explicou: "É que eu não quero que ele acabe."

Livraria da Vila, Shopping Higienópolis, quarta feira passada, 20 de maio de 2015.  Lançamento de A Conquista do Brasil. Entre parentes, amigos e leitores, surge na minha frente à mesa de autógrafos uma colega de faculdade a quem não via há trinta anos, o que já seria uma maravilha. Ela, porém, coloca na minha frente um exemplar de Campo de Estrelas.

"Mas esse não é o livro", digo eu.

"Eu sei", ela responde. "Mas eu queria que você autografasse esse aqui, para o meu marido." E disse o nome dele.

Ela explicou então que o marido estivera internado com câncer no pâncreas. E que lera para ele o meu romance no hospital. Campo de estrelas é baseado na história do meu próprio tratamento de um câncer de bexiga, mesclado à história meio mágica de uma viagem que fiz quando adolescente com meu pai, Alipio. Presente e passado se fundem para dar coragem diante da maior das angústias. "Esse livro foi muito importante para ele", disse. "Ajudou-o a sair do hospital."

Impressionado, perguntei onde estava o marido dela. "Está por aqui mesmo", ela disse. Não havia tido, porém, coragem de vir com ela me pedir autógrafo pessoalmente. Disse que podia chamá-lo, seria um prazer conhecê-lo. Atendi mais uma ou duas pessoas e ela voltou, desta vez com o marido. Levantei e fui falar com eles.

"Eu só vim para te agradecer", ele disse. "Seu livro me ajudou muito, você não faz ideia de como é importante para mim. No hospital, cada dia eu queria viver até o dia seguinte, para saber como ele continuava."

Disse também que conhecia o médico que inspirava o personagem do livro: Eric Roger, cirurgião do Einstein, que me operou e tratou. "Mas você faz o quê?" - perguntei. "Eu sou médico", disse ele.

Resolvi também fazer uma confissão. Quando Eric revelou que estava com câncer terminal, fato que escondeu por muitos anos, e ficou meses internado no Einstein, eu fui lá visitá-lo. E também li Campo de Estrelas para Eric, sentado ao lado da cama. 

Achei que seria bom aliviar a emoção do momento. 

"Acho que esse é mesmo um livro para ser lido em hospitais, como a revista Caras no cabelereiro", disse.

Rimos. Mas o abraço que aquele homem me deu na despedida trouxe a certeza de que, se não tivesse servido para nada mais, todo o meu esforço escrevendo livros estaria recompensado ali.

Lançamentos trazem surpresas. E dão energia para continuar. Meu próximo livro será um romance. Vamos ver o que acontece em fevereiro de 2016.

http://www.saraiva.com.br/campo-de-estrelas-5246424.html
http://www.saraiva.com.br/o-homem-que-falava-com-deus-4404472.html












sábado, 2 de maio de 2015

O esforço e o sentido de A Conquista do Brasil

Amigos me perguntam quanto tempo levou para escrever A Conquista do Brasil, ou quanto tempo se leva para escrever um livro. Para mim, é uma resposta difícil de dar: o livro começa a surgir com o interesse do autor, às vezes de forma difusa e muito tempo antes de se concretizar. No caso de A Conquista do Brasil, é resultado de muitos anos de interesse e trabalho, mesmo na época em que eu mesmo nem sabia por que juntava tanta coisa sobre o assunto.

Hoje eu sei: minha vontade de escrever um livro de história nada tem a ver com o passado, e sim com as preocupações com o presente. Elas são mais candentes hoje, com  a polarização política, a corrupção monstruosa e as ameaças veladas ao processo democrático que duramente minha geração ajudou a construir. Tudo isso nos faz pensar no que há de errado com o Brasil, em quem somos nós, brasileiros, e como podemos melhorar como Nação. E as respostas vêm lá de trás.

Entender as raízes mais antigas e profundas dos nossos problemas, estudar o começo, onde está o nosso DNA, é o caminho para mudar e melhorar a realidade de hoje. Como na psicanálise, para entender o que somos é preciso voltar à primeira infância. Fazer uma regressão.

O Brasil é um país que inventou muita coisa sobre si mesmo: o país do carnaval, do samba, do futebol, das mulatas, do Pão de Açúcar, do bom baiano, do brasileiro cordial. Com isso fica difícil explicar, ou mais fácil de acomodar, o país da corrupção, do abismo social, do racismo camuflado, da violência urbana, da direita truculenta e da esquerda hidrófoba.

Compreender o Brasil antigo é um esforço que exige muitos ângulos: o jornalístico, da pesquisa e informação bem apurada; o sociológico, para entender a formação do povo; o antropológico, que ajuda a compreender sem preconceito os índios e seu papel em todo o processo. A Conquista do Brasil deve muito à minha formação em Ciências Sociais, especialmente antropologia política.

Livros de etnólogos pouco conhecidos do público, como Pierre Clastres e Helène Clastres, me ajudaram a compreender o mecanismo social e político das sociedades ditas primitivas do Brasil, assim como a religião e sua influência psico-social, especialmente nas tribos do tronco tupi-guarani. A antropologia, no sentido geral, ajuda também a ver as coisas como eram, sem preconceitos modernos, seja na compreensão do canibalismo indígena, parte de um sistema social, seja na mentalidade dos primeiros portugueses, incluindo os jesuítas.

Ajudaram também as editoras brasileiras, especialmente a Itatiaia, que publicou há muito tempo as obras completas dos primeiros viajantes e historiadores brasileiros, e que eu comecei a colecionar, no princípio sem outro propósito além de querer saber mais.

Mais recentemente, uma ajuda inestimável veio da iniciativa do espólio do empresário José Mindlin, que disponibilizou obras raras de sua coleção pessoal, gratuitamente, na internet. E a própria rede social, que facilitou acesso a documentos que antes demandavam viajar a Portugal para serem consultados, razão pela qual a história que aprendemos nos bancos escolares até agora ainda era baseada no trabalho de pesquisadores do final do século XIX e começo do século XX, como Capistrano de Abreu.

Por último, e não menos importante, está uma certa experiência de vida. Passar alguns dias entre os índios do Xingu, por exemplo, me deu exata noção de como é para um ocidental estar no meio deles, em circunstâncias não muito diferentes das que tiveram pela frente homens como José de Anchieta e João Ramalho. Devo essa experiência à iniciativa do amigo, empresário e aventureiro James Lynch. Mesmo a enrascada em que nos metemos, sendo submetidos a um perigoso tribunal indígena, me deu melhor noção do que é encarar o risco de vida numa aldeia diante dos índios em seu próprio meio, como aconteceu com Hans Staden e o próprio Anchieta, que em sua cartas narra ter passado por julgamento semelhante.

Escrever, portanto, é a junção de muita coisa. Um livro é produto de um enorme esforço, onde colocamos tudo o que sabemos, num esforço físico e intelectual exaustivo. Quando terminamos, estamos esgotados, e isso é só o começo, porque um livro nada é, se não tiver leitores. Seja qual for o resultado, porém, para mim terá valido a pena.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Reler o Brasil sem preconceitos

Na releitura da história brasileira, em que podemos ver claramente o DNA do Brasil, aquela matéria celular da qual nos formamos, minha maior dificuldade foi me despir da moral e da ética moderna, para emitir julgamentos sobre personagens que, muitas vezes, podem parecer execráveis ou incompreensíveis pelos códigos de hoje.

A história do Brasil está recheada de personagens como o padre Manuel da Nóbrega, que em suas cartas chamava os índios de "negros"; o padre Anchieta, o santo brasileiro, que dizia que o problema do índio no Brasil só seria resolvido "pela espada e a vara de ferro"; ou mesmo os índios canibais: Cunhambebe, por exemplo, dizia que podia comer a própria espécie porque na realidade era "um jaguar".

Procurei realizar um esforço antropológico, no sentido contemporâneo da ciência, de entender o outro despido de preconceitos. O tempo fez mudar muitos conceitos: o mameluco, por exemplo, que hoje é visto como uma categorização racista, naquela época era um conceito elogioso: designava os guerreiros respeitados, no caso os capitães de mato paulistas, descendentes de portugueses e índios. O termo vinha dos combates nas Índias Orientais, e referia-se aos generais valorosos que os portugueses enfrentavam nas batalhas contra os mouros, uma casta belicosa que mostrava seu valor nas frebets de batalha.

Na formação do Brasil estão muitos dos elementos que combatemos ainda hoje, a começar pelos governantes malabaristas, que tinham poderes para dividir a terra, e transferiam propriedades para "laranjas", que depois as retransmitiam de volta, apenas para contornar a lei que os impedia de beneficiar a si mesmos.

É difícil separar o que era o "normal" da época, como a implicação racial nos escritos de Nóbrega, para quem o "negro" era todo mundo menos o europeu caucasiano, e empregava o mesmo termo para os mouros, do que já era proibido ou antiético. É difícil, também, entender a necessidade do genocídio dos índios, que no entanto não podem ser vistos como vítimas de um massacre: eram uma sociedade que não sabia viver sem guerra, já havia dizimado os ocupantes anteriores da terra, e encontrou um inimigo mais forte.

O ritual do canibalismo e a guerra permanente fazias tão parte de suas regras consideradas naturais quanto para nós é hoje o Estado de Direito. E os jesuítas enxergaram isso claramente, assim como o fato de que, se não podiam catequizar aquela gente, não havia outra saída para salvar a colônia nascente (e a fé cristã) do que eliminar toda aquela gente. Isso implicava no massacre de velhos, mulheres e crianças, uma erradicação cultural comparável ao massacre indígena na América espanhola.

A Conquista do Brasil convida a uma revisão geral, não apenas da história como de nossos conceitos diante da História. Mostra que a face que nós brasileiros gostamos de mostrar é um tanto ilusória; o país do "carnaval, do samba e do futebol" esconde um espírito beligerante, selvagem e impiedoso que está na origem da formação do nosso país. É mais fácil entender o que acontece na política e na sociedade brasileira depois que compreendemos e aceitamos esse DNA. E isso nos dá, também, mais instrumentos para melhorá-lo.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Que país é este?



Por que ler A Conquista do Brasil

O jornalista Laurentino Gomes, best seller com sua série de livros de história, que aceitou gentilmente prefaciar o meu próximo livro, Conqyista do Brasil, escreveu um elogio tão generoso quanto surpreendente: admirou-se da "invejável capacidade de pesquisa" que o livro revela.

Surpreendente porque, na realidade, a pesquisa hoje é o mais fácil de se fazer, com todos os inéditos recursos que a a internet oferece. Um dos grandes trunfos do livro, porém, é mesmo esse. Hoje se tem acesso mais fácil a todos os documentos originais da história do Brasil, que é ricamente documentada por viajantes, aventureiros e sobretudo os jesuítas. Não é preciso mais ir á torre do Tombo, em Portugal, para levantar documentos, ou recuperar edições de livros de história que já não são publicados há muito tempo.

Pela dificuldade de pesquisa, até hoje a história do Brasil é baseada no trabalho de historiadores do final do Século XIX e início do Século XX, como Capistrano de Abreu. Tudo o que sabemos de história, incluindo o que se ensina nas escolas, é baseado no trabalho de historiadores para quem o Segundo Império ainda era coisa recente. Por isso, meu maior desafio foi me despir dos preconceitos criados pelo que aprendi na escola e nos livros para refazer a trajetória do Brasil desde seu início. E tentar entender o nosso DNA, aquilo que está na origem de tudo, e nos influencia até hoje.

O resultado foi surpreende. Descobri como sabemos tão pouco do Brasil. A Conquista do Brasil é um esforço para entender a época com seus próprios valores, a começar pelos índios, que não eram simples vitimas nem meros canibais. E também os portugueses, como Manoel da Nóbrega, que chamava os índios de "negros", e José dde Anchieta, o santo brasileiro, que em suas cartas escreveu que o problema do índio no Brasil se resolvia "coma espada ou a vara de ferro".

A necessidade de construção de uma nação unificada num extenso território não se deu pela propalada "cordialidade' do brasileiro. Foi um processo de força, que envolveu uma guerra e o emprego violento da força para a construção de uma um poder unificado e hegemônico dividido entre a corte portuguesa e a Inquisição, representada pelos jesuítas no Brasil.

Daí sai uma história contemporânea do Brasil, no sentido de ser mais realista, menos idealizada e menos presa á necessidade de construção dessa identidade nacional a partir de uma raiz portuguesa. Mostra o lado cruel, perverso, às vezes trágico da história brasileira e personagens de carne e osso, no lugar das velhas pinturas românticas recheadas de herois e seres idealizados.

Em a Conquista do Brasil está o DNA deste país, com gente ambiciosa, ousada, às vezes sanguinária. Nesse DNA entra lago do índio rebelde, que não conhece a subordinação, e a cobiça predadora do português degredado. O Brasil ainda está fincado na antiga colônia da qual seu "pacificador", o governador-geral Mem de Sá, se queixava. "lembre Sua Alteza de que povoou esta colônia de degredados malfeitores que mais mereciam a pena de morte", dizia ele, ainda no primeiro século depois da viagem de Cabral. E pedia a El-Rei que, se quisesse fazer do Brasil algo realmente próspero, que lhe mandasse "homens de bem".

Você conhece realmente este país?

segunda-feira, 30 de março de 2015

Um história contemporânea do Brasil

O passado já aconteceu, não muda, mas mudamos o sentido do passado, quando encontramos novos elementos que nos ajudam a ter uma nova visão a seu respeito. Quando comecei a escrever A Conquista do Brasil, uma história do país desde os primeiros viajantes, achei que sabia bastante sobre o descobrimento e os primórdios da história brasileira. Mas estava enganado.

Com o material que colhi, especialmente resgatando as fontes de informação original - os relatos dos viajantes, dos jesuítas e documentos oficiais - passei a ver outro passado, outro começo do Brasil, que me parece mais realista do que nos acostumamos a ver desde os livros escolares. A Conquista do Brasil não muda o passado, mas nos faz ver com olhos de hoje, e isso muda nossa compreensão sobre nós mesmos.

Meu desejo de escrever esse livro veio da necessidade de entender o DNA brasileiro, que está em nós, hoje - no manifestante insatisfeito das ruas, no governante e político corrupto, no empresário corruptor e rapinante, na população que alterna momentos de euforia e niilismo, passividade e raiva.

Ali, por exemplo, vemos que muitos problemas brasileiros estão na origem. Mem de Sá, o homem que efetivamente integrou a colônia portuguesa no Brasil, à custa de muito sangue, já escrevia ao rei Dom Sebastião em 1560 que tinha povoado o país "com malfeitores que mais mereciam a pena de morte"; e que, se quisesse fazer algo de bom na colônia, que lhe enviasse "capitães honrados", isto é, homens de bem. Ao que parece, ainda estamos no mesmo compasso de espera, com a diferença de que os homens de bem não virão de outro lugar, precisam sair do meio de nós mesmos.

Creio que entendi melhor como somos. Como diz o título do livro, o Brasil não foi ocupado tranquilamente, e sim tomado por gente feroz, que unificou um imenso território com a fúria sanguinária do imperialismo sob a égide da Inquisição. Graças a esse substrato, diferente do restante da América Latina, o Brasil permaneceu unificado, enquanto a América espanhola se fragmentou.

O livro deve chegar às livrarias na primeira quinzena de abril, pouco antes do "descobrimento", como uma uma espécie de redescobrimento do país. Espero que esse esforço de compreensão possa fazer os leitores também enxergarem melhor o Brasil e a si mesmos, nosso comportamento individual e coletivo.

O Brasil é uma construção recente, e esse passado não está tão longe de nós: em seis séculos, ele está ainda, do ponto de vista histórico, logo abaixo da nossa pele. É preciso entendê-lo como mais um passo para podermos nos analisar e construir o país desejável, rico e ao mesmo tempo socialmente mais justo.


sábado, 28 de março de 2015

Meus amigos loucos

É bom ter amigos loucos; tenho vários. Não apenas porque me identifico com eles; eles me fazem pensar, abrem perspectivas novas, mesmo com coisas que parecem insanas.

Vejo uma correlação intensa entre a mente criativa e a vida desregrada, ou louca. Meus amigos mais loucos têm dificuldade de manter uma vida "normal". Não são de internar no hospício, pelo menos por enquanto, mas vivem em apuros.

Um deles é um amigo de colégio, a quem eu não via há muitos anos. Lembro de tê-lo visto pela última vez na estação do metrô, trinta anos atrás; usava uma roupa toda branca, como um pai de santo, dizia ter encontrado a "luz", não matar mais baratas e que tinha seguidores perto do campus onde tinha ido estudar Física.

Desapareceu por três décadas e muitos de nós, colegas de classe, eu inclusive, o julgávamos morto, de tal forma estava desaparecido. Reapareceu uns três meses atrás, bem vivo, dono de empresas em vários lugares, morando em outro estado, com quatro filhos de diferentes casamentos e uma biografia digna de filme.

Outro dia ele, ele me mandou do nada uma pergunta pelo what'sapp: você conhece o paradoxo de Fermi? Sim. O paradoxo de Fermi, formulado pelo grande cientista e pensador Enrico Fermi, é a estranheza de não haver vida perto da Terra, já que os mecanismos de criação da natureza são os mesmos em todo lugar.

Meu amigo faz a gente pensar. A meu ver, o paradoxo de Fermi não existe, ou melhor, não é um paradoxo; certamente há vida em outros lugares do universo, criados da mesma forma, talvez em condições semelhantes às da Terra. 

Recentemente, cientistas alemães disseram ter reproduzido em laboratório a "criação" da matéria orgânica, uma troca de calor em nível molecular que gera uma célula auto-reproduzível, a que chamamos de vida. O que está errado, para mim, é a noção de "perto". No universo infinito, uma galáxia distante pode ser "perto". Fermi não considerou a relatividade do espaço.

Isso me deu ideias para um romance, que já vinha acalentando desde que vi Lucy, o filme com Scarlett Johanson, a mulher que se torna um computador, como método de autopreservação da vida: o filme lembra que inteligência não é o que produz a mente, nem é mesmo necessariamente orgânica: o homem é um computador vivo, e poderia ser eterno se pudesse transportar sua mente para a natureza ou a máquina.

Esse talvez seja o sentido religioso da eternidade, como uma volta à natureza, uma forma maior de inteligência, da qual fazemos parte; a vida teria, portanto, um sentido mais amplo, parte de um conjunto que faz sentido; haveria uma "inteligência" da natureza, ou do próprio universo, a que podemos chamar de Deus.

Pensar diferente é ser um pouco louco? A loucura, nesse caso, é um contribuinte importante para a criação e a própria ciência. Pensar como já se pensou é a melhor maneira de chegar sempre ao mesmo lugar. Se queremos avançar, é bom termos um pouco de loucura, ao menos uma pitada a cada dia. Mesmo quando não dá resultado, é um pouco de saúde, faz a vida melhor.

terça-feira, 10 de março de 2015

Stanford e a receita para mudar o mundo

Em janeiro, visitei a Universidade de Stanford para escrever uma reportagem de encomenda da TAM nas Nuvens, revista de bordo da TAM, com a missão de entender porque saem de lá os jovens que fundam companhias como o Google e, dessa forma, têm mudado o planeta. E encontrei lá não apenas muitas boas ideias sobre educação como uma visão muito interessante sobre o processo de desenvolvimento do mundo atual.

Stanford não se resume à Business School, seu pedaço que chama mais atenção, por razões simples. Dali, saíram nos últimos anos empreendedores que fundaram companhias com um faturamento somado de mais de 300 bilhões de dólares, criadores de marcas como Cisco, Gap, Dolby, eBay, Linkedin, Netflix, Nvidia e Silicon Graphics. Phil Knight, fundador da Nike, em 2006 deixou diante da Business School a pegada de seus tênis numa placa de concreto, depois de doar 105 milhões de dólares à Universidade, misto de incentivo e agradecimento à escola que lhe deu instrumentos para fazer fortuna.

Apesar dessa vitrine, a escola de negócios apenas reproduz a mentalidade de Stanford em todas as áreas, da medicina à engenharia. Sua filosofia encaixou-se com perfeição no mundo moderno, porque na realidade é uma escola onde o ensino é justamente convencional e focado na liberdade de criação. O aluno não vai lá para receber informação, que adquire pela internet, nos livros ou outras fontes de consulta. vai discutir e debater ideias com colegas e professores e criar alguma coisa nova a partir disso.

Na Business School, há liberdade para se criar e testar projetos. A primeira pergunta que se faz ali a todos os alunos é: "como você acha que pode mudar o mundo?" Refletir e reunir forças sistematicamente com esse propósito é o que faz os alunos de Stanford literalmente recriarem o mundo. Os resultados dos egressos da universidade mostram que isso é bastante possível, ainda mais numa era em que a inteligência e o espírito criativo permitem a qualquer um construir uma fortuna a partir, literalmente, do mais puro pensamento.

Stanford tem uma mentalidade global, e eu diria mais, holística. Incentiva projetos interdisciplinares, alguns deles fomentados por gordas bolsas do governo americano, em áreas como cibernética e nanotecnologia, com alunos das mais diferentes áreas, da biologia ao Direito. Isso não tem apenas relação com a visão globalizada da tecnologia e dos mercados, e sim com o conceito amplo do conhecimento, que envolve todas as ciências, artes, países e épocas.

As obras de arte compradas a peso de ouro que decoram o campus, o museu rico em peças que fazem viajar por diversos países e toda a história da Humanidade, a própria arquitetura de Stanford representam essa construção histórica do conhecimento da qual ela se apropria para depois recriar tudo. Para completar, Stanford sedimenta o ideário de seu fundador, Leland Stanford, que enriqueceu com as ferrovias no tempo da expansão americana para o interior, e dava a força de fé cristã ao seu gosto pela riqueza. Como na passagem bíblica, que ele fez transcrever na parede da Memorial Church, marco zero do campus: “Uma nobre ambição está entre as mais úteis influências da vida estudantil, e quanto maior for a ambição, melhor. Nenhum homem trabalha bem a menos que possa falar de seu trabalho como o Grande Mestre falou do prazer colocado à sua frente.”

Stanford me lembrou uma frase de Bill Gates, entrevistado nas páginas amarelas de Veja. Quando o repórter lhe perguntou que conselho ele daria para que o Brasil pudesse produzir tecnologia de ponta, Gates respondeu, simplesmente: "Construam bibliotecas". O segredo do futuro está nas velhas verdades do passado, sobretudo a de que são as ideias que movem o mundo. Stanford, como instituição, as mantém e sabe praticá-las.

Para quem quiser ler a matéria completa, não precisa pegar o avião. Há uma versão online da revista (a matéria se encontra na pág. 122). Link:

http://www.tamnasnuvens.com.br/revista/site/