quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O fim da sociedade do ócio

O desafio da era contemporânea é preservar o sentido da coletividade sem perder a liberdade individual extrema que a era digital permite



O filósofo e economista André Gorz, em seu livro Adeus ao Proletariado, previa ainda na Década de 1980 que viveríamos numa "sociedade do ócio". A criação de facilidades com a computação doméstica e a industrial, onde a produção passou a ser feita por robôs, criaria riqueza e geraria mais tempo para o homem dedicar-se ao lazer e a si mesmo.

Não aconteceu nada disso. Claro, os robôs estão na fábrica, assim como os computadores pessoais estão não apenas em casa como agora no bolso dos cidadãos, mas não existe a sociedade do ócio. As corporações exigem agora que se responda a tudo imediatamente, fazendo tudo mais rápido, ao mesmo tempo, e por menos dinheiro. Uma solicitação por escrito pode e tem de ser respondida em tempo real.

Perdemos o direito de não sermos encontrados e de ter um tempo para nós mesmos. Antigamente, o trabalho não era tão selvagem. As pessoas ganhavam a vida sem tantas tarefas. Tinham menos pressa. Não sabiam pelo Facebook o que acontecia na vida dos outros. Vivíamos na sociedade do ócio e não sabíamos.

*
Claro que a frase anterior é de efeito e não retrata a realidade. A bem da verdade, a sociedade do ócio não aconteceu e não acontecerá jamais. O homem foi feito para querer sempre mais. É o único animal com capacidade e vontade de acumulação. É o único ser da natureza que junta mais do que o necessário para viver. É que tem noção de futuro, o conceito que impulsiona a necessidade da provisão.

O homem guarda para si, para a família, para o amanhã. Ou simplesmente para ter mais. Inventou o capital e a concorrência. A sociedade se amoldou ao processo cumulativo.

O ganho de capital aumentou ainda mais a desigualdade social. Na idade Média, o rico morava num castelo de pedra, mas andava a cavalo e comia pernil em cima do mesmo feno onde defecavam os cachorros. O pobre vivia numa cabana, mas andava a cavalo e comia pernil em cima do feno onde defecavam os cachorros. A geração de riqueza aumentou também a distância entre os que se aproveitam dela e os que são apenas explorados ou marginalizados.

A multiplicidade de seitas religiosas hoje parece querer compensar esse mundo agreste, criados por nós mesmos. Olhar o próximo com compaixão, pensar no outro generosamente e sermos solidários são formas de restabelecer não apenas nossa humanidade, como de pedirmos um pouco de clemência para nós mesmos. Nenhum homem é produtivo, cumulativo e auto-suficiente a vida inteira. Existem os seres dependentes, física e financeiramente. E todos ficam velhos.

É preciso pensar nos sistemas de saúde, que atendam não apenas os que têm dinheiro ou são capazes, mas os que simplesmente não podem ficar desassistidos. É preciso pensar nos problemas coletivos e oferecer nossa cota parte de trabalho individual em benefício do bem comum. Sabemos que uma sociedade com mais equilíbrio reverte seus benefícios também para os que mais contribuem com ela. O rico não pode passar a vida dentro de um muro cercado pela favela. Isso não é viver bem.

A compaixão é algo que devia ser incentivado nas novas gerações. O smartphone é o símbolo de uma era de extremo individualismo, em que cada um pode levar no bolso seu pequeno universo pessoal. Com um iphone, podemos não apenas satisfazer necessidades pessoais como nos relacionar com os outros.

Cada geração possui seus desafios, e a desagregação será com certeza um deles. A educação sempre tem como objetivo estabelecer comportamentos éticos coletivamente aceitos e isso se torna cada vez mais difícil numa cultura que permite e estimula a múltipla escolha.

Sem sombra de dúvida, a educação será o maior negócio do futuro. Dela dependerá o sucesso das Nações para se manter unidas e preservar sua organização e a força coletiva.

O individualismo é essencial para a existência humana, vocacionada para a liberdade, um direito inquestionável. O problema é como aprofundar a liberdade sem perdermos o sentido coletivo da Humanidade, que hoje parece tão ligada virtualmente, mas nos oferece universos absolutamente individuais e sem fronteiras.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

De autor a editor - e vice-versa



Como jornalista, me tornei editor muito cedo, aos 23 anos, quando trabalhava na revista Veja. Desde então, sempre ocupei cargos de chefia na imprensa, e me tornei publisher de revistas, como a Forbes, que formatei editorialmente para ser lançada no Brasil, em 2001, e dirigi durante seu primeiro ano.

Em 2003, deixei meu emprego na imprensa para me dedicar apenas a escrever. Foi uma forma de respirar, depois de exercer cargos executivos desde tão cedo. Durante oito anos, vivi apenas de livros, a começar pelo lançamento da biografia best seller de Rolim Adolfo Amaro, fundador da TAM (O Sonho Brasileiro, 2003), seguida por bem sucedidos livros de ficção (A Quinta Estação, 2005, Campo de Estrelas, 2007, e Amor e Tempestade, 2009). Durante esse tempo, não deixei completamente a imprensa. Escrevi para revistas como Estilo, Playboy e Veja São Paulo, onde fui convidado a fazer um trabalho especial, o perfil dos vencedores do Prêmio Paulistanos do Ano, em suas duas primeiras edições. Boa parte desses perfis foi também republicada em um livro, Eles Me Disseram (Saraiva/Versar, 2008).

Em novembro de 2009, aceitei um convite da Editora Saraiva para reunir minha experiência como autor e editor num desafio único no mercado: desenvolver a área de ficção e não ficção da empresa que tem como co-irmã a maior rede de livrarias e o maior site de comércio eletrônico de livros da América Latina. Deixei de ser um violinista no telhado para reger novamente uma pequena orquestra. Aprendi muito e fiquei bastante satisfeito com os resultados da missão.

Em três anos e quatro meses, um período relativamente curto para o mercado, a Saraiva passou a frequentar com seus livros o palco central do mundo editorial no Brasil. Fizemos alguns best sellers, como o livro de memórias de Ozzy Osbourne, e trouxemos para a Saraiva as principais obras de um best seller brasileiro, Paulo Coelho, que pela primeira vez fez também um livro para crianças (Fábulas, 2011).

Com a criação do selo Benvirá, um nome que extraí de um velho disco de Geraldo Vandré (inventor das imaginárias “Terras do Benvirá” e da “Capitania de Vanmar”), a Saraiva começou a vender com mais liberdade suas obras não somente para a rede própria, como para todas as outras redes e livreiros independentes do Brasil. Para consolidar a marca, instituímos o Prêmio Benvirá de Literatura, que começou com um recorde de inscrições (1.932) em concursos literários no Brasil. O ganhador, o estreante Oscar Nakasato, um professor de português de Apucarana, no Paraná, arrebatou ano passado, com o mesmo livro, Nihonjin, o Jabuti de Melhor Romance - o prêmio mais importante do mercado brasileiro.

Com o Benvirá, demos oportunidade a vários autores estreantes, revelações como Lívia Brazil, Alessandro Thomé, Benedito Costa Neto, Raphael Montes. E essa história continua. Com a segunda edição do Prêmio, que paga 30 mil reais de dotação, o tradutor e professor da USP Luis Sérgio Krausz, recém anunciado vencedor, além de ser reconhecido no meio acadêmico e intelectual, poderá receber também o impulso comercial e de marketing para lançá-lo entre os grandes autores brasileiros. Mais uma dezena de originais oriunda do Prêmio está sendo negociada para a publicação. Entre os finalistas, estão cinco autores inéditos, que vão ganhar o mercado graças ao concurso.

Tivemos espaço também para a não-ficção nacional, do best seller A Dieta Gracie à reedição de livros importantes de História, como 1961 – O Brasil entre a Ditadura e a Guerra Civil, de Paulo Markun e Duda Hamilton. Não esqueci também o jornalismo em livro, com a publicação de reportagens contemporâneas, como Dias de Inferno na Síria, a saga do repórter brasileiro Klester Cavalcanti, preso no país da guerra mais cruel do nosso tempo, e As Melhores Frases em Veja.

Construímos para a Saraiva um catálogo que garante boas vendas também no médio e longo prazo, com autores clássicos como Patricia Highsmith, William Faulkner, John dos Passos, Hermann Broch, José Donoso. A eles se juntam autores contemporâneos de qualidade, cuja obra certamente vai perdurar, como o romancista britânico Rana Dasgupta, o ensaísta mexicano Enrique Krauze, o historiador israelense Schlomo Sand e o professor de ciência política Joseph Nye - alguns dos intelectuais mais importantes da atualidade.
A Benvirá participou das últimas três Flips com cinco autores. Demos um brilho novo à festa com as “Musas da Flip”: primeiro, a cubana Wendy Guerra, depois a argentina Pola Oloixarac, que conquistaram um grande público não apenas pela beleza propalada pela imprensa em Paraty, como pela qualidade de sua ficção. E fizemos barulho, com eventos como a “festa Cubana” em homenagem a Wendy Guerra, ou o desfile do dragão chinês e do cantor de kabuki em Paraty, ano passado, para promover o livro de Zoé Valdés, A Eternidade do Instante, sobre um chinês em Cuba.

Ao mesmo tempo em que trouxemos autores internacionais, abrimos caminho para vender os autores nacionais fora do Brasil. Numa iniciativa inédita para uma editora brasileira, elaboramos um catálogo internacional, em inglês, e constituímos Luciana Villas Boas agente da Benvirá para vender as obras de nossos autores no exterior. O que, esperamos, renderá os primeiros frutos agora nas feiras de Londres e Frankfurt. Vendemos os direitos de livros de nossos autores para o cinema e abrimos largo espaço na mídia para nossas obras. Pela primeira vez a Saraiva viu livros da editora ocuparem espaço nobre na imprensa, como a capa dos cadernos de cultura da Folha de S. Paulo, Estadão e o Globo, além de reportagens extensas nas principais revistas semanais.

Claro que por trás de todas essas iniciativas esteve sempre a minha vontade de fazer pelos autores tudo aquilo que eu, como autor, gostaria que as editoras fizessem por mim. O autor brasileiro carece de um trabalho mais individualizado, que o ajude a construir de fato uma carreira. O autor brasileiro comercialmente mais bem sucedido, Paulo Coelho, teve que se virar sozinho quando lançou seus primeiros romances, chegando a dizer que voava e fazia chover (a mística do “mago”, a imagem que o ajudou no começo, e hoje, no Brasil, lhe custa um pouco caro).

Hoje Coelho pode dizer que vendeu mais de 150 milhões de livros porque não dependeu jamais de um editor brasileiro. Na verdade, ele sempre teve a seu lado uma bruxa de verdade, a agente Mônica Antunes, uma mulher extraordinária de quem tive a felicidade de ficar amigo. Mônica se dispôs a representar Coelho quando ele não havia vendido ainda, no Brasil, mais que 500 exemplares. Certa vez, perguntei a Mônica como ela tinha conseguido vender os direitos dos livros de Coelho em mais de 150 países. E ela me respondeu, com sua funcional simplicidade: “Batendo de porta em porta”.

Nos três anos em que estive na Saraiva, bati também de porta em porta: na porta dos agentes, dos livreiros, dos jornalistas, dos eventos literários. A área de ficção e não ficção, incluindo a dos livros infantis com o selo Caramelo, teve seu faturamento multiplicado por quatro. Se tudo está tão bem, por que sair, agora? Porque ainda sou autor e o apelo de voltar à vida de violonista no telhado é muito forte. Quero voltar a escrever, especialmente meus livros, na imprensa e também aqui.

Para minha tranquilidade, e da Saraiva também, deixo uma equipe muito competente, liderada agora por Rogério Alves, que foi diretor editorial da Planeta, um conhecedor do livro e do mercado. Sujeito que acorda cedo, Rogério é um trabalhador diário e astuto que move a equipe com seu singelo e simpático mote, repetido em tudo o que faz: “Vamo que vamo!” Com a editora Débora Guterman e uma equipe que deixará saudades para mim, estou certo de que ele fará um trabalho ainda melhor do que eu seria capaz.
Desejo toda a sorte a Rogério e à equipe da Benvirá, bem como a todo os nossos autores. A eles agradeço a confiança em mim depositada e os resultados até aqui. Espero que eles possam enfrentar os desafios internos que existem em todas as corporações e os externos, não apenas os de mercado como os trazidos pelas mudanças da era digital. Estou certo de que a Saraiva, como as demais editoras brasileiras, saberá encarar mais esta fase não como um problema, mas como a abertura de novas oportunidades. Dessa forma é que se poderá preservar não apenas a essencial função do editor como a própria cultura brasileira.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Prêmio Benvirá: por que não são anunciados os finalistas

Os motivos para manter certo sigilo em um concurso que vai além do nome vencedor



Muita gente pergunta por que a Editora Saraiva não anuncia os finalistas do Prêmio Benvirá. Explica-se.

Não se obriga, pelo regulamento, a divulgação da lista dos finalistas. Na verdade, não existem "finalistas", no sentido estrito, e sim uma pré-seleção de 10 originais, feita por nós, a equipe editorial, para auxiliar os jurados na escolha. Com um volume de 1.505 inscritos, seria difícil para apenas três pessoas examinar tudo o que chegou. Contamos para a pré-seleção com um software muito bem feito, que nos permite examinar a sinopse e o original e deixar nele uma bandeira - "em análise" (amarelo), pré-aprovado (verde), aprovado (azul) ou reprovado (vermelho). Depois, pode-se capturar somente os arquivos estabelecidos como "pré-aprovados" e, por fim, "aprovados". Sem tal programa, seria impossível fazer a seleção de forma tão criteriosa e num prazo tão curto.

Os dez finalistas, portanto, não são finalistas no sentido formal. Os jurados têm acesso à lista completa de inscritos, com seu perfil e a sinopse dos livros. Somente a leitura da compilação de nomes, perfis e sinopses de 1.505 participantes equivale a ler um livro do tamanho de Guerra e Paz, consumindo dos jurados um bom tempo. A partir dessa lista, eles podem pedir vistas de qualquer original. Luis Brás, por exemplo, pediu para ver cinco obras que não estavam na lista de dez (depois de examinar os cinco, ficou com os dez que havíamos pré-selecionado). Anna Maria Martins também pediu vistas de mais dois originais, além dos que lhe entregamos (e também os eliminou em seguida). Isso serviu para reforçar a confiança que a equipe de jurados tem na pré-seleção. E assim eles puderam se dedicar mais à leitura dos manuscritos que passaram pela nossa peneira.

O trabalho da equipe editorial garante que todos os originais sejam examinados, mesmo aqueles de autores que não sejam conhecidos pelos jurados. A lista de dez reflete o que acontece na prática: havia 5 autores estreantes, e outros cinco selecionados entre autores já publicados por grandes editoras, a maioria deles já vencedores de outros prêmios, incluindo o Jabuti.

Existem outros motivos para não se divulgar os finalistas. Muitos dos originais são tão bons quanto o vencedor. Na escolha de qualquer prêmio, infelizmente o vencedor só pode ser um. Às vezes é uma escolha entre obras muito parelhas. Por isso, sempre defendi a ideia de que seria injusto revelar as outras obras, que não podem ser vistas como "perdedoras" num processo que sempre tem algo de subjetivo. Elas têm muita qualidade e eventualmente podem serem consideradas tão ou mais "comerciais" quanto a obra ganhadora.

Por fim, os autores publicados por grandes editoras que chegaram perto de vencer o prêmio não teriam a ganhar com esse tipo de divulgação - pelo contrário, talvez se sentissem desprestigiados por aparecer numa lista de quem tentou e não chegou lá. Qualquer lista, para ser divulgada, precisaria de uma consulta prévia aos participantes. E basta um deles não concordar com a divulgação da lista, para que não faça mais sentido ela vir a público.

Quando propus à Editora Saraiva levarmos adiante o prêmio, pensava não apenas promover a literatura como levantar originais inéditos de qualidade, de autores publicados ou não. Por acompanhar as negociações, observo que mesmo os autores já publicados têm interesse em ver seu livro publicado com o selo Benvirá. Todos os autores que foram pré-selecionados pela equipe editorial, com originais excelentes para publicação, em princípio interessam.

Aos poucos, a lista dos "finalistas" vai naturalmente aparecer no calendário de lançamentos da Benvirá, que vai lhes dar tanta importância quanto ao vencedor do Prêmio. E espero que ambos, autores e editora, venham a colher os frutos de todo esse esforço: os autores, por escrever e participar; a editora, pelo investimento e todo o trabalho que envolve a premiação. A todos, desejo o que se pode desejar de melhor, nesse caso: o reconhecimento pelo sucesso do livro no mercado.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Prêmio Benvirá: o vencedor (e outros ganhadores)


Na última sexta-feira, dia 15, reuniram-se a portas fechadas na sede da Editora Saraiva, em São Paulo, os integrantes da comissão julgadora do 2o. Prêmio Benvirá de Literatura: Anna Maria Martins, escritora, membro da Academia Paulista de Letras e da curadoria do Prêmio Jabuti, Luis Brás, nome agora adotado pelo escritor e jornalista Nelson de Oliveira, e José Luiz Goldfard, curador do Prêmio Jabuti. Em uma reunião de cerca de 1 hora, discutiram os originais selecionados a partir das 1.505 inscrições no prêmio, em especial os 10 indicados pelos editores da Saraiva que, num trabalho de apoio à comissão, examinaram exaustivamente o vasto material enviado ao concurso por meio do site www.benvira.com.br.

Depois que o vencedor da primeira edição do Prêmio Benvirá de Literatura, Oscar Nakasato, ganhou ano passado também o Jabuti de Melhor Romance, a responsabilidade dos jurados já havia aumentado bastante. E a escolha se tornou ainda mais difícil pelo alto nível dos participantes. Entre eles, havia não apenas estreantes, como também autores que já venceram outros prêmios, como o próprio Jabuti, e são publicados por algumas das melhores editoras do país.

Por margem apertada na preferência dos jurados, saiu vencedor "Deserto", de Luis Sérgio Krausz. Tradutor de literatura alemã e hebraica, além de professor de Literatura Judaica e Hebraica na Universidade de São Paulo, Krausz é um intelectual respeitado no meio acadêmico e literário. Não é exatamente um estreante: já teve publicados um romance (Desterro: Memórias em Ruínas, de 2011) e uma obra ensaística (Passagens: Literatura Judaico-Alemã entre Gueto e Metrópole). Porém, com o prêmio Benvirá, terá pela primeira vez a oportunidade de ver um livro seu publicado por uma editora com força comercial, além de ter ao seu lado o poder de divulgação que o próprio prêmio oferece.

O resultado foi anunciado oficialmente ontem, e Krausz receberá a dotação em dinheiro de 30 mil reais em maio, junto com o lançamento do livro e a cerimônia de remiação. Além dele, existem muitos outros ganhadores com mais esta edição do Benvirá, que tive a satisfação de criar e dar impulso, graças ao apoio da Editora Saraiva. A começar pela própria Editora e os dez finalistas, que já estão sendo convidados a publicar suas obras - de gêneros diversos, mas com alta qualidade e que tinham potencial para ganhar não só este prêmio como outros dos quais ainda poderão participar, agora na condição de autores publicados.

Acredito ainda que todos os participantes ganham em um prêmio como esse. Ele obriga ao esforço de lapidação do texto, à reflexão e a um aprimoramento técnico essenciais para que todos possam continuar a escrever com a meta de publicação e participação em outros concursos. Por fim, ganha a cultura brasileira, que tem hoje no Prêmio Benvirá um estímulo oriundo de um selo editorial voltado não somente para a difusão da cultura brasileira pela via acadêmica ou governamental, mas sobretudo de mercado.

Neste dia 28 de fevereiro, estou deixando a Saraiva para outros desafios pessoais. Estou inaugurando três selos editoriais para a publicação de livros digitais, o Copacabana (Ficção), País do Futuro (Não Ficção) e Bicho da Letra (infantil) e retomo uma posição na imprensa, que nunca abandonei, como diretor de redação da revista Playboy. Saio satisfeito pela consolidação do Benvirá como um dos prêmios literários mais importantes do país, além da publicação de alguns livros vendedores e a formação de um respeitável catálogo na Saraiva, que hoje tem autores importantes, uma participação efetiva em eventos como a Flip e uma estrutura para vender bem livros não apenas no mercado nacional como no internacional - tarefa muito importante para os editores brasileiros e a cultura nacional.

A todos que participaram do prêmio, e não ganharam, nem estão sendo publicados ainda, fica minha mensagem final, enviada agora que estou voltando também ao posto de autor brasileiro: continuem em frente. Escrever depende do esforço contínuo de aprimoramento. E é uma atividade essencial, não para se ganhar prêmios ou abandonar aquele emprego chato com o sonho de se tornar escritor, mas para a reflexão, a contribuição para a sociedade com as nossas ideias e a difusão do maior valor que temos no Brasil: o brasileiro e aquilo que ele pensa e ele é.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

"Pai, tenho sede"

Os desafios da educação na era digital



As crianças hoje querem tudo rápido, e para ontem.
André, 6 anos, no carro.
- Pai, quero água.
- Não tem.
- Quero água.
- Não tem, por duas razões. Uma, porque não tem. A segunda, porque não é assim que se pede.
- Por favor, você podia me dar água?
- Filho, você resolveu a segunda razão, mas ainda tem a primeira. Não tem água. Espere até chegarmos em casa.
*
Vão dizer: ah, André tem apenas seis anos.
Vejamos Lucca, 12 anos, no mesmo dia, dentro de outro carro, indo de São Paulo a São José.
- Mãe, estou com sede.
(Silêncio da mãe).
- Estou com sede!
- O que você acha que eu posso fazer a respeito?
Lucca pensa um pouco.
- Poderia me informar quanto tempo a gente ainda leva para chegar em casa?
*
A indústria da informação está acostumando toda uma geração a ter tudo instantaneamente, ao toque de um botão.
É uma geração completamente diferente da de meus avós, meus pais e da minha própria geração. Meus avós vinham da Segunda Guerra, um tempo em que era importante administrar a escassez. Não ter as coisas era normal. E era preciso estar preparado para a falta das coisas.
Eu não vi o tempo da guerra mundial, mas conheci a escassez de outros tempos e outras guerras. Quando era criança, a TV era preto e branco e tinha apenas 4 canais. Custava a ligar e formava a primeira imagem só depois que esquentavam as válvulas. Não havia produto importado no Brasil. Não se podia escolher muita coisa. Nem mesmo os governantes, pois reinavam os prepostos da ditadura militar em todas as esferas: municipal, estadual e federal. Meu pai, que vinha da esquerda, quando nasci perdera o emprego, tinha amigos presos, naquele tempo tudo podia acontecer.
A economia era quase soviética, resultado do nacionalismo militarista que fechara xenofobicamente as portas do Brasil para qualquer coisa que viesse de fora. Andar de avião era raro e caríssimo. Minha mãe coibia o uso do telefone, que era para conversas rápidas e de emergência. Telefone custava caro e a ligação internacional, além de caríssima, era difícil.
Na Casa Verde, onde morei parte da minha infância, com frequência faltava água. Por isso, no quintal da minha casa, havia um alçapão que dava para um reservatório de emergência. No verão, eu gostava de me enfiar pelo buraco e ficar lá dentro me refrescando.
Era preciso estar preparado para a privação. Na verdade, eu nem via essa situação como de privação. Eu tive de aprender a esperar. Até mesmo para beber água.
*
É preciso ser duro para sobreviver. Muitas vezes tentei demonstrar ao João, hoje com 16 anos, que nem sempre o caminho mais fácil é o melhor. Como no videogame, para ele o melhor era sempre cortar caminho, trapacear, usar todos os recursos disponíveis pelo jogo para ganhar. Não entendia por que eu não fazia o mesmo. E eu queria ganhar sem apelar para os truques que o jogo proporcionava.
Muitas vezes pensei que era inútil tentar lhe mostrar o valor do trabalho, da necessidade do empenho, e que a maneira como fazemos as coisas é tão importante quanto o resultado. Acho que ele nunca me compreendeu muito bem. Talvez, quando ficar mais velho e tiver outras experiências.
*
Qual é a validde de sabermos fazer na caneta as operações matemáticas se a calculadora faz isso por nós? Quando eu era estudante, usar a calculadora em sala de aula era proibido. Creio que isto era para estimular o raciocínio matemático, mas esse ganho abstrato parece coisa do passado. Hoje as crianças usam não apenas a calculadora como todas as informações disponíveis na internet. Isso não quer dizer que não exercitem o pensamento. Ele é estimulado por questões mais avançadas do que fazer de cabeça as quatro operações. As crianças já não partem mais de questões elementares. Já começam mais avançadas, embora isso me faça às vezes pensar que lhes faltam algumas noções elementares.
Hoje muitos alunos tendem a estar mais bem informados que o professor em um ou outro assunto. Podem questioná-lo. Qual o sentido então da educação hoje? Estaremos formando uma geração melhor?
*
Na medida em que ficamos mais velhos, tendemos sempre a acreditar que o passado era melhor e tinha melhores ensinamentos. A percepção de que as novas gerações tendem ao comodismo não é novidade. Meu pai não tinha televisão na infância – um privilégio que só conquistou depois de casado e com um filho pequeno. Eu acordava às sete da manhã para ver Regina Duarte, ainda uma adolescente, apresentando os desenhos matinais: Pepe Legal, a Tartaruga Touché, Dinguelinguelingue, o Coelho Ricochete, além do meu favorito, o gato Manda-Chuva, um vagabundo muito simpático que morava dentro de uma lata de lixo. Meu pai bem poderia dizer que minha vida era cômoda e que eu devia sair da frente da televisão para viver a vida de verdade (acho que dizia).
Ele não deixou de ser também, para seu tempo, um privilegiado. Era a única criança de sua classe, na cidade de São Roque, que possuía um par de sapatos. Envergonhava-se deles – deixava-os em um buraco na estrada, a caminho da escola, para não ser discriminado entre os colegas que andavam de pé no chão. Ao voltar para casa, depois da escola, apanhava os calçados de volta no buraco onde os deixara, para chegar em casa calçado. Não queria desapontar meu avô Guaracy, seu pai, que se orgulhava de poder dar sapato ao filho mais velho. E, sem ser sapateiro, os consertava pessoalmente, quando davam no prego.
*
As gerações futuras terão de cultivar os velhos princípios de alguma forma. Já nascerão em cima de um tênis com solado amortecedor, poderão assistir qualquer coisa na TV em qualquer lugar a qualquer hora, não perderão tempo fazendo contas elementares na caneta, mas terão outros desafios, a partir daí. Não reinventarão a roda, mas terão de inventar algo novo a partir do que já está feito. Terão confortos que não existiam antes, mas terão de conquistar novos benefícios que ainda não existem.
Ainda acho que o despojamento dá têmpera ao ser humano, mas não é a condição principal para isso. Existe gente completamente despojada sem nenhuma força de vontade para melhorar de vida; tornam-se simplesmente acomodados. Meu filho André quer água na hora, mas é também persistente, tenaz, não desiste, muitas vezes além da conta. Quer as coisas de imediato, e não descansa quando não as obtém. Não aceita “não” como resposta. Para um pai, isso ás vezes é infernal e mostra a necessidade de implantar um pouco de equilíbrio num cérebro fervilhante. Mas acho melhor isto – segurar um garoto radioativo – do que ter de empurrar uma criança inapetente.
André é rápido de raciocínio e sensível. Ainda não sabe ler e escrever direito, mas desenha muito bem e realiza diversas operações no ipad. Tem memória prodigiosa e é muito cioso do que acredita ser a lógica. Questiona e enfrenta adultos, tanto moral quanto intelectual e, por vezes, até fisicamente. Não tem aquela postura obediente da criança de antigamente. Orientá-lo é um desafio, que requer o melhor de mim, como adulto.
Fico imaginando o futuro do ser humano, a partir do meu filho. Tento lhe ensinar o valor de saber esperar, sem lhe tirar o ímpeto e a rapidez do ambiente em que é criado - não por mim, mas pelo mundo ao nosso redor. Parece um mundo mais rápido, agressivo, implacável. Mas eu vejo no meu filho, também, algo da antiga humanidade. Como no dia em que, aos três anos, passando por um mendigo deitado na rua, me perguntou se não poderíamos levá-lo para casa e lhe dar cama e comida.
Sei que o mundo dará ao André os instrumentos para sobreviver na era da informação. Acho que a tarefa da educação, porém, continua a mesma: fazer com que nossas crianças, além de gente do seu tempo, sejam também gente de todos os tempos. E que pensem nos outros, respeitem o bem coletivo e conheçam os limites, inclusive do tempo – tudo aquilo que permite a coexistência na vida em sociedade.
*
- Papai, posso jogar videogame?
- Agora não, filho.
- Por que não?
- Porque... não. Vai ver um pouco como está o mundo lá fora.
- Está chovendo, pai.
- Então vai fazer outra coisa.
- Posso jogar no seu celular, pai?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Havana (De Caixa de Amor)

O mar bate no rosto
Da cidade abandonada
O asfalto traz o gosto
De tristeza muy salgada

As sombras das ruínas
Cobrem as ruas desertas
Não há placas nas esquinas
Onde as vidas são incertas

O tempo aqui engana
Faz eterno o que acabou
O vento sopra a velha Havana
Como alma que passou

Só o amor entre escombros
Alivia as minhas tristezas
Faz mais leves os meus ombros
Deixa as luzes mais acesas

Um aperitivo de Caixa de Amor e Matar saudade, agora à venda como livro digital).
http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4692695/caixa-de-amor-e-de-matar-saudade/

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A breve história do Papa Cuco


Quando esteve no Brasil, hospedado no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, o Papa Bento XVI ganhou dos repórteres que davam plantão na praça o apelido de "Papa Cuco". Animado com a multidão reunida debaixo da sacada da janela no quarto onde se hospedava, ele voltou diversas vezes para ouvir a manifestação da multidão que cobria o largo de S. Bento, para chateação dos jornalistas que, lá embaixo, esperavam que ele fosse enfim dormir para também ir embora. Cada vez que o Sumo Pontífice aparecia na janelinha, com aquele sorriso de quem estava gostando da bajulação toda, dava a impressão de estar marcando as horas, como num relógio de parede. Resultado, lhe pregaram o epíteto.

Conto essa história para dizer que o Papa Cuco será muito mais lembrado pelas suas esquisitices anedóticas do que por algo mais palpável no comando da Igreja. A maneira como ele comunicou sua renúncia, esta semana, é o ponto culminante da breve trajetória desse Papa insólito, até simpático, mas meio desastrado, que em nenhum momento correspondeu à mitra dourada ou sequer ao rústico cajado de um líder espiritual.

Ao desmentir a si mesmo no passado, Bento XVI já havia colocado em xeque a famosa "infabilidade" papal - um mito que a Igreja Católica faz questão de preservar.
Agora, com seu pedido de demissão, alegando "falta de forças" para continuar no cargo, Bento XVI lança um enigma sobre a comunidade católica. Como muitos outros papas em condições físicas muito piores saíram do Vaticano somente dentro do caixão escarlate, pergunta-se se não haveria algo ainda mal explicado na sua saída. Quem se lembra do escândalo do Banco Ambrosiano sabe que não seria a primeira vez se houvesse algo mais entre o Céu e a terra do Vaticano do que supõe a vã filosofia.

Quando foi escolhido, o cardeal Ratzinger tinha uma imagem bastante diferente da que deixa na saída. Dizia-se que ele era um sábio ardiloso que na prática já comandava o Vaticano, como uma espécie de eminência parda nos últimos anos do então já realmente fisicamente enfraquecido João Paulo II, falecido em 2005. No exercício do cargo, em lugar do Maquiavel de batina, Bento XVI variou entre um certo deslumbramento com o próprio cargo, como no Largo do São Bento, e certa incapacidade de encarar as grandes questões do catolicismo, que assiste hoje uma distância cada vez maior entre seu discurso e a prática cotidiana de seus acólitos.

Enquanto todos perguntam quem será o novo Papa, fico pensando em quem será o velho Papa: um homem diante do dilema de ter às mãos uma máquina sobre a qual não tem controle, impotente diante da necessidade de mudanças em uma estrutura monolítica, ou apenas um homem que perdeu, se não a fé em Deus, a fé em si mesmo? Por que não poderia um Papa simplesmente desistir, como ser humano que é, assim como nós pedimos demissão de um emprego que no começo parecia tão bom mas, com o tempo, se revela um pé no saco?

Sem ter feito nada de especial, o Papa teve seus momentos de glória, na sacada do largo de S. Bento, e em algumas outras ocasiões. Poderia ter desfrutado do cargo até o final, assim como Jânio Quadros, que em 1961 renunciou à presidência do Brasil falando em "forças" estranhas que jamais foram identificadas. Quem sabe sua renúncia seja, em vez de algo desapontador, prova de uma virtude que não é somente de desapego, mas de humanidade. Bento XVI é hoje apenas o retrato vivo e representativo de uma entidade poderosa que se encontra perplexa. E sai de cena em meio à perplexidade, deixando a cada um a tarefa de juntar as certezas que nos restam.