terça-feira, 16 de junho de 2020

Minha companhia silenciosa

Algumas vezes na vida, morei sozinho – e desta vez recorro ao psicólogo americano Anthony Storr, que publiquei em português como editor na Saraiva, para quem estar sozinho não significa necessariamente ser uma pessoa solitária.
Pelo contrário. Storr nos lembra que a ideia de que as pessoas só podem ser felizes juntas, coabitando no casamento, é uma invenção relativamente recente na história da Humanidade, datada da era vitoriana para cá.
Diz Storr que são muitas as fontes da felicidade, podendo ser escolhidas de acordo com cada um. O importante é nos sentirmos bem e encontrarmos a melhor forma de viver em cada um dos períodos da vida.
Estar em uma nova casa, desta vez, acabou me reaproximando de velhos amigos, que de vez em quando visito. Saem dos livros que enchem as estantes e carrego comigo aonde vou morar, alguns deles há muitos anos.
Dali vem ao meu encontro Storr, falecido em 2001, mas que ainda hoje me ajuda e acompanha no que de outra forma seriam apenas desorientados solilóquios existenciais.
Uma biblioteca é um cemitério de papel, com a diferença de que dali os mortos se levantam tanto quanto os vivos, no frescor humano, plenos de ideias, sentimentos e energia vital. Conversam comigo, quando folheio as páginas onde colocaram, estou certo, o melhor que tinham de si. Contam histórias, fazem confissões, trazem experiências, conhecimento, vivência humana.
Fico feliz e um tanto aliviado de estar hoje também entre eles – o meu canto da estante em que me coloco dentro de mais de uma vintena de livros escritos ao longo da vida, nos quais, pelo tempo em que os escrevi, dei, certamente, o melhor de mim.
Digo a todos estes meus amigos, espalhados por cerca de 3 mil volumes, carregados trabalhosamente de mudança em mudança, que não os abandono, nem abandonarei.
E que não me esquecerei de um dia juntar-me a eles, de maneira definitiva, para ressuscitar da mesma forma que hoje ganham vida, assim que eu me sento, bastando abrir o tablet ou, neste caso, a palma das mãos.

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