sexta-feira, 17 de agosto de 2018
A nova história do Brasil
Quando comecei a escrever meu primeiro livro de História, A Conquista do Brasil, há quatro anos, não imaginei entrar num território absolutamente novo - uma vez que a história pressupõe ser algo já conhecido.
Porém, verifiquei que a História brasileira estava por ser ainda contada direito, desde o seu princípio. Aquilo que aprendemos nos livros escolares nada tinha a ver com o que eu descortinava na pesquisa de documentos originais e na visita a lugares onde se desenrolou o nosso passado.
Hoje, uma geração de jornalistas e historiadores tem se dedicado, com ajuda da internet, que nos dá acesso mais fácil a documentos no Brasil e no exterior, a reescrever a nossa história . Com um ponto de vista contemporâneo e mais realista. Entre os jornalistas, estão Laurentino Gomes e Jorge Caldeira. Dos historiadores, destaco o excelente Ronaldo Vainfas.
No meu caso, resolvi começar do começo. Com esse espírito de rever e revirar tudo, escrevi primeiro A Conquista do Brasil - 1500-1600: um sucesso imediato.
Primeiro, o surpreendente: entendemos o quão pouco sabíamos da nossa história e, portanto, de nós mesmos. Não admira que tenhamos tão pouco entendimento dos nossos problemas - e tanta dificuldade em resolvê-los.
O ótimo resultado de A Conquista do Brasil fez com que a editora Planeta me pedisse um segundo livro, que contasse o século seguinte. Foram três anos de trabalho para escrever e publicar A Criação do Brasil- 1660-1700, que está chegando às livrarias.
Se o primeiro livro descortina como a costa do Brasil não foi ocupada de forma tranquila pelos portugueses, e sim à custa de uma verdadeira guerra, o segundo livro mostra um período política e religiosamente conturbado. Depois da dominação espanhola e holandesa, os portugueses conseguiram empreender não apenas a consolidação da colônia como estendê-la continente adentro, graças a uma elite emergente enraizada no próprio Brasil.
Embora ao final favorecesse Portugal, gerou-se nesse século uma certa identidade nacional - e uma extraordinária resiliência diante das influências externas e modos de governo ao longo do tempo. Esta é ao mesmo tempo a razão dos nossos atrasos e o lastro da nossa identidade.
O surgimento de uma Nação é algo tão complexo quanto seus personagens. Descobri que heróis nacionais, como Raposo Tavares, eram na verdade bárbaros assassinos. Os bandeirantes não eram nada do que eu pensava. A invasão e depois expulsão dos holandeses, também.
O padre Antonio Vieira, uma mente iluminada para sua época, capaz de derrubar a Inquisição em Portugal, defender os judeus e a liberdade dos escravos, tanto negros quanto indígenas, mesmo contra a própria ordem dos jesuítas, à qual pertencia, foi também autor de obras dignas de um louco e outras tantas iniquidades.
Nada é plano e simples como contam os livros de história. Vi que somos formados não somente da nossa célebre multiplicidade racial, como de uma trajetória também multifacetada, contraditória, conturbada e por vezes brutal.
O Brasil do carnaval, samba e futebol não existe. Hoje olho as pessoas na rua, os políticos, a fila do supermercado e vejo um outro Brasil, não o que se mostra, e sim a matriz daquilo que somos.
E é preciso que mais gente veja, se é que queremos, realmente, mudar.
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