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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

De autor a editor - e vice-versa



Como jornalista, me tornei editor muito cedo, aos 23 anos, quando trabalhava na revista Veja. Desde então, sempre ocupei cargos de chefia na imprensa, e me tornei publisher de revistas, como a Forbes, que formatei editorialmente para ser lançada no Brasil, em 2001, e dirigi durante seu primeiro ano.

Em 2003, deixei meu emprego na imprensa para me dedicar apenas a escrever. Foi uma forma de respirar, depois de exercer cargos executivos desde tão cedo. Durante oito anos, vivi apenas de livros, a começar pelo lançamento da biografia best seller de Rolim Adolfo Amaro, fundador da TAM (O Sonho Brasileiro, 2003), seguida por bem sucedidos livros de ficção (A Quinta Estação, 2005, Campo de Estrelas, 2007, e Amor e Tempestade, 2009). Durante esse tempo, não deixei completamente a imprensa. Escrevi para revistas como Estilo, Playboy e Veja São Paulo, onde fui convidado a fazer um trabalho especial, o perfil dos vencedores do Prêmio Paulistanos do Ano, em suas duas primeiras edições. Boa parte desses perfis foi também republicada em um livro, Eles Me Disseram (Saraiva/Versar, 2008).

Em novembro de 2009, aceitei um convite da Editora Saraiva para reunir minha experiência como autor e editor num desafio único no mercado: desenvolver a área de ficção e não ficção da empresa que tem como co-irmã a maior rede de livrarias e o maior site de comércio eletrônico de livros da América Latina. Deixei de ser um violinista no telhado para reger novamente uma pequena orquestra. Aprendi muito e fiquei bastante satisfeito com os resultados da missão.

Em três anos e quatro meses, um período relativamente curto para o mercado, a Saraiva passou a frequentar com seus livros o palco central do mundo editorial no Brasil. Fizemos alguns best sellers, como o livro de memórias de Ozzy Osbourne, e trouxemos para a Saraiva as principais obras de um best seller brasileiro, Paulo Coelho, que pela primeira vez fez também um livro para crianças (Fábulas, 2011).

Com a criação do selo Benvirá, um nome que extraí de um velho disco de Geraldo Vandré (inventor das imaginárias “Terras do Benvirá” e da “Capitania de Vanmar”), a Saraiva começou a vender com mais liberdade suas obras não somente para a rede própria, como para todas as outras redes e livreiros independentes do Brasil. Para consolidar a marca, instituímos o Prêmio Benvirá de Literatura, que começou com um recorde de inscrições (1.932) em concursos literários no Brasil. O ganhador, o estreante Oscar Nakasato, um professor de português de Apucarana, no Paraná, arrebatou ano passado, com o mesmo livro, Nihonjin, o Jabuti de Melhor Romance - o prêmio mais importante do mercado brasileiro.

Com o Benvirá, demos oportunidade a vários autores estreantes, revelações como Lívia Brazil, Alessandro Thomé, Benedito Costa Neto, Raphael Montes. E essa história continua. Com a segunda edição do Prêmio, que paga 30 mil reais de dotação, o tradutor e professor da USP Luis Sérgio Krausz, recém anunciado vencedor, além de ser reconhecido no meio acadêmico e intelectual, poderá receber também o impulso comercial e de marketing para lançá-lo entre os grandes autores brasileiros. Mais uma dezena de originais oriunda do Prêmio está sendo negociada para a publicação. Entre os finalistas, estão cinco autores inéditos, que vão ganhar o mercado graças ao concurso.

Tivemos espaço também para a não-ficção nacional, do best seller A Dieta Gracie à reedição de livros importantes de História, como 1961 – O Brasil entre a Ditadura e a Guerra Civil, de Paulo Markun e Duda Hamilton. Não esqueci também o jornalismo em livro, com a publicação de reportagens contemporâneas, como Dias de Inferno na Síria, a saga do repórter brasileiro Klester Cavalcanti, preso no país da guerra mais cruel do nosso tempo, e As Melhores Frases em Veja.

Construímos para a Saraiva um catálogo que garante boas vendas também no médio e longo prazo, com autores clássicos como Patricia Highsmith, William Faulkner, John dos Passos, Hermann Broch, José Donoso. A eles se juntam autores contemporâneos de qualidade, cuja obra certamente vai perdurar, como o romancista britânico Rana Dasgupta, o ensaísta mexicano Enrique Krauze, o historiador israelense Schlomo Sand e o professor de ciência política Joseph Nye - alguns dos intelectuais mais importantes da atualidade.
A Benvirá participou das últimas três Flips com cinco autores. Demos um brilho novo à festa com as “Musas da Flip”: primeiro, a cubana Wendy Guerra, depois a argentina Pola Oloixarac, que conquistaram um grande público não apenas pela beleza propalada pela imprensa em Paraty, como pela qualidade de sua ficção. E fizemos barulho, com eventos como a “festa Cubana” em homenagem a Wendy Guerra, ou o desfile do dragão chinês e do cantor de kabuki em Paraty, ano passado, para promover o livro de Zoé Valdés, A Eternidade do Instante, sobre um chinês em Cuba.

Ao mesmo tempo em que trouxemos autores internacionais, abrimos caminho para vender os autores nacionais fora do Brasil. Numa iniciativa inédita para uma editora brasileira, elaboramos um catálogo internacional, em inglês, e constituímos Luciana Villas Boas agente da Benvirá para vender as obras de nossos autores no exterior. O que, esperamos, renderá os primeiros frutos agora nas feiras de Londres e Frankfurt. Vendemos os direitos de livros de nossos autores para o cinema e abrimos largo espaço na mídia para nossas obras. Pela primeira vez a Saraiva viu livros da editora ocuparem espaço nobre na imprensa, como a capa dos cadernos de cultura da Folha de S. Paulo, Estadão e o Globo, além de reportagens extensas nas principais revistas semanais.

Claro que por trás de todas essas iniciativas esteve sempre a minha vontade de fazer pelos autores tudo aquilo que eu, como autor, gostaria que as editoras fizessem por mim. O autor brasileiro carece de um trabalho mais individualizado, que o ajude a construir de fato uma carreira. O autor brasileiro comercialmente mais bem sucedido, Paulo Coelho, teve que se virar sozinho quando lançou seus primeiros romances, chegando a dizer que voava e fazia chover (a mística do “mago”, a imagem que o ajudou no começo, e hoje, no Brasil, lhe custa um pouco caro).

Hoje Coelho pode dizer que vendeu mais de 150 milhões de livros porque não dependeu jamais de um editor brasileiro. Na verdade, ele sempre teve a seu lado uma bruxa de verdade, a agente Mônica Antunes, uma mulher extraordinária de quem tive a felicidade de ficar amigo. Mônica se dispôs a representar Coelho quando ele não havia vendido ainda, no Brasil, mais que 500 exemplares. Certa vez, perguntei a Mônica como ela tinha conseguido vender os direitos dos livros de Coelho em mais de 150 países. E ela me respondeu, com sua funcional simplicidade: “Batendo de porta em porta”.

Nos três anos em que estive na Saraiva, bati também de porta em porta: na porta dos agentes, dos livreiros, dos jornalistas, dos eventos literários. A área de ficção e não ficção, incluindo a dos livros infantis com o selo Caramelo, teve seu faturamento multiplicado por quatro. Se tudo está tão bem, por que sair, agora? Porque ainda sou autor e o apelo de voltar à vida de violonista no telhado é muito forte. Quero voltar a escrever, especialmente meus livros, na imprensa e também aqui.

Para minha tranquilidade, e da Saraiva também, deixo uma equipe muito competente, liderada agora por Rogério Alves, que foi diretor editorial da Planeta, um conhecedor do livro e do mercado. Sujeito que acorda cedo, Rogério é um trabalhador diário e astuto que move a equipe com seu singelo e simpático mote, repetido em tudo o que faz: “Vamo que vamo!” Com a editora Débora Guterman e uma equipe que deixará saudades para mim, estou certo de que ele fará um trabalho ainda melhor do que eu seria capaz.
Desejo toda a sorte a Rogério e à equipe da Benvirá, bem como a todo os nossos autores. A eles agradeço a confiança em mim depositada e os resultados até aqui. Espero que eles possam enfrentar os desafios internos que existem em todas as corporações e os externos, não apenas os de mercado como os trazidos pelas mudanças da era digital. Estou certo de que a Saraiva, como as demais editoras brasileiras, saberá encarar mais esta fase não como um problema, mas como a abertura de novas oportunidades. Dessa forma é que se poderá preservar não apenas a essencial função do editor como a própria cultura brasileira.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Uma mulher em sua ilha

Falo por e-mail com a escritora e poetisa Wendy Guerra, em Havana. Guerra diz que vive “longe de tudo e de todos”. Que pouco fala com editores. Lê mal em inglês, criada como foi no regime comunista, que ensinava russo às suas crianças. Vive em uma cobertura em Miramar, “rodeada de mar e luz”, onde come “entre cristais”.

Em seu mais recente romance, Nunca Fui Primeira Dama, que acaba de ser lançado pelo selo Benvirá, sua personagem habita um casarão “cheio de sal” no Malecón, a célebre fachada da cidade diante do mar, semi-abandonada. Sempre me perguntei se havia gente morando ali, naquela galeria fantasma. Na obra de Wendy, há. Um pouco dela está lá. Como acredito que a ficção diz mais sobre o escritor do que a vida real, vejo Wendy em seu palácio abandonado, como se ali vivesse de verdade.

Decidiu usar sua presença em Cuba como manifesto. Seu romance, belo e pungente, conta a história de uma mãe foragida do país por escrever um livro sobre a falecida secretária de Fidel, Celia Sánchez. Por isso, a mãe teria abandonado a filha em Cuba, aos dez anos de idade. Ao contar a história da mãe, a narradora de Wendy conta também a de Celia. Resgata a figura da mãe, em todos os sentidos. E completa o trabalho materno, publicando a história proibida da mulher que mais perto esteve de Fidel. Como autora, coloca-se no papel de sua própria personagem.

Wendy fica em Cuba, como estandarte de uma cruzada pessoal. Não quer sair, como tantos que saíram, esgotados com o regime. Ao fim dos termos, sua história pessoal é também de defesa da liberdade, da literatura e da expressão, em uma Cuba que não precisa abandonar suas utopias para voltar a ter tudo isso, e mais o progresso. Como ela diz, pertence a uma geração que não é nem da de seus avós revolucionários, nem mesmo a de seus pais, os operários a quem se atribuiu a tarefa de construir na vida real os velhos sonhos.

Ela é uma geração que quer igualdade social, mas também quer liberdade. Que faz da vida comum e das necessidades mais simples, como a de reconstruir a família destroçada pelas antigas gerações, a sua verdadeira bandeira política e o seu manifesto.

Em seu castelo feito de memórias, Wendy não está sozinha. Com ela, estão os injustiçados do passado, os banidos, os inconformados. Os que vão embora, mas sobretudo os que não vão. Os inconformados que ficam, marcam posição. Os que tentam reconstruir algo sobre um passado incompleto e desolador.

Hoje já não existem ilhas completamente isoladas. Como sua personagem, Wendy rasgou as capas que cobriam os livros proibidos da biblioteca de sua casa, também como um gesto simbólico. Cuba aos poucos muda. Ela não tem seus romances publicados em Cuba (por lá saíram apenas os de poesia), mas também não precisa fugir de sua ilha para escrever.

Cuba nunca foi uma ilha e hoje menos que nunca. Ernest Hemingway viveu lá. Precisava apenas da brisa do mar, da linha de pesca, do sol cubano, do mar cerúleo, do rum para os daiquiris na Floridita. Era um homem ilhado e ao mesmo tempo estava mais presente no mundo que muita gente plantada em Paris e Nova York. Wendy também é assim.

Wendy Guerra está em Cuba. Escritores são ilhas, vivendo dentro de si mesmos, cercados de suas obsessões por todos os lados. Não importa se vivem numa cabana nas montanhas, numa praia deserta ou num apartamento da megalópole. Ao mesmo tempo, se correspondem com todos. Onde quer que estejam.

Wendy Guerra vive entre velhos cristais, mas ao mesmo tempo está em todo mundo, onde se pode compartilhar dos sentimentos que ela generosa e corajosamente abre como a flor do coração.

Sim, o Malecón à noite é semiabandonado, escuro, feio e sombrio. Dá medo. Mas lá há vida que se espalha sobre o mar.