sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Maguila e a derrota de uma nação

O ex-pedreiro​ Adílson "Maguila​" Rodrigues lutou a vida inteira. Para chegar ao boxe e ter uma oportunidade melhor. Lutou no boxe. E lutou depois, contra as consequências do boxe.

É triste um homem ter que entrar numa rinha de galo para poder levar comida para casa. Eu já fui fã de boxe, por justamente expor de forma explícita  a luta humana, como um esporte. Hoje, só não desprezo mais que o MMA, que está ainda mais perto da selvageria e, creio, a incentiva. 

A normalização da violência faz com que seja preciso cada vez mais violência, para chamar a atenção, ganhar audiência. Estamos voltando, em plena era tecnológica, ao Circo Romano.

Numa era em que a luta deve ser contra a luta, isto é, pela paz, qualquer demonstração de incivilidade me parece que vai na direção contrária do que deveria ser a história.

Pobre Maguila, vítima de um tempo em que a brutalidade é normal. Em vez de acabar com a pobreza, matamos. Sobretudo os que mais precisam do apoio  da sociedade.

Não haverá civilização digna desse nome  enquanto alguém precisar usar os punhos para ganhar a vida. Não haverá nação que mereça este nome enquanto houver guerra. Não importa se os mortos são crianças, mulheres, velhos ou soldados. Soldados foram crianças, e serão velhos, se sobreviverem. Nenhuma morte se justifica.

Só há no mundo uma guerra justa: é pela educação. Maguila dizia, com orgulho, que era pobre e ignorante, como um vencedor que veio de baixo. Sua humildade e seu português claudicante, confundidos com simplicidade, foram sua marca. Porém, essa marca não é a da vitória esportiva ou pessoal. É a do atraso. 

Ao morrer, aos 66 anos, depois de sofrer muito tempo com as sequelas dos golpes que levou na cabeça, para mim Maguila infelizmente não é um herói do esporte. Simboliza apenas a estupidez e  a desumanidade.

A morte de Maguila é a derrota de uma Nação. Que sirva para cada um refletir sobre o que gosta de ver, o que apoia, o que crê, o que quer de um país,  ou para seus filhos. A sociedade é feita de cada um de nós: criança, mulher, velho, soldado.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Olivetto e o negócio do prazer

Certa vez, na revista VIP, que eu então dirigia, pedi a Washington Olivetto que escrevesse um roteiro do que gostava de fazer em Nova York. Ele escreveu um texto com uma série de endereços do que havia experimentado na cidade - e que considerava não o melhor de Nova York, mas do mundo. Assim, o hambúrguer do Broome Street Bar (que comi muitas vezes, depois, quando morei lá) não era apenas o melhor hambúrguer de Nova York, mas do planeta, feito na brasa, na grelha, servido dentro de um saquinho de pita bread. E não havia outro igual, até porque tinha de ser comido naquela esquina ali, e só ali.

O melhor do mundo era o do mundo de Washington, porque seu negócio era dizer o que era melhor - e a partir de certa altura, o que ele dizia, ficava sendo. Essa inclinação para indicar o melhor vinha do seu interesse pela vida, fonte da inspiração legendária daquele que foi considerado o melhor redator de publicidade do Brssil de todos os tempos - e depois um dos maiores donos de agência também.

Ele gostava da vida, o que o levava a se interessar pelas coisas, pelas ideias, pelas pessoas - profundamente. Essa vida vivida intensamente e a busca pelo maravilhoso ou especial é a fonte de toda criação, aplicada aos mais variados assuntos - qual o melhor sutiã para adolescentes, por exemplo, ou a melhor palha de aço.

Assim Washington colecionou leões de ouro, fama, dinheiro, mas principalmente  amigos: conquistou a vida. Mostrou que o cuidado e o interesse por tudo está por trás da qualidade e que o sucesso profissional vem mais fácil quando você apenas está desfrutando a vida. Gostava de tudo, de música (W/Brasil nasceu junto com a música de Jorge Ben Jor e as trilhas eram a alma dos comerciais) à literatura, comida, os hotéis, o cinema, enfim, tudo o que enriquece e dá mais valor à vida.

Washington faleceu domingo passado e é com pesar que escrevo, sentindo já sua falta: aquele jeito de sorrir com um nariz enrugado, o cabelo sempre despenteado de professor maluco, a cabeça girando a mil. O estilo era dele, mas o jeito de fazer bem, como extensão do prazer da vida, essa é a propaganda que ele fez de si mesmo e vai durar para sempre.

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