A Criação do Brasil (1600-1700), meu novo livro, revela o lado pouco conhecido, violento e surpreendente da expansão brasileira continente adentro, no nosso segundo século de colonização. E mostra a formação da sociedade brasileira, cujas raízes se estendem até os dias de hoje. (À venda na Amazon neste link)
Quando comecei a pesquisa, acreditei que já sabia bastante sobre esse período da história. O começo do bandeirantismo, as invasões holandesas - aquilo que se ensina nas escolas, episódios sem relação entre si. Imaginei um ano de trabalho e foi o que prometi à editora Planeta.
Como estava enganado! Em tudo - incluindo o tempo que levaria para concluir o trabalho, que foi três vezes maior.
A pesquisa me levou a uma barafunda de documentos antigos, atas perdidas, a maior parte dela em papel. À vastidão dos sermões e a míriade de cartas pessoais do padre Antônio Vieira. A obras de historiadores de língua espanhola, relatos de jesuítas e muitas outras fontes que revelaram uma história muito mais profunda e bastante diferente do que lemos nos livros escolares.
Fui também a campo, descobrindo às vezes lugares perdidos no meio da selva cosmopolita, que revelam grandes histórias. Como o Mont Serrat e o Forte São João, em Santos, para onde fui acompanhado do meu filho André. Assim, além de trabalho, a reportagem virou para mim diversão. E, para ele, também uma forma interessante de aprender história do Brasil ao vivo.
Ao fim e ao cabo, descobri que nada ou pouco sabia sobre o que aconteceu, na realidade. Primeiro, porque esse período da história sempre foi bastante negligenciado pelos historiadores.
Para começar, precisei entender que durante 60 anos o Brasil foi espanhol. A importância desse fato, ignorada pelos livros escolares, sempre foi deixada de lado pelos portugueses, pela vergonha de terem pertencido à Espanha, e pelos espanhóis, por terem perdido Portugal.
Tive que retroceder no tempo e analisar a formação de ambas as Nações, tão próximas na língua, na origem e na trajetória, onde poder .e religião se mesclaram para a afirmação e expansão imperialista com um sentido sagrado, ou missionário.
Aprofundar o que a União Ibérica mudou na realidade daquela época me fez reinterpretar todas as coisas acontecidas nesse século e explica muito do Brasil: o avanço dos bandeirantes pelo sertão, agora sob uma só coroa, embora infringindo os limites administrativos do novo e imenso império; as invasões holandesas, que se deram não apenas por cobiça, mas para enfrentar o poderio espanhol, de quem os Países Baixos tinham se separado na Europa; a perseguição aos portugueses, que se tornaram mais numerosos em Lima e Buenos Aires, por exemplo, que os próprios castelhanos; o papel da Inquisição, mesclada a interesses econômicos.
A volta do Brasil ao domínio de Portugal não foi nada simples, depois de décadas que forjaram toda uma geração nascida sob o signo do "império onde o sol nunca se põe". E a então nascente elite brasileira teve papel fundamental na chamada Restauração portuguesa.
Foi surpreendente descobrir que os holandeses não foram expulsos do Brasil por Portugal, que fomentou a revolta discretamente, por ser aliado da Holanda na Europa contra a Espanha, e sim pelos senhores de engenho radicados no Brasil.
A nascente elite brasileira, que abria caminho para as riquezas espanholas, patrocinava o contrabando, produziu a expulsão dos holandeses e a retomada do império para Portugal, adquirindo um novo poder, nova identidade e influência sobre a própria Metrópole.
Nesse processo foram chave personagens extraordinários, alguns tão desconhecidos quanto fundamentais na formação brasileira, como Salvador Correia de Sá, espanhol de nascimento que foi o grande articulador da retomada do império português para Portugal, a começar pelo Brasil.
E o padre Antonio Vieira, português criado no Brasil, que, muito mais que os Sermões, clássico da literatura barroca luso-brasileira, foi um importante articulador político, colaborador direto do rei. Defensor da liberdade, questionador da escravidão tanto do negro quanto do índio, criou para Dom João IV um plano econômico que visava repatriar judeus portugueses para Portugal. Com sua influência e persuasão, chegou a abolir no país a Inquisição.
Os bandeirantes não eram nem sombra do que eu pensava. Nada dos heróis que viraram estátua. Eram gente que andava na mata de pé no chão, falava tupi e misturava a temeridade sanguinária dos índios canibais com a organização militar portuguesa: a gente mais feroz e inclemente que já existiu na face da terra.
Causam horror os relatos dos jesuítas espanhóis, verdadeiros templários do trópico, que organizaram exércitos para combatê-los, numa guerra cujos detalhes macabros a história brasileira convenientemente varreu para baixo do tapete.
O Brasil, em resumo, não era nada do que eu pensava. E aos poucos as coisas foram se aclarando - não apenas sobre o passado, como sobre o presente.
Como nos enganamos a nós mesmos! Imaginamos, por exemplo, que os índios desapareceram da nossa vida. Hoje vejo, porém, como deixaram para nós muito mais que o nome de ruas e cidades. Estão no nosso DNA, propositalmente esquecido.
E a política? Aos poucos, criou-se aqui uma elite que não tem fidelidade a ninguém. Num século dominado por portugueses, depois espanhóis, holandeses e novamente portugueses, eles aprenderam a viver com as mudanças e enraizaram-se num sistema de poder por meio do qual mandam geração após geração, imunes às mudanças do tempo. Assim passaram por diferentes impérios, regimes, sistemas econômicos e chegaram até aqui.
Assim como a dominação da costa brasileira pelos portugueses, contada no primeiro livro, A Conquista do Brasil (1500-1600), percebi como o segundo século da história brasileira é contado de forma tão superficial pelos livros escolares e pouco entendido de maneira geral.
A Criação do Brasil vai do contexto ao detalhe para a compreensão do vértice de todo o nosso passado, a gênese da nossa sociedade e sobretudo da elite brasileira.
O DNA que persiste no Brasil até hoje está aí, nesse século fundamental para a formação brasileira - como digo no livro, "raiz dos nossos mais monstruosos males e incomparáveis virtudes".
Não é possível entender o Brasil sem entender sua infância, que se manifesta no adulto, ainda que de forma pouco consciente. É o que se descortina com este livro. Meu desejo é que todos possam, com ele, ver, entender e sentir o que vivi.
A volta do Brasil ao domínio de Portugal não foi nada simples, depois de décadas que forjaram toda uma geração nascida sob o signo do "império onde o sol nunca se põe". E a então nascente elite brasileira teve papel fundamental na chamada Restauração portuguesa.
Foi surpreendente descobrir que os holandeses não foram expulsos do Brasil por Portugal, que fomentou a revolta discretamente, por ser aliado da Holanda na Europa contra a Espanha, e sim pelos senhores de engenho radicados no Brasil.
A nascente elite brasileira, que abria caminho para as riquezas espanholas, patrocinava o contrabando, produziu a expulsão dos holandeses e a retomada do império para Portugal, adquirindo um novo poder, nova identidade e influência sobre a própria Metrópole.
Nesse processo foram chave personagens extraordinários, alguns tão desconhecidos quanto fundamentais na formação brasileira, como Salvador Correia de Sá, espanhol de nascimento que foi o grande articulador da retomada do império português para Portugal, a começar pelo Brasil.
E o padre Antonio Vieira, português criado no Brasil, que, muito mais que os Sermões, clássico da literatura barroca luso-brasileira, foi um importante articulador político, colaborador direto do rei. Defensor da liberdade, questionador da escravidão tanto do negro quanto do índio, criou para Dom João IV um plano econômico que visava repatriar judeus portugueses para Portugal. Com sua influência e persuasão, chegou a abolir no país a Inquisição.
Os bandeirantes não eram nem sombra do que eu pensava. Nada dos heróis que viraram estátua. Eram gente que andava na mata de pé no chão, falava tupi e misturava a temeridade sanguinária dos índios canibais com a organização militar portuguesa: a gente mais feroz e inclemente que já existiu na face da terra.
Causam horror os relatos dos jesuítas espanhóis, verdadeiros templários do trópico, que organizaram exércitos para combatê-los, numa guerra cujos detalhes macabros a história brasileira convenientemente varreu para baixo do tapete.
O Brasil, em resumo, não era nada do que eu pensava. E aos poucos as coisas foram se aclarando - não apenas sobre o passado, como sobre o presente.
Como nos enganamos a nós mesmos! Imaginamos, por exemplo, que os índios desapareceram da nossa vida. Hoje vejo, porém, como deixaram para nós muito mais que o nome de ruas e cidades. Estão no nosso DNA, propositalmente esquecido.
E a política? Aos poucos, criou-se aqui uma elite que não tem fidelidade a ninguém. Num século dominado por portugueses, depois espanhóis, holandeses e novamente portugueses, eles aprenderam a viver com as mudanças e enraizaram-se num sistema de poder por meio do qual mandam geração após geração, imunes às mudanças do tempo. Assim passaram por diferentes impérios, regimes, sistemas econômicos e chegaram até aqui.
Assim como a dominação da costa brasileira pelos portugueses, contada no primeiro livro, A Conquista do Brasil (1500-1600), percebi como o segundo século da história brasileira é contado de forma tão superficial pelos livros escolares e pouco entendido de maneira geral.
A Criação do Brasil vai do contexto ao detalhe para a compreensão do vértice de todo o nosso passado, a gênese da nossa sociedade e sobretudo da elite brasileira.
O DNA que persiste no Brasil até hoje está aí, nesse século fundamental para a formação brasileira - como digo no livro, "raiz dos nossos mais monstruosos males e incomparáveis virtudes".
Não é possível entender o Brasil sem entender sua infância, que se manifesta no adulto, ainda que de forma pouco consciente. É o que se descortina com este livro. Meu desejo é que todos possam, com ele, ver, entender e sentir o que vivi.
Quero ler!
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