No final de 2002, entreguei ao então editor da Siciliano, Pedro Paulo Sena Madureira, os originais de um romance que me custara um ano de vida, entre pesquisar e escrever, com um título tão ousado quanto o assunto: O Homem que Falava com Deus, uma versão mais contemporânea da história biblica de Moisés e Josué, transformada praticamente num thriller.
Pedro Paulo leu, me chamou ao seu apartamento cheio de castiçais de cristal, e na sua poltrona acolchoada, tendo aos pés seus cachorrinhos Daschshund, sentenciou: "ninguém acredita num autor brasileiro escrevendo um romance sobre um assunto que não seja do Brasil", disse ele. "Mas é um grande romance, e um livro seu: e, por isso, eu vou publicar."
O Homem que Falava com Deus saiu em março de 2003; na noite de autógrafos, três semanas depois de estar nas livrarias, a primeira edição se encontrava esgotada. Na mesma noite, os editores da Siciliano avisavam que já estavam rodando uma segunda edição. Que também vendeu em menos de um mês.
De certa maneira eu contrariava as expectativas do próprio Pedro paulo. Ele já tivera uma surpresa com meu primeiro romance, Filhos da Terra, de 1998. Na época, eu levara um livro sobre moda, de Fernando de Barros, com quem eu trabalhava em parceria, e era um best seller, assim como o meu romance sobre a imigração italiana. Pedro Paulo ficou com os dois, mas esperava muito menos do romance que do livro de moda. No final, o livro de Barros ficou aquém do ele imaginava. E Filhos da Terra vendeu tão bem que ganharia em 2001 uma segunda edição.
Com O Homem que Falava com Deus, Pedro Paulo teve sua segunda surpresa: ganhou dinheiro com minha ficção, mais uma vez. Satisfeito com o resultado, preferiu fechar aquela conta no azul, sem arriscar ir além, e não seguiu reimprindo o romance: preferiu passá-lo para a coluna de lucros do ano. Depois de apenas dois meses nas livrarias, O Homem que Falava com Deus encontrava-se esgotado. Hoje sua versão impressa é uma verdadeira raridade, em sebos aqui e ali. Agora, há também a versão digital, com o selo Copacabana.
Conto essa história para dizer como o mundo dá voltas. No passado, ninguém imaginava um autor brasileiro reescrevendo uma história da Bíblia. Hoje, um dos maiores sucessos da TV no horário nobre foi a novela Dez Mandamentos, que proporcionou inclusive o fvilme que se enconra em cartaz nos cinemas e o lançamento de um livro homônimo, baseado no folhetim. Graças à igreja Universal, Moisés está na moda.
O Homem que Falava com Deus conta, em ritmo de aventura, como Moisés descobriu sua origem hebreia, levado por uma história de amor - ou a mão secreta de Deus. Em tudo cabe dupla interpretação, da mesma forma que não vemos, na vida real, se o que acontece é obra do acaso, do destino, ou de alguma força divina. Depende de como enxergamos as coisas. Essa é a diferença entre a literatura moderna e a Bíblia original. O leitor pode escolher no que acreditar.
Gostamos de dizer por aqui que Deus é brasileiro. Podemos dizer agora que Moisés também é. O fascínio que o personagem exerce, histórico e universal, encontrou seu momento no mercado. É uma boa oportunidade para mostrar que brasileiros, podem, sim, escrever sobre o que quiserem. Daqui e de qualquer lugar.