Lições em verso para um adolescente
Tenho um rapazinho de treze anos em casa a quem eu tento dar bons exemplos e alguma educação. É meio inútil, sobretudo hoje em dia, em que tanto o exemplo quanto a educação parecem não ter grande efeito, ou um efeito ainda menor do que quando eu mesmo era adolescente. Mas eu sou teimoso.
Como todo adolescente, este aqui anda numa fase meio preguiçosa, deixando para trás os deveres para ficar com a diversão. Tem argumento para tudo, sobretudo questionar decisões de adultos. O que lhe sobre de argúcia falta em responsabilidade, das coisas maiores às mais simples. Sabe a Teoria da Relatividade, mas precisa que lhe mandem entrar no banho (e sair do banho também).
Para fazer qualquer coisa, é preciso repetir, repetir, repetir. Dizem que lá no fundo, nós adultos somos escutados. Não é educação, é inculcação. Tenho ao menos a esperança de que o que digo hoje valha para ele daqui a vinte anos, quando chegar a idade da razão.
É paradoxal a adolescência. Justo no momento em que o adulto começa a se formar, ele se mete a rebelde. Quando mais precisa aprender, menos escuta os pais ou responsáveis. Acha que sabe e pode tudo sozinho. Quanto mais corre perigo – e hoje o mundo parece tão perigoso –, mais quer se arriscar, como uma forma de emancipação, o primeiro gosto da liberdade.
É uma fase complicada, que exige dos pais muito equilíbrio. E uma paciência de Jó.
Isso sempre foi assim, mas hoje é mais. Porque, fruto da sociedade contemporânea, que atingiu o ápice do conhecimento e do individualismo, o adolescente hoje tem mais informação, mas tem menos valores; tem mais certezas, e menos sabedoria; mais autoconfiança, e menos respeito; mais interesses, e menos causas; mais objetivos, e menos ideais.
Antes que seja tarde, tenho tentado explicar o que vem a ser um homem, conceito meio perdido nestas circunstâncias, mas que eu procuro resgatar. O que é ser homem, afinal? Não se trata apenas de um ser do sexo masculino, resumido a um detalhe anatômico. Ser homem implica uma noção geral de caráter e comportamento que idealizamos desde crianças, quando queremos crescer e sermos alguma coisa da qual poderemos nos orgulhar.
Dizer o que é ser homem pode parecer simples, mas é a coisa mais difícil do mundo. Primeiro, porque parte desse código implica que homens de verdade não gostam muito de falar do assunto. Um homem não se pergunta a toda hora o que é ser homem; ele é um homem, e ponto. O que distingue o homem não é a quantidade de cabelos no peito, músculos e testosterona. É uma certa atitude perante a vida.
Um homem lida de um jeito diferente com os problemas e o medo. Tem que ter uma certa coragem desprendida. Uma maneira de rir da dificuldade – e da da facilidade também. Uma maneira de lidar com as mulheres – e de amá-las. Uma maneira de comportar-se. De pensar.
Um homem é uma junção de detalhes, dos quais tento me lembrar. E, quando tento me lembrar, recordo a melhor fonte para isto. Está tudo, ou quase tudo, num velho poema de Rudyard Kipling, o romancista britânico que se tornou mais conhecido como o autor do Livro das Selvas, origem do desenho animado Mowgli, O Menino Lobo.
Pois Kipling, um clássico da literatura juvenil, também era poeta – e escreveu em forma de poema a melhor definição do que é ser homem que eu já vi. E a versão para o português feita pelo nosso Guilherme de Almeida, quase uma recriação dos versos originais, na minha opinião ficou ainda melhor que no inglês.
Chama-se “If”. Ou, em português, “Se”.
“SE”
Se és capaz de manter a tua calma quando
todo o mundo ao redor já a perdeu e te culpa;
de crer em ti, quando estão todos duvidando
e para estes, no entanto, achar uma desculpa;
se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso;
se és capaz de pensar -- sem que a isso só te atires;
de sonhar -- sem fazer dos sonhos teus senhores;
se, encontrando a derrota e o triunfo, conseguires
tratar da mesma forma a esses impostores;
se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
em armadilhas as verdades que disseste,
e as coisas por que deste a vida estraçalhadas
e refazê-las com o bem pouco que te reste;
se és capaz de arriscar numa única parada
tudo quanto ganhaste em toda tua vida,
e perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida;
de forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar, seja o que for, que neles ainda existe;
e a persistir assim enquanto exaustos, contudo
resta a vontade em ti, que ainda ordena: persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
e, entre reis, não perder a naturalidade;
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes;
se a todos podes ser de alguma utilidade;
e se é capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho:
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
e -- o que é muito mais --, és um homem, meu filho.
Se você tem um menino em casa, a caminho de ser homem, dê-lhe isto. Não servirá para nada, ao menos por enquanto. Mas se um dia, quando talvez ele tiver seus próprios filhos, e encontrar o velho poema entre seus guardados, junto com uma bola velha de futebol, um boné do seu clube preferido e um videogame cuja carcaça ficou de recordação, ele lembrará do dia em que ganhou isto.
E entenderá.
Tenho um rapazinho de treze anos em casa a quem eu tento dar bons exemplos e alguma educação. É meio inútil, sobretudo hoje em dia, em que tanto o exemplo quanto a educação parecem não ter grande efeito, ou um efeito ainda menor do que quando eu mesmo era adolescente. Mas eu sou teimoso.
Como todo adolescente, este aqui anda numa fase meio preguiçosa, deixando para trás os deveres para ficar com a diversão. Tem argumento para tudo, sobretudo questionar decisões de adultos. O que lhe sobre de argúcia falta em responsabilidade, das coisas maiores às mais simples. Sabe a Teoria da Relatividade, mas precisa que lhe mandem entrar no banho (e sair do banho também).
Para fazer qualquer coisa, é preciso repetir, repetir, repetir. Dizem que lá no fundo, nós adultos somos escutados. Não é educação, é inculcação. Tenho ao menos a esperança de que o que digo hoje valha para ele daqui a vinte anos, quando chegar a idade da razão.
É paradoxal a adolescência. Justo no momento em que o adulto começa a se formar, ele se mete a rebelde. Quando mais precisa aprender, menos escuta os pais ou responsáveis. Acha que sabe e pode tudo sozinho. Quanto mais corre perigo – e hoje o mundo parece tão perigoso –, mais quer se arriscar, como uma forma de emancipação, o primeiro gosto da liberdade.
É uma fase complicada, que exige dos pais muito equilíbrio. E uma paciência de Jó.
Isso sempre foi assim, mas hoje é mais. Porque, fruto da sociedade contemporânea, que atingiu o ápice do conhecimento e do individualismo, o adolescente hoje tem mais informação, mas tem menos valores; tem mais certezas, e menos sabedoria; mais autoconfiança, e menos respeito; mais interesses, e menos causas; mais objetivos, e menos ideais.
Antes que seja tarde, tenho tentado explicar o que vem a ser um homem, conceito meio perdido nestas circunstâncias, mas que eu procuro resgatar. O que é ser homem, afinal? Não se trata apenas de um ser do sexo masculino, resumido a um detalhe anatômico. Ser homem implica uma noção geral de caráter e comportamento que idealizamos desde crianças, quando queremos crescer e sermos alguma coisa da qual poderemos nos orgulhar.
Dizer o que é ser homem pode parecer simples, mas é a coisa mais difícil do mundo. Primeiro, porque parte desse código implica que homens de verdade não gostam muito de falar do assunto. Um homem não se pergunta a toda hora o que é ser homem; ele é um homem, e ponto. O que distingue o homem não é a quantidade de cabelos no peito, músculos e testosterona. É uma certa atitude perante a vida.
Um homem lida de um jeito diferente com os problemas e o medo. Tem que ter uma certa coragem desprendida. Uma maneira de rir da dificuldade – e da da facilidade também. Uma maneira de lidar com as mulheres – e de amá-las. Uma maneira de comportar-se. De pensar.
Um homem é uma junção de detalhes, dos quais tento me lembrar. E, quando tento me lembrar, recordo a melhor fonte para isto. Está tudo, ou quase tudo, num velho poema de Rudyard Kipling, o romancista britânico que se tornou mais conhecido como o autor do Livro das Selvas, origem do desenho animado Mowgli, O Menino Lobo.
Pois Kipling, um clássico da literatura juvenil, também era poeta – e escreveu em forma de poema a melhor definição do que é ser homem que eu já vi. E a versão para o português feita pelo nosso Guilherme de Almeida, quase uma recriação dos versos originais, na minha opinião ficou ainda melhor que no inglês.
Chama-se “If”. Ou, em português, “Se”.
“SE”
Se és capaz de manter a tua calma quando
todo o mundo ao redor já a perdeu e te culpa;
de crer em ti, quando estão todos duvidando
e para estes, no entanto, achar uma desculpa;
se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso;
se és capaz de pensar -- sem que a isso só te atires;
de sonhar -- sem fazer dos sonhos teus senhores;
se, encontrando a derrota e o triunfo, conseguires
tratar da mesma forma a esses impostores;
se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
em armadilhas as verdades que disseste,
e as coisas por que deste a vida estraçalhadas
e refazê-las com o bem pouco que te reste;
se és capaz de arriscar numa única parada
tudo quanto ganhaste em toda tua vida,
e perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida;
de forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar, seja o que for, que neles ainda existe;
e a persistir assim enquanto exaustos, contudo
resta a vontade em ti, que ainda ordena: persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
e, entre reis, não perder a naturalidade;
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes;
se a todos podes ser de alguma utilidade;
e se é capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho:
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
e -- o que é muito mais --, és um homem, meu filho.
Se você tem um menino em casa, a caminho de ser homem, dê-lhe isto. Não servirá para nada, ao menos por enquanto. Mas se um dia, quando talvez ele tiver seus próprios filhos, e encontrar o velho poema entre seus guardados, junto com uma bola velha de futebol, um boné do seu clube preferido e um videogame cuja carcaça ficou de recordação, ele lembrará do dia em que ganhou isto.
E entenderá.